quinta-feira, 2 de julho de 2009

Elementos da Política

Antonio Gramsci

É preciso dizer que os primeiros elementos a ser esquecidos são, justamente, os mais elementares. No entanto, como eles se repetem inúmeras vezes, tornam-se os pilares da política e de qualquer ação coletiva.

O primeiro elemento é que governados e governantes, dirigentes e dirigidos existem realmente. Toda ciência e arte da política se baseia neste fato primordial, irredutível (em determinadas condições gerais). As origens desse fato são um problema à parte, que deve ser estudado separadamente (no mínimo se poderia e se deveria estudar como atenuar e até fazer desaparecer esse fato, mudando certas condições identificáveis como operantes nesse sentido). Entretanto, permanece o fato de que existem dirigentes e dirigidos, governantes e governados. A partir disso, é preciso ver como (estabelecidos certos objetivos) dirigir do modo mais eficaz e, portanto, como preparar da melhor maneira possível os dirigentes (esta é, precisamente, a primeira parte da ciência e da arte da política). Por outro lado, é preciso distinguir as linhas de menor resistência, ou linhas racionais, para obter a obediência de dirigidos e governados. Na formação dos dirigentes, a seguinte premissa é fundamental: queremos que governados e governantes existam sempre ou queremos criar condições para que a necessidade desta divisão desapareça? Partiremos do princípio de que a perpétua divisão do gênero humano é inevitável ou acreditaremos que ela seja apenas um fato histórico que responde a determinadas condições? É preciso, todavia, ter sempre em mente que a divisão entre governantes e governados, embora (em última análise) remonte a uma divisão em grupos sociais, existe, sendo as coisas como são, mesmo dentro do mesmo grupo e mesmo que este grupo seja socialmente homogêneo. De uma certa forma, podemos dizer que esta divisão é uma criação da divisão do trabalho; é um fato técnico. É sobre esta coexistência de motivos que especulam aqueles que, em tudo, vêem apenas "técnica", necessidade "técnica" etc., para não ter de enfrentar o problema fundamental.

Tendo em vista que até no mesmo grupo existe a decisão entre governados e governantes, é preciso fixar alguns princípios irrevogáveis. É justamente neste terreno, em que ocorrem os "erros" mais graves, que se manifestam as incapacidades mais criminosas e mais difíceis de corrigir. Acredita-se que, uma vez aceitos os princípios do próprio grupo, não só a obediência será automática e virá sem nenhuma demonstração de "necessidade" e racionalidade como também será indiscutível (alguns pensam e - o que é pior - agem acreditando que a obediência "virá" sem ser solicitada, sem que o caminho a seguir seja indicado). Assim é difícil extirpar dos dirigentes o "cadornismo" (1), isto é, a convicção de que uma coisa será feita só porque um dirigente acha justo e racional que seja feita: se nada acontece, joga-se a culpa em quem "deveria ter feito" etc. No entanto, o senso comum mostra que a maior parte dos desastres coletivos (políticos) acontece porque danos inúteis não foram evitados e o sacrifício e a vida das pessoas não foram levados em consideração. Todo mundo já ouviu oficiais do "front" contarem como os soldados arriscam a vida quando é necessário e como se rebelam quando se sentem negligenciados. Por exemplo: uma companhia era capaz de jejuar por muitos dias se soubesse que os víveres não podiam chegar por motivo de força maior, mas se amotinaria se uma só refeição não fosse servida por desleixo ou burocracia etc.

Este princípio se estende a todas as ações que exigem sacrifício. Por isso é muito importante, depois de qualquer derrota, investigar, antes de tudo, a responsabilidade dos dirigentes, no sentido estrito. Por exemplo: um "front" é constituído de várias seções e cada seção tem seu dirigente. É possível que os dirigentes se uma seção sejam mais responsabilizados por uma derrota que os dirigentes de uma outra seção, mas é questão de mais ou menos e não de eximir algum dirigente da responsabilidade, jamais.

Uma vez colocado o princípio de que existem dirigidos e dirigentes, governados e governantes, é verdade que os "partidos" têm sido até agora o modo mais adequado de elaborar a capacidade de dirigir e os próprios dirigentes (os "partidos" podem apresentar-se com os mais diversos nomes, incluindo o de antipartido ou de "negação dos partidos". Na realidade, até os chamados "individualistas" são homens de partido, apenas gostariam de ser "chefe de partido" pela graça de Deus ou da imbecilidade de quem os segue).

Desenvolvimento do conceito geral contido na expressão "espírito estatal". Esta expressão tem um significado bem preciso, historicamente determinado. Um problema, porém, se coloca: existe algo semelhante ao que se costuma chamar de "espírito estatal" em todo movimento sério, que não seja a expressão arbitrária de individualismos mais ou menos justificados? Para começar, o "espírito estatal" pressupõe a "continuidade", quer na direção do passado ou da tradição, quer na direção do futuro, isto é, pressupõe que cada ato seja o momento de um processo complexo que já se iniciou e que vai continuar. A responsabilidade por esse processo, de ser ator desse processo, de ser solidário com forças materialmente "desconhecidas", mas que, todavia, são sentidas como operantes e ativas e levadas em conta como se fossem "materiais" e presentes fisicamente, se chama justamente, em certos casos, "espírito estatal". É evidente que uma tal consciência da "duração" não deve ser abstrata e sim concreta, isto é, não deve, em certo sentido, ultrapassar determinados limites. Digamos que os limites mínimos são uma geração precedente e uma geração futura, o que não é dizer pouco, pois as gerações não se contam trinta anos antes e trinta anos depois deste momento, mas organicamente, no sentido histórico, o que ao menos para o passado é fácil de compreender: nos sentimos solidários com os homens que hoje são velhíssimos e representam para nós o "passado" que ainda vive entre nós, que é preciso conhecer, com o qual é preciso acertar as contas, que é um dos elementos do presente e uma das premissas do futuro. E com as crianças, com as gerações que nascem e crescem, por quem somos responsáveis. (Diferente é o "culto" da "tradição", que tem um valor tendencioso, que implica uma escolha e objetivo determinados, ou seja, que está na base de uma ideologia). No entanto, podemos dizer que mesmo se o tão falado "espírito estatal" existe em todo o mundo, é preciso, de vez em quando, combater suas deformações e seus desvios.

"O gesto pelo gesto", a luta pela luta etc. e, especialmente, o individualismo mesquinho e pequeno, que é somente a satisfação caprichosa de impulsos momentâneos etc. (Na realidade, o problema é sempre o "apoliticismo" italiano, que assume essas formas pitorescas e bizarras). O individualismo é apenas apoliticismo animalesco; o sectarismo é apoliticismo e, se observarmos bem, o sectarismo é, na verdade, uma forma de "clientela" pessoal, pois lhe falta o espírito de partido que é o elemento fundamental do "espírito estatal". Demonstrar que o espírito de partido é o elemento fundamental do espírito estatal é uma das teses mais importantes a defender e, vice-versa, o "individualismo" é um elemento de caráter animal, "admirado pelos estranhos" como os atos dos habitantes de um jardim zoológico.
NOTAS
{1} -Referente ao general Luigui Cadorna, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas italianas até a derrota de Caporetto (1917), da qual ele é considerado o principal responsável. Cadornismo representa, então, o autoritarismo e a irresponsabilidade de dirigentes que não consideram importante a adesão de seus comandados e menosprezam o trabalho político necessário para que a importância de uma ação seja compreendida e aceita por eles.

(Extraído de Notas Sobre Maquiavel, in Gramsci: poder, política e partido. Editora Brasiliense. 2a. Edição. São Paulo: 1992. pp 15-19 – Faz parte dos Cadernos do Cárcere, Civilização Brasileira, 2007)

Em busca de um nome

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Nunca foi tão verdadeiro o axioma da política brasileira pós-democratização de que não é possível governar sem o apoio do PMDB, embora o partido não tenha capacidade de eleger o presidente. Um outro PMDB, o de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, chegou ao poder através de uma eleição indireta, mas acabou entregando o governo a um recémchegado, o senador José Sarney, que rompeu com o PDS do qual era presidente para liderar a Frente Liberal, uma dissidência fundamental para levar Tancredo à Presidência. Pela legislação da época, o vice tinha que ser do mesmo partido do candidato a presidente, e Sarney filiou-se ao PMDB, de onde nunca mais saiu e onde fincou raízes como um de seus principais líderes, se não o principal.

Hoje, a relação de dependência do presidente Lula com o PMDB do senador José Sarney cada vez mais se parece com a que o então presidente Sarney teve com o PMDB de Ulysses Guimarães.

Naquela ocasião, Ulysses Guimarães, que presidia a Câmara e poderia ter ficado no lugar de Tancredo, aceitou a interpretação do que chamou de “jurista do Sarney”, o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, e deixou que o maranhense assumisse provisoriamente a Presidência na ausência de Tancredo, situação que se tornou definitiva com a morte dele. Mas Ulysses manteve seu poder de veto no governo.

