• TCU adia decisão sobre bloqueio de bens após O Globo revelar que Graça e Cerveró passaram imóveis a filhos
Vinicius Sassine, Eduardo Bresciani e Demétrio Weber - O Globo
BRASÍLIA - O Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu ontem à tarde a votação sobre o bloqueio dos bens da presidente da Petrobras, Graça Foster, logo após o site do GLOBO revelar que Graça e Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional da estatal, doaram imóveis aos filhos depois que estourou o escândalo da compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos.
No momento que a reportagem foi publicada, os ministros discutiam exatamente se decretariam o bloqueio dos bens de Graça Foster. Os bens dos demais diretores envolvidos no caso Pasadena, inclusive os de Cerveró, já estão bloqueados, mas o TCU tomou a decisão quando Cerveró já tinha passado aos bens à família.
Com a sessão em plenário em curso, o ministro José Jorge, relator do processo sobre a refinaria no Texas, leu o voto em que pede o bloqueio dos bens de Graça e ouviu voto em sentido contrário do ministro Walton Alencar. Em seguida, ao tomar conhecimento das informações veiculadas no site do GLOBO, José Jorge suspendeu o processo, com a promessa de recolocá-lo em pauta na sessão da próxima quarta-feira:
- Se isso for verdade, e, dependendo de sua extensão, configura uma burla ao processo de apuração da irregularidade. Então, é gravíssimo. É grave porque é como se fosse uma tentativa de burlar o caso - afirmou José Jorge, que determinou a realização de uma diligência para apurar a transferência de bens.
Bloqueio em 23 de julho
Como mostram registros em cartório obtidos pelo GLOBO, Graça e Cerveró doaram imóveis aos filhos após estourar o escândalo sobre a compra da refinaria, mas antes de o TCU determinar o bloqueio do patrimônio de dez gestores e ex-gestores da Petrobras apontados como responsáveis por um prejuízo de US$ 792,3 milhões na compra da refinaria.
O bloqueio de bens ocorreu em 23 de julho. Graça repassou imóveis aos filhos em março e abril. Cerveró fez o mesmo em junho. Foram doados apartamentos no Rio e em Búzios.
Entre os ex-diretores que tiveram os bens bloqueados, além de Cerveró, estão Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento preso no Paraná em razão da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal; e José Sergio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras. Graça Foster e Jorge Zelada, ex-diretor da área internacional, só ficaram de fora da medida por causa de um erro do TCU, que acabou responsabilizado outros gestores por um prejuízo específico de US$ 92,3 milhões no descumprimento da sentença arbitral referente à compra da segunda metade de Pasadena.
O julgamento de ontem se destinava a avaliar e corrigir esse erro. A sessão já havia sido adiada uma vez, por conta de pressão feita pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams. A informação sobre a doação de bens provocou novo adiamento. A iniciativa do TCU visa justamente garantir que os bens não sejam movimentados pelos gestores, de forma que se permita o ressarcimento aos cofres da estatal, caso as tomadas de contas especiais abertas pelo tribunal confirmem o prejuízo aos cofres públicos.
Doação "com reserva de usufruto"
Os documentos oficiais obtidos pela GLOBO revelam que, em 20 de março, Graça doou "com reserva de usufruto" um apartamento no bairro do Rio Comprido a sua filha Flavia Silva Jacua de Araújo, tendo o filho Colin Silva Foster como interveniente. No mesmo dia, a presidente da Petrobras fez uma doação semelhante a Flavia e a Colin de um imóvel na Ilha do Governador.
No dia 19 de março, um dia antes dessas transações, veio a público um posicionamento da presidente Dilma Rousseff de que apoiou a compra de Pasadena por conta de um "parecer falho" elaborado por Cerveró. Era o início de uma crise que resultou na instalação de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Congresso Nacional.
Dilma, como presidente do Conselho de Administração da Petrobras em 2006, votou a favor da aquisição da primeira metade da refinaria. No processo em tramitação no TCU, os ministros a eximiram de responsabilidade no negócio. Graça ainda fez uma "doação com reserva de usufruto" a Colin em 9 de abril deste ano. Trata-se de um imóvel na Praia de Manguinhos, em Búzios, com direito a uma vaga de garagem.
Cerveró, por sua vez, doou três apartamentos aos filhos em 10 de junho, 43 dias antes de o TCU determinar o bloqueio de seus bens e de mais nove gestores da Petrobras. Cerveró doou um apartamento na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, à filha Raquel Cerveró; outro apartamento no mesmo prédio ao filho Bernardo Cerveró; e um apartamento na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, também a Bernardo.
As revelações alteraram a rotina do julgamento ontem no plenário do TCU. O ministro Walton Alencar ainda proferia seu voto quando José Jorge se levantou para conversar com outros ministros. Minutos depois, o ministro André Luís de Carvalho sugeriu que a sessão fosse suspensa. José Jorge leu, então, o título da reportagem veiculada pelo GLOBO na internet.
Sentado na primeira fila do plenário, Adams foi à tribuna e defendeu a continuidade do julgamento. O advogado da União argumentou que o tema já havia sido suficientemente debatido e lançou dúvidas sobre a informação, afirmando que há reportagens que são "jogadas de forma midiática, sem nenhuma consistência".
"Não há fuga patrimonial", diz Adams
O presidente do TCU, ministro Augusto Nardes, disse que a decisão sobre o adiamento cabia ao relator. A exemplo de Adams, Walton manifestou-se contrariamente à suspensão do julgamento. Em seguida, recebeu um tablet com a reportagem do GLOBO. Adams disse que a notícia não altera os argumentos apresentados por ele há duas semanas, e afirmou ter certeza de que Graça e demais diretores poderão esclarecer tudo "com tranquilidade":
- Não há nenhuma fuga patrimonial. Não há como você achar que, eventualmente, se houve uma transferência pontual, isso representa fuga patrimonial. Fuga patrimonial é desfazimento integral de patrimônio em favor de laranjas, em favor de pessoas não identificadas, de forma que você não possa recuperar esse patrimônio. Não é o caso.
No início da noite, a Petrobras divulgou nota para "refutar veementemente" a informação de que a doação dos imóveis objetivou burlar alguma decisão do TCU. "A presidente não estava incluída dentre as pessoas nominadas no acórdão como potenciais responsáveis por supostos danos ao patrimônio da companhia", diz a nota.
A estatal informa que Graça tem "documentos pessoais" que comprovam a iniciativa de transferir os bens desde junho de 2013. "Doações de bens são atos legítimos, previstos em lei e objetivam evitar futuros conflitos entre herdeiros. Esses procedimentos foram: avaliações de imóveis, obtenção de certidões, verificação do valor dos custos e tributos incidentes, elaboração das minutas das escrituras e sua posterior formalização, bem como os competentes registros imobiliários, culminando todos esses atos em 20 de março e 9 de abril de 2014."
O advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, afirmou que as doações não tiveram o objetivo de dissimular a propriedade dos bens:
- Ele resolveu fazer em vida o que seu pai já havia feito, dividindo os bens com os filhos. Em junho, não havia qualquer decisão do TCU e, além disso, a diretoria não tem absolutamente nenhuma responsabilidade sobre isso (os prejuízos com Pasadena). A ideia não foi dilapidar o patrimônio, pois os imóveis ficaram com a família. Foi uma atitude normal.