terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Luiz Gonzaga Belluzzo** - Tempos difíceis*

Valor Econômico

É irrestrita a presunção a respeito das virtudes dos mercados na condução das economias ao nirvana do racionalismo

Ao assumir o cargo de secretário do Tesouro do governo conservador, David Cameron recebeu de seu antecessor trabalhista, Liam Byrne, um recado curto e grosso: “Meu caro secretário, sinto informar que não há dinheiro”.

A mensagem é simples: se não há dinheiro, corte seus gastos. O neuronavirus tem revelado enorme potencial de letalidade intelectual, ademais de revelar singular capacidade na escolha das vítimas. Os testes confirmam a preferência pelos neurônios do pensamento econômico dominante.

A opinião pública tem sido submetida a um insidioso processo de contaminação. Os especialistas e os comentaristas da mídia repetem, incansáveis, os mantras da austeridade. Ao definir o que estava “errado” e recomendar os remédios, a narrativa busca seletivamente escolher algumas dimensões da economia para imputar a responsabilidade do ocorrido.

Os adeptos da austeridade fiscal e monetária atribuem a David Ricardo a ideia da ineficácia das políticas anticíclicas: os agentes racionais, aqueles que conhecem a estrutura da economia e sua evolução provável, antecipam o aumento de impostos no futuro para cobrir o déficit incorrido agora. Isso resultaria em maiores taxas de inflação, subida das taxas de juro, expansão da dívida pública e necessidade de maiores impostos no futuro.

Na dita Ciência Econômica que prevalece em nossos dias, é geral e irrestrita a presunção a respeito das virtudes do mercados, empenhados em conduzir as economias e as sociedades ao nirvana do naturalismo, racionalismo, individualismo e equilíbrio.

Luísa Martins - A tragédia indígena e a cronologia do desprezo

Valor Econômico

Ao STF, Bolsonaro fingiu executar plano, mas o ignorou

Que o ex-presidente Jair Bolsonaro trataria a pauta indígena como mais uma de suas agendas ideológicas, catapultadas pela poderosa máquina de ódio e desinformação que funcionava a passos do seu gabinete, não era segredo para ninguém. Ainda assim, o nefasto saldo dos seus quatro anos de governo, traduzido na imagem de uma senhora Yanomami à beira da morte por desnutrição, foi capaz de chocar o mundo.

Ao Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou ao governo anterior uma série de medidas para proteger os povos originários, Bolsonaro e seus auxiliares manipularam informações, facilitaram a fuga dos garimpeiros e fizeram pouco caso das reuniões com representantes indígenas. Obrigados a prestar contas periodicamente sobre as providências em andamento, apresentaram “provas” que nada comprovaram.

Cristovam Buarque* - Os nomes do genocídio e dos genocidas

Correio Braziliense

Apesar das fotos, depoimentos, comprovações e discursos, ainda há quem conteste o holocausto cometido pelos nazistas. Da mesma forma, ainda há quem recuse o uso da palavra genocida para definir o que foi feito contra o povo ianomâmi. Mas não há como negar os sinais de crime contra a humanidade: decisões políticas tomadas, justificações ideológicas e a banalidade do mal que acoberta o crime, graças ao comportamento social brasileiro.

Tanto quanto o antisemitismo usava o argumento de uma hipotética ameaça à soberania alemã por parte dos judeus, no Brasil alguns manifestam necessidade de eliminar o povo ianomâmi para evitar a ameaça de criação de uma nação independente. Esses discursos serviram de base para justificar envenenamento da água com mercúrio, negar vacina e expulsar ianomâmis das terras onde vivem integrados à natureza desde muito antes de o Brasil surgir. Por 523 anos, o Brasil praticou o genocídio com o nome de etnocídio.