Diante da crise em que se vê envolvido, Sarney aguarda a chegada do presidente Lula da África para bater o martelo com ele sobre a melhor saída para preservar essa aliança política que tem um objetivo maior, o de garantir o apoio do PMDB à candidatura de Dilma Rousseff em 2010.

Parece praticamente impossível que a simples presença de Lula em Brasília debele a crise política que só fez crescer nos últimos dias, embora a simples proximidade já tenha feito o PT mudar de tom.

Pela manhã, uma comissão do PT comunicou a Sarney que a maioria da bancada do partido no Senado gostaria que ele se afastasse da presidência para que uma comissão suprapartidária comandasse ampla reforma administrativa na Casa.

Lá da Líbia, o presidente Lula deu o recado: a saída de Sarney só beneficiaria o PSDB, que tem no senador Marconi Perillo o vice-presidente da Mesa Diretora do Senado.

Os petistas, receosos do contágio de Sarney na eleição de 2010 — a campanha “Fora, Sarney” já virou moda no Twitter —, mais receosos ficaram ainda da reação do presidente Lula e recuaram da proposta.

Aguardam a chegada do “nosso guia” para resolver a questão, que tem que ter uma solução que não magoe Sarney nem deixe o PMDB com disposição de trair, que é seu esporte favorito, com ou sem motivo.

A saída de Sarney parece inevitável, mesmo porque, se ele teimar em permanecer no cargo, tudo indica que o bombardeio continuará pesado. Até mesmo o DEM, simpatizante da candidatura Sarney, agora não apenas retirou o apoio como ameaça levar o caso ao Conselho de Ética do Senado se sua premissa de uma investigação isenta não for aceita.

A questão agora é como encontrar uma saída honrosa para Sarney, que leve a uma nova eleição, e garantir que o próximo presidente do Senado seja um aliado do governo, de preferência do PMDB ou com seu apoio irrestrito.

O PT, no afã de enviar para seu eleitorado um sinal de que não estava comprometido com a administração Sarney, esqueceu-se do “dia seguinte”, isto é, de que quem assumiria a presidência do Senado durante a licença dele seria o representante do PSDB, coisa que Lula não quer.

Especialmente por se tratar do ex-governador de Goiás Marconi Perillo, que lhe causou grandes problemas na época do mensalão, quando revelou que o havia alertado sobre a existência do esquema de compra de votos na Câmara.

Lula teria respondido que esse esquema era atribuído ao ex-ministro tucano Sérgio Motta.

Foi também no mensalão que se cristalizou a amizade entre Sarney e o presidente Lula, quando este estava pressionado pelos fatos, e pelos seus próprios correligionários, a fazer acordo para não ser impedido na Presidência.

Os então ministros Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos chegaram a sugerir que ele se comprometesse a não se candidatar a reeleição para poder terminar seu mandato.

Lula recebeu a solidariedade irrestrita de Sarney, que era o presidente do Senado na ocasião e disse que renunciaria ao cargo junto com ele se fosse preciso.

O prestígio de Sarney ficou explícito quando conseguiu nomear o senador Edison Lobão para o Ministério das Minas e Energia num momento delicado da energia no país. E foi o de Lobão o primeiro nome a ser pensado pelos correligionários do governo para ser lançado como candidato do PMDB à sucessão de Sarney no Senado, hipótese improvável já que seria como mantê-lo no lugar.

A questão agora parece ser encontrar um nome que possa resistir à ofensiva da oposição, aglutinar a base aliada e manter a aliança PT-PMDB intacta.

O DEM, que fez um acordo heterodoxo com o PT para eleger Sarney, já está descomprometido com sua presença na presidência do Senado e articula uma candidatura alternativa.

Qualquer dos lados, na definição do líder do DEM, senador Agripino Maia, terá que escolher um nome que seja “muito parecido com Jesus Cristo”, e, se for mulher, com “Nossa Senhora”, porque, se não, será triturado pelas denúncias. E está difícil achar esse exemplar entre os 81 senadores de Brasília.

Sabe com quem fala

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ontem fez uma semana que o líder do PSDB diz todos os dias da tribuna do Senado que, descontadas as exceções de praxe, quem não é corrupto ou conivente entre seus pares é covarde.

No primeiro grupo estariam os participantes "ativos" da rede de ilicitudes e favorecimentos chefiada por Agaciel Maia, a quem o senador José Sarney abriu as portas do poder, ao nomeá-lo diretor-geral 14 anos atrás, quando assumiu pela primeira vez a presidência do Senado.

Do segundo, fariam parte os "passivos". Potenciais vítimas da munição de chantagem armazenada por Agaciel na forma de favores prestados - muitos constrangedores, alguns francamente ilegais - ao longo desse período, esses senadores estariam intimidados pelo receio de ter seus pecados revelados.

Basicamente é isso o que tem dito o senador Arthur Virgílio sem que ninguém o conteste. No máximo, um ou outro faz reparos à "agressividade" do tucano, mas de nenhum deles se ouviu até agora um "alto lá, nobre colega, veja como fala", a fim de se excluir daquelas categorias de parlamentar por ele aludidas.

É atitude semelhante à adotada pela direção do PMDB, quando o senador Jarbas Vasconcelos referiu-se ao partido como um centro de interesses ilícitos e/ou ilegítimos. Ali, a opção por não confrontar tinha a finalidade de deixar o dissidente falando sozinho até o efeito da denúncia se dissipar ou, quem sabe, aparecer algum fato capaz de desacreditar o senador.

Tentou-se dar dois ou três passos nesta trilha do descrédito, mas Jarbas Vasconcelos denunciou a manobra e acabou prevalecendo a tese do silêncio como o melhor remédio. Em boa medida sustentada pela ideia de que, sem a apresentação de provas, o testemunho do pemedebista não passava de difamação.

Isso, não obstante as evidências em contrário.

Muito bem. No caso agora dos desafios diários de Arthur Virgílio no plenário do Senado, a situação é bem mais complicada. Impossível de ser ignorada.

Para início de conversa, as acusações são lançadas sobre uma Casa cuja lisura está sob suspeição em virtude de fatos divulgados, sendo vários deles comprovados e a maioria incontestáveis.

O movimento dos partidos em prol do afastamento de Sarney da presidência é a prova material.

Por essa e muitas outras evidências será uma temeridade o Senado fingir que não está ouvindo nada. Todos estão vendo e ouvindo perfeitamente bem. Diante disso, urge alguma atitude.

Se os senadores pretendem continuar simulando indiferença, terão de deixar claro que o fazem com base em um de dois pressupostos: ou o senador Arthur Virgílio enlouqueceu ou tenta se defender do abrigo que deu a um funcionário fantasma difamando o restante da Casa.

Em nenhuma das duas hipóteses ele serviria para ser senador, muito menos líder de um partido que tem chance de ganhar a presidência da República no ano que vem.

Se está louco e delira, deve ser interditado. Se mente e avilta a instituição, merece abertura de processo no Conselho de Ética por quebra de decoro parlamentar.

Agora, se continua na liderança é porque priva da confiança de sua bancada. Se não é alvo de processo, é porque a Casa recebe seus desafios como adequados e concorda com a divisão do Senado em duas categorias de parlamentares: os que se calam por covardia e os que silenciam por assumida vilania.

Este último grupo não tem jeito. Só sobrevive se jogar na linha do menor prejuízo possível. A indispensável virada estaria, portanto, nas mãos daquela outra ala. Mas, para isso, ela precisaria sair da toca e se dispor a enfrentar as dores de uma ruptura mais profunda.

Desse modo é inusitado que um senador suba diariamente à tribuna para apontar a existência de corruptos e covardes no colegiado sem que se sinta ofendido o suficiente para contestá-lo nem indignado o bastante para apoiá-lo.

À MODA DA CASA

A absolvição do deputado Edmar Moreira no Conselho de Ética corrobora a tese do "vício insanável" da amizade por ele defendida quando no posto de corregedor da Câmara e reforça a proposta de que os julgamentos por quebra de decoro sejam feitos na Justiça e não mais no Parlamento.

Pelo pior dos motivos: a perda da legitimidade e de autoridade do Legislativo para julgar a conduta dos parlamentares.

O relator Nazareno Fonteles pediu a condenação do deputado por uso indevido da verba indenizatória com base na quebra dos princípios constitucionais da probidade e impessoalidade.

A maioria do conselho o absolveu tomando como referência o regimento interno, que à época não explicitava o que era proibido ou permitido fazer com aquele dinheiro.

