terça-feira, 19 de maio de 2020

Sérgio Abranches* - Bolsonaro em modo defesa

- O Globo

Presidente já perdeu a capacidade de governança

A aproximação de Bolsonaro com o centrão é uma mudança de modo de governo. Ele não quis formar uma coalizão majoritária, quando tinha condições políticas e poder de barganha para tanto. Agora não tem, nem uma, nem outra. O desgaste precoce, o conflito com o Legislativo, o Judiciário e os governadores, as trapalhadas na pandemia e o caso Moro lhe tiram as condições objetivas de negociar a maioria. Escolheu ser um presidente minoritário e o será até o fim. Então, o que ele e o centrão negociam?

Certamente nada parecido com uma coalizão programática, ou o mais próximo disso, como imagina o vice-presidente, general Mourão. Bolsonaro está em modo defesa. Este modo tem precedente na história recente do presidencialismo brasileiro. Foi o que paralisou de vez o governo Michel Temer, depois do “caso JBS”. A presidente Dilma Rousseff até ensaiou algumas tentativas nesse modo, mas não teve sucesso.

Bolsonaro cometeu dois erros políticos importantes. O primeiro foi demitir o ministro da Saúde. Ao fazê-lo, perdeu a possibilidade de ter pelo menos esta parte do governo atuando de forma positiva na pandemia. Agora ficou claro que o governo federal é parte do problema no avanço da Covid-19, o que enfraquece seu apoio social. O outro foi forçar a saída de Sergio Moro. Perdeu o apoio de parte dos que votaram nele para combater a corrupção e expôs-se num caso rumoroso de comportamento irregular. Este pode se agravar com a revelação do vídeo da reunião ministerial em que pressionou o ministro da Justiça a intervir na Polícia Federal. Teve que entrar em modo defesa. Um sacrifício para quem vive do confronto.

Merval Pereira - O cerco se fecha

- O Globo

Denúncia de Marinho reforça relato de Moro, de que governo estava querendo usar PF do Rio para receber informações

Os indícios de que o então senador eleito Flavio Bolsonaro recebeu mesmo um aviso de um delegado de que uma operação da Polícia Federal alcançaria seu chefe de gabinete Fabricio Queiroz e parentes dele parecem confirmados quando se nota a data da exoneração dele e de sua irmã, justamente entre o primeiro e segundo turno da eleição geral de 2018, quando teria acontecido o aviso.

O suplente de Flávio no Senado e candidato a Prefeito do Rio Paulo Marinho, que foi um dos principais apoiadores de Bolsonaro na campanha presidencial, deu detalhes e nomes do enredo, e diz ter como provar toda a sequência da trama, como passagens de avião, reserva de uma sala no hotel Emiliano em São Paulo, e talvez até conversas de WhatsApp.

A investigação do Ministério Público não é difícil com essas indicações. O hotel deve ter em vídeo a entrada dos participantes da reunião em que a estratégia para salvar Flavio foi traçada, e é simples confirmar se no dia indicado o chefe de gabinete de Flavio, e ele próprio, estavam em São Paulo, onde teriam se encontrado com advogados.

Um deles, que Paulo Marinho teria indicado, Ralph Hage Vianna, confirmou que foi procurado para defender Queiroz, mas não assumiu o caso. Segundo Marinho, porque Flavio Bolsonaro conseguiu outro advogado. A confirmação dos detalhes da reunião não pode ser feita por advogados, que são proibidos de revelar suas reuniões com clientes, mas basta fazer como Hage Vianna, ou dizer que não pode comentar, que a confirmação está implícita.

Carlos Andreazza - Programa de Aceleração do Radicalismo

- O Globo

Bolsonaro é instabilidade. Se há crise, ele será o multiplicador

A saída de Teich informa que até a inexistência individual tem limites; e que mesmo um inexistente — cujo contrato para ser ministro consistia em não ser sujeito —pode ter alguma espinha dorsal.

