sábado, 16 de setembro de 2023

Dora Kramer - O sujeito oculto

Folha de S. Paulo

Na trilha do julgamento, Supremo chegará ao papel de Bolsonaro na intentona de 8/1

A certa altura do voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do primeiro condenado pela intentona de 8 de janeiro de 2023, o decano da corte pontuou: "Falta alguém".

Referia-se a quem dominava os fatos que acabara de relatar numa linha do tempo dos inúmeros e repetidos atos de insuflação que culminariam na tentativa de golpe de Estado.

Para os bons entendedores dali e de alhures, aquelas duas palavras bastaram. Serviram à compreensão de que o sujeito oculto no cenário traçado com precisão e contundência por Gilmar e por demais ministros sobre o significado dos ataques chama-se Jair Bolsonaro.

Hélio Schwartsman - Destruição criativa 2.0

Folha de S. Paulo

Avanços da inteligência artificial vão exigir revolução anímica

Não compro muito a ideia de que a inteligência artificial (IA) vai destruir o mundo. Digo-o não porque tenha conhecimento privilegiado do porvir —em tese, é perfeitamente possível que as IAs sejam nossa ruína—, mas porque sei que, diante do novo, nossa tendência é sempre a de exagerar os perigos. Quem quiser uma confirmação empírica disso pode pegar nas coleções de jornais os artigos catastrofistas dos anos 1970 e 1980 que comentavam o advento dos bebês de proveta, que hoje não despertam mais polêmica.

Demétrio Magnóli - Negacionista silencioso

Folha de S. Paulo

Lula e Silvio Almeida negam direitos humanos por motivos geopolíticos e ideológicos

No 16 de novembro de 1998, o então ex-ditador Pinochet foi preso em Londres por solicitação do juiz Baltasar Garzón. A prisão no Reino Unido de um chileno indiciado por um espanhol representou uma aplicação inédita do princípio da universalidade dos direitos humanos. Meses antes, o Estatuto de Roma estabelecera o Tribunal Penal Internacional (TPI), que entrou em vigor em 2002. Nos 50 anos do golpe de Pinochet, quando Lula investiu contra o TPI, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, alinhou-se ao presidente por meio de um silêncio cúmplice.

Lula e Almeida são negacionistas dos direitos humanos, mas o primeiro os despreza por motivos geopolíticos enquanto o segundo os renega por motivos ideológicos. As razões do presidente, embora abjetas, inscrevem-se na esfera superficial do oportunismo. Já as razões do ministro têm raízes profundas e, por isso, ferem o núcleo da cultura dos direitos humanos.

Cristovam Buarque - Lições da Índia

Revista Veja

Lamentamos e choramos derrotas no futebol, mas não na ciência

Em 2014, o Brasil teve um dos mais tristes dias de sua história: choramos porque nossa seleção de futebol perdeu para a Alemanha por 7 a 1, e ainda hoje lamentamos o resultado. Agora soubemos que a Índia pousou uma nave na Lua, além de ter enviado um satélite para a órbita de Marte e um foguete em direção ao Sol. Mas não houve constrangimento nacional por termos ficado para trás na corrida espacial. Foi como se não tivéssemos interesse nesse campeonato. Não debatemos as causas de nossa derrota tão retumbante, por um país com renda per capita equivalente a 1/3 da brasileira. Durante os dias seguintes a essa derrota não houve tristeza nas ruas, nem discursos no Congresso, nenhuma CPI foi convocada. No máximo algumas lembranças da explosão do nosso foguete em Alcântara há vinte anos. A derrota para a Alemanha será superada em Copas seguintes, mas a recuperação na corrida espacial exigirá décadas.

