quinta-feira, 19 de maio de 2016

Opinião do dia – José Serra

A diplomacia brasileira voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior. A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido — disse Serra em seu discurso.
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José Serra, senador (PSDB-SP), no discurso de posse como ministro de Relações Exteriores.

Janot diz que Lula impediu investigação criminal

 Janot acusa Lula de ter ‘papel central’ na tentativa de obstruir Lava Jato

• Na denúncia ao Supremo Tribunal Federal, procurador-geral afirma que ex-presidente 'impediu e/ou embaraçou investigação que envolve organização criminosa', segundo revelou Jornal Nacional da TV Globo

Por redação – O Estado de S. Paulo

Na denúncia contra o ex-presidente Lula apresentada ao Supremo Tribunal Federal no início de maio, o procurador-geral da República Rodrigo Janot afirma que o petista teve ‘papel central’ na trama para tentar barrar a Lava Jato e a delação premiada do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró. O procurador esmiuça os contatos de Lula com o ex-senador e delator Delcídio Amaral (ex-PT/MS) e o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal do ex-presidente, que teriam levado às tentativas de obstruir a investigação.

As revelações sobre a denúncia de Janot foram divulgadas pelo Jornal Nacional da TV Globo nesta quarta-feira, 18.

Na acusação, o procurador conclui que Lula ‘impediu e/ou embaraçou investigação criminal que envolve organização criminosa , ocupando papel central , determinando e dirigindo a atividade criminosa praticada por Delcídio do Amaral, André Santos Esteves, Edson de Siqueira Ribeiro, Diogo Ferreira Rodrigues, José Carlos Bumlai’.

O Jornal Nacional teve acesso à íntegra da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente, acusado de obstrução à Justiça no emblemático episódio da operação envolvendo Cerveró. Delcídio foi preso em flagrante no dia 25 de novembro de 2015 após ser pego em escuta negociando uma fuga e mesmo uma ajuda de custo para a família do ex-diretor da Petrobrás.

Em nota, o Instituto Lula informou que o ex-presidente ‘jamais’ tentou interferir na conduta de Cerveró ou em qualquer outro assunto relacionado à Operação Lava Jato. Segundo o JN, a Procuradoria-Geral da República partiu das delações de Delcidio e de seu ex-chefe de gabinete, Diogo Ferreira, para buscar provas materiais, como extratos bancários, telefônicos, passagens aéreas e diárias de hotéis.

A conclusão da procuradoria é de que eles se juntaram ao ex-presidente Lula; a Bumlai, ao filho do pecuarista, Mauricio Bumlai, e atuaram para comprar por R$ 250 mil o silêncio do ex-diretor da Petrobrás.

Segundo a denúncia, o primeiro pagamento, de R$ 50 mil, foi feito por Delcidio em maio do ano passado. Ele teria recebido o dinheiro de Mauricio Bumlai num almoço. A quebra de sigilo mostra que Mauricio Bumlai fez dois saques de R$ 25 mil dias antes.

A operação, de acordo com a Procuradoria, foi feita numa agência bancária da Rua Tutóia, em São Paulo, onde teria ocorrido o repasse dos valores a Delcídio.

A denúncia diz que Diogo Ferreira fez os pagamentos que restavam em outras quatro datas entre junho e setembro do ano passado, sempre recebendo o dinheiro sacado por Bumlai na agência da Rua Tutóia, conforme os extratos bancários.

A Lava Jato quebrou o sigilo de e-mails do Instituto Lula e apontou que Lula se reuniu com Delcídio cinco vezes entre abril e agosto do ano passado, ou seja, antes e durante as tratativas e os pagamentos pelo silêncio de Cerveró. Uma das reuniões foi no Instituto Lula, em 8 de maio, dias antes de Delcidio fazer o primeiro pagamento, segundo a denúncia revelada pelo JN.

Delcídio afirmou em delação premiada que, no encontro, o ex-presidente expressou ‘grande preocupação’ de que Bumlai pudesse ser preso por causa de delações na Lava Jato e que o amigo pecuarista precisava ser ajudado. Segundo o ex-parlamentar, a intenção era evitar que viessem à tona fatos supostamente ilícitos envolvendo ele mesmo, Bumlai e Lula.

Ainda de acordo com a reportagem, Janot também aponta como provas telefonemas entre Lula e José Carlos Bumlai, como em 7 de abril, um mês antes dos pagamentos, ocasião em que o ex-presidente e o pecuarista se falaram quatro vezes. Em 23 de maio – um dia depois do primeiro pagamento – Lula telefonou para Bumlai e, neste dia, conversaram duas vezes.

A procuradores, Temer diz que não brecará Lava Jato

• Presidente em exercício se encontrou com representante de categoria no Palácio do Jaburu; operação investiga ministro e cúpula do PMDB

Adriano Ceolin - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Antes mesmo de assumir Presidência da República, Michel Temer solicitou uma reunião com o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti. O encontro ocorreu no Palácio do Jaburu, no mesmo dia – 11 de maio – em que o Senado iniciou a votação para a abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o que determinou o afastamento da petista por um período de até 180 dias.

Considerado ponto nevrálgico do atual momento do País, a Operação Lava Jato tem merecido atenção especial do presidente em exercício. É por esse motivo que Temer tem insistido – tanto publicamente quanto reservadamente – que não fará nenhuma interferência nas ações do Ministério Público ou da Polícia Federal sobre o caso. A operação tem como alvo aliados de Temer e até ministros de Estado, como Romero Jucá.

“Ele nos chamou para falar sobre a Lava Jato. Afirmou que considera a operação fundamental para o País. E pediu que levássemos esse recado para a categoria”, disse Cavalcanti ao Estado. “Ele respeita a autonomia das instituições. Não faria sentido um governo dele representar um retrocesso”, completou o presidente da entidade dos procuradores.

O gesto de Temer repercutiu de forma positiva. Prova disso é que não houve reação brusca da ANPR ao posicionamento do novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, sobre o uso de lista tríplice para a escolha do procurador-geral da República. Em entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo na segunda-feira, Moraes afirmou que não há previsão constitucional para definição de um dos três nomes mais votados pelos procuradores, apesar de ser um costume adquirido desde 2003 no País.

‘Curto circuito’. Logo após a publicação da entrevista, Temer divulgou uma nota à imprensa em que deixou claro que o uso da lista tríplice seria mantido por ele. “Esse posicionamento do presidente Temer não nos surpreendeu. Sempre soubemos que ele era a favor do uso da lista como critério de escolha”, afirmou Cavalcanti. O presidente da ANPR disse ainda que o episódio também não comprometerá a gestão do novo ministro da Justiça. “Foi um curto circuito. O ministro Alexandre de Moraes tem origem no Ministério Público. Foi promotor de Justiça”, disse.

No seu primeiro pronunciamento como presidente em exercício, no Salão Leste do Palácio do Planalto, Temer disse que a operação tornou-se uma “referência”. Apesar do bom relacionamento com a ANPR, Temer foi criticado quando aventou a possibilidade de nomear o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira para o Ministério da Justiça. No fim de abril, quando o nome do criminalista foi cotado com mais força, o presidente da associação chegou a declarar que o então futuro governo Temer “estava esbofeteando as pessoas que foram para as ruas lutar contra a corrupção”. Isso porque Mariz havia sido um dos signatários de um abaixo assinado contra a Lava Jato.

Conselho. Nesta quarta-feira foi realizada a eleição para duas vagas no Conselho Superior do Ministério Público Federal. A disputa é uma espécie de prévia para a formação da próxima lista tríplice para a escolha do futuro procurador geral da República, em 2017. Saíram vencedores a subprocuradores Raquel Dodge e Mario Bonsaglia (reeleito). No ano passado, os dois já haviam composto a lista tríplice cujo primeiro colocado foi Rodrigo Janot, atual procurador-geral.

Ministra do STF determina que Dilma responda, se quiser, a interpelação de deputados sobre 'golpe'

• Peça enviada por deputados pedia que presidente afastada desse explicações sobre por que se referiu ao processo de impeachment como 'golpe'

Isadora Peron e Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou a critério da presidente afastada Dilma Rousseff decidir se responde ou não à interpelação judicial para explicar por que se referiu ao processo de impeachment como “golpe”.

O pedido foi feito ao STF por deputados da oposição no início do mês. Na peça, eles pediam que Dilma desse explicações sobre o fato e afirmavam que declarações nesse sentido ofendiam a honra das instituições brasileiras.
“Determino a notificação da Senhora Presidente da República (afastada) Dilma Vana Rousseff para que responda, querendo, à presente interpelação no prazo de 10 (dez) dias”, decidiu Rosa.

Segundo a ministra, o Código Penal prevê a hipótese de o interpelado recusar-se a atender ao pedido de explicações e o juiz não constrangê-lo a prestá-las.

Rosa Weber também afirmou que, em uma interpelação, não cabe emitir juízo de valor sobre o conteúdo discutido, por isso ela não iria se manifestar sobre a existência de crime de calúnia, difamação ou injúria.

Após decorrido o prazo de dez dias, a ministra indicou que o processo deve ser arquivado.

EUA e Argentina rejeitam na OEA tese de golpe no Brasil

• Para americano, processo de afastamento de Dilma respeitou a democracia

Henrique Gomes Batista - - O Globo

-WASHINGTON- Representantes dos Estados Unidos e da Argentina defenderam ontem a legalidade do processo de impeachment, que levou ao afastamento da presidente Dilma Rousseff. Em debate na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, o americano Michael Fitzpatrick disse que não há nada parecido sequer com um “golpe brando” no Brasil.

