quinta-feira, 9 de abril de 2020

Merval Pereira - Vendedor de ilusões

- O Globo

Ao falar na televisão que a cloroquina pode salvar milhares de vidas, presidente está jogando um lance perigoso

A retomada da retórica moderada do presidente Bolsonaro no seu pronunciamento de ontem à noite não é uma garantia de que o bom senso permanecerá prevalecendo, mas dá um fôlego para o verdadeiro objetivo, que é o combate ao Covid-19 dentro de nossas possibilidades de país emergente e em grave situação financeira.

Ainda mais que o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta dá sinais públicos de querer, de sua parte, não melindrar seu chefe, garantindo que é “Jair Messias Bolsonaro quem comanda esse time”. Além dos aspectos emocionais dessa disputa anacrônica, no entanto, há questões de fundo importantes, como o debate sobre o uso de cloroquina.

A prova de que a retórica moderada nem sempre reflete posições sensatas, ao levar para um pronunciamento oficial à Nação a ideia de que a cloroquina pode salvar milhares de vida, o presidente Bolsonaro mais uma vez interfere na condução da politica de saúde pública ditada pelos organismos internacionais, seguida pelo ministério da Saúde.

- Carlos Alberto Sardenberg - Falhas de governo

- O Globo

É preciso aproveitar o isolamento, que atrasa circulação do vírus, para investir em prevenção e tratamento

Claro que há diferenças entre governos progressistas e conservadores, mas, diante da crise do coronavírus, que não é de direita nem de esquerda, talvez seja melhor separar entre governos bons e ruins.

Consideremos dois exemplos: Trump e o socialista Pedro Sánchez, da Espanha.

Há dois dias, o “New York Times” informou que o conselheiro da Casa Branca para questões de comércio, Peter Navarro, distribuiu um memorando alertando para o risco de uma pandemia. Isso em 29 de janeiro, quando Trump ainda menosprezava os efeitos do “vírus chinês” e considerava os alertas como propaganda do Partido Democrata.

Trump garantiu que não leu, nem tomou conhecimento do memorando. Mas disse que não fez diferença porque ele, presidente, agiu por sua própria cabeça. E agiu tarde, como os números americanos provam.

Na Espanha, o primeiro caso de coronavírus apareceu no final de janeiro. Um turista alemão ficou doente e foi tratado na pequena ilha de La Gomera. Curou-se em duas semanas, voltou para casa. E o governo espanhol declarava que o país era território livre do vírus.

Logo em seguida, apareceram outros casos. Como eram de turistas italianos, o governo espanhol continuou na mesma tese: a coisa é estrangeira.

Em 26 de fevereiro apareceu o primeiro caso local: um homem em Sevilha que não viajara para lugar nenhum. Depois, alguns casos em Valência, também locais.

Luiz Carlos Azedo - Uma homenagem póstuma

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro enquadrou Mandetta e responsabiliza governadores e prefeitos pelo desemprego, embora tenham a dura tarefa de conter a epidemia na ponta”

Escrevo antes do pronunciamento de Bolsonaro de ontem à noite, em cadeia de tevê. Pela live que compartilhou no Twitter, a conversa que teve com Luiz Henrique Mandetta obrigou o ministro da Saúde a flexibilizar geograficamente a política de distanciamento social, levando em conta a progressão da doença nos estados. É um perigo, mas Mandetta hasteou a bandeira branca e bateu continência para o presidente da República. Na entrevista coletiva que deu à tarde, deixou isso claro: “Quem comanda este time aqui é o presidente Jair Messias Bolsonaro”, disse. “Tivemos nossas dificuldades internas, isso é público, mas estamos prontos, cada um ciente de seu papel nesta história.”

Não sei qual o acordo que fizeram, mas essa é a ordem natural das coisas num sistema de poder no qual o vértice é o presidente da República. A propósito, Norberto Bobbio, após o assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, escreveu uma série de artigos sobre a crise italiana, reunidos numa coletânea publicada no Brasil, intitulada As ideologias e o poder em crise, em tradução de Marco Aurélio Nogueira. Destaco dois deles: a política não pode absolver o crime, no capítulo sobre Os fins e os meios, e Quem governa?, em O mau governo.

A referência a Bobbio veio ao caso devido a uma passagem da entrevista do ministro Mandetta. Em certo momento, no chamamento que fez à união de todos contra a epidemia, disse que as autoridades médicas precisam da ajuda de todos, inclusive das milícias e dos traficantes. O ministro não é nenhum ingênuo, deve ter algum motivo para ter falado isso, mesmo sabendo que seria duramente criticado por essa referência ao crime organizado. A grande dúvida é se fez um apelo dramático por puro desespero, pois estamos num momento crucial do crescimento exponencial da epidemia, ou se realmente houve um pacto do governo Bolsonaro com as milícias e os traficantes.

