quarta-feira, 15 de outubro de 2008

República Velha

DEU EM O GLOBO

A CADA pleito fica evidente o quanto ainda precisa evoluir a cultura política no país, apesar de mais de duas décadas de vigência da democracia, sem interrupções.

PROVA DISTO são os indícios de uso da máquina pública em prol de candidatos, fator de desequilíbrio eleitoral, e destemperos abomináveis no tom de campanhas que resvalam para o terreno privado.

FOI O que aconteceu em São Paulo, com as insinuações da propaganda de Marta Suplicy sobre o concorrente Gilberto Kassab, a ponto de causar defecções na própria base da candidata petista.

NO RIO, chamaram a atenção a rapidez com que o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, conseguiu o prontuário de um cabo eleitoral do candidato Fernando Gabeira, e a antecipação do feriado do Dia do Funcionalismo para a segunda-feira 27 - a fim de, supostamente, aumentar a abstenção no domingo numa categoria que tenderia a votar em Gabeira.

HÁ EM todas essas manobras no eixo Rio-São Paulo um cheiro de República Velha.

Ibope: Gabeira tem 42% e Paes, 39%


Fábio Vasconcellos
DEU EM O GLOBO


Pesquisa realizada após debates mostra empate técnico entre os candidatos do Rio

A disputa pela prefeitura do Rio continua acirrada. A primeira pesquisa Ibope encomendada pela TV Globo e pelo "Estado de S. Paulo" no segundo turno mostra o candidato Fernando Gabeira (PV-PSDB-PPS) com 42% das intenções de voto, contra 39% de Eduardo Paes (PMDB-PTB-PP-PSL). Como a margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, os dois estão tecnicamente empatados. Os votos em branco e nulos somam 10%; não decidiram 8%.

A pesquisa foi realizada na segunda-feira e ontem, já depois da polêmica declaração de Gabeira sobre a vereadora Lucinha (PSDB) e também após os debates no GLOBO, realizado na quinta-feira passada, e na TV Bandeirantes, no domingo. O levantamento está registrado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) sob o número 489/2008. Foram ouvidos 1.204 eleitores no Rio.

Considerando apenas os votos válidos - sem nulos, em branco e indecisos -, a pesquisa Ibope mostra que a diferença entre Gabeira e Paes chega a quatro pontos percentuais. O candidato do PV aparece com 52%, contra 48% do peemedebista.

Jovens preferem Gabeira; idosos votam em Paes
Os dados do levantamento indicam que Gabeira é o preferido entre os mais jovens (16 a 24 anos). Ele tem 54% das intenções de voto contra 33% de Paes nessa faixa. Gabeira também vence entre os eleitores de 25 a 29 anos (52% a 35%), e entre aqueles de 30 a 39 anos (41% a 39%). Eduardo Paes, por outro lado, é o preferido dos eleitores com mais idade. Ele registra 40% entre os têm de 40 a 49 anos (contra 35% de Gabeira); e 43% entre os de mais de 50 anos (faixa em que o verde tem 36%).

Por nível de escolaridade, os números do instituto revelam que Paes vence Gabeira entre os eleitores com até a 4ª do Ensino Fundamental (51% a 28%) e de 5ª a 8ª série (45% a 28%). Do ensino médio ao superior, Gabeira tem a preferência do eleitorado. Na primeira, o candidato do PV teve 42% das intenções de voto contra 36%. No ensino superior, o candidato do PV apresenta 57%, e Paes, 33%.

A análise dos dados mostra que Gabeira tem 52% da preferência dos eleitores que ganham mais de cinco salários mínimos. Nessa faixa de renda, Paes teve 31%. A diferença entre os dois candidatos cai no grupo que recebe de dois a cinco salários (Paes 45%; Gabeira 42%). O peemedebista é o preferido dos eleitores que ganham até dois salários (41% para Paes a 33% para Gabeira).

O instituto de pesquisa perguntou aos eleitores também se eles ainda podem mudar o voto diante do que têm visto até o momento na campanha do segundo turno. A maioria (73%) afirmou que a escolha é definitiva, enquanto 22% disseram que ainda podem mudar.

A maior proporção de eleitores com escolha definitiva é entre os que recebem entre dois e cinco salários mínimos: 81% declaram que não pretendem mudar. O maior percentual de eleitores que afirmam ainda poder alterar o voto (25%) ocorre entre aqueles com nível de escolaridade de 5ª a 8ª série.

No levantamento do Datafolha, o primeiro realizado após o resultado primeiro turno e que foi divulgado na quinta-feira passada, Gabeira aparecia com 43% contra 41% de Paes. O instituto apresentou o candidato do PV figurando pela primeira vez à frente do candidato do PMDB. Considerando apenas os votos válidos, o Datafolha aponta Gabeira com 51% das intenções de voto naquele dia, e Paes, com 49%. Pelo Datafolha, não tinham candidato 16% dos eleitores, 7% pretendiam anular ou votar em branco, e 9% estavam indecisos.