Entre a Constituição e o regimento interno, a Câmara dos Deputados manda às favas o artigo primeiro da Carta: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Lula ataca mídia e chama Kadafi de ''amigo e irmão''

Andrei Netto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Único convidado a comparecer à Cúpula Africana, ele diz que consolidar democracia é ""processo evolutivo""

Único convidado de honra presente à Cúpula da União Africana, aberta ontem, em Sirte, na Líbia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou os países industrializados pela crise do sistema financeiro e pelo "caráter perverso da ordem internacional". O discurso, aplaudido por chefes de Estado e de governo e por líderes tribais africanos, foi sucedido por críticas à imprensa pelo que considerou "preconceito premeditado" por sua proximidade com ditadores da região.

A participação do presidente na cúpula, que está em sua 13ª edição, foi ressaltada pela ausência dos demais convidados especiais. Silvio Berlusconi, primeiro-ministro da Itália, e Ban Ki-Moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), cancelaram suas participações, anunciadas como certas pelo cerimonial do evento até a véspera.

Outro ausente foi Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, cuja falta não foi justificada publicamente. Ahmadinejad ficaria sentado ao lado de Lula, que por sua vez ficaria ao lado do ditador líbio Muammar Kadafi, que está no poder desde 1969, quando assumiu o controle do país em um golpe de Estado aos 27 anos de idade.

Lula começou seu discurso dizendo a Kadafi: "Meu amigo, meu irmão e líder". Logo de início, o presidente elogiou "a persistência e a visão de ganhos cumulativos que norteia os líderes africanos" e ressaltou que "consolidar a democracia é um processo evolutivo".

A partir de então, o presidente deu início a repetidas críticas aos países industrializados. Lula afirmou que "a crise financeira e econômica mundial revela a fragilidade e o caráter perverso da atual ordem internacional" e parafraseou o primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brown, ao sustentar que "o consenso de Washington fracassou".

"As instituições e pessoas que sempre foram pródigos em nos dar conselhos hoje estão contabilizando a falência de suas políticas", sentenciou Lula. "Durante muito tempo, os países ricos nos viram apenas como uma periferia distante e problemática. Hoje somos parte essencial da solução da maior crise econômica das últimas décadas. Uma crise que não criamos."

Minutos depois, em entrevista a jornalistas brasileiros, Lula respondeu às críticas feitas sobre sua proximidade com ditadores africanos, como Muammar Kadafi. O presidente ironizou a imprensa pelo não comparecimento de Ahmadinejad, afirmando que as críticas que recebera eram "preconceito premeditado".

Lula disse ainda que ausências como a do líder iraniano não tinham sido boas. "Eu não trabalho com preconceito, porque se trabalhasse não estaríamos nem na ONU, tamanha é sua diversidade", afirmou o presidente.

Com a cúpula, que tem como tema oficial o desenvolvimento da agricultura no continente africano, Kadafi pretende emplacar seu projeto de criação dos Estados Unidos da África. A ideia não é consenso entre membros da União Africana.

Noves fora, nada

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Basta fazer uma rápida conta de somar e subtrair para chegar à conclusão de que Sarney está isolado na presidência do Senado. E isolamento é a palavra maldita, e fatal, da política.

No desespero, o experiente Sarney deu passo ousado que acabou sendo um tiro pela culatra: sua nota se dizendo vítima de uma "campanha midiática" só por ser aliado de Lula e do governo não lhe garantiu um só apoio a mais na esquerda e na base governista, mas foi um chute na sua principal escora: o DEM.

Sem o DEM, sem o PSDB, sem o PDT e agora sem o PT, o que sobra para Sarney? O seu próprio partido, o PMDB, que teve 9 dos 12 presidentes do Senado na Nova República, ou seja, depois de 1985, e deu no que deu. Dois caíram, e o terceiro, o próprio Sarney, balança e pode cair a qualquer momento. O recuo do PT, à noite, foi só pro forma.

A decisão agora é entre o ruim e o pior, e as apostas são de que Sarney tende a perder os anéis para ficar com os dedos: jogar fora a presidência para garantir o mandato.O clima em Brasília já é de pós-Sarney, e o que se discute é quem, como e quando será o sucessor.

Com uma certeza desconcertante, ou preocupante: se Sarney de fato sair, ele sai e a crise fica. E quem for para o seu lugar que vá se preparando: a munição contra Sarney vai imediatamente mudar de alvo.

A enorme dificuldade é achar um substituto capaz de unir quatro qualidades: ter calibre político, ser aceito pela oposição, não ameaçar o Planalto (preocupado com 2010) e não ter rabo preso.

Quem não empregou parentes, não assinou atos secretos, não usou recursos do Senado no gabinete do Estado e não desviou verba indenizatória que atire a primeira pedra. E se prepare para assumir a vaga. Mas com armadura, por favor. Porque escândalos e apedrejamentos não vão parar tão cedo.

Para eles, os senadores, é a má notícia. Para o cidadão que paga a conta, ocorre o oposto: não poderia haver notícia melhor. É a faxina.

Informação é a arma da burocracia

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A burocracia não profissional do Senado foi estruturada para servir uma casa parlamentar enraizada no patrimonialismo. A cultura política dos senadores que emergiram de um voto tradicional incorpora como naturais e legítimos os privilégios que chegam via normas excessivamente elásticas e vazios legais. É como se fossem um prêmio pela vitória eleitoral que os guindou a senadores numa eleição majoritária. A "burocracia política" viabiliza o acesso dos senadores a esses privilégios e os legitima; em compensação, apropria-se também de parcelas de privilégios, quer corporativamente (com concessões de horas extras indevidas, por exemplo), quer individualmente (como a intermediação de contratos de crédito consignado em folha ao funcionalismo da casa).

A crise de 2008, sob a presidência de José Sarney, fugiu ao controle. Houve um desequilíbrio na lógica de que as crises e disputas políticas entre senadores encerravam-se em culpas individualizadas e se extinguiam quando era punido um deles. Foi o que aconteceu com os senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Jáder Barbalho, em 2001; e com Renan Calheiros (PMDB-AL) no ano passado. E também houve um desequilíbrio na lógica de que, no momento seguinte à punição, havia uma recomposição política alicerçada e a partir da estrutura funcional do Senado. Não foi casualmente que o ex-diretor-geral ficou no cargo por 14 anos e sobreviveu à queda de dois presidente da instituição e ao esvaziamento do poder de um ex-presidente.

Nas crises anteriores, a burocracia desempenhou o papel de massa orgânica do Senado, em torno da qual partidos e senadores resolviam grandes conflitos sem rompimentos e mantinham o controle sobre as informações para que não se generalizasse a caça às bruxas. Prevaleceu, assim, até agora, o padrão de individualização de responsabilidades.

Ao atingir a burocracia que dominava a informação, principal fonte do poder da elite administrativa da Casa, as denúncias expuseram o conjunto dos senadores e provavelmente não deixarão nenhum partido intacto. É essa a questão central da crise. Os privilégios dos senadores foram suficientemente democratizados para expor a Casa como um todo. A "burocracia política" que foi duramente atingida não apenas sabe disso, como detém informações que dão a ela o poder de alimentar crises sucessivas.

Quando denúncias vêm à tona, a legalidade ou a ilegalidade desses atos não são mais o ponto central. O que passa a contar são os parâmetros definidos pela mídia - é ela quem acaba definindo o moral e o imoral, o ético e o não-ético. A máquina de reproduzir e valorar (no sentido de dar valor, adjetivar, definir parâmetros para julgamento dos atos) termina por impor como patamar ético aquele definido por escândalos anteriores, que nem sempre é justo e não tem correspondência na lei - isto é, existe uma separação entre o julgamento moral e o legal, e o moral acaba prevalecendo. O senso comum se consolida pela repetição do fato, repetição do discurso e repetição do julgamento.

No caso do Senado de 2008, o uso dos escândalos como arma de fazer política nacional tem eficiência muito reduzida. Em primeiro lugar, porque nenhum dos grupos do Senado tem o poder de estancar as denúncias. São informações que os senadores não detêm, mas sim a máquina burocrática que foi seriamente atingida. Em segundo, porque os chamados atos secretos de Agaciel Maia beneficiaram democraticamente partidos e parlamentares do governo e da oposição. E por último, e especialmente, a prática de alimentação do embate partidário usando exclusivamente denúncias, não necessariamente verdadeiras, e um discurso de alta agressividade, consolidou um senso comum de que os políticos são venais e facilmente corrompíveis. É por esse senso comum que os senadores denunciados - quer tenham contribuído, quer não, para a consolidação de juízos morais -- serão julgados pela opinião pública.

Mesmo que, como nas crises anteriores, o Senado venha a resolver seus problemas simplesmente cedendo os anéis de um dos seus para manter os dedos dos demais; e mesmo que a mídia embarque na tática de relativização de culpas e individualização de responsabilidades, persistem dois problemas: o controle da informação e a valorização de um fato que não pôde ser represado.