Não seria a primeira que vez que isso aconteceria, com consequências desastrosas, porque favorece a expansão do crime organizado na sociedade e sua infiltração na política. Por outro lado, é muito fácil fazê-lo, pela via das relações perigosas nos sistemas de segurança pública e penitenciário. Ministro-chefe da Casa Civil, o general Braga Netto, ex-interventor no Rio de Janeiro, conhece bem essas conexões. Qual é a lógica perversa por trás desse raciocínio? Todos sabemos que a epidemia ainda não chegou ao povão, está na classe média alta, e só agora registra os primeiros casos de mortes nas favelas e periferias das grandes cidades e regiões metropolitanas conurbadas, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Manaus. Na prática, isso significa toque de recolher e dura punição nas favelas e nas periferias, numa hora em que o presidente da República pressiona pela flexibilização da política de isolamento social.

Ascânio Seleme - Malditas redes

- O Globo

Avalanche de mentiras é tão grande que elas acabaram desmoralizadas

Além de facilitar de maneira extraordinária as comunicações planetárias, as redes sociais deram voz a quem não as tinha, ou que não conseguiam expandi-la de maneira a alcançar mais do que seu círculo íntimo. Foi uma extraordinária revolução que mudou a forma das pessoas pensarem e agirem e transformou a indústria. Mais diretamente as indústrias das comunicações e das telecomunicações, mas todas as outras sofreram consequências, muitas de maneira positiva. No Brasil, apesar de reveses por abusos contra a livre concorrência e pela disseminação de mentiras, tudo ia relativamente bem, até chegarem Jair Bolsonaro, seus filhos e o gabinete do ódio.

A onda global de fake news que causa forte impacto sobre as redes, sobretudo na Europa, produzindo um enorme dano às suas imagens, não pode ser comparada ao que se viu no Brasil destes últimos dias. Em todo o mundo as pessoas passaram a buscar informações sobre o coronavírus em fontes confiáveis, nos veículos profissionais de notícia, com medo de se contaminarem pelas fakes disseminadas. Aqui, a avalanche de mentiras é tão grande e contínua que as redes acabaram sendo desmoralizadas. O efeito dessa onda é de tal maneira devastador que até mesmo um post do presidente da República foi retirado do ar pelo Facebook por ser mentiroso, mas apenas depois de causar enorme estrago.

Ricardo Noblat - Bolsonaro está atrás de culpados para salvar a própria pele

- Blog do Noblat | Veja

Que país é este onde se aproveita uma pandemia para fazer política?

Um presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Entretanto, por dispor de um poderoso aparelho de coleta de informações, ele pode não saber tudo, mas sabe muito mais do que qualquer outra pessoa no país ou fora daqui.

Ao jornalista Luiz Datena, da Rede Bandeirantes de Televisão, sem que ele nada lhe tivesse perguntado sobre isso, Jair Messias Bolsonaro disse, sem mais nem menos, e depois mudou de assunto: “Não é hora de derrubar presidente”. Como?

Jamais um presidente brasileiro disse algo parecido a respeito de si próprio. O que ele sabe que não sabemos? Existe alguma trama para derrubá-lo? Quem está por trás dela? Cercado por militares de confiança, como ele pode ter medo de ser deposto?

Na melhor das hipóteses foi mais uma manifestação da paranoia de Bolsonaro que o acompanha desde o seu tempo de deputado. À época, em muitas ocasiões, ao sair da Câmara, ele se agachava ao lado do seu carro à procura de uma possível bomba.

Bolsonaro entende de explosivos. Planejou detonar alguns dentro de quarteis quando era um simples soldado, a reclamar sempre do valor do soldo. Foi por isso que acabou processado e expurgado do Exército, acusado de indisciplina e conduta antiética.

Já como presidente eleito e empossado, pelo menos uma vez ele ajoelhou-se para conferir se havia uma bomba debaixo do carro que o transportaria do Palácio da Alvorada para o Palácio do Planalto. Morre de medo de drones e vive olhando para o céu.

Bernardo Mello Franco - A ameaça do vírus em terras indígenas

- O Globo

A chegada do coronavírus tem provocado medo nas terras indígenas. Com fiscalização reduzida, a presença de invasores eleva os riscos de contágio nas aldeias

Desde o século XVI, os povos indígenas convivem com epidemias levadas pelos brancos. Surtos de sarampo, varíola e doenças respiratórias já dizimaram etnias inteiras na Amazônia. Agora a ameaça está de volta com a chegada do coronavírus.

Ontem, o ministro Luiz Henrique Mandetta disse que o governo tem “extrema preocupação” com o assunto. Os indígenas tentam se proteger como podem, mas reclamam da falta de assistência e da presença de invasores em suas terras.

“Estamos muito apreensivos”, diz Paulo Tupiniquim, coordenador da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ele conta que a ordem da Funai para proibir a entrada em terras indígenas tem sido desrespeitada. “Em algumas áreas, a presença de madeireiros e garimpeiros aumentou na epidemia.”

Luis Fernando Verissimo - Weintraub na Saúde

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Mas numa hora destas quem é racional?

Teorias sobre as causas do coronavírus se multiplicam como o próprio vírus, e vão desde que seria um golpe publicitário da cerveja mexicana Corona que deu terrivelmente errado até sua origem extraterrena, como parte de um plano para minar a defesa do nosso planeta contra uma futura invasão de alienígenas.