No primeiro turno, pelo resultado oficial do TRE, Paes teve 31,98% dos votos válidos, e Gabeira, 25,61%.

Segundo o Datafolha, os eleitores de Gabeira estão concentrados entre os mais jovens (53%), os mais escolarizados (60%) e os mais ricos (62%). Os eleitores de Paes destacam-se entre os mais pobres (46%), entre os menos escolarizados (49%) e entre os mais velhos (50%).

É golpe


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

As Constituintes no Brasil sempre foram convocadas em momentos de ruptura política. Por isso mesmo, algumas vezes, não chegaram a bom termo

Não tem cabimento o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), tirar da cartola a proposta de convocação de uma Constituinte exclusiva para incluí-la no projeto de reforma política que o governo encaminhou ao Congresso. Cheira a tentativa de mudança das regras do jogo do processo sucessório de 2010. Puro golpismo.
Carta Magna

A Constituição de 1988 acabou de completar 20 anos e foi comemorada em todo o país. Houve, nessa efeméride, mais elogios do que as críticas dos de sempre, como as do presidente José Sarney, em cujo governo de transição — foi eleito vice de Tancredo Neves no colégio eleitoral e acabou assumindo o seu lugar, em circunstâncias involuntárias e trágicas — foi elaborada a atual Carta Magna. Os constituintes eleitos em 1986 restabeleceram e ampliaram a nossa democracia. Inovações importantes são responsáveis pela renovação dos nossos costumes políticos, como a autonomia do Ministério Público e dos municípios. Nosso sistema eleitoral — com voto eletrônico, direto, secreto e obrigatório — é dos melhores do mundo.

A maior crítica à atual Constituição vem daqueles que gostariam de mais liberdade aos agentes econômicos nas relações com o Estado, mas o cenário mundial aponta em direção contrária.

Alguns governantes se queixam das transferências constitucionais destinadas à Educação e à Saúde. A diversidade de partidos políticos é apontada como origem do fisiologismo. Há controvérsias sobre o voto proporcional uninominal e sobre o financiamento de campanha. Se falava muito que a Constituição era “parlamentarista” e engessava o Executivo, mas a vida está mostrando que o governo, por meio de medidas provisórias, tem usurpado o papel legislativo. Além disso, o ativismo jurídico do Supremo Tribunal Federal (STF) também invade a seara do Legislativo. Que dizer que não se mexe na Constituição? Não, apenas é preciso respeitar as regras estabelecidas para isso, o que significa preservar suas cláusulas pétreas.

Constituintes

As Constituintes no Brasil sempre foram convocadas em momentos de ruptura política. Por isso, algumas vezes, não chegaram a bom termo. A Constituinte de 1823 foi fechada por Dom Pedro I, que outorgou a Constituição de 1824. O Ato Institucional de 1834, que deu mais autonomia às províncias, e a reforma eleitoral de 1881, já sob pressão de abolicionistas e republicanos, foram mudanças aprovadas para preservar a monarquia. Republicana, federativa e presidencialista, a Constituição de 1891 foi promulgada por um congresso constituinte tutelado por militares positivistas. Teve orientação liberal, inspirada no exemplo dos Estados Unidos, mas feneceu com a Revolução de 1930.

A Constituição de 1934, que basicamente reproduziu a anterior, deu um mandato de quatro anos a Getúlio Vargas e pôs fim ao governo provisório. Porém, teve vida brevíssima. Foi substituída pela “Polaca”, como era chamada a Constituição de 1937, de inspiração fascista. A Constituição de 1946 restabeleceu a democracia no pós-guerra, mas acabou atropelada pela “guerra fria” e pela radicalização política da década de 1960. A Constituição de 1967 foi promulgada por um Congresso Nacional amordaçado pelos militares e institucionalizou o autoritarismo. Mesmo assim, foi aviltada pelo Ato Institucional nº5, de 13 de dezembro de 1968.

Basta olhar a história do Brasil para ver que convocar e levar a bom termo uma Constituinte nunca foi tarefa fácil. Portanto, a proposta de uma Constituinte exclusiva é estranha e extemporânea. Cheira ao velho golpismo latino-americano. Vejam a situação na Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela, cujas mudanças constitucionais são fatores de tensão e crises institucionais. A proposta de reforma política que o governo enviou ao Congresso já é meio “mandrake”, a tese da Constituinte exclusiva é pior ainda. Parece velhacaria “queremista”.


Azebundsman — Na coluna de 28 de setembro, intitulada Sístoles e Diástoles, a pressa me traiu. Errei as datas das Constituições de 1824 e 1946. Os leitores Antônio Menezes e Ceiça Cavalcante, aos quais agradeço a atenção, puxaram as minhas orelhas. Aproveitei essa oportunidade para as devidas correções.

