sábado, 30 de setembro de 2023

Cristovam Buarque - Dar o exemplo

Revista Veja

Lula trouxe o Brasil de volta ao mundo, mas só discurso não basta

Na recente reunião do G20, o presidente Lula apresentou três eixos para o mundo: desenvolvimento sustentável, reforma das instituições de governança global e inclusão social com combate à desigualdade. Na semana seguinte, na ONU, reafirmou a necessidade desse esforço internacional. Graças à sua história pessoal, às características do Brasil e ao vazio de outras lideranças, nesses nove meses de governo Lula se afirmou como o líder mundial na luta contra a desigualdade social. Essa liderança será consolidada quando, além do discurso, ele mostrar que é capaz de conduzir o país na direção do que defende para o planeta.

Mas, quando ouvem o discurso contra a desigualdade, os demais presidentes olham para Lula sabendo que somos campeões em concentração de renda, nosso IDH está na 87ª posição, que esse quadro social não mudou ao longo das últimas décadas. Têm conhecimento de que a última edição do Estudo Internacional de Progresso em Leitura (Pirls) mostra os alunos brasileiros no 4º ano com média equiparada à pior pontuação entre todos os países. Sabem que essa péssima média esconde a tragédia da desigualdade conforme a classe social da criança. Eles são informados de que sucessivos governos das últimas décadas não tentaram corrigir essa realidade; e, por experiência histórica em seus países, sabem que a educação de base com qualidade para todos é o caminho para superar a pobreza e a desigualdade.

Luiz Gonzaga Beluzzo - O passado presente

Revista CartaCapital

A eterna repulsa dos endinheirados aos pobres e ao Estado

Nos idos de 1983, o senador Roberto Campos, avô do nosso Campos Neto, prolatou suas sabedorias na Ordem dos Economistas do Estado de São Paulo. Entre outras pérolas do conhecimento, afirmou que o Brasil “é uma sociedade criptossocialista, apesar do sistema privado teoricamente praticado no País”. Então parlamentar mato-grossense, o vovô Campos fundava sua escatológica denúncia na constatação de que o governo, no Brasil, era responsável por em torno de 45% do dispêndio total e 60% dos gastos em investimento.

Se aceitarmos os critérios do ilustre senador, vamos chegar à conclusão de que não só o Brasil, como a totalidade dos países do Ocidente, passou-se para o outro lado, sem se dar conta do que estava ocorrendo. Éramos todos socialistas e não sabíamos.

Alvaro Costa e Silva - Mourão, o sabe tudo

Folha de S. Paulo

Para Mourão, tramar um golpe é mero blá-blá-blá

General da reserva, ex-vice-presidente e atual senador, Hamilton Mourão anda deitando cátedra sobre direito penal. À plebe ignara ele ensinou que não há gravidade quando o presidente da República, que se candidatou à reeleição e perdeu, convoca uma reunião com os chefes das Forças Armadas e, apresentando uma minuta adrede preparada, propõe um golpe de Estado, com novas eleições e prisão de adversários.

"É um mero blá-blá-blá", ilustrou o professor Mourão. Deu um exemplo: "Vão dizer que uma tentativa de homicídio tem que ser punida, mas uma investida de golpe é diferente de homicídio. No caso de quase assassinato, eu te dou um tiro e erro. Uma tentativa de golpe seria o quê?". A tese seduziu grupos bolsonaristas, que passaram a divulgá-la nas redes, deixando de chamar o general de melancia.

Dora Kramer - Só rindo... Ou chorando

Folha de S. Paulo

Otimismo do ministro Padilha contrasta com o realismo voraz das onças do Congresso

O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) aparece em público sempre muito alegre e otimista. Diz que está tudo ótimo mesmo quando está tudo péssimo. Exibe sorriso permanente, faz piada com as dificuldades que enfrenta na cadeira a partir da qual busca domar as onças vizinhas na praça dos Três Poderes. Pois é, em determinadas situações, só rindo. Ou chorando.

Nesta semana, acossado em pleno Palácio do Planalto por parlamentares com cobrança para entrega de lotes na Funasa, levou o constrangimento meio à brinca, meio à vera: "Vocês não imaginam o que fazem comigo a portas fechadas".