Alvaro Gribel - Ritmo de queda da taxa de juros

O Globo

Mercado dá como certo corte de meio ponto na semana que vem, mas vêm crescendo as apostas de aceleração para 0,75 na reunião de dezembro

O Banco Central dará mais um corte de 0,5 ponto na taxa Selic na próxima quarta-feira, mas no mercado financeiro vem crescendo as apostas de que o ritmo poderá se acelerar para 0,75 ponto na reunião de dezembro. De um lado, a inflação de serviços vem vindo melhor do que o esperado, e as expectativas de inflação também estão sob controle. Isso reforça os argumentos dos mais otimistas. Mas, por outro, há incertezas que podem levar à manutenção de cortes de meio ponto nas próximas reuniões: preço do petróleo em alta, descrença com o cumprimento da meta fiscal e valorização do dólar no mercado internacional. Além disso, em se tratando de política monetária, quanto maior for o crescimento econômico e menor o desemprego, maiores as pressões inflacionárias. Esses dois indicadores — ótima notícia— estão surpreendendo positivamente.

Carlos Alberto Sardenberg - A ditadura equivocada na China

O Globo

Como não há debate sobre a falência de certas políticas, não há base para a procura das mais corretas

O governo da China enfrenta sérias dificuldades naquilo que parecia ser sua especialidade: botar o país para crescer. Há problemas econômicos específicos — como o endividamento das administrações regionais e o esgotamento de grandes projetos de infraestrutura —, mas a questão básica é mais profunda. Trata-se da perda de eficiência do sistema político, aquele que se poderia chamar de ditadura esclarecida.

Ditadura, pelo óbvio. A sociedade vigiada e controlada pelo Partido Comunista. Na economia, ampla abertura para o investidor privado nacional e estrangeiro. Por trás disso, o comando de uma burocracia formada nas melhores universidades ocidentais e treinada em grandes companhias.

Um pequeno exemplo: a política monetária é aplicada pelo Banco do Povo da China. O povo não manda nada. Mandam economistas que trabalham exatamente como os mais eficientes banqueiros centrais do mundo.

Pablo Ortellado - Petismo quer sufocar a dissidência

O Globo

Gregório foi atacado nas redes após convidar Lula a tomar um café com candidatas negras à vaga que será aberta no STF

Na semana passada, o humorista Gregório Duvivier fez uma publicação no X (antigo Twitter) convidando o presidente Lula a tomar um café com candidatas negras à vaga que será aberta no STF. O post não era agressivo. Apenas dizia, simpaticamente:

— Nós marcamos um café pro Lula conhecer algumas juristas negras com notável saber jurídico que podem ocupar a próxima vaga do STF. Ajude a gente a fazer o convite chegar até ele.

Não havia nenhuma crítica ao presidente, apenas o convite para um café. Mesmo assim, a publicação foi respondida com uma duríssima campanha de ataques pessoais. Gregório foi chamado de “maconheiro do Leblon”, “agente da CIA” querendo promover uma “revolução colorida” com “dinheiro do Soros”, foi acusado de ter uma empresa racista e de fazer “humor racista”. A grande disparidade entre o delicado convite para o café e as pesadas críticas pessoais é sinal da indisposição radical de parte da militância petista em aceitar qualquer forma de dissidência ou posicionamento independente, especialmente de alguém que faz parte do campo da esquerda.

Eduardo Affonso - O Brasil é f...

O Globo

Para que funcione, o palavrão precisa manter afiado seu gume, preservada sua potência. Lâmina que muito se usa perde o fio

Há coisas que qualquer palavra nomeia ou traduz. Para as inefáveis e intraduzíveis, existe o palavrão.

Ele ajuda a aliviar a dor (por isso xingamos ao dar uma topada) ou a frustração (daí os estádios explodirem em imprecações diante do passe errado, do gol perdido). Isso acontece porque desbocar-se é uma forma de transgressão. Afrontar um tabu (sexo, religião, escatologia) aumenta o nível de estresse e gera uma descarga de adrenalina que nos deixa mais aptos a enfrentar um perigo — ou a fugir dele. Ao desafiar a moral, o palavrão levanta o moral. E, frequentemente, substitui a agressão física. Bem-aventurado o que atribui a profissão mais antiga do mundo à genitora de quem lhe deu uma fechada no trânsito, pois isso sacia (em parte) sua sede de vingança e evita que retribua a barbeiragem na mesma moeda.