— O que está ocorrendo no Brasil foi feito seguindo o processo legal e respeitando a democracia — disse Fitzpatrick, que, para destacar a normalidade do processo de impeachment, lembrou que os próprios americanos já viveram dois processos semelhantes.

Segundo o embaixador brasileiro na OEA, José Luiz Machado e Costa, o debate começou quando o Paraguai leu posição a favor da normalidade do afastamento de Dilma. Na sequência, representantes de Venezuela, Honduras e Bolívia afirmaram que há um golpe contra a democracia. Então, o embaixador brasileiro defendeu a normalidade do processo, algo que também foi feito pelos representantes de Argentina e EUA.

À agência EFE, o americano defendeu que foi seguido todo o processo legal constitucional:

— Não acredito que há um golpe de Estado brando ou de outro tipo. O que ocorreu no Brasil foi feito seguindo o processo legal constitucional e respeitando completamente a democracia — disse Fitzpatrick.

Temer quer expor 'herança maldita' do governo Dilma ao público

Gustavo Uribe, Valdo Cruz, Eduardo Cucolo, Paulo Saldaña, Marina Dias -´Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Na tentativa de fazer um contraponto à gestão de Dilma Rousseff (PT), o presidente interino, Michel Temer (PMDB), pretende fazer um esclarecimento público para mostrar o que a equipe do peemedebista chama de "inventário de problemas" herdados do governo anterior.

A ideia avaliada é apresentar a real dimensão do rombo fiscal do país, o quadro de dificuldade econômica de pastas e secretarias e elencar gastos e despesas sem receita feitos no apagar das luzes do governo petista.

Os dados completos, encomendados a todos os ministérios, devem ser entregues a Temer até o final da semana.

Ao revelar o que aliados do presidente interino apelidaram de "herança maldita", a intenção é criar uma espécie de vacina pública tanto às críticas da gestão anterior de que o peemedebista fará retrocessos em vitrines eleitorais petistas como às eventuais cobranças ao governo interino por uma recuperação rápida da economia.

O termo era "herança maldita" era o mesmo usado pelo PT para se referir ao governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O formato do discurso ainda não está definido. Pode ser um pronunciamento, uma entrevista ou a divulgação de um relatório, mas a intenção é criticar as chamadas "pegadinhas fiscais" criadas pela gestão anterior.

O caso mais crítico, na visão da gestão Temer, é o rombo fiscal deixado pela petista. Na lista também está a autorização sem recursos para a construção de moradias e para a nomeação de conselheiros na área educacional, o empenho até maio de toda verba de publicidade programada para o ano e os atrasos no pagamento a consulados e no auxílio a diplomatas.

A proposta de fazer um discurso foi discutida nesta quarta-feira (18) em reunião entre o peemedebista e líderes da base aliada no Senado.

Ele pretende mostrar que o rombo das contas públicas deixado pela presidente afastada é muito maior do que o previsto inicialmente. A equipe de Dilma deixou previsão de deficit de R$ 96,7 bilhões em 2016, mas a estimativa feita pela equipe de Temer é superior a R$ 150 bilhões.

A assessoria da presidente afastada informou que a "desconstrução de políticas sociais, o atropelo à lei e ao estado democrático de direito, e a falta de legitimidade do governo provisório são a verdadeira herança maldita".

Herança petista
Com a alegação de que faltam recursos, o ministro Bruno Araújo (Cidades)revogou autorização para contratação de até 11.250 unidades do Minha Casa, Minha Vida.

O ministro tucano também cancelou a publicação de novas regras feita pela gestão anterior, que serão analisadas pelo novo governo, e anunciou que relançará o segmento do programa federal voltado a entidades.

O Ministério da Educação, comandando por Mendonça Filho (DEM), também avalia reverter duas medidas feitas poucos dias antes da saída da petista: a nomeação de 12 pessoas para o Conselho Nacional de Educação e a alteração no sistema de avaliação da educação básica. O novo ministro pode interromper também outras iniciativas por falta de recursos.

A equipe do presidente interino também decidiu fazer reavaliação em todos oscontratos de publicidade. Temer solicitou a todos os ministérios envio de seus planos de mídia, que sofrerão pente-fino com a intenção de cortar ou suspender patrocínios que não sejam estratégicos ou não estejam ligados a campanhas de interesse nacional.

Temer reavaliará contratos de publicidade autorizados por governo Dilma

Gustavo Uribe, Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A equipe do presidente interino, Michel Temer (PMDB), decidiu fazer uma reavaliação em todos os contratos de publicidade do governo de Dilma Rousseff com veículos de imprensa, sejam eles tradicionais ou sites e blogs alinhados ao Planalto na gestão petista.

O peemedebista solicitou a todos os ministérios o envio de seus respectivos planos de mídia, que sofrerão um pente-fino com a intenção de cortar ou suspender patrocínios que não sejam considerados estratégicos para a máquina federal ou não estejam ligados a campanhas emergenciais de interesse nacional.

Segundo a Folha apurou, toda verba destinada à área já foi comprometida pelo governo petista. Os valores totais não são conhecidos – só a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) tinha uma verba de R$ 252 milhões para este ano para publicidade institucional. A intenção da reavaliação é suspender ou bloquear o que for avaliado como desnecessário e possível de ser descartado.

A equipe de Temer já havia manifestado a intenção de cortar todo o dinheiro destinado a produtos de opinião, e não jornalísticos de interesse público. Na era PT, havia uma política deliberada de financiamento de sites e blogs, e profissionais ligados a ele eram recebidos por Dilma e pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Outra prática, que foi alvo de questionamento no Congresso, era o do uso de robôs virtuais para a "guerrilha na internet", com mensagens automáticas favoráveis ao Planalto.

A Secom perdeu o status de ministério sob Temer, e está aos cuidados do jornalista Márcio Freitas, assessor de longa data do presidente interino. Manterá todos os recursos e estrutura, cuidando de verba publicitária, imprensa nacional e estrangeira, veiculação de notícias em sites e blogs, entre outros.

Serra promete mudança radical e política externa 'sem partidarismo'

Daniela Lima, Valdo Cruz, Machado da Costa – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O chanceler José Serra anunciou dez diretrizes para a política externa do Brasil que, em seu conjunto, indicam um distanciamento das praticadas sob os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-10) e da presidente afastada, Dilma Rousseff.

Em seu primeiro discurso à frente do Itamaraty, afirmou que o país deixará de guiar sua diplomacia por interesses "de um governo ou de um partido" em favor das prioridades do "Estado e da nação". A ordem, afirmou, é assumir "com os olhos no futuro, não no passado".

Dos dez pontos anunciados —depois ele incluiria um item "extra", sobre dar atenção às fronteiras como polo do crime organizado—, seis tratam de comércio, atribuição que até sua chegada cabia principalmente ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Serra afirmou que o Brasil passará a priorizar acordos bilaterais, em detrimento à negociação multilateral há quase 15 anos inconclusa na Organização Mundial do Comércio, e mencionou a Argentina, governada pelo centro-direitista Mauricio Macri desde dezembro, como parceiro preferencial na região.

O chanceler disse que o multilateralismo priorizado pelo país fracassou e deixou o Brasil fora dos acordos bilaterais que alçaram economias de outras nações. "Vamos recuperar oportunidades perdidas", disse.

Prometendo ampliar o intercâmbio com "parceiros tradicionais", listou EUA (com os quais quer negociar soluções rápidas para barreiras não tarifárias), União Europeia e Japão como exemplos preferenciais, mas insistiu em priorizar também a Ásia, sobretudo China e Índia.

Disse que não abdicará da África, embora tenha proposto uma recalibragem. "Ao contrário do que se procurou difundir, a África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos", afirmou.

Da mesma forma, em um aceno aos que temiam a ruptura completa com a política Sul-Sul construída por Lula, Serra afirmou que ela continuará a ser essencial, mas provocou: quer uma abordagem "estreita e pragmática", sem "finalidades publicitárias (...) e grandes investimentos diplomáticos".

Democracia e clima
O novo ministro tentou neutralizar temores levantados por analistas e diplomatas de que só o comércio seja enfatizado, e outros temas globais sejam esquecidos.

Em recado à Venezuela, que passa por uma aguda crise política e econômica, disse que o Brasil será vigilante a violações da "democracia, liberdades e direitos humanos em qualquer país".

Com outros governos membros da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América), Caracas foi alvo da primeira nota diplomática do Itamaraty de Serra, rejeitando críticas à lisura do processo de impeachment em tom inusualmente ríspido.

Mas mesmo aí o viés econômico prevaleceu.

O chanceler ressaltou o papel do país em negociações de paz na ONU, propondo também tratar de "fatores desencadeadores das frequentes crises financeiras".

Comprometeu-se a assumir as responsabilidades do Brasil na área ambiental e apontou contrapartida econômica, como a afluência de recursos de entidades internacionais voltadas ao tema.

Serra fez um aceno ao corpo diplomático e a servidores do órgão, ao prometer tirar o Itamaraty da "penúria", que atribui à "irresponsabilidade fiscal" do governo Dilma.

À plateia de políticos (como o ex-presidente José Sarney e o ministro do Planejamento, Romero Jucá), embaixadores estrangeiros e diplomatas brasileiros —que se declararam entre cautelosos e entusiasmados–, mencionou as dificuldades do órgão.