A julgar pelo que dizem a portas abertas, é possível, sim, imaginar. No cerco a Padilha no "after" de cerimônia oficial, suas altezas felinas foram bastante explícitas na ameaça de derrubar a ministra da Saúde caso não tivessem seus apetites saciados. Isso uma semana depois de o presidente da Câmara proclamar-se dono da Caixa Econômica Federal e de suas 12 vice-presidências.

Demétrio Magnoli - Um Congresso de 11

Folha de S. Paulo

Ao celebrar avanço de juízes sobre pautas do Legislativo, progressistas sacrificam futuro

O longo voto de Rosa Weber pela descriminalização do aborto apresenta-se, quase inteiramente, como um discurso parlamentar. A agenda definida pela magistrada para o Supremo –drogas, marco temporal, aborto– forma uma pauta de deliberações apropriada ao Poder Legislativo. Por aqui, o STF produz legislação enquanto o Congresso dedica-se a distribuir verbas de emendas a clientelas eleitorais e a indicar ministros ou diretores de estatais.

A alegação dos juízes supremos de que apenas interpretam a Constituição não resiste nem mesmo a um escrutínio superficial. Interpretar a Constituição é derrubar o que não pode ser feito; legislar é decidir regras positivas sobre o que deve ser feito. Weber determinou o período de aborto descriminalizado (12 semanas), os magistrados procuram consenso interno sobre o peso exato da maconha de uso pessoal, Fachin elabora regras específicas para atribuição de terras aos indígenas.

Rodrigo Zeidan* - Lula e o acordo entre Mercosul e União Europeia

Folha de S. Paulo

França faz exigências ambientais e Lula quer 'proteger' a indústria nacional

Parece que é hora da verdade. Vai sair o acordo entre Mercosul e União Europeia? O presidente paraguaio, Santiago Peña, deu um ultimato aos europeus: se o acordo não sair até o dia 6 de dezembro, quando Lula lhe entrega a presidência rotativa do Mercosul, o bloco vai encerrar as negociações.

Com o decoupling (dissociação) de economias como as americanas e europeias e a China, as cadeias globais de valor estão se rearranjando pelo mundo. A União Europeia é o maior investidor nas economias sul-americanas. Seria hora de estimular investimentos para revitalização da nossa indústria. Infelizmente, a chance de isso acontecer é mínima. As lideranças políticas regionais ignoram a integração comercial com o resto do mundo. No Brasil, estamos ainda presos no modelo de substituição de importações, um desastre há décadas.

Ricardo Rangel - Os desafios de Luis Roberto Barroso no STF

Revista Veja

Como o presidente mais liberal que o Supremo já teve lidará com o Congresso mais retógrado que o Brasil já elegeu?

Luis Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal em um momento de crise entre o Congresso e o tribunal.

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, botou pra votar, e aprovou, o marco temporal das terras indígenas à revelia de declaração prévia do Supremo de que ele seria inconstitucional. Já adiantou que pretende apresentar projeto de lei para considerar crime a posse de toda e qualquer quantidade de maconha — a despeito de que o STF está na iminência de decidir sobre o assunto. E, enquanto o Supremo discute a descriminalização do aborto, o Congresso se movimenta para aprovar contra ele leis ainda mais duras.

Eduardo Affonso - Lula é uma ideia

O Globo

Presidente é, ao mesmo tempo, o rei que ostenta a roupa nova e o menino que aponta que o rei está nu

Houve certa incompreensão quando, naquele longínquo abril de 2018, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou:

— Não sou mais um ser humano. Sou uma ideia. Uma ideia misturada com a ideia de vocês.

O tom parecia ser de empáfia — reforçado, talvez, pelo hábito que Lula tem de referir a si mesmo na terceira pessoa.

Como ensinou um sábio alagoano, o tempo é o senhor da razão. Hoje é possível entender o porquê do ileísmo, que nada tem de imodéstia. É que Lula são dois. Como nos casos de TDI (transtorno dissociativo de identidade), ora estamos diante de um, ora de outro. Por terem ambos o mesmo nome, quando Lula diz “O Lula”, tanto pode ser o Lula-ideia falando do Lula-pessoa-física (doravante, Lula-PF, para economizar caracteres) quanto o contrário.

