terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Entrevista: 'Caminhamos para a paralisia do governo', afirma Sérgio Abranches

Criador do termo ‘presidencialismo de coalizão’ diz que Bolsonaro frustra parte de seu eleitorado e prevê que governo não conseguirá caminhar se não resolver articulação com Congresso

Thomas Traumann | O Globo

RIO - Em 1987, quando a Constituição ainda estava sendo debatida no Congresso, o cientista político Sérgio Abranches, hoje com 70 anos, cunhou a expressão “presidencialismo de coalizão” para definir as novas relações entre o o Executivo e o Legislativo. Sem maioria no Congresso, o presidente seria forçado a compor seu governo com aliados. Essa relação complexa dominou a política até Jair Bolsonaro se eleger. “Este presidente se recusou a fazer a coalizão e se nega a se articular com os partidos. Não há possibilidade de funcionar”.

• Passados seis anos, quais foram os gatilhos das marchas de 2013?

Primeiro havia uma insatisfação generalizada com a economia, sinais de que o poder de compra da população estava comprometido. Isso criava uma insatisfação difusa. O segundo componente foram as redes sociais, a possibilidade de as pessoas saberem que existem outras tão insatisfeita quanto elas. Aí, um grupo mais organizado chamou para discutir a questão das tarifas de ônibus, e o que começou como uma coisa pontual se espalhou como um protesto generalizado porque havia gente descontente com o desemprego, outros com a política, outros com a corrupção.

Esses são movimentos de contágios, igual à Primavera Árabe (na África e Orienta Médio) ou dos Coletes Amarelos (França). É um movimento que reflui quando vai para a violência, com os Black Blocs, mas deixa nas pessoas a sensação de “foi legal ter ido para a rua. Pelo menos eles nos ouviram em algumas coisas”.
  • A partir de 2013 as ruas foram tomadas pela direita. Por quê?
Depois do lacerdismo (do ex-governador Carlos Lacerda, 1914-77) não apareceu ninguém capaz de legitimar o sentimento de direita. Ele ficou no armário, enrustido, enquanto PSDB e PT dominavam o debate. Mas quando os direitistas encontram outros falando sem censura o que eles só pensavam, passamos a ver a verdadeira cara do espectro ideológico brasileiro.

• Por que uma das novidades nas manifestações recentes é a defesa da intervenção militar?

Não é saudade, é ignorância. Aquela maioria com cartazes dizendo “volta” é de gente que nunca viveu a repressão, não teve pais perseguidos e mortos. Nunca me preocupei com a demanda de volta dos militares porque é de gente que não sabe o que está falando. E os que sabem são uma minoria que não vão vingar.

• O que achou das declarações de Eduardo Bolsonaro e Paulo Guedes sobre AI-5?

As menções ao AI-5 são feitas como ameaça. Nos dois casos referiam-se aos protestos do Chile e prometiam o AI-5 se ocorresse algo assim por aqui. Por outro lado, mostra que eles têm medo das ruas.

O mais importante são as muitas transgressões à democracia que o governo vem fazendo ou estimulado seus simpatizantes a fazer, como perseguições aos que pensam diferente, ameaças a professores que dão tópicos que eles consideram “ideológicos”; aparelhamento do estado para desmontar mecanismos de fomento à cultura e às artes; censura, que chamam de “filtragem” nas concessões para áreas de pesquisa; ameaças a funcionários que querem cumprir o seu dever, no Ibama e, no ICBMBio.