Atração oficial


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As brigas entre os partidos governistas pelo apoio explícito do presidente Luiz Inácio da Silva aos respectivos candidatos deixaram de fazer sentido depois da amazônica bobagem da campanha de Marta Suplicy.

Se Lula já resistia em pôr sua popularidade em xeque de novo antes mesmo de o PT entronizar Gilberto Kassab no altar das grandes vítimas da História, desde o último domingo o presidente recebeu de presente um ótimo pretexto para cuidar da vida bem distante dos palanques no segundo turno das eleições municipais.

Com ele fora da cena, as outras legendas da coalizão federal ganharam segurança no tocante ao equilíbrio das disputas. Em conseqüência, não têm mais motivos para reclamar do PT que, segundo dirigentes de partidos aliados, tentou capitalizar sozinho a condição de representante do governo federal.

Vista assim do alto, a discussão do primeiro turno por causa da presença do presidente - ou pela neutralidade da ausência - parecia relacionada à expectativa de transferência de popularidade e, claro, de votos.

Examinada no detalhe e mediante explicações de personagens envolvidos, a disputa pelo apoio de Lula revela outro motivo mais consistente: a perspectiva de tratamento privilegiado da parte da União para com o município que tiver como prefeito o candidato visto como o predileto do presidente.

Se esse dado conta nas capitais, nos pequenos municípios conta muito mais. Daí a razão da elevadíssima temperatura entre partidos da base aliada, notadamente no Nordeste, onde o peso do Estado é crucial na relação entre representantes e representados.

Isso quer dizer que o desequilíbrio nas disputas municipais é ditado pela simbologia da caneta presidencial e pela força do Diário Oficial. De acordo com dirigentes aliados, o PT foi alvo de reclamações porque tentava passar ao eleitor a mensagem de que só ele representava essa garantia.

Mas, contabilizados os votos do primeiro turno, se alguém conseguiu transmitir com competência esse recado foi o PMDB, um dos mais queixosos e também o partido que mais se beneficiou da adesão total ao governo Lula no segundo mandato.

Diante disso, é de se imaginar, então, que o PMDB continue na aliança governista e em 2010 apóie a candidatura sustentada pelo Palácio do Planalto.

Não necessariamente. Daqui a dois anos a regra válida agora para os municípios não valerá para as eleições dos governos dos Estados porque o Diário Oficial, a caneta e a cadeira presidenciais não terão um dono (ou dona) certo. Com o poder central em disputa, a menos de uma situação de absoluto favoritismo do grupo governista, a tendência é a dispersão até a definição sobre o rumo mais seguro da perspectiva segura de relações privilegiadas com o Estado.

Mal comparado

O pior nos defensores da tática de difamação da campanha de Marta Suplicy - a própria incluída - não é nem o cinismo de soltar o veneno fazendo cara de inocente e pouco caso dos neurônios alheios.

Erro grosseiro de cálculo mesmo foi acreditar piamente que a candidata poderia ficar imune aos maus efeitos do uso da malícia de caráter sexual contra o adversário, da mesma forma como Lula conseguiu ficar distante dos escândalos ocorridos no PT e no governo.

Há diferenças abissais entre os personagens e as situações que não foram consideradas: além do poder que intimida, Lula tem o perfil do oprimido e contou o tempo inteiro com a ausência do contraditório.

Este último fator, subestimado, talvez tenha sido determinante na conta do fracasso ou sucesso das estratégias e explique muito a respeito da frustração de outros candidatos favoritos que confiaram no peso do exemplo de cima, mas foram atropelados por adversários supostamente mais fracos.

Menosprezaram o fato de que Lula não é regra, é exceção. É aí onde reside a falácia do automatismo da transferência de votos.

Moral da história

Do alto da lista dos derrotados do primeiro turno, o governador de Minas, Aécio Neves, teve pelo menos um ganho: levou adiante a idéia da candidatura de Fernando Gabeira no Rio, apresentada sem maiores pretensões pelo deputado mineiro Rodrigo de Castro, secretário-geral do PSDB.

O lance até agora foi mais bem-sucedido do que o inicialmente pretendido. Aécio imaginava que se Gabeira conseguisse obter 25% dos votos, a aliança já teria valido a pena para o combalido PSDB fluminense. Na primeira pesquisa do segundo turno, o candidato apareceu com 43% das preferências.

Um sucesso tão surpreendente quanto o fracasso da primeira tentativa do governador de projetar a imagem do articulador de um “modo novo” de fazer política e até hipotético candidato a presidente pelo PMDB, com o apoio de Lula.

Noves fora, Aécio errou quando ciscou para fora e acertou quando ciscou para dentro.

Tensões eleitorais

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS


É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis
As eleições municipais deste ano estão transcorrendo em um ritmo peculiar. Não que seja inteiramente diferente do que tivemos em outras. Mas que há coisas inesperadas nestas, isso não se pode negar.