Brincou com Jucá, a quem, a Folha revelou, reivindicou R$ 800 milhõespara cobrir um rombo deixado pelo governo anterior, e tentou motivar o corpo diplomático.

"O Itamaraty volta ao núcleo central do governo", disse. "Nossa diplomacia terá que se atualizar e inovar."

Novas diretrizes do Itamaraty
1. Diplomacia voltará a refletir interesses do país como um todo, "e não de um partido político e de seus aliados"

2. Preocupação com a defesa da democracia e dos direitos humanos em qualquer país

3. Brasil assumirá "especial responsabilidade" em assuntos na área ambiental

4. Na ONU e em outros fóruns globais e regionais, Brasil agirá em favor de soluções pacíficas e negociadas, ao mesmo tempo que se empenhará em fatores desencadeadores de crises financeiras e contração do comércio internacional

5. Brasil não mais se restringirá à "adesão paralisadora" às negociações multilaterais na OMC, que o mantém à margem de acordos bilaterais de livre comércio

6. Iniciar negociações comerciais, usando a vantagem do acesso ao mercado interno brasileiro, em busca de soluções negociadas e com base na reciprocidade

7. Um dos focos de atuação será a Argentina, "com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia"; busca por pontos de contato, e não divergências, com a Aliança do Pacífico

8. Ampliação do intercâmbio com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Japão; negociar, com os EUA, uma solução prática e de curto prazo para trabalhar na remoção de barreiras não tarifárias e em parcerias de energia, ambiente, ciência, tecnologia e educação

9. Relação prioritária com a Ásia, principalmente com a China e a Índia; manutenção dos laços com a África, mas sem se basear em laços "fraternos do passado"; solidariedade com países do Sul continuará a ser diretriz, mas com atenção ao custo-benefício

10. Nas políticas de comércio exterior, Brasil terá sempre a "boa análise econômica"; necessidade de investir na produtividade e competitividade e ênfase na redução do custo Brasi

Serra: política externa não servirá a partido

Em seu primeiro discurso no Itamaraty, José Serra criticou a política externa sob o comando do PT e disse que a diplomacia brasileira voltará a servir ao país, e não a um partido. Serra divulgou diretrizes para o ministério, entre elas maior atenção a acordos bilaterais. Na OEA, representantes de EUA e Argentina rejeitaram a tese de golpe no Brasil.

Serra: ‘Política externa jamais será regida por valores de um partido

• Tucano toma posse e promete aproximação com grandes blocos comerciais fora da América do Sul

Maria Lima e André de Souza - O Globo

-BRASÍLIA- Na única cerimônia de transmissão de cargo na Esplanada antes do julgamento final do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, atacou a direção do Itamaraty durante os governos do PT. Sem citar nomes, ele disse que a diplomacia brasileira voltará a servir ao país, e não ao governo ou a um partido.

Serra anunciou ainda um pacote de diretrizes para a política exterior que sinaliza com maior atenção aos acordos bilaterais e aumento da parceria com os grandes blocos comerciais fora da América do Sul. Ele recebeu o cargo do exministro Mauro Vieira, o último do governo da presidente afastada Dilma Rousseff.

— A diplomacia brasileira voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior. A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido — disse Serra em seu discurso.

Segundo ele, o presidente interino Michel Temer “teve a paciência” de revisar e aprovar as linhas da nova política externa brasileira. A despolitização e despartidarização do Itamaraty foram a diretriz número um das dez apresentadas por Serra. Nos governos do PT, sob o comando do assessor para Assuntos Internacionais Marco Aurélio Garcia, o eixo da política externa, segundo críticos, teria se voltado para parceria com os chamados países alinhados com o chavismo, como Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e a Argentina da era Kirchner. Isso, segundo Serra, trouxe imensuráveis prejuízos aos interesses nacionais e uma paralisia do comércio exterior.

Serra mandou um recado ao governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, ao dizer que o Itamaraty estará atento à defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em qualquer regime político, em consonância com as obrigações assumidas em tratados internacionais e também em respeito ao princípio de não ingerência. MAIS NEGÓCIOS COM PAÍSES RICOS Também avisou que dará destaque para o tema ambiental; atenção aos acordos bilaterais com outros países; à parceria com a Argentina para recuperação e aproximação do Mercosul com a Aliança do Pacífico, bloco integrado por Chile, Peru, Colômbia e México; e ao fortalecimento dos negócios com os países ricos.

O substituto de Marco Aurélio na assessoria de Assuntos Internacionais será o diplomata Fred Arruda, que servia em Londres. Serra vai reforçar a área de formulação de políticas de comércio exterior com a criação de dois cargos de secretário-geral: um específico para a área, que deverá ser ocupado pelo embaixador Marcos Galvão, e outro para cuidar da administração da Casa, que continua com o embaixador Sérgio Danese.

O chanceler disse que as negociações, infelizmente, não vêm prosperando com a celeridade e a relevância necessárias, e o Brasil manteve-se à margem da multiplicação de acordos bilaterais de livre comércio, como o tratado do Pacífico. Mesmo não tendo vingado a tentativa de extinção do Ministério da Indústria e Comércio para que a área de comércio exterior fosse anexada ao Itamaraty, Serra deixou claro que essa será sua menina dos olhos, para ajudar na recuperação da economia e na geração de empregos.

— O multilateralismo que não aconteceu prejudicou o bilateralismo que aconteceu em todo o mundo. Quase todo mundo investiu nessa multiplicação, menos nós. Precisamos e vamos vencer esse atraso, para recuperar oportunidades perdidas — disse Serra.

Volta ao centro do poder
Com o salão lotado de diplomatas e políticos tucanos e de outros partidos, Serra foi aplaudido principalmente ao prometer que o Itamaraty voltará ao centro do poder.

Ele também afirmou que resolverá as agruras dos que estão sem receber recursos até para pagar o aluguel em postos no exterior. Serra iniciou gestões junto à área econômica para liberação de cerca de R$ 800 milhões para recuperar as finanças do Itamaraty. Há casos de diplomatas com até quatro meses de aluguel atrasado no exterior.

— Eu saúdo os muitos colegas de ministério em nome do ministro Romero Jucá, que, quis o destino, vai ter um papel junto comigo fundamental para a recuperação das finanças do Itamaraty. Creio que os outros ministros entenderão por que escolhi o ministro Jucá para representá-los nesta saudação — disse Serra, atraindo aplausos e risos dos diplomatas e servidores.

O presidente do PSDB, Aécio Neves, o ministro das Cidades, Bruno Araújo, o governador do Paraná, Beto Richa (PR), e outros tucanos prestigiaram a solenidade. Serra assumiu o mesmo cargo que o ex-presidente Fernando Henrique teve no começo do governo de transição do ex-presidente Itamar Franco, antes de ser catapultado para o Ministério da Fazenda e, depois, à Presidência da República. O novo chanceler deixou claro que não pretende ter passagem apagada pelo Itamaraty.

Itamaraty deve servir ao País, não ao partido, afirma Serra

Diplomacia não refletirá mais preferências ideológicas de partido político, diz Serra

• Tucano tomou posse no ministério das Relações Exteriores nesta quarta-feira; na semana passada, divulgou notas criticando países latino-americanos que falam em 'golpe' no Brasil

Bernardo Caram e Lu Aiko Otta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em discurso de transmissão de cargo marcado por elevado tom de críticas ao governo do PT, o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, anunciou nesta quarta-feira, 18 uma forte mudança na política externa brasileira. Ele apresentou novas diretrizes que serão usadas como guia dos trabalhos do Itamaraty a partir de agora.

“A diplomacia voltará a refletir os legítimos valores da sociedade brasileira, e não mais as preferências ideológicas de um partido político”, disse, destacando que as atividades do ministério deve servir ao País, e não ao governo.

Em meio a críticas de países latino-americanos, como Venezuela, Cuba e Bolívia, que afirmaram não reconhecer o governo do presidente em exercício Michel Temer, Serra deixou um recado em sua fala. 

“Estaremos atentos à defesa da democracia e ao princípio da não ingerência”, afirmou, sem fazer uma referência direta.

No final da semana passada o novo ministro já havia dado sinais de como atuará à frente do ministério. Serra distribuiu duas notas repudiando às acusações de que o processo de impeachment é um "golpe de Estado". Uma delas foi contra Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul, a União das Nações Sul-Americanas.

Negociações. O ministro das Relações também afirmou que o País vai deixar de apostar apenas em negociações diplomáticas multilaterais, por meio da Organização Mundial do Comércio (OMC), e dar importância a acordos bilaterais.

Para ele, as tratativas no âmbito da OMC não vêm prosperando com celeridade. "Brasil manteve-se à margem de negociações bilaterais, vamos vencer esse atraso", afirmou, numa crítica à atuação do País durante a gestão do PT.

Sobre a troca de ofertas entre Mercosul e União Europeia, realizada recentemente, o ministro afirmou que é o ponto de partida para promover o avanço do comércio entre as duas regiões. “Agora, vamos examinar quais são as ofertas da União Europeia”, disse.

Ele ressaltou que o fato de o País selar acordos não significa que as exportações serão ampliadas imediatamente. Para isso, seria preciso aumentar a produtividade e reduzir o custo Brasil. Com essa finalidade, sem dar detalhes, ele disse que o governo vai trabalhar na eliminação das distorções tributárias que encarecem as exportações.