O caso do líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), é emblemático. Acostumado a fazer juízos sobre a honestidade e o caráter de seus opositores e a distribuir ofensas, lançou mão da usual estratégia de transformar o escândalo no Senado numa culpa particular de Sarney. Não conseguiu, todavia, controlar a informação. Foi denunciado por ter recebido um empréstimo pessoal de Agaciel, por ter mantido funcionário fantasma em seu gabinete e por ter obtido um reembolso maior do que o normal para a sua mãe. Exceto pelo reembolso médico - sua mãe, como esposa de senador, teria o direito a uma restituição maior do que a de simples dependente - Virgílio não teve como se explicar. Defendeu-se atacando, insinuando culpas de senadores e a formação de um "bando" por outros. Por fim, tomou a iniciativa de denunciar Sarney no Conselho de Ética de Decoro Parlamentar.

Virgílio falou grosso, minimizou suas próprias culpas e conseguiu (quase) sumir do noticiário na condição de senador que foi denunciado. Mas o fato é que, nem com toda essa ofensiva, ele pode assumir o controle sobre as informações que vazam da estrutura administrativa em queda.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Sarney já admite sair e Lula acusa oposição de golpismo

Gerson Camarotti e Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

PT tira apoio, mas recua; se houver renúncia, Senado terá de fazer nova eleição

Perdendo apoio político a cada dia, o presidente do Senado, José Sarney, admitiu ontem renunciar ao comando da Casa, mas o presidente Lula mobilizou ministros e pressionou fortemente os senadores do PT para garantir a permanência do aliado. Da Líbia, Lula acusou a oposição de querer ganhar a direção do Senado “no tapetão”: “Assim não é possível, isso não faz parte do jogo democrático.” A bancada do PT chegou a pedir o afastamento por 30 dias, mas não oficializou a proposta, e, à noite, depois de telefonemas de Lula, já recuava.
Hoje, o presidente se reúne com o PT e com Sarney, separadamente. Se houver renúncia, nova eleição terá de ser feita em cinco dias.

Sarney decide sair; Lula não quer deixar

Presidente tenta evitar renúncia do aliado e joga pesado para garantir o apoio do PT

BRASÍLIA Ao constatar a fragilidade política do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e a possibilidade concreta de ele renunciar ao cargo, o Palácio do Planalto reforçou ontem a mobilização governista para dar sustentação ao aliado, apesar do constrangimento explícito da bancada do PT. Num movimento confuso, os senadores petistas chegaram a pedir ontem o afastamento de Sarney do cargo por 30 dias, mas decidiram não oficializar a proposta depois de forte pressão da direção do partido e do presidente Lula. À noite, a líder do governo no Congresso, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), recebeu telefonema de Lula, que estava na Base Aérea de Recife, numa escala técnica, no retorno da Líbia.

Lula reforçou que era preciso defender Sarney e que a possível saída do presidente do Senado causaria grande estrago político ao governo. E confirmou para hoje reuniões separadas com Sarney e com a bancada do PT.

“Se eu sou um obstáculo, renuncio”

À noite, já havia um recuo da bancada petista, e os que pediam afastamento eram minoria. Num encontro na casa de Sarney, no fim da tarde, estiveram dez dos 12 senadores petistas, com a ausência de Tião Viana (AC) e Flávio Arns (PR). Na conversa, Eduardo Suplicy (SP) e Marina Silva (AC) voltaram a pedir o afastamento temporário. Sarney respondeu que essa não era a solução. Afirmou que tem compromisso com o governo Lula e que essa era uma crise política. E deu a última cartada.

— Se sou um obstáculo, eu renuncio.

Mas, antes, vou conversar com o presidente Lula — disse Sarney, segundo o relato dos petistas.

— Ontem (terça-feira), havia mais senadores pedindo o afastamento.

Hoje, esse número já é bem menor — disse Ideli, antes do encontro da noite com Sarney.

Na saída, ela frisou que o DEM também teria cota de responsabilidade na crise, por controlar há anos a 1ª secretaria, a “prefeitura” da Casa: — A crise do Senado não é só dele (Sarney). Simplesmente mudar pessoas pode significar nada.

O governo se mobilizou após constatar que Sarney já emitia sinais de que não teria mais condições físicas nem emocionais para enfrentar um processo político pelo seu afastamento.

Por isso, além de Lula ter determinado que a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pedisse a Sarney que esperasse sua volta ao Brasil para tomar uma decisão, ele destacou ministros para conter a bancada petista. Entre eles Tarso Genro (Justiça), Paulo Bernardo (Planejamento) e o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho.

Os petistas ouviram desses ministros que a saída de Sarney “seria o caos para o governo, que poderia viver uma crise sem precedentes”.

A reação do governo não foi por acaso. No fim da manhã, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), e Ideli Salvatti sugeriram a Sarney que ele deveria se licenciar do cargo até a conclusão das investigações. Explicaram que esse era um consenso da bancada, que se reunira na noite anterior.

— Sarney recusou a proposta. Portanto, essa sugestão de afastamento temporário foi descartada. Não formalizaremos a proposta. Se essa solução não tem acolhimento de Sarney, não é solução — justificou Mercadante.

Com a recusa, a bancada petista ficou em situação delicada. Por um lado, pressionada por Lula a manifestar apoio. Por outro, a maioria não escondia o desconforto, já que teriam forte ônus político — dos 12 senadores do partido, dez disputam a reeleição.

Em nova reunião com a bancada, Mercadante sugeriu uma solução intermediária: a criação de uma comissão que formularia uma proposta para reestruturar o Senado.

— Temos importante noção da importância de Sarney e do PMDB para a governabilidade. E o PT acha que não é correto colocar toda a responsabilidade desses episódios no presidente do Senado — disse ele.

— disse Ideli, antes do encontro da noite com Sarney.

Na saída, ela frisou que o DEM também teria cota de responsabilidade na crise, por controlar há anos a 1asecretaria, a “prefeitura” da Casa: — A crise do Senado não é só dele (Sarney). Simplesmente mudar pessoas pode significar nada.

O governo se mobilizou após constatar que Sarney já emitia sinais de que não teria mais condições físicas nem emocionais para enfrentar um processo político pelo seu afastamento.

Por isso, além de Lula ter determinado que a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pedisse a Sarney que esperasse sua volta ao Brasil para tomar uma decisão, ele destacou ministros para conter a bancada petista. Entre eles Tarso Genro (Justiça), Paulo Bernardo (Planejamento) e o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho.

Os petistas ouviram desses ministros que a saída de Sarney “seria o caos para o governo, que poderia viver uma crise sem precedentes”.

A reação do governo não foi por acaso. No fim da manhã, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), e Ideli Salvatti sugeriram a Sarney que ele deveria se licenciar do cargo até a conclusão das investigações. Explicaram que esse era um consenso da bancada, que se reunira na noite anterior.

— Sarney recusou a proposta. Portanto, essa sugestão de afastamento temporário foi descartada. Não formalizaremos a proposta. Se essa solução não tem acolhimento de Sarney, não é solução — justificou Mercadante.

Com a recusa, a bancada petista ficou em situação delicada. Por um lado, pressionada por Lula a manifestar apoio. Por outro, a maioria não escondia o desconforto, já que teriam forte ônus político — dos 12 senadores do partido, dez disputam a reeleição.

Em nova reunião com a bancada, Mercadante sugeriu uma solução intermediária: a criação de uma comissão que formularia uma proposta para reestruturar o Senado.

— Temos importante noção da importância de Sarney e do PMDB para a governabilidade. E o PT acha que não é correto colocar toda a responsabilidade desses episódios no presidente do Senado — disse ele.

Colaborou: Fernanda Krakovics

O PT na vanguarda. Do atraso

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

PARIS - Indecente. Pusilânime. Vergonhoso. Que mais se pode acrescentar a respeito do comportamento do PT no episódio José Sarney? Xingar a mãe, não posso. É proibido pela etiqueta desta página.

Mas seria o correto.

Não vou nem lembrar o passado combativo do partido e de seu líder, Aloizio Mercadante, em episódios anteriores à chegada ao governo federal. Esse passado já foi sepultado faz tempo.

Ajuda-memória: pelo episódio do mensalão, o procurador-geral da República, nomeado pelo presidente de honra do PT, um certo Luiz Inácio Lula da Silva, acusou a cúpula petista de formar uma "quadrilha". O Supremo Tribunal Federal, com o voto de ministros também indicados por Lula, decidiu haver indícios suficientes para aceitar a acusação e proceder ao julgamento, aliás em curso.

Fica claro que o passado de supostos campeões da moralidade pública está morto e bem enterrado. Mas o presente podia ao menos guardar um mínimo de coragem, de vergonha na cara. Podia, por exemplo, defender Sarney pura e simplesmente, fosse qual fosse o argumento ou pretexto a utilizar: necessidade de não tumultuar o cenário político, falta de elementos concretos para afastar o presidente do Senado -enfim, qualquer dessas desculpas que os políticos se habituaram a usar para serem coniventes com trambiques.