Eleições locais costumam ser marcadas por um nível de volatilidade maior do que é característico das estaduais e, particularmente, das nacionais. Nas escolhas de prefeito, os eleitores tendem a se comportar de maneira menos previsível, mais sujeita a oscilações repentinas. Nelas, não valem regras que se aplicam bem às outras.

Se pensarmos nas eleições de presidentes e governadores que fizemos depois da redemocratização, são raras aquelas em que houve fenômenos de “última hora”, com a arremetida de um candidato na reta final. Supondo que as pesquisas de intenção de voto estavam corretas, elas contam-se nos dedos.

Ao contrário, nas municipais isso acontece com freqüência. É como se os eleitores ficassem na espreita, aguardando a véspera da eleição para se decidir. Nessa hora, processos eleitorais que pareciam correr em trilhos conhecidos dão um tombo nos analistas e nos pesquisadores.

Este ano, algo assim aconteceu nos três maiores colégios eleitorais do país, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Mesmo o que ocorreu no quarto maior, Salvador, tem aspectos semelhantes.

Em todas essas cidades, tivemos o crescimento de candidaturas, nos dias finais, que nem os próprios candidatos e seus assessores imaginavam. Ninguém de bom senso, na campanha de Gilberto Kassab, por exemplo, diria que ele ficaria à frente de Marta Suplicy no primeiro turno. Muito menos que, nas pesquisas feitas esta semana, ele abriria a vantagem que agora tem sobre ela.

No Rio, já se podia esperar o crescimento de Gabeira, mas poucos antecipavam que ele se igualaria a Eduardo Paes tão cedo, como mostraram pesquisas feitas três ou quatro dias depois da eleição. Para quem tinha sido saudado como grande novidade lá atrás, quando se lançou candidato, e ficou sumido em modestíssimos 5% durante quase três meses, Gabeira é uma surpresa de crescimento na hora certa.

Belo Horizonte tem um fenômeno semelhante, na candidatura de Leonardo Quintão. Impulsionado por um estilo de campanha que não deu certo em nenhum outro lugar, emocionalizada e sentimental, ele teve mais votos até que os previstos pelas pesquisas de boca-de-urna. Como Kassab, teve um desempenho que nem ele esperava, a não ser em sonhos.

Surpresas como essas criaram o quadro para um reinício de campanha em um tom vários decibéis acima do que tivemos, nessas cidades, no primeiro turno. Depois de uma modorrenta discussão de propostas, quase sempre indiferenciadas, e da apresentação enfadonha de currículos, agora a briga esquentou.

É curioso, mas nossa cultura política atual tende a repudiar o acirramento dos embates eleitorais, como se quem o propusesse cometesse um pecado. Comportamentos que são considerados normais mundo afora, no calor das disputas, aqui são tratados como inaceitáveis.

Comparações críticas, cobranças agudas, denúncias e questionamentos do passado e do presente de adversários não são imorais nas disputas democráticas, até porque quem as faz se expõe ao julgamento dos eleitores. Em países de larga tradição democrática, são mais comuns que imaginamos.

Talvez venha da fragmentada e conturbada experiência que temos com a normalidade da democracia essa aversão que nossa cultura política atual tem aos conflitos nas eleições. Espera-se dos candidatos uma espécie de falsa cordialidade, o tal debate em “alto nível”.

Que discutam, que até briguem, se quiserem. As leis estão aí e quem as descumprir pagará o preço. Quem decide são os eleitores, que são perfeitamente capazes de fazer suas avaliações, em campanhas geladas, mornas ou pegando fogo.

Passagem discreta pelas municipais


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Do ponto de vista do que lhe é necessário, no momento, a dois anos da sucessão presidencial, a ministra Dilma Rousseff, por enquanto ainda a candidata in pectore do presidente Lula a assumir, pelo PT, o seu legado, usou bem as condições que lhe foram apresentadas nas campanhas municipais. Dilma não tinha condições de apoiar os candidatos petistas, transferir votos que não possui, explorar com o eleitorado, voltado para as dificuldades do dia a dia nas cidades, as ações do governo federal pelas quais é responsável.

A estratégia aplicada por Dilma foi a de usar as campanhas e a exposição que elas lhe possibilitavam para fazer a sedução da militância, mostrar-se, melhorar suas relações políticas no PT e entre os partidos historicamente a ele aliados. Com este foco, as perdas objetivas da ministra, que vêm sendo registradas, carecem de maiores significados. Em Porto Alegre, por exemplo, seu domicílio eleitoral, ela começou perdendo na escolha do candidato de seu partido. Trabalhava por Miguel Rossetto, um dos pré-candidatos do PT, enquanto a maioria partidária preferiu Maria do Rosário. Engajou-se, então, na campanha da candidata do PT, que passou ao segundo turno com uma votação muito abaixo do candidato concorrente, também da base presidencial, depois de viver uma fase de disputa voto a voto com outra candidata da aliança governista, Manuela D"Ávila, do PCdoB.