Luiz Carlos Azedo - Lula critica juros altos e escala crise com BC

Correio Braziliense

O problema é que Campos Neto tem mandato para presidir a autoridade monetária até 2024, ou seja, o seu último ano de governo. Quase “imexível”, a independência do BC foi efetivada por lei em 2021

Na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ontem, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75%, patamar em vigor desde agosto de 2022, frustrando a expectativa de parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio Lula, de que haveria uma redução de 0,25% para sinalizar a queda dos juros. Segundo o presidente, o Brasil tem uma “cultura” de juros altos que “não combina com a necessidade de crescimento” do país.

“É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disparou. Quando Lula ataca publicamente a taxa de juros praticada pela autoridade monetária, está fritando o peixe com um olho no gato e outro na frigideira. O peixe é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 2024; o gato é o mercado financeiro, sem trocadilho; e a frigideira, a opinião pública, principalmente os eleitores de Lula. A autonomia do banco é alvo de críticas do petista desde a campanha eleitoral, atacar os juros altos é uma narrativa de campanha de qualquer candidato de oposição, mas acontece que a eleição já passou.

BC poderia ser 'um pouco mais generoso' após medidas anunciadas pelo governo, diz Haddad

Segundo equipe econômica, pacote abriria espaço para uma melhora fiscal de R$ 242,7 bilhões

Nathalia Garcia, Idiana Tomazelli / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou nesta segunda-feira (6) que os alertas do Banco Central sobre a situação fiscal referem-se, sobretudo, ao legado deixado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para a atual administração, mas que a autoridade monetária poderia ter sido "um pouco mais generosa" após as medidas anunciadas pela gestão petista para melhorar as contas públicas.

Na última quarta-feira (1º), o Copom (Comitê de Política Monetária) manteve a taxa básica de juros em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse.

No comunicado, o colegiado do BC fez alertas sobre as incertezas fiscais e a piora nas expectativas de inflação, que estão se distanciando da meta em prazos mais longos, e sinalizou que deve deixar os juros no patamar atual por mais tempo.

Os recados provocaram um aumento de tensão na relação da autoridade monetária com o governo, gerando uma escalada nas críticas disparadas pelo presidente Lula contra o BC.

Lula fala o que maioria pensa, mas vai respeitar mandato no BC, diz Wagner

Líder do governo afirma que Banco Central deve dialogar com Fazenda e considerar estabilidade social

Bruno Boghossian, Thaísa Oliveira / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), diz que as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à taxa de juros do país refletem o que pensa a maioria da população. Ele afirma, porém, que o governo não vai interferir na autonomia do BC (Banco Central).

"O presidente está dizendo o que a maioria dos brasileiros acha: os juros no Brasil, do jeito que estão, são inibidores de investimento produtivo, de geração de emprego", declarou o senador à Folha.

Há semanas, Lula vem criticando a atuação do BC na definição dos juros. Nesta segunda-feira (6), ele disse que o patamar atual da taxa "é uma vergonha".

As declarações de Lula geraram desconfiança sobre o risco de pressões sobre o processo decisório do banco e de uma possível mudança nas regras de autonomia. Segundo Wagner, o presidente não tem planos de mexer no status do BC.

"Ele não pretende desrespeitar nem o mandato, nem a autonomia do Banco Central. Não é esse o debate que está em curso", afirmou.

Outros membros do governo já tentaram amenizar as falas de Lula, mas o presidente continua criticando a autarquia.

Joel Pinheiro da Fonseca - Críticos não são inimigos

Folha de S. Paulo

Desqualificar qualquer posição contrária como oriunda de interesses escusos é embotar a própria inteligência

A coisa mais difícil para um político é admitir que existe uma realidade objetiva, para além das percepções humanas, e que ela se comporta de acordo com leis que não mudam pela força do querer. Isso é verdade para construir uma ponte que não caia, para combater eficazmente uma pandemia e para reduzir os juros da economia também.

Depois de quatro anos em que o governo se resumiu basicamente a construir narrativas mirabolantes, recheadas de mentiras puras e simples, para mascarar uma realidade que não se comportava de acordo com os desejos do soberano, dá até um alívio saber que o debate sério sobre o mundo real —e não alucinações extremistas— é mais uma vez possível.