O que não cabia é deixar de apoiar Sarney mas apenas por 30 dias, que foi o prazo dado pelo partido para o afastamento do presidente do Senado. Tampouco cabia sugerir uma comissão para uma reforma administrativa da Casa, sem menção a punições pelas irregularidades já descobertas e já confessadas.

Se algumas são legais, nem por isso deixam de ser todas vergonhosas, muito vergonhosas. O PT fechou enfim um círculo: passa de suposta vanguarda das massas à cúmplice do atraso.

FHC e Lula

Carlos Alberto Sardenberg
DEU EM O GLOBO

O presidente Lula patrocinou dois aperfeiçoamentos importantes no conjunto do Real. Primeiro, o programa de compra de reservas, iniciado em 2003, quando começaram a sobrar dólares nas contas brasileiras. O segundo foi elevar o presidente do Banco Central ao nível de ministro de estado, o que conferiu mais autonomia e poder ao condutor da política monetária. Outro avanço paralelo foi o conjunto de reformas microeconômicas, como as novas regras do crédito imobiliário, que melhoraram o ambiente de negócios.

O resto é FHC. A responsabilidade fiscal, primeira perna do tripé, começou a ser construída em 1995, com a reestruturação da dívida de estados e municípios, encorpou com as metas de superávit primário (iniciadas em 1998) e completou-se com a crucial Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000.

O câmbio flutuante começou torto, em meio à crise de 1999, mas acabou emplacando. E o regime de metas de inflação, a terceira perna, começou a funcionar há dez anos. Os instrumentos paralelos foram as reformas, inclusive da Previdência, as privatizações, o saneamento do sistema financeiro (1995) e a renegociação da dívida externa pública.

Compreende-se que o governo Lula se tenha fingido de morto diante dos 15 anos da introdução da nova moeda, comemorados ontem. Sobretudo porque as próximas eleições presidenciais colocarão de novo PSDB e PT frente a frente.

Foi a mesma história no início de 1994, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, expos os detalhes do Plano Real ao então presidente do PT, José Dirceu.

FHC buscava apoio para o que considerava um programa nacional. Dirceu queria saber se o PSDB teria candidato à presidência.

Na ocasião, os tucanos nem tinham candidato. Mas o PT calculou que um sucesso econômico, ainda que provisório, daria forte sustentação ao PSDB, assim como o efêmero Cruzado dera uma ampla vitória eleitoral ao PMDB, em 1986. Acrescente-se que os economistas do PT não eram preparados para esse tipo de teoria (a que sustentou o Real) e Lula acabou sendo levado a um brutal erro de avaliação. Disse que o Real era um pesadelo para os trabalhadores, isso quando os mais pobres se beneficiavam de um enorme ganho de renda com a súbita estabilização da moeda.

O cálculo político do PT estava certo. O Real deu duas vitórias a FHC (94 e 98). Mas a análise econômica estava completamente equivocada, um erro no qual o PT perseverou ao longo do tempo. Criticou e combateu no Congresso e nos tribunais praticamente todas as medidas do Plano Real. Para esquecer tudo quando Lula chegou à presidência.

Como foi possível fazer dessa transição um movimento crível para a sociedade? Primeiro, Lula foi ajudado pelo enorme desgaste que sucessivas crises, locais e internacionais, impuseram ao governo FHC. Inclusive a última, de 2002, quando o mercado se deteriorou pelo medo das políticas econômicas até então pregadas pelo PT, isto gerando inflação e crise externa, que, ironicamente, acabaram ajudando o próprio Lula.

Sua trajetória foi aberta, ainda, pela dificuldade do candidato tucano, José Serra, de lidar com o desgaste de um governo do qual participara e do qual tentou se distanciar.

Mas como os eleitores aprovaram um governo Lula que, eleito em nome da mudança, manteve intactas as bases da política econômica? Dois fatores essenciais: a fantástica onda de crescimento mundial que carregou um Brasil já normalizado com a estabilidade macroeconômica; e a enorme distribuição de renda promovida por Lula com a ampliação do Bolsa Família e, sobretudo, com os aumentos reais do salário mínimo (o governo paga o mínimo para quase 20 milhões de aposentados, pensionistas e outros beneficiários). E mais, paralelamente, as contratações e aumentos para o funcionalismo público.

Mas o fato de Lula ter aderido aos pressupostos do Real — primeiro, por medo e, depois, porque estavam funcionando, e nunca por convicção — trouxe um preço para o país. Lula simplesmente não avançou além daqueles dois aperfeiçoamentos na área do BC. Nenhuma reforma importante, nenhuma providência para continuar a desindexação da economia, nenhum progresso na qualidade dos gastos públicos, nada de reforma tributária. Tudo por fazer.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.

Novo pacote. A aliança com empresários e o controle do preço do pãozinho até 2010

Jarbas de Holanda
Jornalista

Com o conjunto de medidas microeconômicas anunciadas anteontem, do mesmo caráter seletivo das ações anticíclicas anteriores mas ampliando os segmentos industriais distinguidos, o presidente Lula reforça o leque de relações com o empresariado e sua imagem nas camadas médias e populares (beneficiadas com a prorrogação de impostos menores para diversos produtos). Ao mesmo tempo em que introduz uma pitada especial de populismo claramente voltada para a eleição presidencial do próximo ano: a extensão até dezembro de 2010 de tarifa zero para a farinha de trigo e o pão francês.

Os efeitos econômicos que as desonerações tributárias adotadas meses atrás tiveram, sobretudo para o reaquecimento da indústria automobilística e dos utilitários da linha branca, associados aos seus dividendos políticos, traduzidos na recuperação e até no aumento da popularidade de Lula, e de par com a persistência de indicadores negativos da produção industrial, convenceram-no a deixar de lado preocupações – até de membros da equipe econômica que propunham o fim dos benefícios fiscais – com o risco de descontrole das contas públicas. Risco gerado pela combinação da queda de receita com o constante crescimento das despesas de custeio e responsável pela piora da relação dívida pública/PIB.

O presidente está certo de que o custo de R$ 3,342 bilhões, este ano, com as desonerações fiscais – da indústria automobilística (automóveis, caminhões e motos), dos materiais de construção, dos eletrodomésticos, da farinha de trigo e do pão francês, e com a redução dos juros do BNDES, para bens de capital, bem como de mais R$ 4,5 bilhões com essa redução até 2017 - de que esse custo será bem compensado pelos ganhos econômicos e sociais de uma antecipação da retomada do crescimento. E, gastando parte do capital acumulado pela postura responsável que teve de manter e até ampliar em seus dois governos os fundamentos macroeconômicos herdados do antecessor FHC (inclusive a autonomia do Banco Central), Lula decidiu recomendar ao Conselho Monetário Nacional, em ato formalizado ontem, a manutenção em 2010, ao invés da possível e desejável redução, da meta inflacionária com o centro em 4,5%, com o cálculo de dispor de espaço para gastar mais no ano eleitoral à frente, o mesmo que inspirou a decisão de queda do superávit primário a cargo da União. E que já o levou a antecipar que concederá este mês mais um aumento real aos beneficiários do Bolsa Família.

Independentemente do acerto ou do erro desses cálculos, bem como das conseqüências que eles e o vulto dos estímulos concedidos a segmentos específicos da indústria, possam ter depois, o fato é que tais decisões (embora seletivas e vinculadas ao arbítrio exclusivo do Palácio do Planalto, ao invés de decorrentes de desejáveis políticas fiscais amplas) produzem efeitos positivos imediatos para o reaquecimento e para o horizonte de negócios de atividades produtivas importantes. E reforçam a amplitude social do papel do presidente Lula, possibilitando-lhe a articulação de seu custoso populismo pragmático a crescente relacionamento com o empresariado, inclusive investidores externos (num cenário completamente distinto do da Argentina onde o populismo dos Kirchners, radical e hostil à iniciativa privada, acaba de ser abalado por grande derrota eleitoral e política). Articulação que Lula passa a usar centralmente para tentar viabilizar sua candidata à sucessão, Dilma Rousseff.

Difícil a permanência de Sarney e mais difícil sua substituição

As denúncias sobre o pagamento pelo Senado do mordomo da filha Roseana e a comissão da empresa do neto nas operações de crédito consignado para os funcionários da Casa tiveram grande repercussão social, reforçando a tendência de concentração na pessoa do presidente José Sarney da responsabilidade maior pela crise ética da instituição. E levando a bancada do DEM a uma virada de postura – da sustentação a Sarney à associação com a do PSDB na cobrança de seu afastamento e a subordinar a posição distinta que tinha na política interna do Congresso à lógica da aliança na disputa presidencial de 2010 em torno do pré-candidato tucano José Serra.

