segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso

Claro que se pode e deve distinguir entre "esquerda" e "direita", com suas variantes intermediárias. Mas a oposição correta é outra: sempre foram considerados de esquerda os que querem mudar estruturas para beneficiar a maioria, pela via da "revolução" ou das reformas (a esquerda democrática é reformista). A direita clássica costuma se opor às mudanças, em particular a "reacionária", pronta para impor sua lei e ordem a qualquer preço.

No Brasil não estamos diante desse dilema. Não há partidos relevantes "de direita", tampouco "revolucionários", à esquerda. Quando necessário, há os que se definem como liberais, de um lado, e social-democratas, de outro. Ainda muito numerosos são os setores que representam o atraso (práticas clientelistas, lenientes com a corrupção e com o arbítrio do Estado). Meus votos são para que não enfrentemos uma oposição entre esquerda retrógrada e direita golpista.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República. Inovar na política. O Globo, 4 de janeiro de 2015.

Gastos de janeiro terão maior peso em 10 anos

O pior janeiro em uma década

• Neste início de ano, IPTU, IPVA, escola e reajustes acima da inflação pressionam orçamento

Glauce Cavalcanti – O Globo

Aperto no bolso
Este início de 2015 já é o de maior pressão para o orçamento familiar em uma década, na avaliação de cinco especialistas em finanças ouvidos pelo GLOBO. Todo começo de ano é sinônimo de concentração de dívidas e despesas a pagar. Impostos como IPTU e IPVA, gastos com material escolar e viagens estão entre esses custos. Com alta da inflação, restrição ao crédito e reajustes já anunciados de tarifas e tributos, este início de ano promete sangrar ainda mais as finanças dos brasileiros. Para especialistas, a fim de manter a saúde financeira, será preciso apertar os cintos não só agora, mas ao longo de todo o ano.

A situação econômica está encolhendo o orçamento doméstico, diz Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac):

- Nos últimos anos, em média, o salário mensal da família pagaria metade desses compromissos de início do ano, o que já mostra necessidade de planejamento. Mas em 2015 não chega nem a isso. É o pior início de ano em dez anos. Quem não se planejou, terá de queimar economias ou recorrer a empréstimos.

Abrir o ano com aumento de gastos é preocupante porque os ganhos salariais reais estão aquém dos reajustes sendo anunciados, alerta Gilberto Braga, professor de Finanças da Fundação Dom Cabral e do Ibmec-Rio:

- O orçamento familiar já entra o ano pressionado - afirma Braga, que também vê em 2015 o pior início de ano em uma década. - O reajuste do preço do material escolar, por exemplo, está estimado em 8%, acima da inflação, de 6,5%. Os reajustes salariais concedidos no segundo semestre de 2014 foram menores.

O pequeno ganho real nos salários deve ser engolido pelos reajustes, afirma Sérgio Bessa, professor dos MBAs da FGV.

- Se considerarmos o aumento de 8,8% do mínimo como referência e descontarmos a inflação prevista para o ano, o ganho fica em menos de 2%. Ainda virão reajustes de alimentos, planos de saúde, roupas e acessórios, e serviços.

Ganho real em salário é pequeno
Segundo o Dieese, a maioria das negociações (93%) para reajustes salariais no primeiro semestre de 2014 ficou acima da inflação, considerando o INPC, calculado pelo IBGE, garantindo ganhos reais de até 3%. A maior incidência está em entre 1% e 2% acima do índice. O problema é que a elevação de impostos, combustível, transporte urbano, mensalidade escolar e outros acompanha ou supera a inflação. Por setor, o ganho real médio em salário ficou em 1,55% na indústria, 1,57% no comércio e 1,51% nos serviços. Neste último, foi registrado o maior percentual de reajustes equivalentes ou inferiores ao INPC: 7%.

- No Rio, onde o setor de serviços é mais forte e a inflação é a maior do país, o impacto será pior - alerta Braga.

O Rio foi a região metropolitana com a maior inflação em 2014, segundo o IBGE. Nos 12 meses terminados em novembro, ficou em 7,37%, com pressão sobretudo dos serviços. Já se espera efeito dominó em preços com o reajuste do mínimo.

Lá atrás, lembra Braga, quando a inflação caiu, o desconto do IPTU foi reduzido. Agora que os preços voltaram a subir, o contrário não aconteceu. No Rio, o tributo sofreu reajuste de 6,46% este ano, contra 5,85% em 2014, seguindo o IPCA-E. Quem pagar à vista terá redução de 7%. Já o IPVA fluminense teve o desconto para cota única diminuído de 10%, em 2014, para 8%.

