Para o autor de “Crises da democracia” e “Por que eleições importam”, a pressão ambiental e fiscal fará crescer os desafios da democracia e pode surgir uma liderança republicana mais hábil que Trump na corrosão de seus alicerces
Por Maria Cristina Fernandes / Valor
Econômico / Eu & Fim d Semana
Anos atrás, quando ainda morava em Chicago,
Adam Przeworski teve os pneus de seu carro presos no gelo em função de uma
nevasca. Ligou para a prefeitura em busca de ajuda e nada conseguiu. A esposa
acionou o chefe do diretório local do Partido Democrata. Ele chegou em seguida
e logo registrou a ausência deles nas últimas eleições municipais. Przeworski e
a mulher lhe garantiram serem registrados como integrantes do partido e lhe
prometeram que votariam nas eleições seguintes. Uma hora depois apareceu uma
equipe da prefeitura para retirar o gelo. “A administração pública estava
comprando nossos votos por meio da oferta seletiva de serviços públicos”,
concluiu.
O dono do carro contou a história em “Por
que eleições importam” (Eduerj, 2021). Não é uma leitura para curar o complexo
de vira-latas tupiniquim, mas para colocar o ponto e a vírgula nas expectativas
eleitorais. “Eleições não são belas”, diz, ao descrever chicanas eleitorais
mundo afora. E, portanto, não se deve esperar delas o que não podem dar. O
livro foi originalmente lançado antes de “Crises da democracia”, publicado em
2020 no Brasil pelo selo Zahar, da Companhia das Letras. Complementam-se ao
dissecar as raízes do desencanto.
O autor, nascido em Varsóvia em 1940 e
filho de um casal de médicos, não chegou a conhecer o pai, morto pelos
soviéticos. Aos 21 anos deixou Varsóvia pela primeira vez para se doutorar na
Universidade de Northwestern, em Illinois. Seu destino cruzaria pela primeira
vez com o Brasil quando, numa de suas estadias acadêmicas no exterior, recebeu
de um amigo brasileiro, Pedro Celso Cavalcanti, militante do Partido Comunista
exilado em Varsóvia, o conselho para não retornar ao país. Como seu visto
americano havia expirado, foi parar no Chile. Przeworski acabaria voltando aos
Estados Unidos, mas não perderia os vínculos com o Brasil ao longo de sua vida
acadêmica em universidades americanas e europeias, entre as quais a de Chicago,
onde passou 22 anos. Em 2019 reencontrou ex-alunos e colegas em palestra em São
Paulo nas comemorações dos 50 anos do Cebrap.
Invasão do Capitólio: Przeworski teme que o
país fique paralisado se os democratas perderem a maioria no Congresso nas
eleições do próximo ano — Foto: Jose Luis Magana/AP
Przeworski sempre manteve distância
regulamentar dos arautos da crise terminal da democracia, mas anda pessimista,
ou realista, como prefere. Não idealiza os ritos da democracia. Vê, porém,
sombras pesadas sobre a democracia, a começar pela americana. Não apenas pelas
chances de o Partido Republicano vir a ser dominado por uma liderança mais
hábil que Trump, mas pelo risco de o país ficar paralisado a partir de 2022
numa eventual derrota da maioria democrata na Câmara.
Aos 81 anos, Przeworski é um pesquisador incansável. Detentor do Prêmio Johan Skytte, concedido pela Universidade de Uppsala (Suécia) e considerado o Nobel da ciência política, continua a dar aulas na Universidade de Nova York, onde mora com a mulher e onde sua filha dá aulas de genética na Universidade de Columbia. Nesta entrevista, concedida por Zoom a partir de seu apartamento em Nova York, na última terça-feira, diz que a extrema direita não se elege roubando votos da esquerda, mas engajando o absenteísmo; critica o banimento de políticos, como Trump, das redes sociais; e alerta para a centralidade da questão ambiental: “Os conflitos vão aumentar”.
A
seguir, a entrevista:
Valor: O senhor diz no seu livro que a principal virtude da democracia é a capacidade de processar conflitos com liberdade e sem violência. O que aconteceu em Washington no dia 6 de janeiro foi um contestação violenta às urnas. Como aquela invasão do Capitólio pôs em xeque as eleições americanas como salvaguarda da democracia?