Serra também destacou que o Brasil irá assumir responsabilidade na área ambiental, considerando a riqueza de recursos presentes no País.

África. O ministro fez, ainda, críticas à relação entre o Brasil e a África durante a gestão do PT na Presidência da República. Segundo o tucano, a África moderna não pede compaixão, mas efetivo intercâmbio. “Não pode essa relação restringir-se a laços fraternos do passado”, afirmou.

A declaração se contrapõe ao discurso feito logo antes pelo embaixador Mauro Vieira, de quem herdou o cargo. “Tratamos de diversificar o contato com países dos mais distintos níveis de desenvolvimento”, disse Vieira, destacando que a África é uma região com crescente participação global.

Serra afirmou também que, no governo Temer, o Itamaraty voltará ao núcleo central do governo. “Quero progressivamente retirar o Itamaraty da penúria deixada pela irresponsabilidade fiscal”, declarou, ao dizer que vai recuperar a capacidade de ação do ministério.

Sobre a relação com os Estados Unidos, Serra disse que quer soluções práticas e de curto prazo para a redução de barreiras tarifárias. Ele também destacou a importância da relação com a Argentina, bom com o continente asiático, principalmente a China.

Fronteiras. O ministro disse ainda que o País precisa avançar na proteção de fronteiras, avaliando que hoje “é o lugar do desenvolvimento do crime organizado no País”. Segundo ele, será feita colaboração entre os ministérios da Justiça, Defesa e Fazenda, bem como mobilizar a cooperação com Países vizinhos.

Em sua sua fala, Serra também agradeceu a Michel Temer por ter lido e revisado o novo delineamento da política externa que será implementado.

Serra faz ataque à diplomacia 'ideológica'

Por Daniel Rittner – Valor Econômico

BRASÍLIA - Em um discurso cheio de referências à era petista, na cerimônia mais concorrida do governo interino desde a posse dos novos ministros no Palácio do Planalto, o chanceler José Serra deixou escancarada uma mudança de rumo no Itamaraty. Ele sinalizou que haverá um giro importante na diplomacia comercial, mas foi especialmente taxativo ao demarcar diferenças com a condução da política externa pelo PT.

"A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior", afirmou Serra, ao receber simbolicamente o cargo do ex-ministro Mauro Vieira, a quem agradeceu pela transição na pasta das Relações Exteriores. "A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido."

Serra frustrou a expectativa de parte da plateia, que já contava com o anúncio de troca em postos estratégicos do ministério, mas as indicações devem sair nos próximos dias. Ele quer Sérgio Amaral, que foi porta-voz e ministro do Desenvolvimento no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, à frente da embaixada do Brasil em Washington. O atual embaixador na China, Roberto Jaguaribe, deve ser nomeado para o comando da Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex).

Além de seu antecessor, que rejeitou colocar o Itamaraty em defesa no exterior da retórica do "golpe" alinhavada pela presidente afastada Dilma Rousseff, Jaguaribe foi o único diplomata citado no discurso por Serra - o que dá uma amostra do grau de confiança nele. O texto do chanceler foi revisado "linha por linha" pelo presidente interino Michel Temer.

Enfatizando o respeito ao princípio de não ingerência em assuntos internos de outros países, o que foi interpretado como recado aos governos esquerdistas da América Latina que questionaram a legalidade do impeachment de Dilma, alertou: "Estaremos atentos à defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país".

Na sexta-feira passada, Serra já havia cuidado pessoalmente da redação de duas notas que usavam termos pouco habituais na diplomacia para repudiar as "falsidades propagadas" por cinco países - Venezuela, Equador, Bolívia, Cuba e Nicarágua - e pelo secretário-geral da Unasul. Em sinal de inconformismo, o governo equatoriano chamou de volta ontem à noite seu embaixador em Brasília para consultas em Quito.

Foram várias referências do senador licenciado e ex-governador tucano a marcas registradas da gestão petista, como a cooperação Sul-Sul, que "chegou a ser praticada com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos". Em contraste à abordagem recente nas relações com países africanos, que incluiu a abertura de embaixadas e consulados, ele sublinhou: "A África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos".

Feitas todas as ponderações e com diferenças devidamente demarcadas, Serra aproveitou a descrição de suas dez diretrizes da nova política externa para lançar mensagens relevantes.

Uma delas é renovar a aposta na parceria com a Argentina e no Mercosul, mas corrigindo o que precisa ser corrigido, "antes de mais nada o próprio livre comércio entre seus países-membros, que ainda deixa a desejar". Aproximar-se da Aliança do Pacífico e explorar complementariedade com o México são prioridades.

Na chefia de uma pasta turbinada com a Apex e mais poder decisório no comércio exterior, Serra fez uma crítica à estratégia "exclusiva e paralisadora" de ver a Rodada Doha como único foro adequado para corrigir distorções sistêmicas, como os subsídios à agricultura. É verdade que as negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) são o lugar adequado para fazer isso, conforme reconheceu Serra, mas a falta de avanços deixou o Brasil à margem da multiplicação de acordos bilaterais. "Precisamos e vamos vencer esse atraso e recuperar oportunidades perdidas."

O novo chanceler prometeu ainda esforços para concluir um tratado de livre comércio com a União Europeia e "soluções práticas de curto prazo" para remover barreiras não tarifárias impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros. Mas advertiu: "É ilusório supor que acordos de livre comércio signifiquem necessariamente a ampliação automática e sustentada das exportações. Só há um fator que garante esse aumento de forma duradoura: o aumento constante da produtividade e da competitividade".

Finalmente, em uma referência à perda de prestígio do ministério nos cinco anos e quatro meses de Dilma no Planalto, Serra garantiu que fará esforços para tirar a diplomacia da penúria orçamentária deixada pela "irresponsabilidade fiscal" e comentou: "No governo do presidente Temer, o Itamaraty volta ao núcleo central do governo".

Temer relança discurso da "herança maldita"

Por Leandra Peres – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente interino Michel Temer (PMDB-SP) deve fazer um pronunciamento ou conceder entrevista para falar do estado das contas públicas. De acordo com integrantes do governo, a sugestão foi levada a ele por senadores, com quem Temer teve reunião ontem, e está sendo avaliada. A intenção do presidente interino é falar da "realidade" que o governo atual encontrou nas contas públicas após o afastamento da presidente Dilma Rousseff.


Na prática, o governo Temer estará ressuscitando a tese da "herança maldita", amplamente usada pelo PT quando chegou ao governo em 2003 para descrever os resultados econômicos da gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Foi no primeiro ano do governo Lula que o ex-presidente conseguiu, por exemplo, mudar as regras de aposentadoria do setor público, além de fazer um superávit primário superior a 4,5% do PIB da época.

A sugestão é reforçar a mensagem de que o governo interino será obrigado a recorrer a medidas amargas para consertar os erros, especialmente econômicos, que foram se acumulando durante os mandatos da presidente Dilma Rousseff.

Do ponto de vista político, é um discurso que busca ganhar tempo e estender o período de lua-de-mel do presidente interino com o Congresso.

Do ponto de vista econômico, o ganho esperado seria um maior apoio à necessidade de reformas estruturais em função do peso que o apoio do próprio presidente interino trará ao diagnóstico feito pela equipe econômica.

Assessores do novo governo enxergam como uma vantagem significativa o fato de o novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estar livre para criticar a administração anterior, ao contrário da situação vivida pelo ex-ministro Joaquim Levy, no segundo mandato da presidente Dilma.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, vem insistindo em suas entrevistas que o governo precisa fazer uma avaliação realista e transparente das contas públicas e só depois propor as medidas necessárias para melhorar a situação. A preocupação do ministro é não anunciar medidas e principalmente números que precisem ser revistos num segundo momento.

Ontem, Meirelles citou retrocessos em áreas como política fiscal, intervencionismo na economia e incerteza inflacionária e avanços no mercado consumidor e na situação cambial do país quando comparou sua passagem no governo Lula à situação atual.

Temer já prevê déficit fiscal de R$ 150 bi

• Governo enviará proposta para nova meta 2ª feira. A senadores, presidente reclama de ‘herança maldita’

Simone Iglesias, Eduardo Bresciani, Martha Bbeck, Catarina Alencastro e Bruno Rosa - O Globo

-BRASÍLIA E RIO- Em reunião com os líderes dos partidos aliados no Senado, o presidente interino Michel Temer disse ontem que deverá corrigir o déficit fiscal previsto pelo governo Dilma Rousseff de R$ 96,6 bilhões para cerca de R$ 150 bilhões. Ele afirmou aos senadores que enviará a nova meta fiscal ao Congresso na próxima segunda-feira, dia 23. A ideia dos aliados é votar a atualização da meta no dia seguinte.

O peemedebista fez um apelo geral pela agilização de votações importantes ao governo, com ênfase na meta. Temer pediu apoio aos líderes para que não tenha de cometer “pedaladas”, fazendo referência a um dos crimes de responsabilidade que afastaram a presidente Dilma.

— Se não aprovar a mudança na meta, daqui a pouco quem vai cometer pedalada fiscal sou eu — disse o presidente, de acordo com o relato de um dos presentes.

Enquanto Temer aposta em R$ 150 bilhões, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que o déficit fiscal em 2016 deve superar R$ 160 bilhões, segundo informações que disse ter recebido do ministro do Planejamento, Romero Jucá.