A passagem de ônibus na cidade do Rio já subiu 13,3%. As mensalidades escolares aumentaram em torno de 10%, enquanto o combustível foi reajustado em até 5% nos postos em novembro.

As pessoas, no entanto, já começam a se programar mais. O freio no consumo observado em 2014 e as magras vendas de Natal mostram que o brasileiro, já endividado, decidiu segurar gastos, prevendo um 2015 de ajustes. Para profissionais de finanças, essa retração mostra uma mudança de comportamento do consumidor, que estaria aprendendo a planejar o orçamento.

- Faz uma década que falamos sobre a necessidade de planejamento. E isso parece estar fazendo efeito - diz Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV.

O gestor de negócios Yan Rallon decidiu regrar as finanças da família para poupar e conseguir pagar despesas programadas. Vivendo com a mulher e dois filhos, usa uma planilha para controlar gastos.

- Poupamos ao longo do ano para pagar o IPVA e o IPTU do ano seguinte com desconto. Compramos o material escolar em dezembro, antes do aumento de preços. Sem esse planejamento, seria inviável pagar tudo - conta ele.

Pesquisa da Fecomércio-RJ/Ipsos mostra que a economia feita nos últimos meses e o que sobrou do décimo terceiro irão para as despesas de início de ano. Em 2015, a maioria dos brasileiros vai pagar tributos à vista, com desconto. Dentre os mil entrevistados em 70 municípios do país, 58% pagarão o IPTU numa tacada, e 68%, o IPVA. É um avanço de 12 e 15 pontos percentuais, respectivamente, em relação a 2014.

- Esse aumento mostra a preocupação do brasileiro de começar 2015 com a saúde financeira em equilíbrio. O consumidor sabe que virá aperto e quer reduzir dívidas - explica João Gomes, superintendente de Economia da Fecomércio-RJ. - As pessoas já experimentaram o cenário de estabilidade. Isso dá condições de passar por essa turbulência sem maiores consequências.

A prudência com o orçamento, defende ele, fica clara por não haver crescimento no grupo de consumidores endividados. O percentual dos que encerraram 2014 sem dívidas foi de 67%, mesmo patamar do ano anterior.

No caso da matrícula escolar, 82% farão o pagamento à vista, queda de dois pontos percentuais. Enquanto na compra do material escolar, quitar de imediato a despesa será opção de 73%, alta de dois pontos percentuais.

Para Ricardo Teixeira, da FGV, outro ponto que sinaliza programação de gastos é o fato de atividades econômicas como o turismo continuarem aquecidas. Neste verão, mostra outro estudo da Fecomércio-RJ/Ipsos, 15% dos brasileiros pretendem viajar, fatia equivalente à de 2014. O gasto com a viagem, porém, está estimado em R$ 1.322,95, incremento de 9,5% sobre o último verão. O grupo de pessoas que pretende viajar para fora do estado onde vive subiu de 29% para 48%.

- A pesquisa não diferencia viagens domésticas de internacionais. Mas esse aumento reflete uma antecipação das viagens por causa do aumento do dólar e mais gastos com lazer, que é comum em período de crise - pondera Gomes.

Inadimplência pode crescer
Menos otimista, Oliveira, da Anefac, acredita que nem todos se programaram e há risco de alta na inadimplência e no número de pessoas que irão recorrer a empréstimos para fazer pagamentos. Ele afirma que a melhor opção para quem poupou é pagar as despesas à vista, aproveitando descontos. 

Quem não fez um colchão para gastos extras, mas tem folga no orçamento, deve escolher o parcelamento, já que os juros cobrados são menores que os de empréstimos. Recorrer ao crédito será, porém, a saída para quem não se encaixa nesses dois grupos.

- Será preciso negociar descontos sempre. E trabalhar com uma margem de segurança no orçamento durante todo o ano - alerta Teixeira, da FGV. - Empréstimo é o último recurso. A taxa de juros já está alta e pode subir mais.

A mordida dos reajustes no orçamento vai depender do perfil de cada família. Assim, é importante iniciar o ano sabendo onde se poderá reduzir gastos, recomenda Braga.