Maria do Rosário ainda não fez a virada, também não é em Porto Alegre que se joga a cartada decisiva da eleição presidencial. Outro envolvimento da ministra, a campanha de Gleisi Hoffmann, em Curitiba, não levou a candidata petista, mulher do ministro Paulo Bernardo, sequer ao segundo turno. Seu adversário venceu por 77,27% dos votos na primeira rodada. Dilma foi a São Paulo, mais de uma vez, mas a candidata Marta Suplicy não viu traduzidos em intenção de voto o seu apoio público.

Porém, não era este o objetivo de seu périplo pelas campanhas. Um especialista nas estratégias de médio e longo prazos, do PT, resume as vantagens das eleições municipais para a candidatura Dilma, no que considera determinante neste partido dado a regras de precedência: "Ela se legitimou".

Isto significa que aproveitou as campanhas para estabelecer uma anteriormente inexistente relação política com o PT, com as bases política e social do partido. Até em São Paulo havia militantes que jamais tinham ouvido a voz de Dilma Rousseff. Ela se mostrou: dialogou com a Central Única dos Trabalhadores, com a Força Sindical, os Movimentos de Juventude, os sindicatos, os movimentos de moradia, os diretórios do partido, a força social que gravita em torno do PT. Hoje, segundo esta avaliação, Dilma é seguramente mais conhecida do PT do que há dois meses.

Isto é um fato e deve ajudá-la a ser aceita como candidata à sucessão de Lula se, nos próximos dois anos, a crise econômica continuar preservando as condições hoje favoráveis ao governo para levar adiante seu projeto político. Esta, aliás, pode ter sido a razão da extrema discrição com que a ministra chefe da Casa Civil vem tratando das questões da crise. Sempre centralizadora das questões de gestão do governo, os agudos problemas da economia ficaram nas mãos dos ministros da área, não têm passado por ela, pelo menos até onde a vista alcança.

Dilma começou, nesta campanha municipal, a criar as condições para ser o poste, pois nem isto conquistou ainda. Não tem tempo, teses, posições que possibilitem o conflito e lhe atribuam os instrumentos para ser candidata de si mesma. Dilma é contra o quê e a favor do quê? Quais são seus princípios? Que idéias preliminares constam de seu projeto de país?

Sua associação com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a marca de propaganda que fixa o marketing governamental do segundo mandato de Lula - a esta altura um pouco obscurecida pela proeminência do pré-sal-, é um instrumento para permitir, a uma gestora sem contado com o eleitorado, apresentar-se Brasil afora a governadores, prefeitos, parlamentares, que traduzem, em palanques, a troca dos benefícios por votos. O programa é a soma dos investimentos em obras, em andamento, reunidos na marca PAC, assim como o Fome Zero é marca fantasia para um concreto programa Bolsa Família, que tem cartão de saque mas, este, não está ainda vinculado à ministra. O Plano Real era uma marca, o eleitorado votou, porém, no preço do pão, na popularização do consumo do frango, na estabilização que lhe deu capacidade de viver com o salário.

A marca é vistosa mas, para funcionar, precisa estar acompanhada do benefício na veia. Se a candidata não for capaz de transformar o PAC propaganda em PAC efeitos dos investimentos sobre a vida do eleitorado, nem com ele a ministra poderá contar. E, até o momento, não se vê onde o governo está perto de assombrar o eleitorado com o programa.

Portanto, sua meta, e a estratégia em curso, evidencia que pretende se tornar conhecida, principalmente no partido, continuar circulando em eventos que a mostrem ao eleitorado, ser identificada com Lula, antes de poder se apropriar de algo que é real, a popularidade do presidente. Até para ser o poste é preciso muito esforço. Dilma é candidata a protagonista e, para isto, as eleições municipais lhe permitiram avançar na sua campanha.

Aposta alta

Só resultados de pesquisa, mesmo assim as que forem feitas depois dos acontecimentos, poderão dar certeza sobre o acerto ou o erro das "denúncias" "contra" o adversário contidas na nova estratégia eleitoral da candidata do PT a prefeita de São Paulo. No momento ela parece ter conseguido, de forma arriscada, pois em momento de desespero, atingir o objetivo de colocar o assunto, até aqui inexistente, na roda da campanha. Para todos os efeitos, quem está falando disto é a mídia, enquanto a candidata "defende" seu contendor com a alegação de horror histórico ao preconceito.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Surpresa? Não. Asco? Sim


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MADRI - Não dá para dizer que me surpreende a campanha que Marta Suplicy lançou contra Gilberto Kassab.

Afinal, quando ela recomendou às vítimas do apagão aéreo no ano passado que relaxassem e gozassem, escrevi aqui mesmo que sua frase era parente muito próxima do "estupra, mas não mata", de Paulo Maluf. Uma e outra revelam uma cultura de profundo desprezo pelas vítimas, quaisquer que sejam os eventos que as causam.