Já o ministro Jucá disse, na abertura da 46º Assembleia da Associação Latino Americana de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, que será possível votar a meta até o dia 30:

— Já tive contato com senador Renan Calheiros. E devemos entregar no início da semana que vem a proposta da nova meta. Portanto, no prazo que dá para fazer a votação até o dia 30 (e evitar corte automático de despesas).

No café da manhã, Temer reclamou da “herança maldita” deixada pelo governo Dilma, citando boicotes. Os senadores sugeriram que Temer relatasse a situação das contas públicas em pronunciamento. O presidente chegou a considerar, mas descartou a possibilidade. Segundo assessores do Planalto, ele avaliou que o governo deve mostrar à sociedade que as contas públicas estão muito deterioradas, mas que essa não seria a melhor forma.

A equipe econômica vai divulgar, amanhã, novo relatório bimestral de receitas e despesas. É nele que o governo pretende apresentar diagnóstico preliminar das contas públicas de 2016. Tradicionalmente, o relatório aponta como estão o comportamento da arrecadação e dos gastos do governo e mostra o que está sendo feito para o cumprimento da meta fiscal. Ela hoje é de um superávit primário de R$ 24 bilhões para o governo central.

Com a recessão, o governo já havia encaminhado ao Congresso um projeto alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016 prevendo déficit primário de R$ 96,6 bilhões. Esse número, contudo, será muito maior. A frustração de receitas prevista na proposta encaminhada ao Legislativo já está muito maior. Pelas contas do governo, só a queda adicional na arrecadação até agora está em torno de R$ 30 bilhões, sendo R$ 12 bilhões decorrentes da não aprovação da CPMF. Também há aumento de despesas em torno de R$ 5 bilhões. Na conta, entrarão passivos decorrentes da renegociação das dívidas de estados com a União.

Pode entrar no cálculo, ainda, um problema com a Eletrobras, que não conseguiu apresentar seu balanço nos Estados Unidos. A estatal corre o risco de ter de resgatar recibos de ações (ADRs) no mercado, o que teria impacto sobre o Tesouro.

Encarregado de resolver o rombo bilionário nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a dívida pública pode se estabilizar em até quatro anos. Em entrevista concedida a quatro jornais, ele disse que esse é um tempo razoável para que as medidas de ajuste fiscal que serão adotadas pelo governo produzam efeitos.

— Um horizonte de estabilização da dívida (pública) em dois, três ou quatro anos é razoável. Quanto mais rápido, melhor.

Ao fazer a previsão, ele lembrou que os eventuais resultados positivos do ajuste terão efeitos para depois de 2018:

— São medidas que vão fazer efeito para vários governos.

Parlamento da Venezuela rejeita estado de exceção decretado por Maduro

• Deputado opositor diz que decreto ‘desconhece a Constituição’ e ‘dor da família venezuelana’, e que presidente ‘está em situação de desespero’

- O Estado de S. Paulo

CARACAS - A maioria opositora do Parlamento da Venezuela desaprovou na terça-feira o decreto de "estado de exceção e emergência econômica" ditado pelo presidente Nicolás Maduro na sexta-feira para fazer frente a supostas ameaças de golpe de Estado.

"É um decreto que desconhece a Constituição e, o mais doloroso, desconhece a dor da família venezuelana", disse o deputado opositor Julio Borges na sessão. Para o legislativo venezuelano, a ordem de Maduro constitui uma "concentração de poderes".

O decreto, que foi publicado na Gazeta Oficial de terça-feira, permite, entre outras ações, "ditar medidas e executar planos especiais de segurança pública que garantam o sustento da ordem pública perante ações desestabilizadoras".

Borges, líder da bancada opositora, criticou que na norma não estejam contempladas soluções para o desabastecimento, a insegurança e outros problemas que, segundo afirmou, afetam os cidadãos do país. Ele considerou ainda que, ao contrário do que espera a aliança chavista, essa situação apenas agravará a crise existente.

De acordo com o deputado, "a única coisa que interessa" ao presidente é "perpetuar-se no poder", mas advertiu que "o povo venezuelano vai revogá-lo por meio do voto".

O líder da oposição, Henrique Capriles, chamou o movimento de Maduro inconstitucional, pois ele agiu unilateralmente, e pediu ainda que venezuelanos rejeitem o decreto.

Por sua vez, o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, considerou que "este governo está em uma situação muito comprometida, muito frágil e muito débil e tem que fazer uso de um disparate como este (...) para tentar simular que tem força para manter-se no poder".

Borges ressaltou que Maduro "está em situação de desespero" e desobedece a Constituição "por decreto, que é uma norma de categoria ilegal".

Por outro lado, o deputado chavista Elías Jaua acusou a bancada opositora de legislar sem ouvir aos cidadãos e indicou que, com o decreto, Maduro está evitando uma "guerra civil" que seria promovida pela oposição e "o imperialismo".

"Este decreto de estado de exceção vem para proteger os venezuelanos, para garantir o direito à vida", destacou.

O decreto que foi oficializado na terça-feira é uma norma com a qual Maduro pretende fazer frente a supostas ameaças de golpe de Estado forjadas nos EUA, segundo assegurou recentemente, com a ajuda da oposição venezuelana e o apoio do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe. /EFE e Associated Press

Maduro reprime protesto da oposição

O governo Maduro reprimiu protestos da oposição que apoiavam um referendo para tirar o presidente da Venezuela. Maduro foi tachado de “ditadorzinho” pelo chefe da OEA e retrucou.

Críticas ao ‘ditadorzinho’

  • Secretário-geral da OEA ataca Maduro, que manda reprimir manifestações opositoras

- O Globo

-CARACAS- Enquanto tentava blindar a cidade de Caracas de mais uma manifestação de opositores — a primeira desde o anúncio do decreto de exceção econômica na Venezuela — o presidente Nicolás Maduro recebia acusações contundentes do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, que o chamou de“traidor” e “ditadorzinho”, caso impedisse que o referendo revocatório de seu mandato fosse levado adiante pela oposição. Maduro, por sua vez, devolveu chamando-o de “lixo e traidor” e, em resposta aos protestos, ameaçou decretar estado de comoção interna na Venezuela, como parte do estado de exceção que vigora no país.

Numa contundente carta aberta, em que deixava de lado o tom diplomático, o líder do órgão regional não poupou palavras ofensivas ao presidente, chamando-o ainda de mentiroso.

“Negar a consulta ao povo, negar a ele a possibilidade de decidir, te transforma em mais um ditadorzinho, como os tantos que o continente teve”, escreveu, negando que seja agente da Agência Central de Inteligência dos EUA. “Sua mentira, ainda que repetida mil vezes, nunca será verdade. Minha consciência está limpa, Presidente, e minha conduta muito mais.”

‘Escória imperial’
Um dia antes, Maduro disse conhecer “segredos” do diplomata que, segundo ele, teria chegado ao cargo como parte de um plano consolidado pelos EUA para assegurar a defesa de seus interesses. Num ato, o presidente disse que Almagro esteve reunido com o chefe do Comando Sul dos EUA, sugerindo uma conspiração. Já a chanceler Delcy Rodríguez chamou o chefe da OEA de “escória imperial”.

Nas ruas, a manifestação convocada por políticos opositores acabou com pelo menos 17 presos e acusações de excesso de violência por parte da polícia. Para evitar que os opositores ao governo chegassem à sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), agentes lançaram bombas de gás lacrimogêneo sobre manifestantes em Caracas — segundo testemunhas, cerca de cem pessoas foram atingidas quando tentavam furar a barreira policial. Catorze estações de metrô também foram fechadas para dificultar a movimentação dos opositores. Houve protestos em ceca de 20 cidades. Em Mérida, um grupo de estudantes da Universidade dos Andes reclamou de agressões. Opositores ainda denunciaram ataques de grupos paramilitares chavistas. Um vídeo mostrou um desses grupos com escolta de policiais.

— Como a Guarda Nacional, a Polícia Nacional e as Forças Armadas estão resistindo e queixando-se porque não querem assumir o custo da repressão aos civis, apareceram os coletivos armados — acusou o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup. — Não queremos confronto, só exercer nossos direitos.

A Praça Venezuela, ponto final da marcha, esteve todo o dia cercada por centenas de policiais antimotim — também circulavam motoqueiros, que tentavam amedrontar os manifestantes. Mas os piores confrontos ocorreram na Avenida Libertador. Com cartazes que pediam o referendo revocatório, os venezuelanos também criticavam os policiais e pediam que as Forças Armadas se unissem à luta. Um dia antes, um dos líderes da oposição, Henrique Capriles, havia exortado os militares a decidirem “se estavam com a Constituição ou com Maduro”. O governo também convocou manifestações, que não foram reprimidas.

Maduro, por sua vez, acusou os manifestantes opositores por atos violentos — ele chegou a publicar uma foto em que alguns agrediam policiais. Num ato em Anzoátegui, o presidente disse ainda que o decreto de exceção foi promulgado para que ele não dependesse da AN e ameaçou implantar um estado de comoção interna — que dá mais poderes de segurança ao governo.

— É um recurso que tenho como chefe de Estado caso na Venezuela ocorram atos golpistas violentos, e não hesitarei em adotá-lo, se necessário, para lutar pela paz e segurança deste país.