Teich teve, afinal. Alguém se deve ter orgulhado. Não os que percebem que seus dias na pasta se somam aos outros tantos, consumidos pela batalha que resultaria na queda de Mandetta, no curso dos quais o ministério esteve paralisado; isto em meio ao totalitarismo de um vírus cuja sanha configura a peste.

A contribuição de Teich ao país seria nenhuma se o papel que aceitou cumprir não tivesse ampliado o campo a que o chefe expusesse o autoritarismo por meio do qual exerce a atividade executiva na República: o presidente que quer e que, porque quer, terá; no caso, o protocolo para utilização da hidroxicloroquina expandido a pacientes sob infecção leve.

A lacuna Teich comunica que somente Bolsonaro pode ser ministro da Saúde de Bolsonaro. A ver apenas quem — explorando nova fronteira para flexibilização de vértebras morais — lhe será o cavalo. Não é muito diferente da vontade que se move para interferir na PF. A saída de Moro comunicou que somente Bolsonaro poderia ser a polícia política de Bolsonaro.

Repito: o presidente está trocando de pele, inaugurando um governo que se liberta da carcaça narrativa eleitoral, num processo de radicalização acelerado pela janela de oportunidades escancarada pela Covid-19. Há também, insisto, a mudança de base social: a aposta bolsonarista em compensar a perda de apoio na classe média com a conquista das camadas populares.

Bernardo Mello Franco - Em busca de um fantoche

- O Globo

Bolsonaro busca um fantoche para mandar sozinho no Ministério da Saúde. A disputa está entre militares treinados para obedecer e médicos dispostos a distribuir cloroquina

O Brasil começou a semana sem ministro da Saúde. A julgar pelas opções na praça, pode ser melhor continuar assim. A saída de Nelson Teich abriu uma corrida desenfreada pelo cargo. Há gente disposta a rasgar o diploma de medicina para chegar lá.

Jair Bolsonaro já definiu o perfil do novo ministro. Quer alguém que sorria na foto enquanto ele dá as ordens. A busca por um fantoche afunilou a disputa entre dois grupos de candidatos. Os militares, treinados para obedecer, e os cloroquinistas, que topam receitar pílulas mágicas na pandemia.

Há quatro dias, o general Eduardo Pazuello despacha como ministro interino. Ontem ele passou no primeiro teste de fidelidade. Em reunião da OMS, omitiu a gravidade da crise no Brasil e disse que o governo federal busca o diálogo com estados e municípios. Seria bom se fosse verdade, mas não é.

José Casado - A crise em câmera lenta

- O Globo

Construção do impedimento está se tornando fato político

Quem assistiu ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril pôde confirmar: o governo resolveu preencher com palavras o vazio de ideias sobre a crise humanitária.

Morreram mais de 16 mil pessoas até ontem. São 1.105% mais vítimas do que o país possuía apenas um mês atrás. É como se, em quatro semanas, houvesse desaparecido a população inteira de cidades do tamanho de Sumidouro, no Rio, Pindorama, em São Paulo, ou Canudos, na Bahia.

As cenas gravadas são de inusual crueza. O Planalto surge como centro de um pandemônio político na pandemia. Bolsonaro e alguns ministros se desqualificam em atmosfera de vulgaridades, incapazes de discernir entre a realidade e a fantasia autoritária. Confirmam a ironia do vice Hamilton Mourão: “Está tudo sob controle... só não se sabe de quem.”

O vídeo contém fragmentos de um processo de suicídio político, em câmera lenta. É parte do mosaico de autoflagelo que justifica pressões crescentes, hoje materializadas em três dezenas de pedidos de impeachment. Elas aguardam decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Míriam Leitão - A politização da economia

- O Globo

Guedes tem politizado o seu ministério ao se lançar contra adversários do presidente. Deveria ser o ponto de equilíbrio

O pior que pode acontecer no meio de uma crise é a politização do Ministério da Economia. E é o que está acontecendo na gestão de Paulo Guedes. Quando o ministro dispara sua retórica cheia de ofensas aos supostos adversários do presidente, ele está sendo parte do problema e não da solução. A demora na sanção do projeto de socorro aos estados decorre do fato de que o programa passou a ser parte do arsenal na briga contra o isolamento social. Não faz sentido usar isso na queda de braço com os governadores.