Carlos Alberto Sardenberg - E se o detento não for o culpado?

O Globo

Toda grande empresa brasileira está no Carf. Toda grande empresa tem litígios com a Receita

É assim: a empresa recebe uma autuação da Receita Federal, cobrando impostos, multa e juros. O advogado da empresa acha que a cobrança é indevida e resolve contestar.

Primeiro, reclama na auditoria que emitiu a notificação; perdendo, o que acontece quase sempre, vai para a instância superior, ainda dentro da Receita Federal. Perde de novo. Aí, antes de entrar na Justiça, a empresa pode tentar o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), criado justamente para reduzir a judicialização excessiva.

Pablo Ortellado -Crítica implica com filme conservador

O Globo

Mario Frias, Damares Alves e Eduardo Bolsonaro se mobilizaram para divulgar 'Som da liberdade'

Depois de muita polêmica nos Estados Unidos, estreou no Brasil na quinta-feira passada “Som da liberdade”, do diretor mexicano Alejandro Monteverde. O thriller sobre um ex-agente que se dedica a resgatar crianças sequestradas em redes internacionais de abuso sexual infantil não é apenas um filme independente de sucesso. Foi lançado por meio de uma campanha política conservadora, e sua estratégia de promoção — meio comercial, meio militante — despertou reação muito negativa da crítica.

A produtora do filme, Angel Studios, começou como empresa que oferecia um serviço de filtragem que censurava (silenciava ou pulava) passagens profanas, violentas ou com nudez em conteúdos audiovisuais do streaming. O modelo fracassou depois de ser tragado numa série de processos por violação de direitos autorais. A empresa então se reinventou como produtora de conteúdos religiosos e conservadores, assentada num modelo econômico inovador com dois pilares: financiamento coletivo e compra antecipada de ingressos.

Alvaro Gribel - A história por trás do déficit

O Globo

Piora fiscal este ano era não só esperada, como inevitável. Governo precisa é garantir o reequilíbrio à frente

O setor público registrou déficit de R$ 79 bilhões no acumulado de janeiro a agosto deste ano, o pior resultado para um início de governo desde o início da série. Lula 1 herdou as contas em dia de Fernando Henrique, e apertou ainda mais o cinto sob Palocci. Manteve as contas no azul no segundo mandato, já sob Mantega. A deterioração das contas públicas aconteceu sob Dilma, passou por Temer e Bolsonaro, e voltou a piorar agora, com a recomposição de despesas represadas pelo teto de gastos. A fala do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na quinta-feira, que passou a fazer campanha pública por aumentos salariais dos servidores do banco, é a prova de que o funcionalismo federal foi sucateado pela regra do teto, que se mostrou extremamente draconiana. A piora fiscal agora, portanto, era não só esperada, como inevitável. O que é preciso é garantir o reequilíbrio à frente.

Marcus Pestana - Privatizações e a mudança do papel do Estado (II)

Já discutimos aqui o papel do Estado no desenvolvimento da sociedade moderna e da economia capitalista, onde adquiriu formas variadas em função das peculiaridades históricas de cada país. Nas últimas décadas do século XX, o estrangulamento fiscal do “Welfare State”, a onda neoliberal liderada por Reagan e Thatcher, a dissolução da URSS e do bloco comunista, a globalização, a internet e a emergência da sociedade pós-industrial desencadearam um novo ciclo em que a “Reforma do Estado” ocupou espaço central.

No Brasil, a consolidação de nosso capitalismo tardio e o processo de industrialização por substituição das importações tiveram o Estado como protagonista para suprir as lacunas deixadas por um ainda débil setor privado.

Também, em nosso país, desencadeou-se, nos anos de 1990, um vigoroso processo de reforma do Estado, impulsionado tanto pela crise fiscal quanto pela necessidade de modernização do modelo de intervenção estatal. Programas de desestatização avançaram com a privatização de empresas estatais, venda de participações, concessões públicas e parcerias público-privadas (PPPs).