O ministro da Educação promete deixar as áreas de filosofia e ciências humanas sem apoio. Há muita vingança e retaliação por parte de membros do governo contra instituições nas quais não conseguiram entrar ou progredir por mérito. São inúmeras as ameaças à liberdade de expressão e à liberdade de cátedra. A tentativa de Bolsonaro de tirar a "Folha de S. Paulo" da licitação para renovar assinaturas, os ataques à TV Globo. Estão fazendo o país escorregar para o autoritarismo. Há risco institucional e, até agora, pouca reação articulada a essas ameaças

Ranier Bragon – Brincando com coisa séria

- Folha de S. Paulo

Pasta tem que ser tratada como prioridade, não playground de terraplanistas irresponsáveis

Um ano se passou. É preciso ir direto ao ponto: até quando as pessoas responsáveis deste país e aquelas com voz de comando continuarão a fechar os olhos ou a bater palmas para o circo macabro de terraplanistas desvairados que tomou conta do Ministério da Educação?

Isso não é assunto de véspera de Natal, me desculpe, mas há coisas tão absurdas sendo feitas que não dá para ficar discutindo as uvas-passas.

A educação no Brasil —em situação crítica e com resultados lastimáveis, apesar de alguns avanços— foi dominada neste ano, no plano federal, por uma caravana de alucinados seguidores de um charlatão de filme B, tendo como resultado o que não poderia ser outra coisa. Como bem mostrou o repórter Paulo Saldaña, nesta Folha, caos administrativo, paralisia, baixa aplicação de recursos, falta de rumo, tudo embalado no discurso biruta de que estamos, pelo menos, livrando as criancinhas da ameaça gayzista e comunista.

Hélio Schwartsman - Assassinos estatísticos

- Folha de S. Paulo

É possível salvar muitas vidas estatísticas e alcançar índices europeus de mortes no trânsito

Se você tem a chance de salvar uma vida sem colocar-se em grande risco, fazê-lo é uma obrigação moral? Grande parte dos filósofos morais sustentará que salvar uma pessoa é um dever, desde que fazê-lo não exija um esforço sobre-humano e que você não tenha boas razões para querer ver esse indivíduo morto —é louvável, mas não obrigatório salvar a vida do assassino que o perseguia e sofreu um acidente.

Bem, a maioria dos prefeitos do Brasil e várias outras autoridades têm a possibilidade de salvar não uma, mas dezenas, às vezes centenas, de vidas estatísticas, apenas assinando um pedaço de papel, mas optam por não fazê-lo.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Como lidar com o tiozão reacionário no Natal

- Folha de S. Paulo

Muitos dos jovens que hoje julgam horrorizados os pais e tios acabarão por ficar iguaizinhos a eles

Não tenho nada contra quem defende o governo, seja qual for o motivo, com argumentos e alguma preocupação com os fatos. Tenho até amigos que são.

Mas é difícil aguentar quem apenas repete chavões do senso comum (“é tudo corrupto, tem que prender”) e vocifera amargurado contra “a esquerda”, “os comunistas”, “os vagabundos”, Paulo Freire ou outro bicho-papão. Com o Natal vindo aí, a ideia de conviver por horas a fio com um parente assim não anima ninguém.

Por sorte, na minha família a conversa é sempre alegre e civilizada, mesmo quando divergências políticas vêm à tona. Pelo que diversas pessoas têm me contado, contudo, há muitas famílias ruindo sob o peso do radicalismo burro de algum parente.

É triste constatar que, não raro, esse parente insuportável é uma pessoa mais velha. O pai, a mãe, o tio, o avô; pessoas inteligentes, não raro com ensino superior, que, de 2018 para cá, se transformaram em verdadeiros robôs repetidores de slogans pró-Bolsonaro e compartilhadores de fake news. A idade nem sempre traz sabedoria...

Pablo Ortellado* - Ainda Belo Monte

- Folha de S. Paulo

Problemas técnicos e ambientais na usina que teve a última turbina inaugurada confirmam alertas de indígenas e ambientalistas

No dia 27 de novembro, o presidente Jair Bolsonaro inaugurou a última turbina da usina hidrelétrica de Belo Monte. A usina foi construída durante os governos petistas e inaugurada por Dilma Rousseff um pouco antes do impeachment.

