terça-feira, 30 de novembro de 2021

Merval Pereira - Fato novo

O Globo

O que parecia apenas um balão de ensaio está se transformando em fato político relevante. Ao abrir caminho para aceitar ser vice-presidente na chapa de Lula, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin não apenas se vinga de seu arqui-inimigo João Doria, como permite que Lula dê a guinada para o centro que era esperada e parecia ter sido superada pela ala radical do PT que defende ditaduras como as de Maduro na Venezuela e Ortega na Nicarágua.

Lula saiu da prisão menos disposto a ser o “Lulinha Paz e Amor” que chegou à Presidência da República em 2002. O PSDB sempre foi a alternativa ao PT, e Bolsonaro, que para muita gente parecia ser a nova opção, já não é mais. É uma extrema direita que não respeita a democracia. Como as recentes pesquisas mostram, Bolsonaro está esvaziando, carcomido pela inflação, pelo desemprego, por um governo inepto, pela radicalização.

Lula, cada vez que fala a favor das ditaduras da América Latina ou do tal “controle social da mídia”, deixa de ser opção moderada para os que procuram uma saída. Não está conseguindo ir para o centro, como em 2002. Faz a mesma coisa que Bolsonaro com seus extremistas: aumenta a intensidade da retórica para segurar seus nichos mais radicais.

Eliane Cantanhêde - Doria e a corrida de obstáculos

O Estado de S. Paulo

Ou o PSDB fecha com Doria e a terceira via ou vai virar história em 2022

A sucessão presidencial vai ganhando forma e nomes e a definição do governador João Doria como candidato do PSDB é um novo fator relevante, pela tradição do partido e a determinação do candidato, mas há uma forte divisão e uma corrida de obstáculos.

Começou com o fiasco das prévias, que jogaram luzes não no PSDB e em Doria, mas na incompetência da votação, na guerra interna, que não é novidade, e nas fragilidades dos candidatos, que ficaram mais em evidência do que as qualidades.

Doria bateu o também governador Eduardo Leite por 54% a 45%, ou seja, sai das prévias com um partido dividido exatamente ao meio e com um histórico de ciúmes e guerras internas entre os paulistas e, por fim, entre paulistas e o mineiro Aécio Neves. Como unir os cacos agora?

Luiz Carlos Azedo - Doria e Moro iniciam dança do acasalamento da 3ª via

Correio Braziliense

Os demais pré-candidatos parecem dispostos a aguardar a orquestra encerrar a sessão de boleros e começar o sertanejo para decidir o que vão fazer

O governador de São Paulo, João Doria, e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro inauguraram a dança de acasalamento da chamada terceira via, cada qual sinalizando suas prioridades para a escolha de um vice na chapa que pretendem encabeçar. Estão observando a pista Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Alessandro Vieira (Cidadania), Rodrigo Pacheco (PSD) e Simone Tebet (MDB), todos pré-candidatos, que parecem dispostos a aguardar a orquestra encerrar a sessão de boleros e começar o sertanejo para decidir o que vão fazer.

Nem bem comemorou a vitória nas prévias do PSDB, o governador paulista revelou que gostaria de uma mulher na chapa como vice, num recado claro para Tebet, a senadora que preside a Comissão de Constituição e Justiçado (CCJ) Senado e se destacou na CPI da Covid. Doria tem boas relações com o ex-presidente Michel Temer e uma aliança com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), responsável pelo lançamento da candidata sul-mato-grossense. Tebet tem mais apoio na bancada do Senado do que entre os deputados liderados por Rossi.

Catapultado pelas redes sociais, nas quais lavajatistas e ex-bolsonaristas focaram seu nome, Moro surfa a onda de sua filiação ao Podemos e procura ocupar o espaço vazio deixado pela queda de popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro e a estagnação dos concorrentes da terceira via. Até agora, Moro fez movimentos muito precisos, a começar pela indicação do economista Celso Pastore para cuidar da sua relação com a turma da Faria Lima.

Andrea Jubé - “Terceira via precisará de muita composição”

Valor Econômico

“São corridas diferentes”, diz Vieira sobre Moro

Diante da rápida ascensão do ex-juiz Sergio Moro nas pesquisas sobre a sucessão presidencial, o pré-candidato a presidente pelo Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE), nega a intenção de retirar o nome da disputa pela vaga de presidenciável que representará a terceira via.

Ambos se projetaram na cena nacional pelo combate à corrupção e atuação na segurança pública.

Moro comandou a Operação Lava-Jato, mas depois foi julgado suspeito pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Como ministro da Justiça do governo Bolsonaro, reacomodou chefes de facções em presídios diferentes, desarticulando organizações criminosas.

Como delegado, Alessandro Vieira chefiou a Polícia Civil de Sergipe. Ele desbaratou um esquema de desvio de recursos públicos, incomodou aliados do governo local e acabou exonerado da função. Ganhou projeção na cena nacional pela atuação na CPI da Covid.