As suas frases de imagens fortes e sempre com sujeito indeterminado são feitas sob medida para fortalecer o presidente Jair Bolsonaro na guerra perigosa que ele trava com os estados. “Vamos nos aproveitar de um momento de gravidade, uma crise na saúde, e vamos subir em cadáveres para fazer palanque? Vamos subir em cadáveres para arrancar recursos do governo? ”, disparou ele na sexta-feira, no balanço dos 500 dias de governo.

Ele ajudaria se dissesse de quem está falando. Quem está transformando tudo em palanque, desde o início? Se ele olhasse para o presidente Jair Bolsonaro, acertaria a resposta. O dinheiro não é do governo federal, é dos contribuintes. A dívida, se for contraída, será em nome dos brasileiros. Este é o momento em que necessariamente teria que haver uma solidariedade entre a União e os entes federados que estão na frente de combate contra a pandemia. O Ministério da Economia nestes momentos de crise precisa ser um ponto de equilíbrio comprometido principalmente com seus princípios e pontos inegociáveis.

Ricardo Noblat - Para os bolsonaristas, o melhor é já irem se acostumando

- Blog do Noblat | Veja

Filhos acima de tudo, só abaixo do pai

O presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer do que se preocupar com o coronavírus que já matou quase 17 mil pessoas e infectou 254 mil; o índice de desmatamento na Amazônia, o maior registrado nos últimos 10 anos no mês de abril; a dificuldade enfrentada por donos de pequenos negócios de acesso a linhas de crédito especiais. Mesmo a escolha de um novo ministro da Saúde, o terceiro em pouco mais de 500 dias de governo, pode esperar.

No momento, são duas as prioridades de Bolsonaro: preparar-se para defender seu mandato ameaçado por um processo de impeachment; e salvar a pele do seu filho Flávio, investigado sob a suspeita de que embolsou parte do salário dos funcionários de seu gabinete à época em que era deputado estadual no Rio. Foi para ajudar a carreira política dos filhos que ele se lançou candidato a presidente. Uma vez eleito, imaginou que o futuro deles estava garantido.

Um amigo de Bolsonaro, que ele chama de Fred, ouviu seu desabafo na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018: “Estou fodido”. Em seguida, o presidente começou a chorar. Fred não sabe dizer se o desabafo e o choro tinham a ver com a situação de Flávio, avisado por um delegado da Polícia Federal de que em breve viria a público a história do esquema da rachadinha comandado por ele e Queiroz. Ou se tinham a ver com o despreparo de Bolsonaro para governar.

Ana Carla Abrão* - De boas intenções...

- O Estado de S.Paulo

Temos que ter mais do que boas intenções para desenhar políticas públicas corretas e eficazes para o mercado de crédito

O mercado de crédito responde a riscos. Maior o risco, em particular o de inadimplência, mais caro e mais escasso o crédito. Esse é o mecanismo que garante que os recursos – captados do público pelos bancos ou de investidores pelas fintechs – sejam aplicados de forma segura e sejam canalizados para investimentos com maiores chances de vingar. Vem daí a contribuição do mercado de crédito para o desenvolvimento econômico e para o aumento do bem-estar das pessoas.

No Brasil, há episódios recentes em que se tentou desvirtuar esse mecanismo, forçando a desconexão entre risco, preço e volume de crédito e impondo redução de juros via bancos públicos ou financiando projetos e empresas a juros subsidiados. Esses, na melhor das hipóteses, poderiam ter sido financiados a juros de mercado. Na pior, nem deveriam ter sido financiados. Nessa ilusão de que intervenções diretas no mercado de crédito funcionam, o que se conseguiu ao final foi: i) transferência da inadimplência do sistema para os bancos públicos (e portanto para o Tesouro Nacional) e ii) uma contração maior do mercado de crédito do que seria esperado em condições normais de funcionamento. Vivemos hoje a maior crise da nossa história.