Almir Pazzianotto Pinto* - Unicidade, pluralidade ou autonomia

O Estado de S. Paulo

O modelo sindical brasileiro é único. Recusa-se a admitir que trabalhadores e patrões devem gozar de autonomia de organização e de liberdade de filiação

Há décadas o corporativismo fascista presente na estrutura sindical repele as regras democráticas. Dirigentes da velha geração defendem a classificação de empregadores e trabalhadores em categorias econômicas e profissionais e o princípio da unicidade, adotados na ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) e mantidos no Título V da Consolidação das Leis do Trabalho, que trata da organização sindical.

De outra parte, os defensores das liberdades democráticas se empenham em campanhas pela modernização do anacrônico sistema. Enfrentam, porém, cerrada oposição de correntes conservadoras, para as quais sindicatos, federações e confederações devem continuar colados ao Ministério do Trabalho, como mexilhões ao rochedo marinho.

O artigo 8.º da Constituição de 1988 procurou solução intermediária entre o modelo corporativo-fascista e o projeto democrático, não alcançando, porém, bons resultados. Prescreve o dispositivo que “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município”.

Adriana Fernandes - O trem da alegria

O Estado de S. Paulo

É inaceitável que o Congresso carimbe mais um custo para todos os contribuintes

Se quiser mostrar compromisso verdadeiro com o corte de despesas, o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem de colocar na geladeira a PEC que pode incorporar na folha de pagamento do governo federal até 50 mil servidores dos antigos territórios de Rondônia, Amapá e Roraima, com custo de R$ 6,3 bilhões por ano.

A PEC foi aprovada de forma irresponsável nesta semana pelo Senado, e tramita agora na Câmara – onde, dizem, será enxugada para diminuir seu alcance. Mas o certo, neste momento, é retornar à gaveta, de onde não deveria nem mesmo ter saído.

Marcus Pestana* - Ancoragem fiscal e o orçamento de 2024

O Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente no. 80 de setembro de 2023 vem à tona no momento em que o Congresso Nacional analisa o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2024 (PLOA 2024), primeiro orçamento baseado nas disposições da Lei Complementar n° 200, de 2023, conhecido como "Novo Arcabouço Fiscal" (RFS), em substituição ao atual “Teto dos Gastos”, instituído no fim de 2016 pela Emenda Constitucional n° 95. As discussões no âmbito do Congresso se desenvolvem tendo como ponto de partida um cenário de desequilíbrio fiscal, indicado por persistentes déficits primários entre 2014 e 2021, à exceção do pequeno superavit de 0,5% do PIB em 2022, e o retorno da situação deficitária em 2023, projetada pela IFI em 1,0% do PIB.

George Gurgel* - Os desafios da cidadania nas eleições municipais de 2024

No Brasil, as distintas realidades regionais e municipais, desafiam a construção de novas formas de pensar e fazer política no município, refletindo nas diversas formas de organização das comunidades e no próprio exercício da cidadania, a partir de uma rica diversidade cultural, histórica e social.

As eleições municipais que irão acontecer em 2024 colocam em disputa as concepções de governar e de se relacionar de cada um de nós com o lugar em que vivemos, desafiando novas formas e meios de fazer política, diante da nossa difícil realidade econômica, social e ambiental.

Os resultados das últimas eleições municipais de 2020 registraram um nível de abstenção recorde de 23%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, refletindo no nível de satisfação do eleitorado de apenas 41%, junto ao nível de insatisfação que foi de 31% da população.

Ao mesmo tempo, constatou-se, nas eleições municipais de 2020, um maior protagonismo dos movimentos sociais em defesa de uma efetiva participação política das mulheres, afrodescendentes, indígenas, LGBT+s, discutindo as questões específicas e em geral da sociedade, renovando as Câmaras Municipais e Prefeituras dos médios e grandes municípios, trazendo novas lideranças, representando a voz rouca dos excluídos da sociedade para o exercício do poder municipal. Ainda há que se destacar a eleição de lideranças religiosas, particularmente evangélicas, o que já vem ocorrendo no Brasil, há vários anos.