Falando sério: a teoria mais difundida no momento é a de que a pandemia teria a ver com a proliferação de novas torres de telefonia móvel, 5G, que de alguma maneira espalhariam o vírus. Dizem que não é coincidência o fato de as primeiras antenas 5G, mais potentes do que as 4G que substituem, terem sido instaladas na China, onde a pandemia começou, antes de qualquer outro lugar do mundo.

Cientistas garantem que uma ligação entre ondas de telefonia sem fio e vírus galopantes é impossível e que nem a coincidência existe, pois os primeiros postes 5G foram erguidos na Inglaterra, não na China. Mas numa hora destas quem é racional? A teoria das 5G prospera, e já houve até ataques a torres inocentes.

Míriam Leitão - O que sobrará da ideia inicial

- O Globo

As ideias liberais foram deixadas de lado, agora o governo tenta sustentar a versão que teve a agilidade na resposta à crise, o que não teve

Ao fim desta pandemia, pouca coisa vai sobrar da agenda com a qual o ministro Paulo Guedes chegou ao governo. As reformas foram engavetadas, o plano Mansueto foi deixado de lado por outro que socorre os estados na emergência, a empresa que está para ser privatizada ajudou a fazer o caminho para o pagamento do auxílio emergencial, a proposta de zerar o déficit público se transformará no maior déficit da nossa história.

Ontem, o governo, de um lado, a Câmara e os governadores, de outro, brigavam em torno de quanto transferir aos estados e municípios neste momento. O chamado Plano Mansueto era uma excelente ideia para um outro mundo, e certamente voltará a ser. Ele induz os estados e municípios a se ajustarem e buscarem notas de crédito melhores e os incentiva com recursos e avais conforme a nota alcançada. Mas como falar em ajuste num momento em que despencam as arrecadações de ICMS e ISS? Agora, a Câmara decidiu aprovar projeto que facilita as transferências para a sustentação da receita dos estados e municípios e suspende a cobrança das dívidas com o Tesouro.

O deputado Rodrigo Maia explicou ontem que, se deixasse o Plano Mansueto, ele seria desvirtuado, porque estavam sendo incluídas emendas com propostas de gastos de longo prazo:

– O Plano Mansueto é correto, vai ter que ser enfrentado, mas neste momento todos os estados vivem a mesma angústia, que é a necessidade de receitas para enfrentar a crise.

Bruno Boghossian – A pandemia da desigualdade

- Folha de S. Paulo

Os mais pobres ficam mais expostos ao vírus no transporte público e em casas com muitos moradores

O coronavírus vai pesar em dobro sobre os brasileiros mais pobres. Além de sofrer com a desaceleração da economia e com a lentidão do governo em implantar medidas de emergência, a população de baixa renda deve ser atingida de maneira mais grave pela doença.

Para quem vive com pouco dinheiro, a primeira onda da pandemia chegou cedo. Nos grupos mais pobres ouvidos pelo Datafolha, sete em cada dez pessoas não podem trabalhar de casa e esperam perder parte de suas rendas. Já uma pesquisa do Data Favela mostra que 58% dos moradores desses bairros não têm comida para mais uma semana.

A severidade dos casos de Covid-19 também pode ser maior para esses brasileiros. Um estudo feito por Laura Carvalho, Luiza Nassif Pires e Laura de Lima Xavier mostra que, entre os mais pobres, há uma incidência desproporcional de fatores de risco, que aumentam o perigo de morte.

Roberto Dias - O coronavírus politizou a medicina

- Folha de S. Paulo

Posições de médicos e pesquisadores parecem balizadas por critérios que não só os da profissão

Quem acredita que absolutamente tudo é política tem nesta crise de saúde seu Woodstock. Pois nem a medicina, um ramo do conhecimento com mais de dois milênios de história e objetivo muito bem definido, o de curar pessoas, conseguiu agora escapar.

Infectados pela Covid-19, dois dos médicos mais famosos do país adotaram posições que parecem balizadas mais pela guerra política do que pela lógica de sua profissão.

Um deles, o cardiologista Roberto Kalil Filho, que cuidou da saúde dos três últimos presidentes da República, tratou-se com cloroquina e tratou também de, tão logo possível, defender o uso do medicamento, aproximando-se vertiginosamente da linha defendida pelo atual ocupante do Planalto.

Outro, o infectologista David Uip, recusou-se a dizer se seu tratamento incluiu a cloroquina. Chefe do centro de contingência contra o coronavírus em São Paulo, disse que não queria servir de modelo, mas a explicação para a omissão não foi lá muito convincente. Merecidamente, virou meme --ele estaria tentando agradar a seu superior, o governador João Doria, hoje o inimigo público número um de Jair Bolsonaro.