Pedro Fernando Nery* - Edaíquistão

- O Estado de S.Paulo

Não será possível instituir uma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise, sem combatermos os nossos 'e daís'

“Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”. Diante disso, a liminar foi concedida no meio da pandemia, realocando milhões de reais do orçamento da Seguridade Social. Mais dinheiro para a Saúde comprar respiradores? Não, tampouco para a Assistência pagar o auxílio emergencial. Ao contrário, a decisão diminui o dinheiro disponível para as duas áreas. O juiz federal decidiu que os juízes federais não precisam pagar as novas alíquotas progressivas da reforma da Previdência.

Confisco foi a razão para considerar inconstitucional trecho da Emenda Constitucional discutida pelos constituintes ao longo do ano passado. O tema espera julgamento no STF. A liminar do juiz dada neste mês no processo 1009622-08.2020.4.01.3400 é em favor da sua própria categoria – embora seja verdade que o mesmo tratamento foi dado a outras categorias em outras ações.

O argumento é simples: como a alíquota progressiva exige contribuições maiores de quem ganha mais, aqueles no teto remuneratório terão uma alíquota efetiva de quase 17% para a Previdência. Somada ao imposto de renda, a tributação total sobre o salário superaria 40%.

Hélio Schwartsman- O dever do impeachment

- Folha de S. Paulo

Temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito

Não sei se um impeachment contra Jair Bolsonaro tem condições de prosperar. Numa avaliação política, eu diria que, hoje, não. Mas acredito que temos a obrigação moral de deflagrar o processo, mesmo que não tenha êxito. Os crimes de responsabilidade cometidos pelo atual mandatário são tantos, tão ostensivos e tão graves que deixar de acusá-lo equivaleria a coonestar suas atitudes.

O impeachment tem dupla natureza. Ele é ao mesmo tempo um instituto político e judicial. Se o bom articulador só deve levar sua proposta a votação quando sabe que vai ganhar, o policial é em tese obrigado a entrar em ação sempre que flagra uma ilegalidade.

Ranier Bragon – Mato no peito

- Folha de S. Paulo

Escolhido por Bolsonaro após cortejá-lo, procurador-geral chega à sua hora decisiva

Augusto Aras foi alçado à chefia do Ministério Público desprezando o apoio dos colegas e optando por algo que se mostrou bem mais eficaz, um vergonhoso beija-mão. Agora, o procurador-geral da República chega ao seu teste de fogo.

Desenvolve-se em Brasília um teatro. Jair Bolsonaro tenta emplacar a versão de que na reunião ministerial de 22 de abril não manifestou intenção de interferir na Polícia Federal para proteger a ninhada. Contra suas próprias palavras, ações, regras palacianas e a lógica em geral, fala que queria interferir era na sua segurança pessoal. Uma história que faz a Operação Uruguai de Collor, de quase 30 anos atrás, parecer ter sido bolada em Harvard.

O teatro dos parlapatões é completado por generais —oriundos de uma corporação que tanto preza a verdade e a honra— se prestando ao patético papel de sustentar o que sabem ser uma mentira. E em prol de uma família cuja palavra não vale absolutamente nada.

Caberá a Augusto Aras decidir entre a denúncia e o arquivamento.

Pablo Ortellado* - Regular as mídias sociais

- Folha de S. Paulo

Conter desinformação exige enfrentar os paradoxos da colisão de direitos e os riscos da regulação estatal

À medida que o problema da desinformação nas mídias sociais se agrava, em meio à pandemia, propostas legislativas apressadas e mal formuladas têm ganhado impulso —inclusive sendo aprovadas em assembleias estaduais.