Petrobras: oposição quer nova CPI

Oposição quer nova CPI para apurar 'empresas de papel'

• Petrobras admitiu uso de escritório de contabilidade para permitir criação da Gasene

Vinicius Sassine, Simone Iglesias, Isabel Braga e Catarina Alencastro – O Globo

BRASÍLIA - As novas denúncias envolvendo a Petrobras na criação de "empresas de papel" para a construção e operação da rede de gasodutos Gasene, alimentaram, na oposição, argumentos para criar uma nova CPI para investigar a estatal. Na edição de ontem, O GLOBO publicou o conteúdo de uma auditoria sigilosa do Tribunal de Contas da União (TCU), concluída em dezembro de 2014. Nela, os auditores indicam que a Transportadora Gasene é uma empresa de fachada, criada para burlar fiscalizações oficiais e permitir contratações sem licitação. O superfaturamento em parte das obras de um dos trechos, entre Cacimbas (ES) e Catu (BA), superou 1.800%, segundo a auditoria.

- Eu já tinha visto empresa de fachada no mundo da corrupção, mas a própria Petrobras criar isso? É mais um expediente para buscar dinheiro fácil para custear partidos, o dinheiro da corrupção. Vemos, a cada dia, a confirmação de que os predadores internos da estatal são os nomeados por Lula e Dilma. Por isso a importância da nova CPI - disse o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR).

A rede de gasodutos fica entre Rio, BA, passando pelo ES. O trecho foi inaugurado com festa em Itabuna (BA), em 26 de março de 2010, com o então presidente Lula; a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff; o então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli; e a então diretora de Gás e Energia da estatal, Graça Foster, hoje presidente da empresa. Oito dias depois, Dilma se candidatou à Presidência pela 1ª vez. A obra foi inaugurada como pertencente ao PAC. E 80% dos financiamentos à obra foram feitos pelo BNDES.

Para o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), claramente a Petrobras usou o mecanismo da sociedade de propósito específico (SPE) para burlar a lei de licitação:

- É preciso saber quem está por trás dessa história de escritório de contabilidade. Já começamos a coleta de assinatura para a nova CPI. A gente imagina que o maior motor pró-CPI será a denúncia a ser encaminhada pelo procurador.

O deputado Fernando Francischini (SD-PR), que atuou na CPMI da Petrobras e hoje é secretário de Segurança Pública do Paraná, também defende uma nova CPI. Ele ressalta o poder que as CPIs têm de quebrar sigilos fiscal, telefônico e bancário:

- Não faz diferença quem é indiciado ou não, mas quebrar sigilo mais facilmente do que um juiz.

O deputado Marcus Pestana (PSDB-MG) disse que os dirigentes da Petrobras acabaram com a credibilidade da estatal, prejudicaram a empresa e levaram-na a uma situação vexaminosa.

Estatal nega "ligação societária"
Ontem, a Petrobras admitiu que usou escritório de contabilidade no Rio para constituir a empresa responsável pela construção dos gasodutos Gasene, com investimentos de R$ 6,3 bilhões. A estatal divulgou nota em que reconheceu ter usado o escritório Domínio Assessores e o proprietário do escritório, Antônio Carlos Pinto de Azeredo, para fazer funcionar a Transportadora Gasene S.A., SPE criada exclusivamente para construção do gasoduto.

Na nota, a Petrobras negou ter tido "qualquer ligação societária" com a Transportadora Gasene. "A SPE (Transportadora Gasene S.A.) não tem qualquer ligação societária com a Petrobras", diz, em negrito. Ressalva da própria nota, porém, mostra que o controle da empresa era de fato da Petrobras, pelas chamadas cartas de atividades permitidas: "A ligação entre a Petrobras e a SPE se dava através de contrato em que era estabelecido que a Transportadora Gasene somente realizaria determinadas atividades mediante autorização da Petrobras".

Em seis anos da Transportadora Gasene, de 2005 a 2011, foram emitidas mais de 400 cartas de atividades permitidas. O conteúdo delas mostra que não havia controle só de "determinadas atividades". As orientações da Petrobras ao dono do escritório de contabilidade - também presidente da Transportadora Gasene - variavam de aspectos sobre pequenos contratos ao alongamento de financiamento de US$ 760 milhões com o BNDES. Pelo contrato, Azeredo não poderia tomar decisões sem autorização expressa da Petrobras.

