Agora seria definitivo: anuncia-se que a presidente Dilma Rousseff desistiu de aumentar a carga tributária e onerar a classe média, demovendo sua tropa da missão de criar um novo imposto, tenha o nome e destino que tiver, detalhes que não importam mais desde que a CPMF, deglutida como propulsora do bem estar do Brasil, passou a uma distância amazônica dos problemas da Saúde que deveria superar.
O Palácio, o Congresso, o Ministério da Fazenda, os ministros em geral, os partidos, não têm credibilidade para levar o contribuinte a confiar em suas informações e promessas, menos ainda nas assertivas tardias de desistência do imposto punitivo. O mesmo arauto da decisão do "não" da presidente ao novo imposto, anteontem, foi o arauto do "sim" há apenas uma semana: o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT).
Ao longo dos últimos dois meses em que a ameaça do novo imposto se tornou aguda, o governo foi pesadamente ambíguo e pusilânime. Em diferentes momentos de clara contradição, foi ao escárnio com a população pagante.
Ambiguidade do governo só permite descrer de tudo
De início, a presidente tentou manter o discurso de campanha segundo o qual a carga tributária elevada não permitiria a criação de novo imposto. O ministro da Saúde do governo Dilma, Alexandre Padilha, como a estabelecer diferença com os anos de lamentação agressiva e desafiadora do ex-presidente Lula por ter perdido o dinheiro fácil do imposto do cheque, foi logo dando garantias ao eleitorado: o governo não faria um único gesto em direção a uma nova tomada de dinheiro antes de inventariar o gasto, bastante extenso, com a Saúde.
Prometia o ministro uma verdadeira auditoria, e meses depois a Saúde foi uma das três ou quatro áreas definidas como prioritárias na agenda da Comissão de Gestão Pública da Presidência. Nenhuma das duas iniciativas apresentou conclusões ainda, portanto é lícito supor que nada se sabe ainda sobre os ralos da Saúde.
Com a pressão do Congresso - especialmente da Frente Nacional da Saúde, que deflagrou campanha liderada pelo príncipe do imposto, o deputado Darcísio Perondi (PMDB), pela regulamentação da Emenda 29, que obriga a aplicação de percentuais determinados em Saúde pela União, Estados e Municípios, o governo aprofundou sua contradição. Dizia não se sentir, ele próprio, atingido ou cobrado, pois já estaria aplicando o percentual que viria a ser dele exigido na regulamentação da emenda. Mas começou a engendrar formas de levar o Congresso a criar o imposto sem parecer que estivesse participando da traição.
O discurso passou a ficar cínico, pois admitia, abertamente, que diante da impopularidade do novo imposto a presidente iria deixá-lo para o Senado, onde tem maioria folgada e é uma Casa de negociação tranquila, encarregando os governadores, grandes interessados na verba, da campanha por sua aprovação.
Imediatamente o trono da CPMF passou a ser disputado por candidatos fora do Congresso, como o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), coincidentemente aquinhoado com uma representação da presidente em evento internacional, e o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que chegou a cunhar mais um de seus espetaculares e característicos conceitos, numa inversão tripla carpada, como diria o ministro Ayres Brito: o fim do imposto, dizia Cabral, foi covardia com o povo. O povo não reelegeu quem votou contra o imposto. O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), entrou na roda para admitir que o imposto "puro e simples" a sociedade não aceita mais, nada tendo assegurado, porém, quanto a um imposto impuro e complexo.
A ministra Ideli Salvatti (PT), das Relações Institucionais, veio em socorro de todos, lembrando o caráter fiscalizatório que o imposto tem, um argumento contra a sonegação tão antigo quanto falacioso, muito usado na era Lula e preferido na Fazenda, onde um canal de arrecadação fácil, rápido, simples, dinheiro na veia como a CPMF, tem tratamento VIP.
O PT aprova o imposto; o PMDB rachou, ficou com medo da repercussão na classe média, mas não disse que não o aprovava; os partidos de oposição não conseguiriam, sozinhos, barrá-lo. Houve um momento emque os políticos transformaram a recriação da CPMF em uma derrota do governo, mais uma alegação do tipo das inventadas pelo pândego governador do Rio.
Diante da balbúrdia geral, o governo, entre as idas e vindas, resolveu anunciar que aprovaria a emenda 29 na Câmara, mas deixaria o imposto para o Senado. E começaram a surgir ideias sobre fontes de financiamento da saúde que não fossem um imposto, todas recusadas pelo Ministério da Fazenda: taxação das grandes fortunas, dos lucros dos bancos, do cigarro e da bebida, parte do pré-sal, loterias, bingos. Mas o governo só queria imposto.
Dilma, em todas as entrevistas que passou a dar, numa nova estratégia de comunicação, deixou de renegar o imposto, como fazia em campanha. E começou a defender mais recursos para a saúde. A crítica da presidente à CPMF referia-se apenas ao desvio dos recursos, que jamais foram para a Saúde. Para bom entendedor...
Há apenas 24 horas, os governadores assumiriam o desgaste pelo governo federal e a presidente sairia incólume da refrega do aumento da carga tributária num país em que ela já é 35% do PIB e o aumento de arrecadação, sem CPMF, foi de R$ 195 bilhões no ano passado. De repente, surge a ordem do arquive-se tudo.
Essa discussão é uma farsa e tudo o que se diz é artifício para iludir. Acredite na última forma quem quiser.
A reforma política do deputado Henrique Fontana (PT) é um quasímodo em matéria de organização do voto, feita para agradar PT e PMDB. Prevê o distritão, para dar uma ao pmdb, e o voto em lista fechada, para dar outra ao PT. Mas inova mesmo é no financiamento de campanha. Fontana legaliza o mensalão. Sim, é o que faz ao permitir que empresas estatais usem o dinheiro do contribuinte para financiar a eleição. Naquilo em que Correios e Visanet, por exemplo, foram pegos em flagrante de irregularidade, agora será legal para Petrobras e Banco do Brasil.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília.
FONTE: VALOR ECONÔMICO