Marco Aurélio Mello diz que seria "triste" avaliar isenção de colega Toffoli, ex-advogado do PT
Sete anos após sua delação pelo ex-deputado Roberto Jefferson em entrevista à Folha, o mensalão começa hoje a ser julgado pelo STF em meio à pressão sobre o ministro José Dias Toffoli.
Ex-advogado do PT e ligado ao ex-presidente Lula, ele escreveu em 2006 que o esquema não havia sido comprovado. Ontem, o procurador Roberto Gurgel não descartou pedir afastamento de Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello disse que seria "triste" discutir o tema.
STF começa julgamento com ministro sob pressão
Catia Seabra, Breno Costa
BRASÍLIA - O STF (Supremo Tribunal Federal) começa hoje à tarde a julgar os 38 réus do mensalão, escândalo de corrupção que marcou o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). O julgamento terá início sete anos depois que o esquema de financiamento que beneficiou o PT e seus aliados foi denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson em entrevista à Folha. O destino dos 38 réus, que incluem o ex-ministro José Dirceu e políticos de quatro partidos, só deverá ser conhecido em meados de setembro, depois que os 11 ministros do STF se pronunciarem sobre os sete crimes de que os réus são acusados. Há dúvidas sobre a participação de dois ministros. Cezar Peluso terá que se aposentar ao completar 70 anos, em 3 de setembro. Dias Toffoli trabalhou para o PT no passado e tem sofrido pressões para se declarar impedido.
Advogados voltarão a pedir que o processo seja desmembrado
O ex-ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos, advogado de um ex-diretor do Banco Rural que é um dos 38 réus do processo do mensalão, vai pedir o desmembramento da ação logo no início da sessão de hoje no STF (Supremo Tribunal Federal).
Bastos argumenta que apenas os três réus que são deputados federais, e por isso só podem ser processados criminalmente no Supremo, deveriam ser julgados pela corte. Os demais deveriam ser julgados na primeira instância da Justiça Federal.
O argumento foi examinado antes pelos ministros do Supremo, durante a fase de instrução do processo, e foi rejeitado mais de uma vez, mas Thomaz Bastos e outros advogados decidiram reapresentar hoje uma questão de ordem sobre esse assunto.
A discussão sobre o pedido pode atrasar o início do julgamento. De acordo com o calendário estabelecido pelo Supremo, a sessão de hoje será usada para uma apresentação do relatório do ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal, e outra do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, responsável pela acusação.
O Supremo reservou cinco horas para Gurgel resumir as principais teses da acusação e apresentar as evidências encontradas contra os réus do processo. A partir de amanhã, será a vez dos advogados dos réus falarem.
Na verdade, o cronograma do julgamento será decidido a cada sessão pelos ministros, uma vez que é impossível prever, por exemplo, quantas serão as questões de ordem apresentadas pelos advogados e quanto tempo vai durar o leitura do relatório de Barbosa.
Ontem, por maioria de votos, o plenário do Supremo decidiu não permitir o uso de aparelhos audiovisuais para a exposição das defesas. Prevaleceu o entendimento de que a montagem dos equipamentos a cada sustentação oral poderia causar atrasos nos trabalhos.
De acordo com o cronograma original, os ministros começarão a pronunciar seus votos no dia 15 de agosto. Até a data prevista para a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, haverá oito sessões para a votação.
Primeiro a se manifestar, Joaquim Barbosa terá de três a quatro sessões para pronunciar seu voto. O revisor Ricardo Lewandowski, o segundo, pode usar o mesmo tempo. Qualquer atraso nesta fase, portanto, pode deixar Peluso fora do julgamento.
Nunca um julgamento no Supremo reuniu tantos réus, testemunhas e causou tanta polêmica e pressão dentro e fora do tribunal.
O processo todo reuniu mais de 50,3 mil páginas, interrogatórios e depoimentos de mais de 600 testemunhas, ouvidas ao longo de três anos com a ajuda de juízes de primeira instância.
Esquema não foi provado, disse Toffoli ao TSE
O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antônio Dias Toffoli já chegou a escrever em um documento entregue à Justiça Eleitoral que o esquema do mensalão "jamais" foi comprovado.
A afirmação está em duas representações encaminhadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em setembro de 2006, quando advogava na campanha pela reeleição do então presidente Lula.
As representações, ambas contra o PSDB, foram apresentadas seis meses depois de a Procuradoria-Geral da República ter oferecido a denúncia que hoje serve de alicerce para o processo no STF.
À época, a CPI instalada no Congresso para apurar o escândalo também já tinha se encerrado.
No pedido ao TSE, Toffoli reivindicava direito de resposta contra propagandas do PSDB que associavam o mensalão à afirmação de Lula de que se orgulhava de ser petista.
Na peça, coassinada pela atual namorada do ministro, Roberta Rangel, Toffoli argumenta que o adversário, "através de engenhosa associação de imagens", queria confrontar Lula "com acusações que jamais ficaram comprovadas, tais como o chamado mensalão".
Numa outra representação, de 2 de setembro, Toffoli afirma que, apesar dos esforços da oposição para provar o contrário, o governo Lula "foi o que mais combateu a corrupção no país".
Origem
As provas ainda hoje usadas pela Procuradoria para demonstrar a existência dos pagamentos das empresas do réu Marcos Valério a congressistas foram apresentadas pelo empresário em agosto de 2005, um ano antes da representação de Toffoli ao TSE.
Essas provas são citadas dez vezes pela Procuradoria em 2011, nas alegações finais do processo que agora será julgado pelo STF.
Toffoli não respondeu às perguntas enviadas ontem para a sua assessoria.
Dirceu
Em 2006, o ministro fez ao menos dez representações ao TSE para barrar a exploração do mensalão na campanha, além de pedidos de direito de resposta na imprensa.
O material incluiu ainda peça assinada por sua atual namorada, que afirma que nunca houve "comprovação da existência do mensalão" e que a participação do então ministro José Dirceu também não estava "cabalmente demonstrada".
Dirceu foi chefe de Toffoli entre 2003 e 2005, quando o hoje ministro do STF era o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil.
A participação de Toffoli no julgamento tem sido questionada devido à sua ligação anterior com o PT e ao fato de sua atual namorada ter defendido réus no processo.
A lei diz, entre outros pontos, que um juiz pode sofrer impedimento se o cônjuge tiver atuado no caso.
Nos últimos dias, porém, interlocutores disseram ter ouvido do ministro que ele estaria decidido a participar do julgamento
FONTE: FOLHA DE S. PAULO