Ao custo de R$ 40 bilhões, Belo Monte foi marcada por controvérsias: sobre o enorme impacto ambiental, sobre condições de trabalho abusivas durante a construção e sobre impactos sociais nas comunidades ribeirinhas e na região de Altamira que viu explosão demográfica e ampliação alarmante do tráfico de drogas e do número de homicídios.

Vendida com a promessa de ser a maior geradora nacional de energia (depois de Itaipu, que é binacional), Belo Monte só apresenta problemas.

No último dia 12, reportagem da Reuters mostrou que a usina foi advertida pela Agência Nacional de Águas por reduzir a vazão dos reservatórios, colocando em risco a qualidade da água do Rio Xingu. Se não se adequar, a usina pode descumprir os termos de outorga de direito de uso de recursos hídricos e perder a autorização para funcionar.

Ricardo Noblat - Bolsonaro, ascensão e queda

- Blog do Noblat | Veja

O sofrimento do patriarca
O presidente Jair Bolsonaro desmaiou e por isso caiu e bateu com a cabeça no chão do banheiro da área residencial do Palácio da Alvorada? Ou apenas caiu por que escorregou ou tropeçou em alguma coisa? Essa era a pergunta que muitos se faziam, ontem à noite, em Brasília, e que estava sem resposta até esta madrugada.

Se ele caiu por ter desmaiado, o caso pode inspirar maiores cuidados. Levado às pressas para o Hospital das Forças Armadas, uma tomografia computadorizada não detectou alterações no seu crânio, segundo nota oficial do governo. Ficaria em observação por 6 ou 12 horas, devendo ser liberado logo em seguida.

Com 64 anos de idade, Bolsonaro sempre gozou de boa saúde. Quando serviu ao Exército ganhou o apelido de “cavalão”, tal era sua disposição física que lhe rendeu boas notas em competições esportivas. Foi elogiado muitas vezes por seu desempenho. Arriscou a vida para salvar um colega paraquedista que se afogava.

Não tivesse levado a facada que quase o matou em Juiz de Fora, estaria em forma. A facada pode tê-lo ajudado a se eleger presidente, mas fragilizou seu corpo e principalmente sua mente. Foi operado mais de uma vez em menos de um ano. Usa uma tela para proteger seu abdómen. Sente dores com frequência.

Ter visto a morte de perto mexeu muito com sua cabeça. Vive assombrado. Receia ser alvo de um novo atentado. Enxerga perigo por toda parte. Presidente algum desde a redemocratização do país escolheu ser refém de um aparato de segurança tão gigantesco como o que o protege. Apesar disso, ele cobra sempre mais.

Quando Bolsonaro fala que só será candidato à reeleição se sua saúde permitir, não está blefando. Muito menos se vitima para atrair mais votos. De fato, ele não parece nem um pouco disposto a pôr sua vida novamente em risco para exercer por mais quatro anos uma tarefa que tanto o desagrada.

Sua intenção inicial ao lançar-se candidato a presidente era ajudar os filhos em suas carreiras políticas. Não imaginava que venceria. Na hora que sua vitória foi anunciada, teve uma crise de choro. Mais tarde, confessou que se sentia esmagado pelo que acabara de acontecer. Sabia que carecia de preparo para o novo ofício.

Os filhos Flávio e Eduardo tiveram votações expressivas nos rastros do pai. Mas um ano depois, Flávio está cada vez mais enroscado com a Justiça, e Eduardo frustrado por não ser embaixador do Brasil em Washington. A família jamais se sentiu tão acuada. Natural que o patriarca sofra com tudo isso.

Rubens Barbosa * - Bioeconomia e a Zona Franca de Manaus

- O Estado de S.Paulo

Não se pode mais adiar a discussão da mudança de foco nas políticas públicas da região

O tema do meio ambiente entrou definitivamente na agenda global. E mais cedo ou mais tarde voltará a ser uma prioridade para o governo brasileiro, por realismo político e por razões pragmáticas.