Quem mostra dessa maneira asquerosa a sua pior face reincide fatalmente. Marta reincidiu agora. Ajuda-memória: quando Eduardo Suplicy suspendeu uma de suas campanhas para procurar o eixo, Paulo Maluf insinuou para quem quisesse ouvir que a culpa era do comportamento conjugal de Marta, então casada com Suplicy.

A candidata do PT repete agora o mesmo tipo de insinuação.

Surpreende, sim, que não haja a mesma veemência no repúdio, principalmente no próprio PT e na intelectualidade que se acha progressista e é ligada ao partido.

O presidente da República, por exemplo, preferiu dizer que não vira os ataques e que, portanto, não poderia comentá-los, durante entrevista coletiva em Toledo, Espanha. Duvido que não tivesse sido informado, mas sou forçado a lhe dar o benefício da dúvida.

Aqui, mais um ajuda-memória: na campanha presidencial de 1989, Fernando Collor usou o mesmo asqueroso método de Marta ao puxar o tema de Lurian, filha de seu adversário Lula. Derrubou animicamente Lula para o debate seguinte entre eles, e há gente muito próxima do hoje presidente que atribui a derrota a esse golpe vil.

Em qualquer circunstância, pessoas honestas têm a obrigação de repudiar vilezas. Lula, vítima de uma delas, não tem o direito de escudar-se na lealdade partidária para calar. Lealdade, nesse caso, é só com a ética.

Na luta política golpes baixos valem mais?


José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Diziam os antigos que a política é a arte de engolir sapos. Não deve ser fácil fazê-lo, mas na certa mais habilidade se exigirá de quem cospe para cima e não quer ser atingido pela própria cusparada. O deputado Eduardo Paes, ex-favorito à prefeitura da segunda maior cidade do País, a antigamente tida como maravilhosa São Sebastião do Rio de Janeiro, é a mais recente vítima desta lei inexorável da Física, dita da gravidade, que Isaac Newton descreveu, segundo a lenda, após a queda de uma maçã sobre sua cabeça. Ele era secretário-geral do PSDB, principal partido da oposição, quando os meios de comunicação se ocupavam quase exclusivamente do escândalo do “mensalão”. E, inflamado pelo calor dos holofotes, apressou-se a convocar o amado filho de Sua Majestade, o nunca antes tão popular presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a depor.

Mas, como deviam também saber os mais jovens, pois os provectos o afirmam faz tempo, o mundo dá muitas voltas e a noite que prenuncia o dia - e vice-versa - também aconselha a prudência como única atitude para a qual há a garantia de que represálias não virão. À época da turbulência provocada pela denúncia do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o tucanato, em cujo ninho se aninhava o rapaz, se alvoroçou com a possibilidade de sangrar o peru às vésperas da eleição, sem imaginar que para isso teria de desinfetar as próprias vísceras. Tido como derrotado antes da hora, o fenômeno de popularidade Lula da Silva deu a volta por cima e enterrou os sonhos tucanos de voltar a galgar as rampas palacianas, como nos velhos tempos. Treinado nas manhas e mumunhas da politicagem nacional e conhecedor da inabilidade tucana para ler os desígnios do destino, Paes pulou de galho e se abrigou à sombra da frondosa árvore peemedebista, sob as bênçãos do governador fluminense, Sérgio Cabral, que fora ungido pela graça de El Rey todo-poderoso. Dali partiu para disputar a prefeitura da ex-Cidade Maravilhosa e, para gozar os benefícios da fama do Supremo, mandou-lhe uma carta, extensiva à digna consorte, pedindo perdão pelo que antes dissera de seu pimpolho.

Nada houve, desde as denúncias açodadas de Sua Excelência, que o levasse a voltar atrás, da forma humilhada como o fez, nas acusações a Sua Alteza. O que o fez abjurar o que antes afirmara com tanta convicção não foi a presunção da inocência do príncipe nem o reconhecimento da própria precipitação, mas o peso a que submeteu sua coluna o projeto de se alçar a tão alto cargo, carga, pelo visto, superior à da própria palavra - e de sua biografia. Na disputa apertada que se prenuncia pelo voto carioca neste turno decisivo, importa é conseguir a bênção do Sumo Pontífice. A coerência, como dizia o velho Chatô, patrono da malandragem nacional, é a virtude dos imbecis. É de duvidar que, mesmo que ele arregaçasse as mangas da camisa e partisse para o corpo-a-corpo da campanha, o que não fará, a popularidade do Maior Magistrado, sozinha, vencesse Fernando Gabeira (PV). Mas, por mais humilhante que seja, a retratação pesa menos sobre as vértebras do candidato oficial que o risco de deixar escaparem alguns votos dos receptadores da Bolsa-Família. Seria a política um tipo de vale-tudo em que golpes baixos valem mais pontos?