Alberto Aggio* - Há 50 anos chegava ao fim o Chile de Allende

Revista Será?

Uma coluna de fumaça escura levantou-se na área central de Santiago do Chile na manhã de terça-feira, 11 de setembro de 1973. Não parecia um incêndio qualquer, mas algo grave e ameaçador porque minutos antes foi possível ouvir o ruído dos caças da Força Aérea do Chile em voos rasantes sobre o centro da cidade. Rapidamente começaram a chegar as informações sobre o que estava se passando. Dramáticas imagens do cirúrgico bombardeio ao Palácio La Moneda começavam a correr o mundo. Eram cenas chocantes em se tratando de um país que cultivava a imagem de estabilidade política e solidez institucional. Naquele dia o governo democraticamente eleito do socialista Salvador Allende chegava ao fim e com ele a democracia chilena e tudo o que ela significava em termos de cultura política e convivência entre os chilenos. 

Salvador Allende havia governado o Chile por pouco menos de três anos depois de ter vencido as eleições em 1970 como candidato pela Unidade Popular (UP), uma coalizão de esquerda nucleada pelos Partidos Socialista (PS) e Comunista (PC), somados a alguns aliados menores. O Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR), que não faia parte da UP, contestou permanentemente o caminho adotado por Allende.

Sérgio C. Buarque* - Fracasso ou derrota? – 50 anos do golpe do Chile

Revista Será?

Há 50 anos, na manhã do dia 11 de setembro de 1973, um violento golpe de Estado interrompeu o projeto inovador e generoso do presidente Salvador Allende: a construção do socialismo através das vias legais, a revolução sem ruptura das instituições democráticas que levaria ao socialismo democrático. A Unidad Popular, liderada pelo presidente Allende, apostava num caminho totalmente diferente das conhecidas experiências insurrecionais de tomada do poder com implantação de regimes autoritários. Esta via ao socialismo não surge no Chile por acaso e poderia mesmo ter sido viável, considerando a cultura política democrática do país, formada numa história de décadas de democracia, de negociação e convivência de diferentes forças políticas; incluindo a atuação legal e a presença parlamentar de partidos de esquerda, como o Partido Socialista e, mesmo, o Partido Comunista (o PC chegou a participar de governos em aliança com o Partido Radical). 

Por isso mesmo, foi surpreendente a virulência do golpe militar e a implantação de uma das ditaduras mais duras e desumanas da América Latina, rompendo drasticamente com a história e a cultura política do Chile. A forte repressão aos militantes da esquerda, da UP e, mesmo, da oposição democrática, deixou um rastro trágico de mais de três mil mortos ou desaparecidos, milhares de prisioneiros torturados e cerca de 200 mil chilenos exilados.(1)

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Não cabe ao presidente revogar adesão ao TPI

O Globo

Decisão sobre integrar a Corte de Haia honra diplomacia brasileira — e já foi tomada pelo Congresso

Em mais um deslize verbal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o líder russo Vladimir Putin não seria preso se viesse ao Brasil para o encontro do G20 previsto para 2024. Putin não foi à reunião do Brics na África do Sul porque é alvo de mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), sob a acusação de crime de guerra ao deportar crianças da Ucrânia. Diante da repercussão negativa, Lula consertou dizendo que a decisão caberia à Justiça. Mas continuou desdenhando a Corte. Na quarta-feira, o ministro da Justiça, Flávio Dino, engrossou o coro afirmando que a diplomacia brasileira reavaliará a adesão ao TPI. É uma postura constrangedora. Mais uma vez, o governo tenta moldar a política externa a suas simpatias ideológicas.

Poesia | 𝓟𝓻𝓮𝓼𝓼á𝓰𝓲𝓸 - Fernando Pessoa

 

Música | Victor Jara - Herminda de la Victoria