Valor Econômico
É irrestrita a presunção a respeito das
virtudes dos mercados na condução das economias ao nirvana do racionalismo
Ao assumir o cargo de secretário do Tesouro
do governo conservador, David Cameron recebeu de seu antecessor trabalhista,
Liam Byrne, um recado curto e grosso: “Meu caro secretário, sinto informar que
não há dinheiro”.
A mensagem é simples: se não há dinheiro,
corte seus gastos. O neuronavirus tem revelado enorme potencial de letalidade
intelectual, ademais de revelar singular capacidade na escolha das vítimas. Os
testes confirmam a preferência pelos neurônios do pensamento econômico
dominante.
A opinião pública tem sido submetida a um
insidioso processo de contaminação. Os especialistas e os comentaristas da
mídia repetem, incansáveis, os mantras da austeridade. Ao definir o que estava
“errado” e recomendar os remédios, a narrativa busca seletivamente escolher
algumas dimensões da economia para imputar a responsabilidade do ocorrido.
Os adeptos da austeridade fiscal e
monetária atribuem a David Ricardo a ideia da ineficácia das políticas
anticíclicas: os agentes racionais, aqueles que conhecem a estrutura da
economia e sua evolução provável, antecipam o aumento de impostos no futuro
para cobrir o déficit incorrido agora. Isso resultaria em maiores taxas de
inflação, subida das taxas de juro, expansão da dívida pública e necessidade de
maiores impostos no futuro.
Na dita Ciência Econômica que prevalece em nossos dias, é geral e irrestrita a presunção a respeito das virtudes do mercados, empenhados em conduzir as economias e as sociedades ao nirvana do naturalismo, racionalismo, individualismo e equilíbrio.