Apostando nessa lei não escrita da práxis eleitoral, os marqueteiros de Marta Suplicy (PT) decidiram investir no preconceito como arma à mão para tomar do adversário na campanha paulistana, o prefeito Gilberto Kassab (DEM), a surpreendente dianteira de 17 pontos detectada pelas pesquisas na partida para o segundo turno. Os marqueteiros de Marta e a própria candidata comportam-se no caso como se os eleitores paulistanos fossem portadores da mesma miopia que os faz atuar achando estarem na posse do monopólio da virtude, certos de que a incapacidade de enxergar o próprio rabo de palha provocará cegueira generalizada na população. Na televisão, como sexóloga, e na Câmara, como deputada, ela vislumbrou na guerra ao preconceito um nicho para levá-la às alturas. E lá chegou: foi prefeita de São Paulo, como antes havia sido Luiza Erundina, e ministra do Turismo, estando seu PT no poder na República.

Cego às evidências de que não pode ser vítima de preconceito uma mulher que teve a honra de ser escolhida para administrar o mais populoso e rico município do País, seu ex-chefe e agora paraninfo das ambições dela na disputa municipal, Luiz Inácio Lula da Silva, tentou jogar a culpa da derrota da preferida no primeiro turno nas costas da cidadania: ela teria tido menos votos que o conservador, ex-malufista e ex-secretário de Pitta não pelos próprios deméritos nem pelos méritos do adversário, mas pelos preconceitos do eleitor. E, como palavra de rei não volta atrás nem pode ser banalizada, a candidata e seus marqueteiros resolveram adotar como estratégia de campanha a exploração daquele que, conforme Lula, teria sido o motivo capital da inesperada derrota em 5 de outubro: o conservadorismo preconceituoso do paulistano. Foi por acreditar nisso que a ex-prefeita resolveu lembrar ao eleitor, de maneira bem pouco sutil, que o adversário não é casado nem tem filhos. Os autores dessa proeza de torpeza sabem que estado civil e capacidade de reprodução não são exigidos de ninguém para disputar nem assumir a Prefeitura. Eles imaginam que essa insinuação pode levar o eleitor a rejeitar o adversário pelo mesmo motivo que pensam que a rejeita: seu comportamento atípico. E as tentativas posteriores de consertar o erro em nada o modificam.

Apesar de se comportar como se já houvera sido, a ex-prefeita ainda não teve derrotada sua pretensão de voltar ao posto. Mas sua desastrada entrada na reta final do pleito acrescentou um obstáculo a mais a ser superado: ela só o vencerá se o paulistano não perceber que mais insultado que Kassab foi o eleitor, tido por ela na conta de preconceituoso e intrometido.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Surpresa de outubro


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. Só se fala nisto nos últimos dias. Com a situação econômica dominando o debate político e fazendo com que a vantagem do candidato democrata, Barack Obama, aumente a cada dia - ontem, pela primeira vez, ele chegou a ter mais de 300 votos eleitorais pelas pesquisas, 30 a mais do que o necessário para ser eleito em 4 de novembro -, o que poderia fazer o republicano McCain virar o jogo a 20 dias da eleição? Hoje, na Universidade Hofstra, em Hempstead, no Estado de Nova York, nada indica que o último debate entre os candidatos marque essa virada, embora seja previsível que McCain surja mais agressivo do que o habitual, e leve para o debate as acusações que vem fazendo em suas propagandas pela televisão, especialmente a suposta ligação com o ex-terrorista Bill Ayers.

Mas o que a campanha de Obama teme é a "surpresa de outubro", um fenômeno bem americano que tem marcado as eleições, especialmente as presidenciais. Trata-se de um acontecimento, geralmente ligado à política externa ou à segurança nacional, com capacidade de influir no resultado da eleição que, no caso da escolha do presidente, acontece sempre na primeira terça-feira de novembro. Os fatos políticos acontecidos no mês de outubro são sempre importantes, portanto, na decisão do eleitorado.

A mais característica delas aconteceu em 1980, quando o então presidente Jimmy Carter tentava a reeleição. Os jornais começaram a especular que uma nova operação de resgate estaria sendo preparada para tentar libertar reféns americanos que estavam desde novembro do ano anterior prisioneiros de estudantes radicais na embaixada americana em Teerã. Uma ação militar bem-sucedida às vésperas da eleição presidencial certamente colocaria em boa situação o presidente Carter, cujo governo havia levado a efeito, no início daquele ano, uma operação militar com o mesmo objetivo, que acabou frustrada.

Os reféns foram libertados somente em janeiro de 1981, no exato dia em que Ronald Reagan tomava posse, o que gerou uma outra "teoria da conspiração". Segundo ela, temendo que desse certo uma última cartada de Jimmy Carter, o candidato republicano Ronald Reagan teria feito um acordo com o novo governo iraniano dos aiatolás, especialmente através dos contatos de seu candidato a vice, George Bush pai, que foi diretor da CIA, para que os reféns só fossem libertados depois das eleições. Essa hipótese chegou a ser investigada por comissões no Congresso, mas nada ficou provado.