Por isso, é um alento ver o projeto de lei de regulação das plataformas de mídia social dos deputados Felipe Rigoni e Tabata Amaral. Apesar de imperfeições pontuais, o projeto tem uma abordagem adequada, ampliando a transparência e aperfeiçoando medidas já adotadas.

Assim que foi apresentado, o projeto despertou um apaixonado debate entre plataformas, ativistas dos direitos humanos e empresas de comunicação. Um dos pontos centrais do debate são possíveis ameaças à liberdade de expressão.

Embora as mídias sociais ofereçam um serviço privado, elas se tornaram o meio padrão de comunicação da sociedade, de maneira que é perfeitamente razoável entender que limitar a expressão nesse serviço efetivamente limita a liberdade de expressão.

Mas a liberdade de expressão não é o único direito humano em questão na regulação das plataformas. Outros direitos, como o direito à não discriminação e o direito à vida, têm sido fortemente ameaçados, caracterizando uma colisão de direitos que precisam ser ponderados.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Quando as redes invadem as Redações

- Folha de S. Paulo

A luta para não dar visibilidade é perdida e não adianta lutar contra ela

Antes das redes sociais, era muito fácil manter uma ideia ou um personagem fora do debate público: bastava que não lhe fosse dado espaço na imprensa. Na impossibilidade de chegar a um número relevante de pessoas, a ideia ou pessoa dificilmente teria notoriedade ou fama. O sistema podia excluir pessoas de mérito genuíno, mas também barrava muitos malucos e desinformantes.

Isso mudou. As figuras mais bizarras não precisam dos holofotes da mídia tradicional para fazer fama, fortuna e até chegar ao poder. A estratégia de negar espaço não funciona mais; Facebook e WhatsApp estão abertos a todos.

Supondo que seja um objetivo da sociedade e da imprensa reduzir a quantidade de oportunistas, malucos e charlatães que vendem desinformação para o grande público, qual deveria ser a postura da imprensa profissional neste novo contexto?

Uma crítica comum ao trabalho da imprensa é a de que, quando noticia as aberrações ditas e feitas por figuras em busca de fama, isso só lhes ajuda a ficarem ainda mais famosas. Vemos isso, por exemplo, no triste espetáculo dos manifestantes pró-Bolsonaro em Brasília. Ao mesmo tempo, é importante que o público conheça o que está acontecendo no país. E o horror gera cliques.

Yascha Mounk* - Um mundo diferente, mas nem tanto

- Folha de S. Paulo

É preciso evitar tentação de que atuais acontecimentos acarretarão mudanças sem precedentes

Nas últimas semanas, todo intelectual que se preze tem dado declarações abrangentes e generalizadas sobre as grandes transformações que a pandemia vai inaugurar.

Alguns dizem que a era da globalização já acabou, inequivocamente. Para outros, nossa vida social ficará irreconhecível. Cafés, festas, restaurantes e reuniões em massa vão virar coisa do passado.

Eu me arrisco a duvidar disso.

Um vírus novo se espalhou rapidamente por todo o mundo nos últimos meses da Primeira Guerra Mundial, matando milhões de pessoas. No meio daquela pandemia também deve ter parecido que algumas coisas jamais poderiam voltar ao normal.

Muitos milhares de jovens estavam morrendo em hospitais de campanha simplesmente por terem por acaso topado com alguém que era portador do vírus.

Por que as pessoas quereriam algum dia voltar a correr o risco de contrair uma doença tão assustadora, apenas pelo prazer de dividir um drinque com amigos ou ouvir um pouco de música?

No entanto, a devastação da Primeira Guerra Mundial e da gripe espanhola foi seguida rapidamente por um mergulho delirante na sociabilidade. Os chamados "Roaring Twenties" (os loucos anos 1920) testemunharam uma explosão de cafés, festas, concertos e reuniões de massa.

Isso está longe de ser uma aberração. Ao longo da história, a humanidade já passou por muitas fases de pestilência (ou criminalidade, ou terrorismo, ou vários outros tipos de perigos à vida e à integridade física de foliões).