Carlos Andreazza - Pacheco secreto

O Globo

Podem me chamar de obsessivo. O jornalismo também é feito de obsessões. Paulo Guedes decerto chamou o colunista de obsessivo enquanto este se dedicava a mostrar a impossibilidade de um programa reformista liberal sob o populismo de instabilidades de Bolsonaro; e como o ministro, contratando a dilapidação fiscal, entregara-se ao propósito gastador que, crê-se no governo, dará competitividade eleitoral ao presidente.

Mostrar não seria bem o verbo. Demonstrar. Ainda que houvesse competência para formular e promover reformas estruturais, e não havia, o propósito de reeleger o mito sempre foi o norte de Guedes. Aí está. Nada é pessoal.

Insisto agora no tema do orçamento secreto; particularmente, o orçamento secreto de Rodrigo Pacheco. Haverá um? O comportamento do presidente do Senado nos autoriza a pensar que sim. Ele é o mentor-articulador do conjunto de gambiarras institucionais que, descumprindo decisão do Supremo, mentindo para descumprir determinação da Corte constitucional, propõe meia transparência para o futuro — e nenhuma sobre o passado, sobre os exercícios orçamentários de 2020 e 2021.

Míriam Leitão - As visíveis vitórias das cotas raciais

O Globo

A adoção das cotas raciais nas universidades públicas provocou um acirrado debate no Brasil. A vitória foi dos defensores da medida. Hoje, 20 anos depois de iniciadas, e 10 anos após sua adoção nacional, são visíveis as mudanças positivas das ações afirmativas. O debate amadureceu, a presença dos pretos e pardos nas universidades teve uma alta impressionante. Mas o racismo permanece, as barreiras são muitas, e a presença dos pretos em posição de destaque ainda é pequena. O Congresso está discutindo a revisão prevista para 2022. O momento não poderia ser mais desafiador.

— O Congresso está rachado. A esquerda tem projetos para consolidar e expandir as cotas. A maioria dos projetos da direita é para abolir a política. A preocupação é que as propostas estão tramitando muito rápido, sem tempo para discussão. Por isso há uma apreensão generalizada e é muito difícil prever o que vai acontecer — disse o cientista político João Feres, do Observatório do Legislativo Brasileiro e professor da UERJ, a primeira universidade a adotar a reserva de vagas.

Pedro Cafardo - Uma PEC oportunista que lembra a ditadura

Valor Econômico

Manobra cria arapuca orçamentário para quem assume o governo em 2023

Mais de 40 anos se passaram e, não por coincidência, o comando econômico do governo tenta adotar medidas que lembram tristes momentos da ditadura. A proposta de mudança da indexação no teto de gastos, já aprovada na Câmara e em avaliação no Senado, traz essa lembrança.

Deixemos de lado a discussão sobre a insensatez ou não de se ter colocado na Constituição, em 2016, um congelamento de gastos reais do governo por 20 anos, algo que sabidamente acabaria desmoralizado mais cedo ou mais tarde, como está sendo agora com a PEC do Calote dos Precatórios.

O ponto de reflexão, que lembra a ditadura, é o uso oportunista de índices de inflação. Nos anos 1970, no auge da era da correção monetária, quando os índices que reajustavam salários, aluguéis e outros custos aumentavam demais, por exemplo, buscava-se mudá-los por decreto.

Durante muitos anos, a inflação oficial foi medida pelo IGP-DI, até hoje calculado pela FGV, que era e continua sendo 60% impulsionado pelos preços no atacado. Quando subia demais, tentava-se adotar outro indexador para correções, que medisse apenas os preços ao consumidor. Meses depois, quando os preços no atacado acabavam se refletindo no varejo, como geralmente ocorre, o custo de vida subia mais que o IGP e, de novo, tentava-se trocar o índice.

Joel Pinheiro da Fonseca - Terceira via: por que e como?

Folha de S. Paulo

Terceira via nunca foi tão improvável, nem tão necessária

Pouco a pouco vão se afunilando as escolhas para a candidatura de terceira via, essa última esperança de que o Brasil escape da dicotomia Lula Bolsonaro em 2022. Mas por que ser contra essas duas candidaturas?

De Bolsonaro não é preciso falar muito, já que o estamos vivendo: o misto de incompetência e má fé a que estamos submetidos há quase três anos lançou o país num clima de bagunça constante no qual tudo se deteriora: educação, meio ambiente, saúde pública (sem esquecer a conduta criminosa na pandemia), economia, relações internacionais. Em todas as áreas, o retrocesso é palpável. Bolsonaro é bom em criar ruído e desviar o foco; em todo o resto, é um desastre. Sem falar nos insuportáveis ataques à democracia.

Cristina Serra - Bolsonaro em necrose eleitoral

Folha de S. Paulo

Sua estátua abandonada é imagem que vale mais que mil palavras

O mundo se apavora diante do recrudescimento da pandemia na Europa e do surgimento de outra variante do vírus, identificada na África do Sul, país castigado pela escassez de vacinas, como quase todo o continente. A ômicron já se espalha pelo planeta, agravando temores e incertezas.