Essa virada, que desqualifica o papel que o 1º secretário do Senado Heráclito Fortes vem tendo na correção das graves irregularidades lá existentes e que colocou o presidente em situação dificilmente sustentável, torna-o agora totalmente dependente do Palácio do Planalto. E favorece a recomposição na Casa da aliança PMDB-PT, para a manutenção de Sarney ou para a eleição de uma nova mesa, pois tal recomposição praticamente exclui a alternativa de transferência da presidência ao primeiro-vice, o tucano Marconi Perillo. E o agravamento dessa crise favorece também outro objetivo importante do governo: o de inviabilizar a CPI da Petrobras.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil

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Os neogolpes

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO

As Américas fizeram tudo certo no caso de Honduras. Isolaram o governo golpista e exigiram a volta do presidente Zelaya ao poder. Inclusive os Estados Unidos. É fundamental derrotar o golpe, mas a crise de Honduras ilumina outros dilemas da democracia na América Latina. Há dificuldade em aceitar a alternância no poder; o caudilhismo tenta sobreviver; não há renovação da política.

O mais importante no caso de Honduras foi que, numa região assolada pelo golpismo, a resposta dos países e das instituições foi firme, granítica. Os Estados Unidos, que apoiaram os golpes na década de 70, e o governo Bush, que apoiou a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, em 2002, ficaram no passado. Barack Obama alterou a rota da política externa e mudou o pêndulo. Em Tegucigalpa, os jornais admitiam já na segunda-feira que o autoproclamado governo de Honduras estava isolado.

O adiamento da volta de Zelaya abre espaço para uma solução negociada. O jornal hondurenho “El Heraldo” divulgou ontem nota das Forças Armadas dizendo que apenas cumpriram ordens judiciais. A operação desmonte do golpe incluiu a interrupção das atividades militares americanas na base que têm no país e a suspensão de empréstimos de organismos multilaterais a Honduras. Foi geral a reação aos golpistas.

Um final feliz para esse tumulto só será completo se incluir um recuo de Manuel Zelaya da sua intenção de não cumprir o determinado pela Suprema Corte.

Há duas formas de conspirar contra a democracia.

Uma é a tosca quartelada, própria dos anos 60, e que voltou a acontecer. A outra é fingir jogar o jogo democrático e ir dilapidando seus fundamentos como a independência dos poderes, a liberdade de imprensa, a alternância no poder. Mesmo que isso seja feito com plebiscitos, é conspiração contra a ordem democrática.

Hugo Chávez representa esse segundo tipo de risco.

Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa, Álvaro Uribe, Fernando Lugo são atores novos da política latinoamericana e chegaram ao poder pelo voto. Morales representa grupos que sempre estiveram marginalizados e precisam estar representados; Uribe enfrentou o problema da violência e do terrorismo e teve um desempenho inegável. Lugo representou uma força partidária nova no Paraguai.

Chávez tentou entrar na política invadindo com um tanque o Palácio Miraflores, em 1991. Nunca foi um democrata.

Depois de eleito conspira diariamente contra a democracia.

Os cinco poderiam representar uma renovação do poder, mas em menor ou maior grau caíram em tentação. Ou de mudar as regras para ficar no poder, ou de reproduzir os padrões viciados da velha política. O Brasil está fugindo do primeiro risco, mas não do segundo. Aqui, velhos políticos têm uma indesejável sobrevida, e o governo do PT, que prometeu ser uma renovação ética, aprofundou os vícios dos velhos métodos de fazer política e financiar campanhas. O PT levou ao paroxismo o aparelhamento da máquina pública.

Os jovens que chegam na política não representam necessariamente renovação.

Alguns jovens que conquistam mandatos o fazem escalando ou manipulando movimentos sociais. Vejase o caso do PCdoB que produziu caras novas para a política brasileira. Todos escalaram a UNE onde não há transparência na forma de escolha das lideranças, representatividade do movimento estudantil, nem pluralismo. Em vez de representar os estudantes, passou a ser centro de formação de candidatos do partido. Pela direita, jovens na idade conquistaram mandatos como se fossem capitanias hereditárias. São os filhos da oligarquia.

O derretimento da reputação dos políticos no Brasil é uma sombra que ameaça o futuro da democracia no país. O sistema político não tem sido capaz de dar uma resposta à altura do desafio.

Reformas políticas são apresentadas como maravilhas curativas quando não passam de fórmulas para garantir o poder a quem já o tem. O país está precisando de mais do que a queda do presidente do Senado. Ela é bem-vinda, mas a conciliação com a opinião pública exige algo mais sólido.

A América Latina viu nos últimos anos uma forma insidiosa de ameaçar a democracia: as decisões autoritárias tomadas supostamente em nome do povo.

Foi assim que Evo Morales fez uma constituinte a portas fechadas; que Chávez fecha emissoras de TV, estatiza empresas, arma milícias e se eterniza no poder.

Zelaya seguia o mesmo modelo de fazer na marra o que a Suprema Corte rejeitara.

Errou e foi redimido pelo golpe que, de tão obsoleto e absurdo, fez com que governos diferentes montassem um cerco de proteção ao mandato dele. Zelaya errará de novo se achar que foi respaldado na sua intenção de desrespeitar a Suprema Corte.

A melhor solução para Honduras será os dois lados se submeterem à Constituição do país. Isso criará anticorpos contra as velhas quarteladas e as novas manipulações institucionais. O desfecho do caso de Tegucigalpa vai além de Honduras.

Ele pode mandar um recado aos velhos golpistas de que não tentem de novo, em país algum, algo parecido; e aos seguidores de Chávez de que a neoditadura também não é aceitável na região.

Lula pede à África que condene golpe

Marcelo Ninio
Enviado especial a Sirte (Líbia)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente Lula fez ontem na cidade líbia de Sirte um apelo aos membros da União Africana para que incluam na declaração final de sua reunião de cúpula um "repúdio" ao golpe de Estado que derrubou o presidente de Honduras, Manuel Zelaya.

O apelo foi feito a poucos metros do anfitrião do encontro, o líbio Muammar Gadaffi, que chegou ao poder por meio de um golpe militar há quase 40 anos, e de vários outros ditadores do continente africano.

Lula usou seu discurso, na abertura da cúpula, para pedir aos países africanos que apoiem a exigência da OEA (Organização dos Estados Americanos) de que Zelaya seja reconduzido à Presidência. Ao tratar do tema, foi aplaudido pelos africanos.

Pouco após o discurso de Lula, o chanceler Celso Amorim comentou a decisão da OEA de dar um prazo de 72 horas para que o novo governo hondurenho permita a volta de Zelaya ao poder, sob o risco de o país ser suspenso da organização.

"Essa é uma resposta adequada no momento", disse o ministro, que na véspera defendera "medidas enérgicas" para devolver o poder a Zelaya. "Depois vou conversar melhor com o presidente [Lula] e ler a resolução, mas esse é um primeiro passo importante", afirmou.

Lula mostrou otimismo de que os líderes africanos atenderão a seu pedido. Segundo ele, há uma "unanimidade" mundial contra a deposição de Zelaya.

O apelo à UA foi mais uma das iniciativas brasileiras para condenar o golpe em Honduras. Antes, o país já decidira não reenviar a Tegucigalpa o embaixador, que estava fora do posto, em férias.

O Brasil suspendeu ainda programas de cooperação com Honduras, principalmente nas áreas de energia e de saúde. O BNDES suspendeu a análise dos três projetos em tramitação em Honduras, incluindo os de duas hidrelétricas.

Zelaya precisará fazer acordo com a oposição, diz especialista

De Nova York
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A volta de Manuel Zelaya a Honduras só será viável após um acordo político com a oposição, disse à Folha Kevin Casas-Zamora, ex-vice-presidente da Costa Rica e especialista em América Central do Instituto Brookings.

FOLHA - Diante do apoio internacional, Zelaya tem condições de voltar a Honduras?

KEVIN CASAS-ZAMORA - Todo mundo concorda que ele deve voltar ao poder, mas o problema é que o retorno de Zelaya não resolve nada. A menos que haja algum tipo de diálogo político entre ele e seus oponentes, nada mudará. Estamos falando de um cidadão com antagonistas em todas as instituições e setores políticos do país. Sem um acordo, ele não terá como governar. A questão final é como fazer de Honduras um país governável.

FOLHA - O que deve ocorrer agora?

CASAS-ZAMORA - Em algum momento, as autoridades hondurenhas vão desistir. Temos ouvido rumores de pessoas no Congresso de Honduras de que eles estão considerando a hipótese de negociar um acordo político com Zelaya. Ele poderia voltar ao poder, terminar seu mandato e abrir mão de qualquer projeto de reeleição, o que já deixou claro nas declarações feitas na ONU. Honduras é um país muito pequeno, muito pobre e muito vulnerável para enfrentar a pressão internacional.

FOLHA - O que explica essa unanimidade dos países contra o golpe?

CASAS-ZAMORA - Não tivemos golpes por um bom tempo na América Latina, e ninguém quer abrir um precedente. A América Latina se posicionou de maneira muito forte, em seguida vieram os EUA, a União Europeia e a ONU. Houve um efeito bola de neve, o que é surpreendente para um país tão pequeno.