E, embora todos esses surtos de doenças contagiosas tenham tido consequências de longa duração, a única coisa que nunca conseguiram foi impedir as pessoas de buscar a companhia umas das outras. Afinal, somos animais sociais.

Andrea Jubé - E vai colocar quem no lugar?

- Valor Econômico

PEC impede vice de assumir Presidência em definitivo

Parlamentares que transitam na cúpula das duas Casas legislativas afastam um eventual impeachment alegando que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro ainda é alta, não tem ambiente político, a economia claudica, mas ainda não tombou, e não tem povo na rua - até porque a pandemia da covid-19 impede aglomerações. Essas lideranças insistem que “precisa de povo na [Avenida] Paulista para derrubar presidente”.

Do rol de justificativas, o argumento cabal é a ausência de uma liderança nacional que traga estabilidade ao país. “Vamos tirar o Bolsonaro para colocar quem no lugar?” É a pergunta que todos se fazem e, invariavelmente, vem acompanhada de um silêncio e um suspiro. Um dirigente partidário observa, em tom pragmático, que “Bolsonaro é o que temos para o jantar”.

A leitura predominante entre parlamentares influentes nas duas Casas é a de que um impeachment neste momento só favorece o vice-presidente Hamilton Mourão e mais dois atores: o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

“E ninguém no Congresso gosta deles”, sublinha um senador experiente, sobre Moro e Doria. A menção a Mourão sugere outro verbo: não é gostar ou desgostar, trata-se de desconfiar.

Embora Moro tenha feito gestos de aproximação com o mundo político na passagem pelo governo, a maioria dos parlamentares ainda o vê como o “xerife” da Lava-Jato, que levou dezenas de deputados e senadores ao banco de réus.

Armando Castelar Pinheiro* - Covid-19, inflacionária ou deflacionária?

- Valor Econômico

Há um certo consenso de que, no curto prazo, a pandemia será desinflacionária, mas o debate sobre para onde vai a inflação no pós-pandemia segue acalorado

No início do choque da covid-19, havia dúvidas se esse levaria a inflação para cima ou para baixo. Os inflacionistas enfatizavam a forte queda da oferta provocada pelas medidas de combate à pandemia e, no caso das economias emergentes, a desvalorização cambial. Já os deflacionistas entendiam ser o choque deflacionário, por entender ser o efeito dominante a grande retração da demanda trazida pelo choque, não só pela queda do consumo, por as pessoas ficarem em casa, e do investimento, com a alta da incerteza.

A evolução da inflação nas últimas semanas favorece os deflacionistas. Nos EUA, o índice de preços ao consumidor, com ajuste sazonal, apresentou deflação tanto em março (-0,4%) como em abril (-0,8%), levando a alta dos preços acumulada em 12 meses para apenas 0,3%. No Brasil, a inflação foi na mesma linha, com o IPCA subindo 0,07% em março e caindo 0,31% em abril.

Mas a pandemia é só parte dessa história. Em especial, a queda do preço do petróleo também ajudou a derrubar a inflação. Basta ver que, no Brasil, o preço da gasolina ao consumidor caiu 1,8% em março e 9,3% em abril. Como esta tem peso de 5,1% no IPCA, se o preço da gasolina não tivesse caído, não teria havido deflação em abril. Assim, a alta de mais de 40% no preço do petróleo este mês pode mudar um pouco esse quadro.

Assis Moreira - EUA querem a China fora da OMC

- Valor Econômico

Anúncio da saída de Roberto Azevêdo da direção da OMC provoca especulações sobre um futuro político no Brasil

A sucessão de Roberto Azevêdo na direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), nos próximos meses, vai ser marcada pela competição geopolítica entre os Estados Unidos e a China. Sem surpresa, porque todos os assuntos hoje na cena multilateral de comércio estão dominados pela polarização entre Washington e Pequim.

A administração de Donald Trump quer isolar os chineses. Uma opinião crescente em Washington é de que ou a China é empurrada para fora da OMC ou a OMC terá de mudar muito para os EUA continuarem na entidade.