70% querem novo governo
A concentração terminou quando o representante do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Luis Emilio Rondón, recebeu um documento em que opositores fazem queixas de irregularidades no processo revocatório do mandato de Maduro. Na semana passada, o CNE informou que finalizará a auditoria das assinaturas apenas no dia 2 de junho — a oposição acusa o órgão de tentar atrasar a consulta.

— O referendo pode ser feito neste ano, e vocês sabem disso. Vamos evitar uma explosão social e um golpe de Estado — disse Capriles a manifestantes.

E enquanto a tensão política cresce, nas ruas o mal-estar social também aumenta, diante da escassez de alimentos básicos e remédios essenciais, e da inflação mais alta do mundo — que chegou a 180,9% em 2015 e é projetada para 700% este ano. Segundo uma pesquisa da consultoria Datanálisis, 70% dos venezuelanos apoiam uma mudança do governo.

— As pessoas estão cansadas. A situação está muito ruim, isso a qualquer momento arrebenta — desabafou a enfermeira Lilimar Carrillo, de 39 anos, que fazia fila para comprar comida em Guarenas, onde também foi registrado um protesto pela escassez de alimentos.

Golpe estapafúrdio - Merval Pereira

- O Globo

A interpelação judicial que deputados de diversos partidos da nova base aliada governista — PP, PSDB, DEM, PPS e SD — encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF), para que a presidente afastada Dilma Rousseff explique por que chama de golpe o processo de impeachment que sofre no Congresso, é um marco importante nessa luta política que está sendo travada pela correta narrativa do que ocorre neste momento no Brasil.

A ministra Rosa Weber deu prazo de dez dias para as explicações, mas a presidente afastada não precisa responder. O silêncio, ou a confirmação, servirá de base para uma ação em dois níveis: no criminal, um processo por difamação, e no cível, uma indenização por danos morais de valor incalculável, pois para os deputados a acusação é “algo de gravidade ímpar, sobretudo, ao se levar em consideração a recente História nacional e as possibilidades de ruptura que declarações desse jaez podem trazer à sociedade brasileira”.

Fizeram bem os deputados, e melhor ainda faria o governo se atentasse para o estrago institucional que tal campanha está causando ao país. O chanceler José Serra já iniciou um contra-ataque em nível internacional, respondendo aos governos bolivarianos, mas é preciso um trabalho oficial para repor a verdade.

Não há como impedir a irresponsabilidade de uma presidente afastada que não se importa de prejudicar a imagem do país no exterior, ao assumir o mesmo papel de militantes partidários, que pensam apenas em seus interesses pessoais na luta política que desencadeiam sem trégua.

Os petistas e assemelhados que espalham pelo mundo a narrativa do golpe — por enquanto preponderante — cumprem uma ação política utilizando-se da democracia para tentar desacreditá-la. Já uma presidente da República que age como militante demonstra que não tem a dimensão do cargo.

Será interessante acompanhar os acontecimentos para verificar que, no final, não prevalecerá essa história de um golpe cuja suposta vítima permanece morando num Palácio do governo, com todas as mordomias do cargo mantidas, até mesmo um avião oficial que, ainda veremos, a levará a vários cantos do país e até mesmo ao exterior para denunciar às nossas custas um golpe, que é acompanhado pelo Supremo nomeado em sua ampla maioria pelos governos petistas, e desencadeado por um Congresso que até pouco tempo fazia parte da base aliada governista.

É inacreditável que, neste primeiro momento, esteja ganhando foros de verdade uma versão estapafúrdia que não se sustenta nas evidências. Por isso, a ação dos deputados no STF tem a validade de tentar dar um freio a essa irresponsabilidade, chamando a atenção de Dilma de que suas palavras, por causarem danos à imagem do país, podem ser penalizadas na Justiça.

O que Dilma chama de “golpe” é, no máximo, uma divergência de opinião sobre o veredicto de um julgamento. Por enquanto, o tribunal político em que se transformou o Congresso a está considerando culpada, com base jurídica bastante sólida ao ver da maioria de seus membros.

O ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, que acabará sendo investigado por seu sucessor por ter extrapolado suas funções, discorda da decisão, o que está no seu direito, mas vai além e acusa os congressistas de golpistas.

Também ele é merecedor de processo, pois, sendo advogado da União, não poderia atacar outras instituições da República — como a Câmara e o Senado — na defesa da ocupante momentânea do Executivo.

Armadilha
O presidente em exercício, Michel Temer, não conseguiu sair da armadilha que seu passado político lhe armou, e teve que aceitar como seu líder na Câmara o deputado André Moura. Indicado por um grupo de mais de 300 deputados do chamado “centrão”, o deputado é acusado até mesmo de tentativa de assassinato. Pode ser tudo intriga da oposição, mas, enquanto o caso não se esclarece, seria melhor para o governo uma distância acauteladora de figuras como essa. Sua indicação é prova de que Temer não tem muita autonomia diante do baixo clero, controlado sob os panos por Eduardo Cunha. Haja pragmatismo.

Governo de reação - José Roberto de Toledo

- O Estado de S. Paulo

São dois governos, por enquanto. Um, chamado de “técnico”, foi montado à imagem e semelhança do mercado com um só objetivo: aplicar o modelo econômico que, na campanha eleitoral de 2014, era defendido pelo candidato derrotado, mas que, após a eleição, acabou adotado verbalmente por Dilma Rousseff – o que ajudou a consumir a pouca credibilidade que restava a ela. O dono desse governo é Henrique Meirelles, em sistema de porteira fechada: ele nomeia, prende, solta e não dá satisfação a ninguém.

O outro governo é o “político”, montado à imagem e semelhança do Congresso Nacional. Não requer conhecimento técnico da área: quando eram parlamentares, boa parte dos novos ministros não apresentou nenhum projeto sobre os temas que agora comandam. O despreparo não é uma novidade implantada por Temer, é uma contingência do sistema político que o colocou lá. O problema é que fica a impressão de que, tirando os cargos, ninguém negociou com os ministros o que eles iriam fazer depois de empossados.

O resultado é um governo de reação. O ministro diz que vai diminuir o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS), Michel Temer reage, dizendo que não é bem assim. Outro ministro diz que vai fazer e acontecer na Justiça, e Temer reage aparando-lhe as asas. E assim, de reação em reação do presidente interino, os ministros vão descobrindo quais seus limites, qual seu raio de ação. Soltam vários balões de ensaio para ver quais são abatidos pelo Palácio. Os que decolam viram política de governo.

A reação do presidente interino também é proporcional ao cacife de quem está testando suas habilidades no balonismo.

José Serra, no Itamaraty, botou para quebrar na reação às bravatas dos vizinhos bolivarianos. Tão cedo o tucano não poderá veranear na praia de Varadero em Cuba, visitar o lago Titicaca na Bolívia ou fazer um passeio de barco pelas ilhas Galápagos, do Equador. Nem Temer. Enquanto espera o telefonema de um chefe de Estado que não seja o radialista que se passou por presidente argentino, o interino teve que referendar a política externa sem punhos de renda nem meias palavras de Serra. Mas não só.

Temer também teve que aceitar as nomeações de cunhados. Não, nada a ver com Marcela Temer. São os indicados por Eduardo Cunha. O deputado afastado fez da residência oficial da Câmara um campo de lançamento de drones. Não se contentou com Waldir Maranhão como seu sucessor. Já emplacou dois no Palácio, o novo líder do governo na Câmara e o presidente da EBC, a estatal de comunicação que era para ser pública mas que, para virar BBC, vai precisar mudar mais do que apenas uma letra no nome.

Até aí, nada de novo. Cunha sempre emplacou suas indicações. Foi assim sob Dilma, sob Lula e sabe-se lá sob mais quem. Tampouco é o primeiro a pilotar drones à distância. No governo Sarney, Ulysses Guimarães nomeava metade da Esplanada dos Ministérios e mandava mais do que o presidente. Temer não é Sarney, e Cunha certamente não é Ulysses. Mas os ex-vices correm sempre o mesmo risco: seguirem como peça de decoração no próprio governo.

Ainda é cedo para avaliar qual papel Temer desempenhará, se o de Sarney, o de Itamar Franco (que também terceirizou a área econômica) ou um misto de ambos.

O interino será necessário e, a se provar, útil na arbitragem das bolas divididas entre os dois times do governo, o “técnico” e o “político”. No primeiro teste, porém, o da Previdência, ele deixou o apito cair da boca.

No impasse sobre idade mínima para a aposentadoria entre a área econômica e as centrais sindicais que o apoiam, Temer não quis dizer qual dos dois ia comandar o jogo. Na dúvida, anunciou um “grupo de trabalho” para discutir o assunto. Adiou o problema.

Uma hora, porém, Temer vai ter que decidir a partida. Ou alguém vai decidir por ele: Meirelles, o Congresso ou as ruas.

Temer está no purgatório - Luiz Carlos Azedo

• O presidente interino se tornou refém do chamado Centrão da Câmara, que emplacou um deputado acusado de tentativa de homicídio como novo líder do governo

- Correio Braziliense

O presidente Michel Temer já vive numa espécie de purgatório, no qual terá que pagar todos os pecados de sua interinidade no cargo, até que o Senado aprove em caráter definitivo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que somente não poderá rir por último porque sua derrota na Casa já é irreversível. Explico: Temer está sendo obrigado a aceitar todas as exigências das forças que até as vésperas do impeachment apoiavam o governo petista.