E o que faz Bolsonaro? Dá de ombros e diz que temos de "aprender a conviver com o vírus". É uma nova cepa do palavreado hostil de sempre, o "E daí? Quer que eu faça o quê?". Ele também menospreza medidas simples e eficazes de controle, como a exigência do passaporte da vacina para os viajantes. Estende o tapete vermelho para a peste.

Arthur Virgílio Neto - Crime, inação e cumplicidade

Folha de S. Paulo

Garimpo avança porque não teme os Poderes e conta com cobertura do tráfico

Faz muito tempo que eu denunciava, quase solitariamente, a atividade criminosa e poluidora do garimpo no rio Madeira, inicialmente na parte que banha Rondônia: mercúrio para "lavar" o ouro; assassinatos de mergulhadores que descobriram veios e que não são investigados seriamente. Vidas que nunca importaram.

Outros delitos se agregam ao garimpo ilegal: lavagem de dinheiro e sonegação, grilagem de terras indígenas, cumplicidade com desmatadores, início de "construção" de uma Serra Pelada nas águas de um rio piscoso, caudaloso e destinado a, no futuro próximo, junto aos demais grandes rios da Amazônia, abastecer o mundo de água doce, potável e de facílima extração. Quem sabe nossas águas virarão produto de exportação! Quem sabe os países amazônicos constituirão a Opep das águas!

O garimpo tem sido tolerado e até estimulado pelo governo Jair Bolsonaro. Resultado: a ousadia dos infratores, criminosos impunes, foi crescendo ao ponto de terem descido o rio Madeira para ocupá-lo, praticamente de uma margem a outra, em frente à cidade de Nova Olinda do Norte (AM). Que audácia: sentaram praça a apenas 25 minutos de voo de Manaus. São agora "vizinhos" do aparato de segurança do estado do Amazonas. Vizinhos igualmente da Polícia Federal, do Poder Judiciário e, sobretudo, do povo de Manaus —além, obviamente, de Nova Olinda do Norte, de Novo Aripuanã (AM), com penetração ainda incipiente, e de Autazes (AM), banhada pelos rios Madeira e Amazonas, este o maior do planeta.

Alvaro Costa e Silva - O talento das cronistas mulheres

Folha de S. Paulo

Elas escreveram em pé de igualdade com os homens na era de ouro do gênero

Um mistério da crônica como gênero tipicamente brasileiro é seu frescor. Escritos há mais de 60 ou 70 anos, no improviso e às pressas, textos feitos para o momento e para encher meia página de jornal ou de revista tinham tudo para ser esquecidos imediatamente e virar embrulho de peixe. No entanto, pela sua qualidade, vão ficar para sempre.

O espaço nobre das livrarias neste fim de ano está ocupado por antologias com as obras de Antônio Maria, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, José Carlos (Carlinhos) Oliveira, Stanislaw Ponte Preta, expoentes de uma geração fora de série, não à toa conhecidos como sabiás da crônica. Talvez aí esteja a solução do mistério: o talento dessa turma era capaz de fazer qualquer coisa durável.

Zuenir Ventura - À espera de punição

O Globo

Apesar das cobranças feitas por Defensoria Pública, Anistia Internacional, Supremo Tribunal Federal e ONU, nenhuma investigação consequente foi realizada sobre as incursões policiais que resultaram nas chacinas ocorridas nos últimos seis meses na favela do Jacarezinho e no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Entre as autoridades que se indignaram com essas operações armadas e exigem punição dos culpados na forma da lei, estão a antropóloga Jacqueline Muniz, especialista em segurança pública, que as classificou de desastrosas.

O “Fantástico”, da TV Globo, teve acesso aos registros da ocorrência no Salgueiro mostrando que os policiais fizeram mais de 1.500 disparos, um tiro a cada minuto numa ação que durou 35 horas e deixou nove mortos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

As tarefas de Doria

Folha de S. Paulo

Presidenciável terá de unir o PSDB, mostrar-se viável e apresentar um programa

Dirigentes do PSDB encararam com alívio a conclusão do turbulento processo de escolha do candidato da sigla à Presidência, no sábado (29). Com a superação das prévias, o partido deixa para trás uma fonte de desgaste interno, mas também se vê obrigado a reconhecer que mal começou a enfrentar o desafio de 2022.

A contenda deu a João Doria o direito de concorrer ao Palácio do Planalto. O governador paulista aparece na casa dos 5% das intenções de voto nas pesquisas, com índices de rejeição comparáveis aos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida.

Seria exagero dizer que as prévias criaram novas dificuldades para o PSDB. O processo —saudável, ressalte-se— expôs conhecidas divisões internas e reforçou a imagem de uma legenda que ainda hesita diante do bolsonarismo.

Marcada por falhas na votação e acusações de fraude entre os competidores, a disputa tucana aprofundou a cisão entre o grupo de Doria e a ala que conta com líderes como o deputado Aécio Neves (MG).

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O cão sem plumas (Trecho)

IV. Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).

Música | Recife "Minha cidade" (Nena Queiroga e Lenine)