Existem outros exemplos de "surpresas de outubro" nas eleições presidenciais americanas, desde o anúncio, no dia 31 de outubro de 1968, pelo então presidente Lyndon Johnson, de que os bombardeios no Vietnã seriam suspensos devido a progressos nas negociações de paz. A guerra não terminou e o candidato republicano Richard Nixon venceu as eleições.

Mais recentemente, na reeleição de George Bush, a rede de TV Al Jazeera divulgou, em 29 de outubro, um vídeo em que Bin Laden acusava o governo Bush e a posição americana no conflito árabe-israelense pelos atentados de 11 de setembro de 2001. O vídeo ajudou a campanha de Bush, que se baseava principalmente na guerra contra o terrorismo, pelos atentados, e foi um episódio considerado decisivo na derrota do democrata John Kerry.

Precavido, este ano o candidato Barack Obama quer fazer a sua própria "surpresa" e comprou meia hora de horário nacional em duas cadeias de televisão para fazer um programa, no dia 29 de outubro, que marca o início da Grande Depressão em 1929. Vai certamente explorar as datas e as crises econômicas, e terá que se colocar mais como Franklin Roosevelt, que assumiu em 1932 e fez o New Deal, do que como Hoover, que presidia o país naquela "quinta-feira negra".

O que se pergunta é qual seria uma "surpresa" capaz de mudar o quadro eleitoral atual, que parece consolidado a esta altura da campanha em favor do democrata Barack Obama, especialmente depois que a crise econômica dominou o debate político. Bem que o republicano McCain tentou ficar longe da discussão econômica, e levou sua campanha para uma operação de desconstruir Obama com ataques ao seu passado, que seria tão desconhecido quanto perigoso.

As relações com políticos radicais como o ex-terrorista Bill Ayers ou o pastor Jeremiah Wright foram exploradas ao máximo, especialmente pela candidata a vice Sarah Palin, e os ânimos chegaram a ficar exaltados em alguns comícios, com partidários republicanos xingando Obama, classificando-o de "árabe" e "terrorista". A tal ponto que o próprio McCain pareceu ter-se assustado com o clima e pediu a seus correligionários que respeitassem o adversário.

O fato é que McCain teve que entrar no assunto que realmente está interessando aos eleitores americanos, e ontem apresentou um plano econômico que, como o de Obama no dia anterior, promete proteção completa aos investimentos da classe média. Mas o único ponto em que o republicano continua vencendo Obama nas pesquisas é o da segurança nacional, em que ele mantém uma dianteira de dez pontos.

No geral, é Obama quem está à frente, com dez pontos de vantagem na maioria das pesquisas, e vencendo em estados onde os republicanos geralmente venceram nas últimas eleições, como Colorado, Ohio, Flórida, Nevada. Missouri e Virgínia. Qual seria a "surpresa de outubro" que poderia reverter esse quadro?

Um ataque dos Estados Unidos ao Irã, ou um ataque ao Irã por parte de Israel, com o apoio americano, ainda é uma das melhores apostas. Mas ontem surgiu no cenário o boato de que o governo Bush está fazendo ações militares para tentar prender ou até mesmo matar Bin Laden antes das eleições, o que poderia reacender o espírito patriótico dos americanos.

"Nós lamentamos"


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

NOVA YORK - O momento mais simbólico e patético da atual crise até agora foi a aparição pública ontem, logo cedo, do presidente dos EUA, George W. Bush, e de seu secretário do Tesouro (ministro da Fazenda), Henry Paulson.

Constrangidos, envergonhados e em posição explícita de genuflexão ideológica, os dois admitiram a necessidade de usar dinheiro público para comprar ações de bancos privados. O governo norte-americano torrará US$ 250 bilhões, só para começar, na compra de participação acionária em grandes instituições financeiras do país.

Mas as falas de Bush e Paulson foram além da capitulação. Ambos fizeram questão de reafirmar a crença no capitalismo. Por mais paradoxal que possa soar, essas declarações de fidelidade ao modelo liberal têm grande relevância: impedem a conclusão epidérmica, já presente aqui e ali, sobre uma possível falência inexorável ou reforma completa do sistema monetário e financeiro internacional. Não há indicações de uma coisa nem de outra num horizonte próximo.

Duas frases são úteis para guardar na parede da memória. Bush afirmou não haver a "intenção de tomar o lugar do livre mercado, mas de preservar o livre mercado". Paulson veio depois, compungido e explícito sobre seus atos: "Nós lamentamos por tomar essas medidas. As medidas de hoje não são as que nós gostaríamos de tomar, mas as medidas de hoje são as que nós devemos adotar para restaurar a confiança no nosso sistema financeiro".

Em resumo, os governos dão agora, mas cobrarão de volta mais tarde. Os banqueiros ficarão mais ricos? Possivelmente. Haverá regras novas? Algumas, sempre preservando a liberdade para o sistema bancário descobrir brechas e aumentar seus lucros. E daqui a alguns anos enfrentaremos todos outra crise parecida. Ou pior.

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