Maria Hermínia Tavares* - Salve o SUS

- Folha de S. Paulo

É sobre ele que recai a responsabilidade de atender à maioria das vítimas do vírus

"Temos sido salvos pelas nossas instituições", disse Joseph Stiglitz em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, no último domingo. O Prêmio Nobel de Economia se referia ao mesmo tempo aos Estados Unidos e ao Brasil, governados por presidentes populistas, incapazes e desinteressados em liderar os esforços nacionais de enfrentamento do coronavírus.

O americano destaca a importância, em seu país, do Centro de Controle de Doenças e dos médicos que lutam contra a pandemia. No Brasil sem presidente para o que de fato importa, é sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) que recai a responsabilidade de atender à imensa maioria das vítimas do vírus. Por essa razão, não será demais entender como logramos construir uma das maiores estruturas públicas de saúde do mundo.

O SUS nasceu do compromisso das forças que se opuseram à ditadura militar com o princípio de que a saúde deveria ser um direito garantido a todos os brasileiros, o que não acontecia até então. Uma rede nacional de médicos sanitaristas progressistas concebeu o sistema e ganhou os políticos democratas, que o inscreveram por inteiro na Constituição de 1988.

Para universalizar o acesso à saúde, o SUS promoveu a articulação e a divisão de responsabilidades e recursos entre os serviços de saúde dos três níveis da Federação. Antes, estes se ignoravam, eram redundantes e deixavam sem atendimento os brasileiros mais pobres.

Fernando Schüler* - O melhor e o pior de cada um

- Folha de S. Paulo

Pandemia parece não ter funcionado para desarmar espíritos e produzir alguma coesão

David Brooks escreveu algo curioso, dias atrás, sobre o impacto da crise na sociedade americana. “O que antes surgia como uma sociedade amarga e dividida, agora se parece com uma nação de gente encontrando maneiras criativas de aproximarem uns dos outros.”

O Brasil também vem se comportando como uma sociedade amarga e dividida e a pergunta a fazer é se a crise traz alguma mudança semelhante.

Ainda é cedo, mas não tenho dúvidas que há sinais positivos. E eles vêm do universo da vida privada. Famílias que se reaproximam, redes invisíveis de solidariedade e pequenos gestos, infinitos grupos que dialogam via aplicativos que sequer conhecíamos.

Cada um terá sua história para contar. Alguns terão perdido pessoas que amavam, outros terão passado por um isolamento difícil.

Há notícias incríveis, ainda aos pedaços, sobre o florescimento da filantropia. A Associação Brasileira de Captadores de Recursos registrava na terça-feira (7) mais de R$ 1 bilhão em doações, e isto irá crescer.

Vinicius Torres Freire – Como derrubar os juros do coronavírus

- Folha de S. Paulo

Senado entende mal medida que pode ajudar BC a reduzir juros que governo paga

Em tempos de epidemia e fome, discutir os novos poderes que o Congresso pode dar ao Banco Central parece indiferença. Mas:

1. Trata-se de oferecer novos meios para o BC agir em tempos de calamidade sanitária e econômica;
2. É possível que, assim, o BC possa reduzir o custo da dívida do governo (baixar taxas de juros);
3. Talvez o BC possa tirar do caminho algum entulho que trava a oferta de empréstimos;
4. O BC teria instrumentos para evitar algum acidente maior no sistema financeiro, coisa que torna qualquer crise econômica ainda mais dramática.

Do que se trata? Uma emenda constitucional, já aprovada na Câmara, permite que o BC compre títulos do governo de médio e longo prazos, além de títulos de dívida privada. Falta a aprovação do Senado, onde certos parlamentares têm feito críticas disparatadas ao projeto. A emenda é de fato uma reviravolta grande nas finanças públicas brasileiras, coisa de tempos de guerra e colapso, portanto apropriadas (em teoria).

Para começar pelo menos enrolado, em princípio: o BC poderá adquirir títulos do Tesouro de prazo mais longo. Quando há mais gente mais interessada em emprestar para o governo, mais títulos se compram: o preço dos títulos sobe, a taxa de juros cai (é a mesma coisa). Quando mais gente refuga os títulos, os juros sobem.

Talvez o BC venha a comprar títulos públicos apenas a fim de conter a disparada recente das taxas de juros mais longas, uma ação emergencial, um sedativo.

José Serra* - Democracia na calamidade

- O Estado de S.Paulo

Precisamo-nos afastar do autoritarismo e da demagogia com base em fórmulas mágicas..

O Brasil enfrenta os efeitos sociais e econômicos da pandemia de covid-19 em ambiente plenamente democrático, com os Poderes Legislativo e Judiciário assumindo papel central na gestão da crise, além de uma ação firme e tempestiva dos governos estaduais. No âmbito federal, as manifestações heterodoxas da Presidência da República, contrárias ao isolamento social, vêm sendo remediadas pela capacidade de ação do Parlamento e pela temperança do Supremo Tribunal Federal (STF). Nosso regime democrático, que se baseia na divisão dos Poderes da República, salvou muitas vidas quando assumiu elevado grau de protagonismo no combate ao novo coronavírus.