O TCU constatou que a ANP autorizou a construção e a operação do gasoduto sem analisar os documentos das empresas e o projeto. Segundo a Petrobras, a área financeira da estatal foi a responsável por elaborar o "project finance" (projeto estruturado) da Gasene, entre 2004 e 2005, "com objetivo de captar recursos para construção do gasoduto". A constituição da SPE Transportadora Gasene coube ao Santander, diz a estatal. O dono da Domínio foi um dos acionistas, com 0,01%; a Gasene Participações detinha 99,99%. Os acionistas da Gasene Participações, diz a estatal, são o "trustee" PB Bridge Trust 2005, com 99, 99%, e Azeredo, com 0,01%. "Trustee" é uma entidade constituída geralmente em paraísos fiscais para responder juridicamente por bens ou empresas em nome de beneficiários que podem ser ocultos. A estatal não disse quem estava por trás do trustee.

A nota diz que Azeredo era "administrador da Domínio, que prestou serviços de contabilidade e administração tributária para SPE e foi contratado pela Transportadora Gasene para ser o presidente da empresa". Mas não cita o fato de a Domínio e a Transportadora Gasene terem o mesmo endereço: Rua São Bento, no 5º andar de um prédio no Rio. O GLOBO revelou trecho do contrato entre a Domínio e a Transportadora Gasene em que o escritório se compromete em ceder sua sede à empresa criada pela Petrobras.

Em entrevista ao GLOBO em 24 de dezembro, Azeredo disse ser só um "preposto" na Transportadora Gasene: o desempenho da função de presidente foi "puramente simbólico". Os principais atos eram determinados pela Petrobras, por cartas de atividades permitidas.

Na nota, a Petrobras diz que a SPE "detinha a propriedade do gasoduto e demais ativos e passivos do projeto, até que todos os financiamentos contraídos para implantação do mesmo fossem integralmente pagos. Uma vez pagos os financiamentos, a Petrobras teria a opção de compra da totalidade das ações na Transportadora Gasene". Em janeiro de 2012, a Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária da estatal, incorporou o Gasene, com ativos de R$ 6,3 bilhões.

Esse contrato de opção de compra e venda de ações, também revelado pelo jornal domingo, diz que o presidente (o laranja) da Transportadora Gasene deveria se abster de "efetuar ou aprovar quaisquer alterações do estatuto social, deliberações de assembleias gerais e outorga de mandato sem o consentimento prévio da Petrobras". Projetos só poderiam ser implementados se instruídos "por escrito, detalhada e tempestivamente" pela estatal.

Auditoria aponta perdas de R$ 1 bi em estatal

• Segundo investigação interna, Petrobras comprou equipamentos para refinaria no Rio antes de definir estrutura de produção

• Funcionários relataram pressões para acelerar as aquisições por parte de diretorias chefiadas por alvos da Lava Jato

Flávio Ferreira – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Auditoria interna da Petrobras sobre o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) aponta que a estatal comprou equipamentos antes de definir o modelo de negócio e a estrutura de produção da refinaria, o que gerou um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão gasto para evitar a deterioração de aparelhos e unidades sem uso.

Parte do maquinário adquirido inclusive não será mais utilizada, e agora a Petrobras estuda se será possível aproveitar os equipamentos em outras unidades.

Na investigação, funcionários da Petrobras apontaram "pressões" das diretorias de Serviços e Abastecimento da estatal, então chefiadas respectivamente por Renato Duque e Paulo Roberto Costa, investigados na operação Lava Jato, para acelerar as aquisições e obras do Comperj.

A apuração também apontou irregularidade na maior contratação citada no relatório, no valor de R$ 3,8 bilhões, feita pela Petrobras sem concorrência pública com o consórcio TUC, formado pelas empresas Odebrecht, UTC e Toyo.

Essas empreiteiras também são alvo da Lava Jato pela suposta formação de cartel e foram incluídas pela Petrobras em lista de empresas temporariamente impedidas de contratar com a estatal.

A comissão da Petrobras concluiu o relatório em novembro e enviou o trabalho para a força-tarefa da Lava Jato no mês seguinte.

A auditoria apontou que as compras de equipamentos e obras de unidades começaram em abril de 2010, "enquanto ainda era discutido o modelo de negócios para as utilidades e para a unidade de geração de hidrogênio, essenciais para a entrada em operação da refinaria".

A estatal prevê que o Comperj comece a produzir em agosto de 2016. Para preservar os equipamentos adquiridos e ainda sem uso, a estatal gastou mais de R$ 1 bilhão.

A comissão relatou que na apuração "logo atraíram a atenção os relatos de pressões por prazo à área de Engenharia" pelas diretorias chefiadas por Duque e Costa.