Diante das atitudes do atual governo, são crescentes as ameaças de prejuízo para o setor do agronegócio pela possibilidade de boicote de consumidores e pela crescente influência da política ambiental sobre as negociações comerciais. A atuação na defesa dos legítimos interesses do setor está levando as associações das diferentes áreas e a frente parlamentar da agropecuária a defender mais atenção aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil nos acordos assinados desde 1992 e, sobretudo, uma atenuação da retórica governamental e uma correção de rumo de algumas políticas anunciadas pelo governo.

As percepções críticas no exterior têm como foco a Amazônia. Recentemente, as queimadas e o desmatamento foram alvo de manifestações no mundo todo. Informações distorcidas e meias verdades se misturaram a fatos, ampliando as consequências negativas para nossos interesses comerciais e políticos. As diferenças quanto à gestão do Fundo Amazônico puseram em risco a cooperação internacional com Alemanha e Noruega.

Não estão em questão a soberania e a capacidade do governo de determinar as políticas para a região. As recentes manifestações no mundo inteiro, sobretudo de jovens, para sensibilizar os governos a tomar medidas que evitem as grandes alterações no clima com o aumento da temperatura no planeta, incluem a preocupação com a preservação da Floresta Amazônica.

Pedro Fernando Nery* - Natal na miséria

- O Estado de S.Paulo

Desde 2016, o mercado de trabalho adicionou mais de 4 milhões de vagas, pelos últimos números da Pnad

O fim do ano é de otimismo com números da economia. O último relatório Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, trouxe novas revisões para cima na expectativa do PIB: próximo a 1,2% para 2019 e, mais importante, subindo a 2,3% no ano que vem. A Bolsa tem quebrado sucessivos recordes – ultrapassando os 115 mil pontos na semana passada – e a valorização do Ibovespa é superior a 30% no ano. A consolidação da recuperação econômica, porém, esconde um resultado: a pobreza teima em não ceder. Para os brasileiros mais pobres, a recessão parece não ter acabado.

Desde 2016, o mercado de trabalho adicionou mais de 4 milhões de vagas, pelos últimos números da Pnad. O orçamento da Seguridade Social é recorde ano após ano. Mas a melhora do mercado de trabalho e o gasto social recorde, que é puxado pela Previdência, não impediu o aumento da extrema pobreza. Os mais pobres seguiram perdendo renda até 2018. E dados recentes sugerem que a situação pode não ter se alterado este ano. Seria uma recessão invisível.

Dois novos estudos jogam luz sobre a “recessão invisível”. A última carta de conjuntura do Ipea divide os brasileiros em seis faixas de rendimento. O estudo monitora não apenas a evolução do rendimento dessas faixas pela Pnad ao longo do ano, mas também a inflação que incide sobre cada grupo. E mostra que a faixa mais pobre teve perda real nos 2.º e 3.º trimestres deste ano. Os ganhos de rendimento em 2019 teriam se concentrado em altas expressivas nas faixas de renda média e média-baixa. A carta é assinada pelos pesquisadores Maria Andreia Lameiras, Carlos Henrique Courseil, Lauro Ramos e Sandro Sacchet, e a discrepância foi divulgada por Carlos Madeiro, do UOL.

Carlos Andreazza - Essa família é muito unida

- O Globo

Poucos pais, no entanto, são presidentes da República

‘Bolsonaro só sai do sério se mexem com os filhos.” Quem nunca ouviu essa sentença sobre a sensibilidade do presidente? Qualquer pai pode compreendê-la. É a imposição do senso de responsabilidade disparando o ímpeto por proteger a cria. Que progenitor não se desequilibraria ante uma ameaça contra seu fruto? Tanto mais se tiver sido o pai a introduzir na vida do filho um elemento como Fabrício Queiroz. Qualquer pai pode compreender isso. Muitos se culpariam. O que poderia ser pior do que colocar um filho no caminho do vício? Nem obrigar um filho a disputar uma eleição contra a própria mãe.