De todo modo, as falhas nos entendimentos entre as instituições do poder federal em torno das ações contra o patógeno é preocupante. Assim que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu que o vírus representa uma pandemia, lideranças da área econômica do Executivo federal apressaram-se a dizer que alguns poucos bilhões seriam suficientes para exterminar os efeitos da doença. O governo chegou até a defender a Proposta de Emenda à Constituição n.º 186, a PEC da Emergência Fiscal. Um equívoco, tendo em vista que a medida impediria contratar médicos, criar auxílios financeiros emergenciais para beneficiar grupos vulneráveis, bem como linhas especiais de crédito para salvar empresas. Tivesse sido aprovada, estaríamos diante de uma verdadeira tragédia sanitária, social e econômica.

Em artigo publicado neste espaço fiz críticas à PEC 186, remando contra a campanha de outros economistas e mostrando que a medida poderia criminalizar componentes importantes da política fiscal ao vedar a criação de despesas obrigatórias e renúncias tributárias. Tivemos sorte de ela não ter sido aprovada antes da proliferação da covid-19 em todo o País.

Creio que o Congresso Nacional vem exercendo suas funções institucionais de forma tempestiva e enérgica. Na fase inicial da crise o Senado assumiu a responsabilidade de anunciar um projeto de decreto legislativo para reconhecer a situação de calamidade, flexibilizando as regras e os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Não havia outro caminho, dadas as incertezas e a necessidade de elevar as despesas do Orçamento em caráter extraordinário e urgente. Essa iniciativa forçou o governo a abandonar a ideia de alterar as metas fiscais prevista em lei, levando-o a enviar mensagem presidencial à Câmara dos Deputados que foi convertida no Decreto Legislativo n.º 6, suspendendo a necessidade de se atingir qualquer meta fiscal no ano corrente.

William Waack - Quando fechar, quando abrir

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não é o único chefe de Estado que não sabe como sair do dilema

A realidade se encarregou de lembrar Jair Bolsonaro de que ele pode trocar de ministro quanto quiser, mas não pode trocar quanto quiser de política de saúde. Os limites aplicados às vontades do presidente – não importam méritos ou motivações – foram antes de mais nada institucionais. Em princípio, não é mau sinal.

Entrou como freio uma estrutura federativa que, no caso do combate ao coronavírus, concede aos operadores do SUS uma grande margem de ação. E os operadores são, em primeira linha, governadores e prefeitos. Além da eterna crise fiscal, eles se ressentem hoje sobretudo de falta de coordenação política, e estão assustadíssimos com a nada remota probabilidade de colapso de partes do sistema de saúde. Clamam por liderança.

É outro problema que veio junto de Bolsonaro e que a crise do coronavírus apenas escancarou. O presidente acha que seu poder vem da caneta, que ele diz não ter pavor nenhum de usar (mas não pode). Na verdade, o poder presidencial no Brasil vem de algo que o atual ocupante do Planalto renunciou a aplicar ou o faz de forma inconsistente, errática e subordinada exclusivamente ao curtíssimo prazo de redes sociais: ditar a agenda política.

Eugênio Bucci* - O ministro, o chefe do ministro e a pandemia de ‘fake news’

- O Estado de S.Paulo

Sem fontes confiáveis e um sistema organizado de comunicação não há governança para a crise

Na terça-feira o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu mais uma de suas coletivas diárias. Mostrou-se olímpico, seguro de seu papel e de seu cargo. Mandetta tem hoje mais estabilidade do que Jair Bolsonaro. O presidente pode demiti-lo – os generais não deixam.

A impotência presidencial tem um quê de conto de bruxas. O presidente vai fazer a barba de manhã e pergunta ao reflexo de si mesmo: “Espelho, espelho meu, existe algum ministro mais querido do que eu?”. O espelho responde, dá o nome e o endereço, mas Bolsonaro, corroído de ciúme, não tem poder para expulsá-lo da pasta. Está reduzido ao papel de presidente-café-com-leite-muito-embora-bravateiro. Sai enfezado do Palácio da Alvorada e se põe a berrar sobre a crueldade ministricida de sua caneta, uma senhora canetona, que é maior do que a caneta dos outros (ele e sua obsessão com símbolos fálicos).

Palavras ao vento. Contra Mandetta a caneta do narcisista que desconhece a beleza vale menos do que uma aspirina. O sereno ministro da Saúde sabe disso e, por saber, tripudia. Na terça-feira, em sua coletiva, disparou recados ácidos – ainda que elegantes – contra o chefe que não o chefia. Entre outros venenos, amaldiçoou as fake news (gênero narrativo adorado pelo café-com-leite) e as redes sociais (o ambiente predileto do estadista avesso à máquina estatal).

“As fake news, esse final de semana, fizeram um gráfico igual àqueles gráficos da epidemia”, diagnosticou o ministro. “Fake news foi o que mais subiu, subiu bem mais que o número de casos (de covid-19).”

Zeina Latif * - Faltam informações

- O Estado de S. Paulo

A taxa de incidência da doença é muito heterogênea entre Estados brasileiros

A extensão territorial do Brasil e seus muitos contrates regionais criam um quadro heterogêneo de incidência da epidemia do novo coronavírus. Os problemas para a definição de estratégias, no entanto, não param aí. O Ministério da Saúde (MS) tem optado por não decretar o isolamento social em todos os Estados. Por ora, cada um segue suas regras, adaptando as sugestões feitas pelo governo federal.