Cristina Serra - Bolsonaro na cena do crime

Folha de S. Paulo

Ou fugitivo da Flórida conspirou para um golpe de Estado ou prevaricou

Qualquer coisa que o senador Marcos do Val (Podemos-ES) diga ou deixe de dizer depois da entrevista que deu à revista Veja não anula o fato principal de que ele posicionou o fugitivo da Flórida em lugar de destaque na cena do crime. No dia 9 de dezembro, Do Val esteve numa reunião com Bolsonaro e com o ex-deputado Daniel Silveira em que foi tramado um golpe contra a democracia e o Estado de Direito.

Se tudo desse certo, o plano consistiria em prender o ministro do STF Alexandre de Moraes, invalidar o resultado da eleição, impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no poder. Do Val revela o complô com a maior tranquilidade na entrevista, como pode ser verificado no áudio divulgado por Veja.

Alvaro Costa e Silva - A comédia Marcos do Val

Folha de S. Paulo

Senador deu golpe para explicar outro golpe, mas precisa ser investigado

Outro dia, adaptando e usando canhestramente a divisa latina "ridendo castigat mores", escrevi neste espaço que castigar e corrigir os costumes rindo-se deles é refresco para a cabeça e o fígado. Foi o que fez o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ao classificar de "tentativa Tabajara" o plano de golpe de Estado revelado pelo senador Marcos do Val.

O termo alude às Organizações Tabajara, empresa fictícia criada pelo grupo Casseta & Planeta para indicar uma ação farsesca e desleixada. Ao concordar com Moraes, o humorista Huber Aranha disse que, "se fôssemos cobrar cada vez que o nome Tabajara é usado, estaríamos ricos", esquecendo-se de que o povo indígena, ancestralmente localizado no litoral, entre a ilha de Itamaracá e a foz do rio Paraíba, e que inspirou a personagem Iracema de José de Alencar, nunca recebeu um tostão pelo empréstimo da marca.

Hélio Schwartsman - Vezo populista

Folha de S. Paulo

Sem plano concreto, críticas ao Banco Central só causam ruídos

Luiz Inácio Lula da Silva passou toda a campanha eleitoral sem dizer o que faria na economia. Deveria ter continuado em silêncio, pois a maioria das declarações que deu sobre o assunto depois de assumir a Presidência teve como consequência prática a elevação do dólar e dos juros futuros.

Não, não estou afirmando que o presidente deve necessariamente sujeitar-se à vontade da Faria Lima. Se ele acha mesmo que a independência do Banco Central é um erro, deve esperar a ocasião propícia (o mandato do atual presidente vai até o final de 2024) e, aí, apresentar ao Legislativo um projeto com a sua sugestão de mudança. Ao antecipar a discussão em quase dois anos e sem mostrar nenhum plano concreto, ele só causa ruídos que prejudicam seu governo. Ou a intenção não é real e ele atravessou a rua para escorregar na casca de banana que estava na outra calçada, ou é, mas ele pagará dois pedágios (agora e na tramitação do projeto) quando teria bastado um.

Eliane Cantanhêde - Birra contra o BC não leva a nada

O Estado de S. Paulo.

O que Lula 3 quer repetir? Os acertos de Lula 1 ou os erros de Dilma Rousseff?

Assim como não se sabe o que veio antes, o ovo ou a galinha, também não está claro se a birra do presidente Lula é contra o Banco Central ou contra o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, que mergulhou no governo anterior mais fundo do que se previa, até ir votar fantasiado de bolsonarista. As duas coisas andam juntas, mas, em se conhecendo um pouquinho Lula, dá para imaginar o tamanho da implicância com Campos Neto.

Independência não combina com o presidente do BC votando com camiseta amarela da seleção no primeiro e segundo turnos de 2022. Não foi por amor ao futebol. Foi, sim, um mau passo. Campos Neto vinha passando praticamente ileso do desastre que foi o governo Jair Bolsonaro e a aprovação da independência do BC foi considerada um dos raros acertos em meio aos escombros.