Tal fato levou ao descompasso entre as contratações e as reais necessidades de cada fase de implantação da refinaria, segundo a apuração.

A contratação sem concorrência pública do consórcio TUC, formado por empreiteiras investigadas na Lava Jato, foi para a implantação das unidades de geração de vapor e energia, tratamento de água e efluentes do Comperj.

A investigação apontou irregularidade no fato de a contratação direta ter sido feita sob a justificativa de urgência, em 2011, em um momento em que havia grande indefinição sobre os prazos de conclusão da refinaria.

Evidências
O relatório aponta "evidências no sentido de que os gestores não possuíam, na época da contratação, a segurança necessária no cronograma do Comperj que justificasse a contratação direta".

Duque, Costa e outros quatro diretores foram responsabilizados pelas irregularidades nas contratações.

Segundo a auditoria, "as falhas de gestão, problemas de planejamento e de coordenação na execução do projeto podem ter contribuído para facilitar a ocorrência de eventuais ações criminosas" sob apuração na Lava Jato.

Contratações foram aprovadas de forma colegiada, diz ex-diretor

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os ex-diretores da Petrobras Renato Duque e Paulo Roberto Costa afirmaram que contratações apontadas como irregulares em auditoria sobre o Comperj foram aprovadas em escalões superiores da estatal.

A Petrobras não se manifestou sobre as conclusões de sua apuração interna.

Por meio de nota, Duque afirmou que os contratos do Comperj foram aprovados de forma colegiada pela diretoria executiva da Petrobras, após receberem parecer favorável do departamento jurídico da companhia.

O advogado de Costa, João Mestieri, disse que o relatório mostra que "a auditoria foi feita de um modo que ignora o processo de aprovação de contratos na Petrobras".

Segundo Mestieri, todas as contratações são decididas pelo conselho de administração da estatal, e os diretores atuam apenas como consultores para as deliberações.

Em nota, a construtora Odebrecht afirmou que desconhece o teor da auditoria da Petrobras e que "todos os contratos de prestação de serviços conquistados pela Odebrecht foram pautados nas normas e leis vigentes".

"A Odebrecht reitera que não participou ou participa de qualquer cartel e está, como sempre esteve, à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos", de acordo com a nota.

A UTC afirmou em nota que "não pode se manifestar sobre documentos dos quais não tomou conhecimento oficial e integralmente".

Procuradas pela reportagem, a Petrobras e a Toyo não se manifestaram.

Bronca de Dilma leva ministros a ter cautela, mas ajuste continua

• Esclarecimentos de Nelson Barbosa sobre o reajuste do mínimo indicam que haverá mais cuidados nas declarações sobre medidas

Lu Aiko Otta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A “trombada” da presidente Dilma Rousseff com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, em torno da mudança da regra de correção do salário mínimo deixou dois sinais no ar. O primeiro é que os compromissos políticos e as promessas de campanha serão um limitador para medidas impopulares, numa intensidade maior do que parecia até então. O segundo é que a autonomia da nova “troica” econômica tampouco é do tamanho que se imaginava.

Qual será o resultado prático desse freio de arrumação, porém, ainda não se sabe. O que é dado como certo nos bastidores é que a equipe econômica, de agora em diante, será mais cautelosa em suas declarações em público sobre medidas. E que também haverá cuidado redobrado na condução dos debates internos do governo.

O que não quer dizer que Barbosa e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixarão de propor medidas de ajuste, mesmo as impopulares. Não haverá recuo, segundo se comenta no entorno deles. Isso é algo que poderá ser constatado nesta segunda-feira, quando Levy assumirá de fato o comando da pasta para a qual foi escolhido.

No sábado, de seu descanso na praia, Dilma telefonou para Barbosa e determinou que ele corrigisse o que havia declarado na véspera: que haveria uma nova regra de correção do salário mínimo a partir de 2016.

O que ele fez, divulgando nota no início da tarde de sábado.

“O puxão de orelha foi positivo”, comentou o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. “Mantém a palavra dela (Dilma) para as centrais e também os compromissos eleitorais.”

Em dezembro, Dilma havia prometido aos sindicalistas que manteria, nos próximos anos, a mesma regra de correção do salário mínimo hoje em vigor: o reajuste pela inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior, acrescido do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos atrás. Ela assumiu esse compromisso quando lhe foi perguntado como seria a política econômica, já que havia indicado “um pessoal que gosta de cortar.”