Temer precisa aprovar com urgência o pacote de medidas econômicas do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para restabelecer um precário equilíbrio fiscal, a começar pela meta de superavit, que deverá ser alterada pelo Congresso para um deficit de R$ 150 bilhões, até terça-feira. O presidente interino se tornou refém do chamado Centrão da Câmara, que emplacou um deputado envolvido na Operação Lava-Jato e acusado de tentativa de homicídio como novo líder do governo: André Moura (PSC-SE), cuja bancada tem apenas oito deputados.

André Moura era o candidato do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Apesar do filme queimado, graças ao padrinho, o novo líder do governo conta com o apoio de 300 deputados do Centrão, o bloco formado por 13 partidos na Câmara: PP, PR, PSD, PRB, PSC, PTB, PSL, PEN, SD, PTN, PHS, Pros e PTdoB. Esse dispositivo parlamentar pode aprovar a maioria das propostas de Meirelles, mas emendas constitucionais polêmicas terão dificuldade. É o caso da recriação da CPMF, o antigo imposto do cheque, e da idade mínima para as aposentadorias.

DEM, PPS e PSB, os partidos de oposição, que defendiam o nome de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para o posto, dizem que não vão aceitar a indicação. No caso do DEM, deputados já cogitam, inclusive, pressionar ministros da sigla a entregarem cargos na administração de Temer, como é o caso de José Carlos Aleluia (BA) — o que obviamente não ocorrerá, uma vez que o ministro da Educação e Cultura, Mendonça Filho (DEM), está feliz da vida no novo cargo. Os líderes do PPS, Rubens Bueno (PR), e do DEM, Pauderney Avelino (AM), souberam da indicação de Moura pelos jornais.

Foi também pelos jornais que o presidente do PPS, Roberto Freire, ficou sabendo de que o secretário de Cultura do MEC seria Marcelo Calero, 33 anos, que ocupava o mesmo cargo na prefeitura carioca, com passagens anteriores pela Petrobras e pela Comissão de Valores Mobiliários. Um dos jovens assessores do prefeito Eduardo Paes, foi responsável pela festa dos 450 anos da Cidade Maravilhosa. Até o fim da tarde de terça-feira, o escolhido para o cargo era o cineasta João Batista de Andrade, que Freire havia indicado, mas cujo nome foi descartado por Mendonça, numa reunião com Temer, da qual participou o prefeito de Salvador, ACM Neto.

Outra confusão armada é a permanência do deputado Waldir Maranhão (PP-MA) na Presidência interina da Câmara. PSDB, DEM, PSB e PPS querem a saída do deputado trapalhão, que mal consegue presidir uma sessão da Casa, mas o Centrão prefere mantê-lo no cargo. Impotente diante da situação, Temer prefere se manter longe dessa queda de braço. O poder de influência de Cunha continua sinistro. Seu ex-advogado Eduardo Gustavo do Vale Rocha foi nomeado subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil e o ex-assessor especial Carlos Henrique Sobral, chefe de gabinete da Secretaria de Governo. Ou seja, a tutela se estende aos ministros Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima, respectivamente.

Itamaraty
O senador José Serra (PSDB-SP) assumiu ontem o cargo de ministro das Relações Exteriores e anunciou uma ruptura com a política externa dos governos Lula e Dilma. “A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior. A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido”, disse.

Virada reformista só depois de enfrentamento do rombo fiscal - Jarbas de Holanda

Michel Temer assumiu a presidência com um claro e até incisivo discurso reformista no plano da economia, voltado para o desmonte do gigantismo e do intervencionismo estatais e para a recuperação dos investimentos privados, internos e externos. Discurso que tem orientado manifestações e atos dos principais ministros e auxiliares diretos – Henrique Meirelles, Romero Jucá, José Serra, Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco. Entre os quais (atos) se incluem as duras respostas do Itamaraty de Serra às agressões ao novo governo brasileiro por parte do terceiro-mundismo esquerdista de Cuba, do Equador, da Nicarágua, da Venezuela (de um regime chavista em crise terminal). Bem como as escolhas já anunciadas de Ilan Goldfajn, para o Banco Central, de Maria Silvia Bastos Marques, para o BNDES, de Carlos Hamilton e Mansueto Almeida, para cargos importantes na Fazenda, da provável nomeação de Pedro Parente para a Petrobras (como a imprensa está antecipando).

Mas as relevantes e urgentes reformas estruturais da Economia – a partir da Previdenciária (já ensaiada mas de pronto retardada por enorme resistência) – e as do sistema político (que precisam começar com o fim da parafernália de dezenas de partidos), umas e outras têm seu prometido deslanche condicionado, primeiro e sobretudo, ao enfrentamento prévio do descalabro das contas públicas. Resumido assim pelo economista Gil Castello Branco, em artigo no Globo, de ontem, com o título “Tudo ou nada em 180 dias”: “O déficit fiscal está ao redor de R$ 120 bilhões. A relação dívida bruta/PIB passou de 57% em fins de 2014 para 74% em 2016, com perspectiva de atingir 80% do PIB em 2017. A economia está na UTI e de lá não sairá com placebos”. Em item anterior do artigo ele faz outro resumo da crise econômica: “A recessão dos últimos três anos implicará queda de 10% da renda per capita. No mesmo período, a produção industrial caiu 20%... O contingente de 11 milhões de desempregados tende a aumentar”.

Diante da forte resistência política e social à recriação da CPMF (para uma melhora da receita federal, que teve nova queda em abril, de 5%), Meirelles e Jucá tratam de reforçar o empenho para aprovação nas duas Casas do Congresso, até o final de maio, de nova ampliação da meta de déficit orçamentário (que ultrapassará R$ 120 bilhões) e do que é mais relevante: uma PEC, projeto de emenda constitucional, que permitirá a desvinculação de 25% (que eles querem ampliar para 30%) das despesas obrigatórias da União. O que, conseguido, implicará em corte significativo de gastos também nas áreas da saúde e da educação. Mais um dos custos, econômicos e sociais, do populismo assistencialista dos governos petistas, exacerbado no preparo e na aplicação do estelionato eleitoral de 2014.

Outro fator condicionante da viabilidade da pauta de reformas estruturais é a extensão do processo de impeachment de Dilma Rousseff. O encurtamento dele, para começo de setembro ou já em agosto, liberará Michel Temer para desencadear reformas constitucionais modernizadoras do país. Na qualidade – que reiterou dias atrás – de um presidente não candidato a reeleger-se. Qualidade que, certamente, lhe daria ou dará melhores condições diante dos desafios, com inevitáveis desgastes, de atacar as causas dos desastres econômico e social que o país vive, e de reencaminhá-lo para um crescimento consistente. E que poderá liberá-lo, logo que concluído tal processo, para uma recomposição de seu governo. Para que o Ministério ganhe um padrão satisfatório de qualificação política e técnica. Que o inicial não tem.

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Jarbas de Holanda é jornalista

Prova de fogo - Demétrio Magnoli

• Uma nova política externa precisa de diplomatas leais ao interesse nacional, não aos dogmas ideológicos do lulopetismo

- O Globo

‘Não vamos calar, mas não vamos escalar”. Foi assim que o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, sintetizou sua orientação sobre o estremecimento diplomático com a Venezuela e outros países da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). Nas duas notas emitidas pelo Itamaraty, o Brasil “rejeita enfaticamente” as “falsidades” propagadas pelos governos daqueles países sobre “o processo político interno”, “repudia” as declarações de Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul, e qualifica seus juízos como “incompatíveis com as funções que exerce e o mandato que recebeu”. São duras respostas à escalada retórica de líderes que subordinam os interesses de suas nações a conveniências táticas específicas.

Nicolás Maduro descreveu o impeachment no Brasil como “golpe de Estado parlamentar” e, na sequência, aplicou um golpe de Estado contra o Parlamento de seu país, decretando o estado de exceção. O regime chavista em declínio teme, mais que tudo, as repercussões do impedimento de Dilma Rousseff sobre a Venezuela. Significativamente, o que assusta o chavismo aparece refletido na nota da presidente afastada, que enxerga na “farsa jurídica aqui montada” (isto é, o impeachment supervisionado por um STF independente) o risco de “desestabilização de governos legítimos” (isto é, a tirania venezuelana).

No país vizinho, vergado pelo colapso da economia, a maioria parlamentar eleita deflagrou um processo de revogação constitucional do mandato de Maduro por via plebiscitária. Sob o efeito demonstração do Brasil, os eleitores tendem a se libertar do medo e exigir que uma corte suprema servil ao chavismo obedeça à lei, dando seguimento à convocação da consulta popular. A escalada diplomática é uma tentativa de dissolver o impacto da substituição legal do governo Dilma. Os demais países da Alba apenas fazem eco à gritaria insultuosa oriunda da Venezuela.

O Brasil terá que tomar a iniciativa, em meio à tempestade. Os EUA são carta fora desse baralho, pois os focos regionais de Barack Obama são a abertura para Cuba e a conclusão da paz na Colômbia, que depende da cooperação de Havana e Caracas. No governo e no Itamaraty, uma corrente quer tomar o “não escalar” ao pé da letra, circunscrevendo a resposta às notas diplomáticas. Atrás disso, está a crença de que o governo Temer precisa se firmar internamente, antes de avançar no campo minado da política latino-americana. Uma corrente oposta argumenta que, nesse caso, política externa e política interna encontram-se indissoluvelmente conectadas, não oferecendo ao governo outra alternativa senão a contraescalada.