Pedro Fernando Nery - 60 dias em Curitiba

O Estado de S. Paulo.

O know-how não é simples de replicar: se é difícil para o Vale do Silício, será difícil para a estatal

1,5 milhão de brasileiros gera renda por meio de aplicativos. Motoristas e entregadores em que, segundo o Ipea, predominam jovens negros sem nível superior. Um desafio para os governos: de um lado o potencial de geração de renda para os periféricos, de outro a exposição a riscos com pouca proteção estatal. O ministro do Trabalho teve uma ideia.

Como os taxistas antes deles, esses profissionais trabalham de forma autônoma. Não há nem os direitos nem as amarras da CLT, tampouco o custo da pesada tributação do trabalho no Brasil. Podem trabalhar quando quiserem, em qual plataforma quiserem, até mais de uma ao mesmo tempo.

Paulo Hartung* - Retomada verde, da urgência à oportunidade

O Estado de S. Paulo

Brasil tem chance de fazer da Amazônia um hub de inovação verde em escala global, com soluções para diversos segmentos da economia

É inegável que as rotas utilizadas para alcançar o desenvolvimento, principalmente após a revolução industrial, implicam riscos para a natureza e o meio ambiente, com impactos diretos à humanidade. Tornam-se mais frequentes eventos naturais extremos, que acentuam o sofrimento, sobretudo dos mais vulneráveis.

Segundo o relatório Grounds well, do Banco Mundial, em razão das mudanças do clima, mais de 200 milhões de pessoas terão de migrar de seu território até 2050. Deste total, quase metade refere-se a populações que vivem na África Subsaariana.

Este cenário deixa claro que, se as atuais gerações querem legar um planeta habitável, esse compromisso requer que tenhamos uma atitude mais racional e acolhedora para com a natureza. Conservá-la é fundamental, mas o desafio vai além: exige uma dose extra de ousadia para torná-la uma aliada do modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.

Carlos Andreazza - A multiplicação dos facilitadores

O Globo

O governo Lula parece querer se associar ao consórcio parlamentar liderado por Arthur Lira. Talvez não haja mesmo, não agora, alternativa. Ao mesmo tempo, talvez porque não confie nele, trabalha para conquistar para si — independentemente de Lira — parte da bancada de Lira.

É jogada arriscada, que se dá num equilíbrio tenso, em que não faltam desconfiados. Todos têm razão. A tensão faz subir os preços. Os deputados, por óbvio, são os mesmos. Teríamos uma sobreposição de bases. Lira tem uma. O governo quer agradá-lo. Quer também, para si, costela dessa base. A conta é cara e não fecha. Não há costelas para todos. O governo quer uma saída.

O Planalto quer Lira, mas quer também fatia da base de Lira — sem Lira. A sobreposição, projetada no porvir: o Planalto quer Lira já, com o que ganharia tempo, mas quer também, em conquista progressiva, porção da base de Lira, de modo a poder prescindir de Lira.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Tentativa de esvaziar agências é descabida

O Globo

Congresso precisa deter retrocesso proposto em emenda à MP que reorganizou os ministérios

Não tem cabimento a ideia do deputado Danilo Forte (União-CE) de intervir no funcionamento das agências reguladoras, subordinando suas decisões e atos normativos a conselhos vinculados aos ministérios. Uma leitura superficial das emendas propostas pelo parlamentar do Centrão à Medida Provisória 1.154/2023 pode dar a impressão de que o objetivo é seguir o princípio da “separação de poderes”, aumentar a “participação democrática” ou melhorar a “execução de tarefas” no setor público. Não é disso que se trata. A aprovação das propostas aumentaria a interferência política em áreas técnicas, elevaria o risco para investidores e faria o país dar vários passos para trás na relação entre Estado, consumidores e empresários. A recém-empossada Câmara dos Deputados precisa derrubá-las.

Poesia | Pátria Minha - Vinicius de Moraes

 

Música | Novos Baianos - Na cadência do samba