FOLHA - Como avalia o fato de EUA e Venezuela estarem agora do mesmo lado?

CASAS-ZAMORA - É uma situação peculiar, mas representa uma oportunidade muito boa para a imagem dos EUA na região. Eles têm a chance de mostrar que apoiam inequivocamente a democracia, mesmo que não gostem do presidente deposto. Com isso, eles tiram a arma de Chávez, a retórica. Parte da atitude americana é uma forma de prevenção contra o possível êxito político que Chávez poderia tirar da situação. Zelaya voltará ao poder agora ou mais tarde, mas não será uma vitória de Chávez ou dos EUA.

Governo golpista suspende garantias constitucionais

Fabiano Maisonnave
Enviado especial a Tegucigalpa (Honduras)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Direito à manifestação, inviolabilidade de domicílio e limite a prisão preventiva são afetados

Presidente interino diz que não vai negociar com OEA e afirma que "há países que começam a entender que há democracia" em Honduras


A pedido do presidente interino hondurenho, Roberto Micheletti, o Congresso do país decretou ontem estado de emergência no país, com a suspensão de cinco garantias constitucionais, entre os quais a inviolabilidade de domicílio.

Desde ontem à tarde, estão restringidos os direitos a manifestação, reunião e livre circulação. Também fica suspenso o limite máximo de 24 horas para prisões preventivas.

Além disso, o governo Micheletti estendeu ontem por mais 72 horas o toque de recolher, em vigor desde domingo à noite. Com isso, a circulação continua proibida entre as 22h e as 5h pelo menos até sábado.

Ontem, houve pequenas manifestações tanto a favor do presidente deposto, Manuel Zelaya, quanto em apoio ao novo governo, sem incidentes graves. A maior parte do comércio funcionou normalmente, mas os professores das escolas públicas, cujo sindicato é controlado por líderes de esquerda, estão em greve em protesto contra Micheletti.

Já a sede da Corte Suprema de Justiça, que tem tomado medidas desfavoráveis a Zelaya, foi alvo, anteontem à noite, de um ataque de granada, que não chegou a explodir.

Desde domingo, os meios de comunicação contrários a Micheletti continuam com restrições. Ontem, a rádio Globo, favorável a Zelaya, saiu do ar minutos depois de transmitir uma entrevista ao vivo com o presidente deposto.

Segundo o dono da rádio, o deputado pró-Zelaya Alejandro Villatoro, a rádio já teve o sinal suspenso oito vezes desde domingo. "Os militares continuam na estação, onde quebraram as portas. Na noite do golpe, eu fui levado a ponta de fuzil e detido por uma hora e meia, apesar de ter imunidade parlamentar", disse à Folha ontem.

Procurado pela reportagem, o ministro da Comunicação, René Cepeda, negou as medidas contra a rádio Globo. "Eles mesmo se tiram do ar, o que é muito suspeito", afirmou. Ele acusou a emissora de dar notícias falsas de manifestações pró-Zelaya.

Cada vez mais isolado internacionalmente, Micheletti disse à agência de notícias France Presse que "não podemos negociar nada" com a OEA (Organização dos Estados Americanos), que ameaçou suspender a participação de Honduras no organismo caso Zelaya não seja restituído ao cargo até sábado.

Em entrevista coletiva a meios hondurenhos, à qual a Folha teve acesso, Micheletti disse que "há países que estão começando a entender que aqui há uma democracia". Ele disse que Taiwan e Israel devem anunciar em breve o reconhecimento de seu governo.

Micheletti voltou a acusar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, aliado de Zelaya, de ser o responsável pela crise política hondurenha. "A intervenção do governo venezuelano é clara e definida nessa situação que está vivendo Honduras."

A crise no país foi desencadeada por uma votação que Zelaya pretendia realizar no país para buscar apoio político à sua proposta de substituir a atual Constituição.

Com o lema de "quarta urna", Zelaya propôs a realização de um referendo sobre a convocação de uma Constituinte nas eleições de novembro, quando deveriam ser eleitos novos presidente, Legislativo e autoridades municipais.

A consulta foi declarada ilegal pela Justiça e pelo Congresso. Líderes da oposição e do próprio Partido Liberal acusam Zelaya de tentar mudar a Constituição para poder tentar a reeleição. O seu mandato termina em janeiro de 2010.

Desde domingo, Micheletti vem repetindo que seu governo é de "transição" e que as eleições de novembro não serão adiadas nem antecipadas.

15 anos de uma revolução

Sérgio Guerra
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


O Plano Real deu nova feição ao Brasil. Os avanços não são fortuitos, não começaram agora. São o encadeamento de conquistas progressivas

HÁ 15 anos, esta Folha publicava em manchete: "Real começa a circular; preços disparam na virada da moeda". Aquelas duas linhas exprimiam certo ceticismo então reinante, embora todos torcessem para que o país conquistasse, enfim, a tão sonhada estabilidade monetária. Deu certo. O Plano Real, que chega ao seu 15º aniversário, marcou o início de uma bem-sucedida nova era para o Brasil.

Para as novas gerações, que, desde que se entendem por gente, manuseiam as mesmas cédulas e moedinhas, superinflação parece algo tão remoto quanto o telégrafo. Mas, apenas 15 anos atrás, nosso martírio era conviver com preços que mudavam todos os dias. Como sempre, quem mais perdia eram os mais pobres, sem meios para se defenderem do imposto inflacionário.

O real foi o único dos 12 planos de estabilização tentados no Brasil -se consideradas as experiências ortodoxas do fim do regime militar- que obteve sucesso.

A taxa de inflação acumulada desde que a nova moeda foi criada até hoje é de 245%. Vale comparar: num único ano, o de 1993, o índice ultrapassara 2.700%. Mais: a última moeda antes do real, o cruzeiro real, existiu por meros 334 dias e acumulou inflação de 3.673%. Isso acabou.

O Plano Real não foi somente uma mudança de moeda. Foi o início de um processo que levou os brasileiros a perceberem as vantagens de ter referência de valor. Foi uma verdadeira revolução cultural, cujo grande artífice foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ministro da Fazenda de Itamar Franco até a véspera do lançamento da nova moeda.

Cercado de mentes brilhantes, que lograram encontrar solução para um problema secular -o real é nossa décima moeda-, ele construiu a credibilidade do plano repetindo, por meses, que nada aconteceria na calada da noite. Aquilo, em si, era revolucionário, acostumados que estávamos com pacotes baixados da noite para o dia, com eficácia de curto prazo.

Desde seu início, o plano foi uma obra aberta. À época já se alertava para o fato de que a conquista da estabilidade era um processo a ser vencido dia após dia. Só isso já representava uma atitude absolutamente inovadora, honesta, para uma época em que os brasileiros ainda acreditavam em milagreiros na economia.

A estabilidade criava a necessidade de difíceis e urgentes mudanças econômicas. Já no poder, o PSDB topou a parada, e o PT, ainda na oposição, fez de tudo para dificultá-la sempre um pouco mais, votando no Congresso contra tudo o que era de interesse dos brasileiros.

Conquistada a estabilidade, cabia reformar o Estado, modernizá-lo e desatá-lo da herança patrimonialista de séculos. Quem há de negar que conseguimos? O país que temos hoje -melhor do que ontem, mas ainda distante do que será amanhã- é resultado dessas transformações, indissociáveis da história do PSDB.

Com a estabilidade da moeda, tornou-se imperativo pôr em ordem as contas públicas, desorganizadas pela inflação. Foram renegociadas as dívidas de Estados e prefeituras, dando-lhes previsibilidade e condições para que seus governantes pudessem atender melhor a população.

O passo seguinte, em 2000, foi disciplinar as contas do governo central a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal. Antes, o governo tucano já instituíra mudanças importantes na atuação do Banco Central, com a adoção do sistema de metas de inflação e do regime de câmbio flutuante.

Mas não bastava. Era preciso canalizar energias para o cumprimento de funções básicas na saúde, educação, segurança. Foi então que partimos para as privatizações, cujo sucesso encontra sua mais perfeita tradução na universalização das comunicações e nos ganhos gerados para a vida de todos os 180 milhões de brasileiros.

A desestatização foi acompanhada pelo fortalecimento de empresas como a Petrobras e o Banco do Brasil.

Deixou de ser função do Estado investir diretamente na produção, mas o papel de disciplinador do mercado foi reforçado com a criação de agências reguladoras. O sistema financeiro foi redesenhado por meio do Proer, hoje modelo para a reengenharia das finanças mundiais.

O Plano Real deu nova feição ao Brasil. Os avanços não são fortuitos, não começaram agora.

São o encadeamento de conquistas progressivas, que permitiram a construção de uma economia de mercado moderna, competitiva e integrada de maneira soberana com o mundo. E é só por isso que conseguimos sofrer menos com a crise.