Não tem sido diferente nos EUA, onde o presidente Trump reluta em decretar o isolamento no país todo. Os 50 Estados da federação declararam situação de emergência, mas cada um adota suas medidas para lidar com a epidemia. Apenas 13 Estados decretaram quarentena total; a maioria a limitou a algumas cidades.

É precipitado afirmar que a descentralização de decisões é equivocada, pois o objetivo não é evitar a disseminação da doença, mas sim, como sabemos, suavizar sua curva de infecção.

O problema é a falta de uma coordenação entre as ações dos entes da federação, sendo inevitável a leitura de que disputas políticas atrapalham. Como resultado, reduz-se a eficácia das medidas sanitárias. Afinal, o vírus não respeita as fronteiras das cidades e dos Estados.

Uma medida recente, a ser implementada a partir do dia 13 de abril, foi definir critérios para regiões com baixa incidência da doença relaxarem o distanciamento social, mas levando em conta sua capacidade de suprir as demandas da área da saúde – como leitos, respiradores, testes laboratoriais e equipes de saúde

Paulo César Nascimento* - A economia da velocidade e a política

Que o mundo contemporâneo se caracteriza cada vez mais pela velocidade com que a realidade muda é algo palpável para toda e qualquer pessoa, não importa o país ou a região que habite. Este ritmo acelerado de mudanças atinge todas as instâncias da sociedade, e é, em larga medida, impulsionado pela economia, onde a velocidade se manifesta de forma mais clara, com consequências importantes para a política.

Alguém poderia argumentar, contudo, que não há nada de intrinsecamente novo na dinâmica do mundo moderno, e que mudanças são uma constante desde o surgimento do homo sapiens e suas civilizações. Já no século V a.C., por exemplo, filósofos pré-socráticos assinalaram a mutabilidade do mundo. O caso mais notório é o de Heráclito de Éfeso, cujo conhecido fragmento – “não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: suas águas não são nunca as mesmas e nós não somos nunca os mesmos” – parece atestar que não era indiferente, para os antigos, a ideia de que o mundo estava em constante mutação.

O pensamento de Heráclito, no entanto, se refere ao sempiterno ciclo da natureza, onde tudo se encontra em contínuo movimento. Nas sociedades, ao contrário, mudanças são causadas pela mão humana, sendo que a característica do mundo moderno, especialmente na atual era digital, não é tanto a mutabilidade em si, mas seu ritmo alucinante, sem precedentes na história.

Como o historiador israelense Yuval Noah Harari ilustrou muito bem em seu livro Sapiens: “Se, por exemplo, um camponês espanhol tivesse adormecido no ano 1000 e despertado 500 anos depois, ao som dos marinheiros de Colombo a bordo das caravelas Niña, Pinta e Santa Maria, o mundo lhe pareceria bastante familiar. Apesar das muitas mudanças na tecnologia, nos costumes e nas fronteiras políticas, esse viajante da Idade Média teria se sentido em casa. Mas se um dos marinheiros de Colombo tivesse caído em letargia similar e despertado ao toque de um iPhone do século XXI, ele se encontraria em um mundo estranho, para além de sua compreensão”.

Na realidade, esta velocidade que o mundo moderno experimenta não passou despercebida por diversos pensadores ainda na aurora da revolução industrial e do desenvolvimento capitalista, seja para criticá-la ou enaltecê-la. “Tudo que é sólido desmancha no ar” talvez seja uma das mais famosas frases do Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, que veio à luz em 1848. Assinalando que “a burguesia não pode sobreviver sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção, e com eles as relações de produção”, os autores constatam ainda a “contínua perturbação de todas as relações sociais, a interminável incerteza e agitação” que este processo estaria gerando. E define a moderna sociedade burguesa como um “feiticeiro incapaz de controlar os poderes ocultos que desencadeou com suas fórmulas mágicas”.

Maria Cristina Fernandes - Uma poção milagrosa de bolsonarismo na veia

- Valor Econômico

Com a pregação pela hidroxicloroquina, presidente parece ter uma saída ao alcance das mãos, mas é apenas o atalho para o fim da quarentena e o caos social

A escalada da covid-19, que deve levar o país a encerrar a semana com mais de 1.000 mortes ofereceu ao presidente o pano de fundo de sua reação, esboçada no pronunciamento em rede nacional. Depois de insistir no relaxamento da quarentena, pressionando Exército, governadores e ministro da Saúde, Jair Bolsonaro se agarrou à hidroxicloroquina como panaceia.

A partir de agora, o discurso presidencial se pautará pela ideia de que não é o isolamento mas o remédio milagroso que salvará a nação. Aqueles que negarem a poção mágica à população o farão por elitismo e não por seguirem as recomendações da Organização Mundial de Saúde que ainda aguarda estudos conclusivos para recomendá-la.