Poucos pais, no entanto, são presidentes da República. Pouquíssimos, aqueles pais presidentes com cujos filhos senadores quem mexe é o Ministério Público. E raríssimos, os filhos senadores de presidente investigados a partir da relação com um velho amigo do pai, delegado pelo pai. Que progenitor presidente não se desestabilizaria ante uma ameaça contra seu descendente senador com veneno para lhe contaminar o governo? Tanto mais se a ameaça extrapolar a descoberta de uma simples lavanderia para expor uma à qual se teria associado o crime organizado. É a imposição do instinto de sobrevivência disparando o ímpeto por proteger o mandato.

A ciranda é circuito de família. Para o bem e para o mal, Bolsonaro é o clã Bolsonaro. A ciranda é circuito de família — e com alto nível de civilidade: abriga ex-mulher e parentes de ex-mulher, laranjas ou não. A ciranda é circuito de família que agrega também os amigos e os amigos dos amigos, laranjas ou não. Para o mal ou para o mal, Bolsonaro também é Queiroz. O ex-policial, amigo do pai, operava desde o gabinete do filho — que, segundo o operador amigo do pai, sabia de nada. Sabia o pai?

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro dá presente de Natal a criminosos de farda

- O Globo

Bolsonaro rasgou outra promessa e anistiou criminosos de farda em seu primeiro ano no cargo. Se a vida no Brasil vale pouco, a palavra do presidente vale menos ainda

A um mês da posse, Jair Bolsonaro fez um anúncio solene aos brasileiros. “Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”, assegurou. O Supremo Tribunal Federal julgava a validade do perdão concedido por Michel Temer. Pelo Twitter, o presidente eleito avisou que a Corte não precisaria mais se preocupar com o assunto. A partir de 2019, o tradicional indulto natalino viraria coisa do passado.

“Qualquer criminoso tem que cumprir sua pena de maneira integral. Essa é a nossa política”, reforçou, no dia seguinte. Após uma formatura militar, Bolsonaro repetiu que não assinaria novos atos de perdão. “Minha caneta continuará com a mesma quantidade de tinta até o final do mandato em 2022. Sem indulto”, sentenciou.

Se a vida no Brasil vale pouco, a palavra do presidente vale menos ainda. Bolsonaro não esperou nem um ano para descumprir o que prometeu. Ontem ele editou o indulto mais generoso dos últimos tempos. Anistiou policiais condenados por homicídio culposo, que agiram fora das hipóteses de legítima defesa.

O decreto beneficia até os agentes de segurança que mataram em dias de folga. É um presente de Natal para milícias e esquadrões da morte, que sempre contaram com a simpatia do clã presidencial.

José Casado - Uma história real de Natal

- O Globo

Petróleo começou a jorrar na Guiana

Na noite de sexta-feira, os 782 mil habitantes da Guiana receberam a confirmação de que ganharam o grande prêmio da loteria geológica: o petróleo começou a jorrar quatro dias antes do Natal no campo de Liza-I, situado a 120 quilômetros da costa, em frente à capital Georgetown.

Mudou a sorte do país mais pobre da América do Sul, vizinho do Brasil nos 1.605 quilômetros de fronteira com Roraima. O petróleo produzido desde o fim de semana sela o destino da sociedade construída por migrantes indianos e africanos nas colonizações holandesa e britânica, até 1966.

Na sexta-feira, o país estava atolada na miséria de sempre, só comparável à de El Salvador, na América Central, ou do Quirguistão, na Ásia . Concentrados no litoral (10% do território), os guianenses têm expectativa de vida de 67 anos. Quatro de cada dez sobrevivem com menos de R$ 4 por dia. Água encanada é luxo, para apenas 5%.