Uma grande frustração americana, porém, é que sua intenção de colocar a China fora da OMC não tem o eco esperado nem entre seus aliados mais próximos. Nenhum país quer comprar, abertamente pelo menos, uma briga feia dos EUA com Pequim. Como parceiros não encampam os planos americanos, restará a Washington continuar asfixiando a entidade, até que os outros países se submetam a uma reforma profunda.

A principal queixa americana na OMC é de que os chineses têm status de país em desenvolvimento, o que significa prazos e concessões mais flexíveis. Washington acha isso um absurdo e fez propostas para enquadrar o Tratamento Especial e Diferenciado (TED). China, Brasil e outros grandes emergentes não terão essa vantagem nas futuras negociações.

Além disso, os EUA alegam que as regras da OMC não são capazes de enquadrar a economia chinesa, porque elas foram feitas para disciplinar economias de mercado de maneira geral. E a economia chinesa, com o grau de intervenção tão alto do Estado, distorce o campo de competição em favor das suas empresas.

Desistência de Freixo deve beneficiar Paes na eleição para Prefeitura do Rio

Para líderes da esquerda, saída de deputado da corrida pela prefeitura do Rio aumentaria chances do candidato do DEM de chegar ao segundo turno; PT, até então principal aliado do PSOL, já estuda lançar Benedita da Silva

Juliana Castro | O Globo

RIO — A saída do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) da disputa pela prefeitura do Rio embaralhou o ainda indefinido jogo eleitoral e as negociações entre a esquerda em território fluminense. Nos bastidores, há uma avaliação de que, inicialmente, a desistência de Freixo acaba beneficiando o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). O PT, partido que mantinha a negociação mais sólida com o PSOL, agora trabalha para convencer a ex-governadora Benedita da Silva a ser candidata, mas, também por causa da divisão entre os partidos do mesmo campo ideológico, ela ainda resiste à ideia.

Em entrevista ao GLOBO na semana passada, Freixo informou que abriu mão da candidatura à prefeitura do Rio após não ter conseguido unir as siglas de esquerda. Existe uma fissura, com PDT, PSB e Rede de um lado e PT, PCdoB e PSOL de outro nacionalmente, num efeito cascata que vem desaguando nas articulações municipais. O PDT, por exemplo, tem a deputada estadual Martha Rocha como pré-candidata.

— A gente passou a trabalhar agora efetivamente com a candidatura própria e o nome que estamos tentando convencer é o da Benedita — disse Washington Quaquá, vice-presidente nacional do PT e ex-presidente estadual do partido no Rio, afirmando que, apesar da nova empreitada, a sigla não dispensará conversas para um acordo mais amplo com os demais partidos de esquerda.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Novas evidências do interesse de Bolsonaro na PF – Editorial | O Globo

Fica mais inverossímil a versão de que o presidente se preocupava com sua segurança pessoal

A reunião ministerial de 22 de abril, uma quarta-feira, em que Bolsonaro ameaçou demissões em série caso não conseguisse trocar a “segurança” no Rio seria o início de uma sucessão de dissabores para o presidente. Para provar que não havia dúvidas sobre a quem ele se referia, saiu no Diário Oficial, a altas horas, a destituição do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, e, no dia seguinte, o superior hierárquico de Valeixo, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, leu um pronunciamento para explicar sua saída do governo, acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF por interesses pessoais. Um atentado à necessária separação republicana entre governo e Estado.

Aberto um inquérito pelo ministro do Supremo Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, passaram a surgir evidências que confirmam a intenção de Bolsonaro de intervir na PF, para a defesa “da família e amigos”. Enquanto se espera a decisão do ministro sobre se divulgará a íntegra do vídeo da reunião ou apenas partes dele, constatações tornaram mais insustentáveis a versão construída de que o presidente se referia à sua segurança pessoal e da família.

Música | Toquinho - Quem viver, verá

Poesia | Bertolt Brecht - Intertexto

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.