Como dizia Guimarães Rosa, "o caminho se faz no andar". É certo que já poderíamos estar muito mais adiante, aonde o governo Lula não conseguiu nem conseguirá nos levar. Mas o tempo de avançar em breve estará de volta.

Severino Sérgio Estelita Guerra , 61, economista, é senador da República pelo PSDB-PE e presidente nacional do PSDB.

Crise engole um quarto do comércio

Eliane Oliveira
DEU EM O GLOBO

Somadas, importações e exportações têm queda de 25,9%. Alta das ‘commodities’ evita resultado pior

A crise financeira internacional, que provocou uma onda de recessão nos grandes mercados consumidores globais e desacelerou fortemente a expansão das economias emergentes, fez desaparecer um quarto do comércio exterior brasileiro no primeiro semestre.

A despeito de um superávit 23,8% maior, de US$ 13,987 bilhões, a corrente de comércio (soma das exportações com as importações), de US$ 125,917 bilhões, encolheu 25,9% ante os seis primeiros meses de 2008.

Segundo o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, a principal razão para a queda do comércio exterior brasileiro foi a significativa redução das importações, que tiveram decréscimo de 38%, considerando a média diária de compras do Brasil, somando US$ 55,965 bilhões no semestre.

As exportações, que atingiram US$ 69,952 bilhões, caíram 22,2%.

Só não tiveram desempenho pior graças aos preços das commodities no mercado internacional.

Exportações para Argentina caem 42%

As cotações das commodities, que entraram 2009 no fundo do poço, a partir de abril se recuperaram: é o caso das principais matérias-primas com peso na pauta brasileira.

— O que gera atividade econômica e empregos é a corrente de comércio.

Não adianta ter uma exportação grande e uma importação pequena — avaliou o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro.

Castro lembra que as commodities têm compensado a queda das vendas de produtos manufaturados, que chegou a 30,6% em comparação ao primeiro semestre do ano passado.

Considerando só o mês de junho, o recuo na corrente de comércio foi ainda pior: 29,4%, para US$ 24,311 bilhões, resultado de US$ 14,468 bilhões em exportações e de US$ 9,843 bilhões em importações. Com isso, no mês passado, o saldo comercial foi de US$ 4,625 bilhões, o melhor desde dezembro de 2006 (US$ 5 bilhões).

— Em nossa avaliação, a queda das importações foi o grande fator que levou à redução do fluxo comercial.

Somente as compras externas de matérias-primas caíram 37% no semestre — explicou Barral — Quanto às commodities, esses produtos contribuíram de forma acentuada na pauta de exportações.

Os números divulgados ontem mostram que, pela primeira vez desde o primeiro semestre de 2003, o Brasil registrou déficit comercial com a Argentina.

O saldo negativo foi pequeno — de US$ 48 milhões, frente ao déficit de US$ 500 milhões apurado em 2003 — mas é consequência de uma queda de 42,5% nas exportações brasileiras.

A desaceleração da economia argentina e as medidas protecionistas foram responsáveis por esse resultado.

Os embarques de têxteis para o mercado argentino caíram 44,7%; de calçados, 26,7%; de artigos de linha branca, 42,3%, e de móveis, 50,2%.

São produtos afetados pelas restrições às importações do Brasil adotadas pelas autoridades do país vizinho, via exigência de licenças nãoautomáticas.

Barral afirmou que não há consenso ainda se o governo brasileiro entrará na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra a Argentina. Uma reunião bilateral que acontecerá em Brasília no próximo dia 14 ajudará nessa decisão.

A Ásia foi o único mercado para onde cresceram as exportações brasileiras, com alta de 15,8%. A China, que desde março virou o principal comprador de produtos brasileiros, ultrapassando os EUA, consolidou essa posição no primeiro semestre, importando US$ 10,454 bilhões.

O fraco desempenho da balança comercial e a saída de investimentos estrangeiros do mercado financeiro levaram o Brasil a perder mais dólares do que receber na semana passada.

Segundo o Banco Central (BC), entre os dias 1º e 26 passados, o fluxo cambial — entrada e saída de moeda estrangeira do país — ficou negativo em US$ 1,227 bilhão, sendo que até o dia 19 esta conta registrava superávit de US$ 380 milhões. No ano, o fluxo cambial acumula saldo positivo de US$ 363 milhões. O BC informou também que, até o dia 24, comprou no mercado à vista US$ 1,407 bilhão.

Colaborou Patrícia Duarte

Desemprego entre jovens cresceu 51%

Geralda Doca
DEU EM O GLOBO

OIT revela que, em 14 anos, desocupação saltou de 11,9% para 18%

BRASÍLIA. A taxa de desemprego entre jovens de 15 a 24 anos cresceu 51% — de 11,9% para 18% — entre 1992 e 2006 no Brasil, evidenciando a ineficácia das políticas públicas existentes para aumentar as oportunidades dos brasileiros desta faixa etária. O alerta foi dado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que divulgou ontem estudo no qual aponta ainda que 60,5% da juventude economicamente ativa estão ocupadas em atividades informais.

O patamar é 10 pontos percentuais acima do indicador para a população em geral.

O Brasil tem 34,7 milhões de jovens entre 15 e 24 anos. Destes, 22,2 milhões são economicamente ativos — ou seja, estão empregados ou procuram uma vaga. Para a OIT, é alarmante que 3,9 milhões deles estejam desempregados e outros 11 milhões, ocupados no setor informal, sem carteira assinada.

Pelo estudo, o emprego precário é uma realidade de 67,1% dos jovens que precisam trabalhar (indicador que a OIT chama de déficit de emprego formal).

Para OIT, faltam políticas efetivas para os jovens

Além disso, o levantamento chama a atenção para a perpetuação das desigualdades brasileiras na nova geração que chega ao mercado de trabalho.

O déficit de emprego formal sobe para 70,1% quando se consideram as mulheres entre 15 e 24 anos e para 74,7% quando o recorte é para a população negra.

Nesta faixa etária, o déficit dos homens é de 65,6% e o dos brancos, 59,6%.

Para a diretora do escritório da organização no Brasil, Laís Abramo, apesar dos avanços, como o aumento dos anos de estudo entre esse segmento da população, ainda faltam no país ações efetivas para enfrentar o desemprego entre os jovens.

— Não bastam políticas voltadas apenas ao mercado de trabalho, é necessário integrar ações nas áreas da saúde e da educação — disse, citando como exemplos jovens que são mães precoces e não têm acesso a creches e escola.

Ela disse que não houve mudanças significativas neste quadro em 2007 e 2008 e avaliou que a crise financeira deverá agravar ainda mais o cenário. Lais criticou o discurso de que o problema é a falta de qualificação: — Aceitar isso é transferir o problema para os jovens. É preciso avaliar melhor os efeitos dos programas existentes para obter resultados mais eficientes.

Buscar, por exemplo, harmonizar a demanda do setor produtivo e os cursos oferecidos.

FH defende inflação de 4% e critica Lula por meta fixada para ano eleitoral

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO
Ex-presidente diz que gastos previstos são problema para o governo

SÃO PAULO. Em meio às comemorações dos 15 anos do Plano Real, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem que o governo não reduz a meta de inflação devido ao momento pré-eleitoral. Segundo ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não gosta de “ir contra a onda” quando confirma a meta de 4,5% para 2010 e fixa o mesmo percentual para 2011, quando, na sua opinião, haveria espaço para corte de meio ponto percentual.

— A meta de inflação é questão de governo. Daria para ir para 4%, mas é ano eleitoral e o governo não quer enfrentamento.

O governo do presidente Lula surfa a onda, então, ele não gosta de ir contra a onda — disse Fernando Henrique, em entrevista à rádio CBN.

Para o ex-presidente, o governo terá dificuldade em conter a alta da carga tributária em razão dos gastos previstos.

— Chegou um ponto que não precisa mais aumentar a carga.

Mas não sei o que vai acontecer, já que o governo tem gastos grandes para o futuro. Como o governo vai segurar isso? — indagou, admitindo não ter tido outra solução no seu governo a não ser aumentar tributos. — O grande tributo que existia era a inflação. O governo tinha que se financiar e fez de forma inadequada, mas não tínhamos outro meio a não ser aumentando contribuições.

Foi uma emergência.

Sobre a crise global, Fernando Henrique ressaltou que o país não teria força política e econômica para enfrentá-la não fosse o Real.

— Se o Plano Real não tivesse sucesso, o Brasil não teria condições de enfrentar tantas coisas ruins — disse, lembrando da época da implantação da nova moeda. — Quando houve a estabilidade, o real se valorizou muito. Parecia formidável para o povo o real valer mais que o dólar, mas aí complicou. Houve vários momentos de dificuldade, mas até hoje a moeda está firme. A inflação é ainda alta, mas está sob controle.

Trio Carioca - Mistura e Manda, de Nelson Alves

Vale a pena ver

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