Míriam Leitão - A busca dos valores na noite especial

- O Globo

Não é preciso ser cristão para saber que o relato da vida de Cristo nos Evangelhos traz como mensagem fundante a paz e o desarmamento de espíritos

Paz, perdão, empatia. Inúmeras palavras são harmônicas com as ideias que Jesus Cristo demonstrou na prática na sua vida, segundo o registro dos Evangelhos e dos textos dos apóstolos. A arma não faz parte desse conjunto, ela distoa. Quando se tenta pôr numa mesma proposta Cristo e armas a dissonância é completa. Quem o faz distorce a mensagem que está no Novo Testamento. A figura fascinante de Jesus está ligada à superação de preconceitos: salvar a mulher do apedrejamento, falar com a estrangeira, perdoar, no último suspiro, quem tinha feito uma trajetória de vida oposta à dele.

Existe a fé, e existe o entendimento. A fé pertence a cada um e só a pessoa sabe de sua existência, e os que não a têm merecem o mesmo respeito. A questão é íntima, delicada. A fé é inefável, excede a todo o entendimento, como eu ouvia na minha casa paterna. O entendimento, e não a fé, é a matéria dessa coluna. Ele deve ser buscado como forma de evitar os enganos e os usos indevidos dos valores que cada pessoa carrega.

Tive uma educação protestante, como os que me conhecem sabem. Meu pai era pastor presbiteriano, então na minha casa lia-se a Bíblia com frequência e falava-se dela com intimidade. Um dos princípios caros aos herdeiros da reforma era a separação entre Igreja e Estado. Na doutrina, a mistura é vista como um terreno pantanoso. Como meu pai Uriel era, ao mesmo tempo, diretor de um colégio e o pastor da igreja em Caratinga, Minas Gerais, ele praticava no cotidiano essa separação. O colégio era absolutamente laico, como ele acreditava que deveria ser o Estado. O Estado laico era estudado nas salas de aula como um dos avanços importantes da história humana. Da mesma forma separavam-se ciência e religião.

Chile - Piñera promulga lei que convoca plebiscito para Constituinte

Projeto foi marcado por debates acalorados sobre cotas para mulheres e índios em convenção constituinte

- O Globo e agências internacionais

SANTIAGO — O presidente do Chile, Sebastián Piñera, promulgou nesta segunda-feira a lei que convoca um plebiscito para uma reforma constitucional para o próximo dia 26 de abril. A formalização da legislação, discutida em debates acalorados no Senado e na Câmara, ocorre após um final de semana marcado pelas imagens de um manifestante que foi atropelado e imprensado por dois blindados da polícia e no mesmo dia da divulgação de um relatório que aponta "graves e muito numerosas"violações dos direitos humanos na repressão às manifestações.

Segundo o presidente, o plebiscito deve servir para “deixar para trás a violência e as divisões” e recuperar a “boa política”. Em um evento com a presença de ministros, autoridades e líderes políticos da situação e da oposição, Piñera disse que é necessário “recuperar o valor do diálogo, da unidade, do acordo, e aprender a pensar e trabalhar juntos para construir este Chile melhor que queremos”. Os pontos mais debatidos da reforma constitucional, no entanto, que dizem respeito a cotas para mulheres e índios, continuam sob discussão no Senado.

— [A Carta] não é uma varinha mágica que resolve todos os problemas. O que ela faz é nos dar um marco institucional adequado para avançar em direção a um país com maior capacidade de atender e satisfazer as necessidades dos cidadãos — disse Piñera. — Como presidente, estou seguro de que vamos saber transformar esta crise em um novo Chile mais fraterno, prolífico, justo e livre, do qual todos nós nos sintamos parte.

Piñera disse ainda que é "de enorme importância condenar de forma clara, categórica e permanente todo tipo de violência e ameaças, porque isto só envenena a alma de nosso país". O presidente, cuja aprovação está na casa de 11%, disse ainda que é importante "honrar nosso juramento, de respeitar sempre nossa Constituição, nossa democracia e nosso Estado de Direito".

Uma Carta que substitua a atual, herança da ditadura liderada por Augusto Pinochet (1973-1990), é considerada uma via institucional para canalizar as insatisfações que agitam as ruas chilenas desde 18 de outubro. Desde então, a resistência de setores da direita, sobretudo da herdeira do pinochetismo União Democrática Independente (UDI), a aceitar mudanças é tida como uma das principais causas para a dificuldade do governo e da classe política de dar respostas às mobilizações.