A citação a Roberto Kalil, que admitiu ter feito uso do remédio, além de antibióticos e corticóides, é uma evidência da nova frente de batalha presidencial. O desafio lançado pelo ministro Augusto Heleno, para que outro médico estrelado, o atual gestor do centro de gerenciamento da epidemia em São Paulo, David Uip, também infectado, revele seu tratamento é outro petardo.

É uma dose do mais puro bolsonarismo na veia. Descrê que a população possa entender que os resultados obtidos com a hidroxicloroquina, além de inconclusivos, ainda levantam dúvidas sobre dosagem e efeitos colaterais. Desconsidera que o mais prudente é evitar o contágio e fazer testes em massa da população. E aposta, por fim, que a saída está ao alcance da mão e só não é usada porque demófobos são os outros.

Ribamar Oliveira - “É preciso uma ação forte dos bancos estatais”

- Valor Econômico

Para Henrique Meirelles, alguns dos problemas enfrentados pelas companhias ainda não foram adequadamente resolvidos pelo governo

Os governos e analistas de vários países já discutem cenários para a retomada da economia no pós-crise da covid-19. Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, ex-ministro da Fazenda e atual secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, observa que, no Brasil, o ritmo da retomada vai depender da saúde financeira das empresas no momento da transição.

Com a experiência de quem pilotou a saída do país da crise de 2008, Meirelles adverte que alguns problemas enfrentados hoje pelas empresas ainda não foram adequadamente resolvidos pelo governo.

O primeiro deles, segundo Meirelles, é que os bancos estão com políticas restritivas de crédito. Embora tenham recursos disponíveis, pois o BC reduziu o depósito compulsório e o governo disponibilizou uma linha especial de crédito para capital de giro, o dinheiro não está chegando nas empresas. “É normal, pois há o receio com a situação futura dos tomadores. Mas é preciso pensar em alternativas para o problema.”

Ele lembra que, na crise de 2008/2009, um dos problemas centrais foi justamente o travamento do crédito, tanto internacional, como doméstico. “O consumo colapsou porque não tinha crédito”, recorda. “Houve queda de 20% do crédito total no país.” Naquela época, pequenas e médias empresas e pequenos bancos ficaram sem acesso ao crédito.

Entre as medidas adotadas para enfrentar aquela crise, Meirelles destaca a redução do compulsório. “Liberamos desde que os recursos fossem direcionados para bancos e financeiras com capital até certo limite.” Ele sugere que as próximas liberações sejam vinculadas a empréstimos para pessoas físicas, jurídicas e a outros bancos.

A contribuição dos serviços essenciais durante a crise

Claudio Sales e Eduardo Monteiro* – Valor Econômico

Eventual disparada de inadimplência das contas de luz pela impossibilidade de corte afetará distribuidoras

A crise sem precedentes que vivemos por consequência da covid-19 afeta a todas as pessoas em todos os países. Enquanto nos solidarizamos com as autoridades que precisam agir rapidamente sob muita pressão e agradecemos aos profissionais da saúde que arriscam suas vidas para cuidar da população infectada, também nos preocupamos em oferecer contribuições concretas para a continuidade da operação dos setores essenciais para o enfrentamento da crise.

As centenas de milhares de profissionais que têm trabalhado incessantemente para gerar, transmitir, distribuir e comercializar eletricidade sabem que o “produto final” por trás da complexa cadeia de valor do setor é a base para que todos os demais setores funcionem. É por isso que o setor elétrico é considerado essencial.

Todos os setores econômicos sofrem impactos profundos e precisarão dar suas contribuições para a saída da crise. Obviamente não será diferente para o setor elétrico. No entanto, por ser um setor regulado, toda e qualquer medida precisa ser pensada de forma coordenada e integrada porque a legislação e a regulação do setor, quando concebidas, não tinham diante de si um cenário como esse para testar a sua funcionalidade.

Os arranjos contratuais entre geradoras, transmissoras, distribuidoras, comercializadoras e consumidores são extremamente sincronizados e interdependentes. Logo, movimentos unilaterais que alteram leis e regras do setor podem induzir ao caos jurídico e a uma escalada de judicialização, prejudicando a coesão necessária para enfrentarmos nosso único real inimigo: o coronavírus.

Porta está aberta para a Renda Básica Universal

Rozane Bezerra de Siqueira e José Ricardo Bezerra Nogueira* - Valor Econômico

Com a crise do novo coronavírus, o debate sobre esse recurso parece mais relevante do que nunca, já que fragilidade dos sistemas de proteção social tradicionais ficou exposta

Nos últimos anos o interesse em propostas de Renda Básica Universal (RBU) cresceu enormemente em todo o mundo. Segundo os autores de um livro sobre RBU publicado neste ano pelo Banco Mundial, “Exploring Universal Basic Income” 1, 91 livros sobre o tema foram publicados apenas na última década.

O interesse não tem se restringido ao meio acadêmico: programas-pilotos foram implementados em diferentes países, e na esfera política vários candidatos têm adotado propostas de RBU como pivô de suas campanhas.