Maílson da Nóbrega* - Por que é quase impossível cortar gastos

Valor Econômico

A rigidez orçamentária é o verdadeiro calcanhar de Aquiles do regime fiscal da União

Tem sido comum a demanda por corte de gastos do governo federal. No mercado financeiro, alega-se que a isso é necessário, dado que o novo arcabouço fiscal depende excessivamente da elevação de receitas para cumprir metas de resultado primário e de endividamento. Gente com experiência no governo federal diz o mesmo. Outros argumentam que a reforma administrativa reduzirá despesas da União, o que está longe de ser totalmente verdadeiro.

Teoricamente, o clamor está correto. Vários estudos demonstram que o melhor ajuste fiscal é aquele realizado via despesa, pois pode se concentrar em áreas menos essenciais e poupar dos cortes os investimentos e outros programas fundamentais. A opção pela receita eleva a participação do governo na economia e acarreta alocação menos eficientes dos recursos, o que afeta negativamente a produtividade e o potencial de crescimento.

Claudia Safatle - Chance para pensar em faxina geral nos gastos

Valor Econômico

Para Arminio Fraga, não basta ter um ajuste fiscal que coloque a dívida em trajetória de queda

Quase 80% do gasto no Brasil é com Previdência Social e com a folha de pagamentos dos três níveis de governo e nos três Poderes.

Esse é um dado que chama a atenção por ser fora da curva. Na grande maioria dos países a soma das duas despesas se situa na casa dos 60%.

O gasto com saúde, no Brasil, fica aquém dos 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse é outro número que surpreende. É impossível pretender ter um sistema de saúde universal e gratuito com esse padrão de gasto. Apenas para ter uma ideia, no Reino Unido, ele é de 8% do PIB.

Foi avaliando os números fiscais do Brasil que Arminio Fraga concluiu que não basta ter um ajuste fiscal que coloque a dívida em trajetória de queda. E nota-se que ela não está em queda.

Rogério F. Werneck - Crônica de um esgarçamento fiscal

O Globo

Governo aposta que poderá continuar esticando a corda da irresponsabilidade fiscal

Já há material de sobra para se começar a escrever o que promete ser uma longa crônica do preocupante esgarçamento do quadro fiscal que vem tendo lugar no país.

A história remonta ao final de março, quando o governo delineou sua proposta de um novo arcabouço fiscal, com que pretendia se livrar dos rigores do teto de gastos. Prometia conter o déficit primário em 0,5% do PIB, em 2023, zerá-lo, em 2024, e gerar superávits primários de 0,5% e 1% do PIB, respectivamente, em 2025 e 2026.

No frigir dos ovos, uma promessa pífia de um superávit primário acumulado de não mais que 1% do PIB ao longo de todo um mandato presidencial.

Passados não mais que seis meses, o que hoje se constata é que mesmo essa promessa tão pífia parece a cada dia menos crível. Não duraram muito as fantasias de que o governo gastaria bem menos do que lhe permitia o limite ampliado para dispêndio primário que conseguira assegurar com a provação da PEC da Transição.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

A oportunidade de Barroso no comando do STF

O Globo

Novo presidente poderá contribuir para resgate da normalidade institucional e Judiciário mais ágil

O ministro Luís Roberto Barroso assume a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) diante de um ambiente político bem menos conflagrado que o encontrado pela antecessora, Rosa Weber. Durante a gestão de Rosa, o país passou pela eleição mais polarizada de sua História recente, o STF foi alvo dos ataques do 8 de Janeiro, e a democracia brasileira resistiu em boa parte graças à ação do próprio Supremo perante a ameaça golpista. Esse momento — ainda bem — passou. Agora cabe a Barroso, afastada a ameaça antidemocrática, aproveitar o clima mais sereno para continuar, em sua gestão, a promover o resgate da normalidade institucional.

Em seu discurso de posse, ele demonstrou entender a missão e adotou um tom conciliador ao tratar dos temas que hoje polarizam a sociedade. “O combate eficiente à criminalidade não é incompatível com o respeito aos direitos humanos. O enfrentamento à corrupção não é incompatível com o devido processo legal”, afirmou. “Estamos todos no mesmo barco e precisamos trabalhar para evitar tempestades e conduzi-lo a porto seguro. Se ele naufragar, o naufrágio é de todos.”

Poesia | Fernando Pessoa - Tudo é encontrar qualquer coisa

 

Música | Joyce Moreno - Aqui, Daqui (Aldir Blanc Inédito)