O plebiscito de abril perguntará à população se é necessária uma nova Constituição, e por qual mecanismo ela deve ser elaborada: por uma “convenção constituinte”, formada por 155 deputados eleitos com mandato exclusivo, ou então por uma convenção constitucional mista de 172 membros, entre representantes do atual Congresso e novos deputados constituintes. O mecanismo escolhido terá um período de nove meses de funcionamento, podendo ser prorrogado por outros três. Ao fim, o texto será submetido a um outro plebiscito ratificatório.

O que a mídia pensa – Editoriais

A insatisfação com Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo

O primeiro ano de governo não foi positivo para a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Ao longo do ano verificou-se uma crescente insatisfação com sua gestão, revela a mais recente pesquisa CNI/Ibope. Em abril, 27% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo. Em junho, 32%. Em setembro, 34%. Agora, em dezembro, o porcentual de insatisfeitos chegou ao seu maior índice – 38% dos brasileiros avaliaram negativamente o governo Bolsonaro.

Tal insatisfação é corroborada pelo decréscimo contínuo dos que aprovam a gestão de Jair Bolsonaro. Eram 35% em abril, 32% em junho, 31% em setembro e 29% em dezembro.

Quando questionados se aprovam ou desaprovam a maneira de o presidente Bolsonaro governar o País, 53% disseram que a desaprovam. No levantamento anterior, esse porcentual foi de 50%. Ao mesmo tempo, diminuiu o porcentual dos que aprovam o jeito de Jair Bolsonaro governar. Antes, eram 44%. Agora, são 41%.

A pesquisa CNI/Ibope foi realizada entre os dias 5 e 8 de dezembro. Ou seja, a população foi ouvida antes de virem a público os recentes desdobramentos da investigação envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Bolsonaro. É provável, portanto, que os porcentuais de aprovação do governo sejam hoje um pouco piores do que os medidos no início do mês pelo Ibope.

Exilados voltam e passam o Natal explicando por que voltaram sem passaportes

- JORNAL DO BRASIL - terça-feira, 26/12/78

Legenda: Graziela e Gilvan Cavalcanti de Melo foram liberados na Polícia Marítima às 11 horas

Fora do país há seis anos, absolvido em setembro último da acusação de pertencer ao PCB, o ex-funcionário do INPS Gilvan Cavalcanti Melo, chegou do Panamá com a mulher e os dois filhos, no domingo e foi preso. A Embaixada do Brasil informara que poderiam desembarcar só com a carteira de identidade, mas a polícia deteve o casal por 12 horas durante a noite de Natal, para saber porque estavam sem passaportes.

O Sr Gilvan e D. Graziela Cavalcanti Melo passaram a noite num sofá da Delegacia de Polícia Marítima, onde foram interrogados ontem de manhã e liberados depois de preencherem um questionário mimeografado. Os filhos, Gilvan de 16 anos, paralítico, e Ana Amélia, de 12, foram dispensados pela polícia ainda no aeroporto e ficaram com parentes.

GARANTIA
Hoje, com 43 anos, o Sr Gilvan de Cavalcanti Melo, nascido em Pernambuco, foi demitido do INPS por decreto baseado no AI-5, em 1972, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro. Logo após foi com a família para Buenos Aires, Porto Alegre e finalmente Santiago onde trabalhou na Corporação de Fomento.

Música | Paulinho da Viola - Timoneiro

Carlos Drummond de Andrade - Organiza o Natal*

Com esse poema do nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade, o blog deseja a você que nos brinda com sua visita um Natal alegre, cheio de paz e luz. E um 2020 pleno de tolerância, diálogo e entendimento. Que a gente continue juntos!

“Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso.

A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.

Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade."


*Extraído do livro “Cadeira de Balanço”, Livraria José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.