Com a crise deflagrada pelo novo coronavírus, o debate sobre uma RBU parece mais relevante do que nunca, uma vez que a fragilidade dos sistemas de proteção social tradicionais ficou exposta. Em vários países, incluindo o Brasil, surgem medidas de pagamento de uma renda básica a indivíduos ou famílias na tentativa de tapar buracos no sistema vigente.

Todavia, essas transferências que estão agora sendo implementadas não configura RBU, pois estão programadas apenas para um período emergencial e os beneficiários devem satisfazer determinados critérios de elegibilidade. Em contraste, uma RBU é usualmente conceituada como montante fixo de dinheiro regularmente pago pelo governo a cada indivíduo na sociedade, independentemente de sua renda ou posição no mercado de trabalho.

A ideia básica tem mais de dois séculos, tendo sido introduzida pelo filósofo Thomas Paine (1737-1809). A onda recente (antes da chegada do coronavírus) de interesse em RBU surgiu inicialmente nos países desenvolvidos, motivada pela crescente insegurança no mercado de trabalho - associada à automação e à globalização - e pelo crescimento da desigualdade.

No Brasil, a ideia de prover renda básica a cada cidadão foi introduzida nos primeiros anos da década de 1990 pelo então senador pelo PT Eduardo Suplicy (atualmente vereador de São Paulo). A campanha de Suplicy levou à aprovação, em 2004, da Lei de Renda Básica de Cidadania (Lei nº 10.835, de janeiro de 2004), que estabelece a progressiva implementação de uma renda básica universal no país. A lei “não pegou”. Têm prevalecidos argumentos de que uma RBU não é fiscalmente sustentável, ou de que programas de transferências focalizadas e condicionais, como o Bolsa Família, são mais efetivos na redução da pobreza.

Jorge Arbache* Temas para a recuperação da economia

- Valor Econômico

Países que souberem otimizar ações para a retomada já com um olhar prospectivo se sairão melhor da crise

Há crescente consenso de que a recessão global provocada pela pandemia da covid-19 será longa e que a recuperação da economia não será em “V”, mas em algo similar ao símbolo da Nike. O formato da recuperação dependerá dos impactos sanitários da pandemia, da extensão da paralisação das atividades econômicas, dos impactos fiscais, dentre outros fatores. Embora todas as atenções neste momento devam estar direcionadas para salvar vidas e para garantir renda para as pessoas necessitadas, há, também, que já se pensar na fase de recuperação da economia e nos temas que nela emergirão.

Um desses temas são os efeitos da pandemia na malha produtiva. Isto porque as empresas passam por dificuldades sem precedentes e até impensáveis poucas semanas atrás. Apesar dos oportunos fundos emergenciais para empresas disponibilizados pelos governos de muitos países da região, a pandemia, ainda assim, vitimizará muitas delas.

Porém, parece razoável considerar que os efeitos da recessão não serão sentidos da mesma forma pelas empresas de distintos setores e com distintas características. Espera-se que empresas da indústria manufatureira e de segmentos dos setores de comércio e serviços estejam entre as mais atingidas, bem como as micro e pequenas empresas. Mas há outros recortes que também explicarão a capacidade de resistência, sobrevivência e adaptação das empresas à crise. E, dentre estes, estão as condições das empresas em temas como estrutura de custos, produtividade, competitividade, capacidade inovadora, tecnologias e modelos de negócios.

Num provável contexto de mortalidade relativamente mais alta de empresas com custos mais elevados e com padrões de produtividade e competitividade mais baixos, observaremos, então, alteração na composição setorial e nos perfis das empresas que seguirão ativas.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Fique em casa – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez o que se espera de um gestor público responsável e estendeu até o dia 22 deste mês a quarentena decretada no Estado para conter a expansão desenfreada dos casos de covid-19. Permanecem abertos apenas os estabelecimentos que prestam serviços essenciais, como supermercados, postos de combustíveis e farmácias. Bares e restaurantes só podem funcionar com serviço de entrega em domicílio. Não há qualquer razão a justificar outra decisão que não a tomada pelo governo paulista. De acordo com as autoridades sanitárias, o País ainda não atingiu o pico de casos de infecção pelo novo coronavírus, previsto para o final de abril, início de maio. Portanto, seria absolutamente temerário flexibilizar as medidas restritivas à circulação de pessoas justamente no Estado que concentra o maior número de casos confirmados e de mortes por covid-19.

Música | Caetano Veloso - Meditação

Poesia | Carlos Pena Filho - Olinda

(Do alto do mosteiro, um frade a vê)

De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
a linha do horizonte.

As paisagens muito claras
não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
ou claridade somente.

Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tem verdágua e não se sabe,
a não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
só se reúnem na ausência.

Limpeza tal só imagino
que possa haver nas vivendas
das aves, nas áreas altas,
muito além do além das lendas.

Os acidentes, na luz,
não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
nem há mar, nem céu, nem velas.

Quando a luz é muito intensa
é quando mais frágil é:
planície, que de tão plana
parecesse em pé:

In 'Livro Geral'