De fato, as narrativas “interna” e “externa” sobre o “golpe” são faces complementares de uma estratégia única. A acusação de ilegitimidade do governo Temer nasce no PT e desdobra-se na campanha diplomática da Alba. Serra só podia declarar publicamente que não pretende “escalar”, pois países sérios não emulam os discursos histéricos de regimes como o da Venezuela. Contudo, o ministro enfrenta sua prova de fogo, que também é um teste crucial para o governo Temer. Uma reação tímida, apenas reativa, redundará em desmoralização do Itamaraty e retardará a consolidação externa e interna do novo governo.

Na linha da contraescalada, o regime chavista surge como alvo óbvio. A Venezuela ruma ao abismo econômico, conduzida por um sistema de poder autoritário e corrupto. Analistas preveem que, no futuro próximo, o país precisará de ajuda humanitária internacional. O regime controla o Judiciário, a alta oficialidade militar foi parcialmente incorporada ao partido oficial e milícias armadas chavistas atemorizam a população. Líderes opositores encontram-se encarcerados, sob sentenças emanadas de farsas judiciais. Bloqueando o caminho legal da consulta revogatória, Maduro semeia a explosão social. O isolamento do governo venezuelano alinha-se com o interesse nacional brasileiro de prevenir uma guerra civil em país fronteiriço e atende ao princípio constitucional de defesa dos direitos humanos no âmbito da política externa.

Não basta, embora seja um bom começo, invocar a cláusula democrática do Mercosul. A articulação para isolar o regime venezuelano só terá sucesso se envolver diversos parceiros regionais, especialmente a Argentina de Mauricio Macri e o México de Enrique Peña Nieto, na denúncia do autoritarismo chavista e no amparo à Assembleia Nacional eleita. A necessária contraescalada enseja uma oportunidade para a reconstrução da arquitetura estratégica da América Latina, por meio da aproximação do núcleo do Mercosul com a Aliança do Pacífico. No horizonte de Serra, brilham as luzes de uma ativa diplomacia comercial. Mas, para abrir essa comporta, o Brasil deve enfrentar o desafio geopolítico evidenciado pela crise em curso.

A embaixada em Caracas é um ativo valioso na contraescalada. Sem exageros ou encenações teatrais, ela pode organizar a interlocução cotidiana com os líderes da Assembleia Nacional e repercutir informações sobre violações de direitos humanos. Contudo, sabotará as ações do Itamaraty se continuar sob o comando do embaixador Ruy Pereira, antigo chefe de gabinete de Samuel Pinheiro Guimarães, que abandonou à própria sorte a delegação parlamentar brasileira encarregada de prestar respaldo aos presos políticos venezuelanos. Uma nova política externa precisa de diplomatas leais ao interesse nacional, não aos dogmas ideológicos do lulopetismo.

A crise aberta pela escalada do chavismo coloca Serra numa encruzilhada. Se sucumbir às hesitações inerentes ao governo Temer e aos conselhos de diplomatas profissionais imersos no pensamento rotineiro, o ministro será confrontado com um desafio maior no futuro próximo — e terá que enfrentá-lo em condições piores. Resta-lhe o caminho de assumir a iniciativa, articulando uma contraescalada serena, mas persistente e decisiva.

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Demétrio Magnoli é sociólogo

Acerto de contas - Maria Cristina Fernandes

• O presidente não é dado a barganhas, paga o que lhe cobram

- Valor Econômico

Nada mais natural que um governo fiscalista comece pelas contas a pagar. O ministério Michel Temer resulta de um acerto com o núcleo parlamentar do 'centrão', que virou o jogo pró-impeachment, e seu principal avalista, o presidente da Câmara afastado, Eduardo Cunha. Não surpreenderá se, ao se concluir o processo no Senado, o presidente, a ser empossado em definitivo, tenha restos a pagar. Pode esperar pelos resultados das eleições municipais, de onde virão os exércitos de 2018, para contrabalancear quinhões de deputados e senadores.

Como tem papagaios custosos como a reforma da Previdência e a CPMF, ainda terá que purgar um bom tempo nas mãos da agiotagem antes de voltar a se financiar no mercado spot. Pela escolha que fez para a liderança do seu governo na Câmara dos Deputados, há de se concluir que o presidente da República em exercício não é dado a barganhas. Paga o que lhe cobram.

Pela base que tem, vê-se que desperdiça recursos. Financia-se no mesmo 'centrão' que sangrou a presidente afastada. Naquele governo, no entanto, o bloco partidário tinha muito mais cacife. A permanente ameaça de impeachment lhe valorizava o passe. Desta vez, as alternativas ao governo Temer - Marina Silva, Ciro Gomes ou o balaio do PSDB - podem não ser igualmente atrativas ao 'centrão'. Se vale mais do que pesa, é porque tem sociedade com os carcamanos que controlam as balanças deste governo.

A facilidade com que os credores se servem do governo Temer pode ser medida pela desenvoltura de Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força. O deputado comanda uma fatia da Força Sindical e se vale do governo Temer para tentar retomar o controle da central sindical. Pois antes mesmo de dar qualquer sinalização em torno da reforma da Previdência, já arrancou do governo a Secretaria de Relações do Trabalho, a poderosa instância que chancela as adesões sindicais com as quais as centrais medem forças para a repartição do imposto sindical.

Como a Lava-jato é um passivo que custa a ser coberto, o presidente ainda terá que se valer de muita criatividade para manter a contabilidade em dia até o fim do seu mandato. É possível que o contribuinte, extorquido pelo governo que passou, lhe dê uma trégua, mas, em nome da transparência fiscal, há de se reconhecer as contas a serem oneradas. O saldo devedor pode ser medido pelas notas promissórias que os novos ministros deixam escapar. Um dia é a lista tríplice da Procuradoria Geral da República que vai a leilão, no outro, a privatização do SUS. Ainda não se assistiu nenhum ministro cometer o deslize de se manifestar a favor da cobrança do imposto sobre herança.

O ministério dos filhos (Picciani, Mendonça, Sarney e Barbalho) já está precificado, bem como a amortização de Flávia Piovesan (direitos humanos) e Maria Sílvia Bastos Marques (BNDES), mas o acerto de contas com Eduardo Cunha é que parece não ter fim. Foi na condição de confortável credor do governo e inspirador-mor do espetáculo do impeachment na Câmara que o presidente afastado da Casa revelou ter decidido acatar um dos 53 pedidos de impeachment no dia 2 de dezembro, em homenagem à filha aniversariante.

Depois de ver dois de seus ex-advogados contemplados, um no Ministério da Justiça, e o outro na subscretaria de assuntos jurídicos da Casa Civil, coração da Presidência da República, Eduardo Cunha conseguiu emplacar na liderança do governo, em parceria com o 'centrão', um de seus principais aliados na Casa. A mesma 'joint venture' será capaz de manter na presidência da Câmara dos Deputados marcada para fazer o desmonte da Constituição de 1988 um parlamentar com as credenciais de Waldir Maranhão.

Na montagem final de seu governo, Temer valeu-se de uma moeda que não é nova, mas teve forte valorização neste governo. Saem petistas e cutistas e entra a república dos advogados. Não é a abundância de envolvidos na Lava-jato que explica tantos causídicos no governo. Ficou fora de moda chamar o fenômeno de aparelhamento, mas não há como escamotear-lhes os interesses e, ainda menos, os conflitos.

Tome-se a Advocacia Geral da União, que abriga a representação judicial do governo. O cargo, com status de ministério, foi destinado no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva ao advogado do PT, José Antonio Dias Toffoli. Com sua assunção ao Supremo, o cargo foi parar nas mãos de um funcionário de carreira da AGU, o procurador da Fazenda Nacional, Luiz Inácio Adams. No início deste ano, o cargo caiu no colo de José Eduardo Cardozo, que dele se valeria para a defesa da presidente da República, liberalidade de que nem o ex-presidente Fernando Collor se valeu em seu processo de impeachment.

Michel Temer resolveu inovar. Colocou no lugar um advogado que brilhou na defesa do impeachment no Senado. Até aí, o aparelhamento de praxe. A inovação vem da carteira de clientes do escritório que tinha Fábio Osório Medina como titular até a posse na AGU. Lá está a Febraban. O sindicato dos bancos tem interesse direto na securitização da dívida ativa, cuja execução é de responsabilidade da Procuradoria da Fazenda Nacional, uma das quatro abrigadas sob o guarda-chuva da Advocacia-Geral da União.

Sua indicação, no entanto, talvez não se explique pelo conflito de interesses mas por sua convergência. Na condição de titular da AGU, Osório Medina vestirá a camisa União/Febraban no processo dos 'planos econômicos' que está para ser reaberto no Supremo com a saída do advogado Sérgio Bermudes do caso. A passagem da filha de um dos ministros do Supremo (Luiz Fux) pelo escritório deste advogado o mantinha impedido de participar do julgamento bloqueando, por empate, o placar do caso.

União e bancos estão do mesmo lado da força. Do outro, estão correntistas que tiveram perdas pela não correção de seus saldos bancários na sucessão de planos econômicos da virada dos anos 1980/90. A convergência de interesses representada pelo novo titular da AGU pode ser um sinal de que o governo se vê com força suficiente para enfrentar o jogo no Supremo. É uma forma de retirar uma espada de Dâmocles sobre os bancos. Os fiscalistas que perdoem o Temer, mas a aliança até que pode sair em conta.