Apesar da promessa de Dilma, Barbosa sugeriu algo diferente numa entrevista concedida logo após a transmissão de cargo no Ministério do Planejamento. “O cálculo do salário mínimo nós vamos enviar ao Congresso em momento oportuno. A regra atual ainda vale para 2015. Vamos propor uma nova regra para 2016-2019 ao Congresso nos próximos meses.”

Segundo seus auxiliares, nessa fala ele expressou mal o que tinha em mente. O que ele quis dizer era que a regra atual só vale para este ano e será preciso enviar um projeto de lei ao Congresso tratando novamente do assunto. As “novas regras” a que se referiu poderiam até mesmo ser as mesmas que estão em vigor hoje. Era, pelo menos até então, algo ainda a ser debatido.

Discussão prévia. No mesmo encontro com as centrais, Dilma havia dito que discutiria previamente com eles as medidas que afetassem os trabalhadores. O que não foi feito antes de o governo divulgar o pacote que restringe a concessão do seguro-desemprego, do abono e de benefícios como pensão por morte e seguro defeso.

“Aquilo foi uma quebra”, avaliou Juruna. “Foi ruim.” Ele acredita que, ao dar o tranco em Barbosa, Dilma retomou a linha de compromisso com os trabalhadores.

O que não quer dizer que as medidas de contenção de gasto terão vida fácil. As centrais pretendem se reunir nos próximos dias para articular uma reação às propostas que afetam direitos trabalhistas, na sua tramitação pelo Congresso Nacional. “Vamos em cima”, prometeu Juruna.

A mudança da regra de correção do salário mínimo é considerada um ingrediente essencial para o ajuste na estrutura das contas públicas.

Isso porque os itens de despesa que mais têm crescido são aqueles atrelados ao mínimo, como aposentadorias, benefícios assistenciais e abono.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo publicada neste domingo, concedida antes do incidente com Dilma, Barbosa disse que o crescimento das despesas do governo federal precisam desacelerar para assumir um ritmo igual ou inferior ao da evolução do Produto Interno Bruto (PIB). E o mínimo, pela regra reafirmada por Dilma, cresce igual ao PIB, acrescido da inflação.

Dilma tenta desatar nós da política e da economia

• Presidente volta na quarta-feira da Bahia e terá pela frente disputas internas de aliados

Vera Rosa, Lu Aiko Otta - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao retornar do descanso na Bahia, na quarta-feira, a presidente Dilma Rousseff terá pela frente nós a desatar. Na política, terá de resolver a disputa entre aliados por cargos do segundo escalão, anunciar os novos titulares dos bancos públicos e articular a base para impedir a reinstalação da CPI da Petrobrás. Na economia, o desafio é aprovar o Orçamento de 2015 no Congresso e fazer o ajuste das contas sem sacrificar programas sociais. É uma equação difícil que já teve seu primeiro incidente neste fim de semana. Dilma mandou o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, desmentir que a regra de correção do salário mínimo mudaria.

Continuando a formação da equipe, Dilma deve nomear a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior (PT) para a presidência da Caixa Econômica Federal nos próximos dias. Paulo Caffarelli, que era secretário executivo do Ministério da Fazenda, é o mais cotado para comandar o Banco do Brasil. A dúvida ainda reside nos nomes que substituirão Arno Augustin no Tesouro Nacional e Luciano Coutinho na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Além de novos nomes, Dilma trabalha também num rearranjo operacional do governo. Numa tentativa de melhorar a costura política, a coordenação do governo terá agora a participação do novo ministro da Defesa, Jaques Wagner (PT). "O fato de eu estar no Ministério da Defesa não me impede de ajudar a presidente em outras áreas, quando for requisitado", disse Wagner.

A ideia da presidente é retomar as reuniões semanais de seu "núcleo duro" para discutir os rumos da gestão. Além de Aloizio Mercadante (Casa Civil) e Wagner, os ministros Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e José Eduardo Cardozo (Justiça) comporão a coordenação de governo, ao lado do vice-presidente Michel Temer.

"Há uma clara orientação da presidente para ampliarmos o diálogo com os líderes dos partidos, os movimentos sociais, os empresários e todas as representações da sociedade", disse Rossetto. "O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social terá papel fundamental nessa agenda de mudanças e reformas."
Rossetto não quis comentar a ameaça da oposição de criar uma nova CPI da Petrobrás. "Isso é com o Pepe Vargas."

Ele destacou, porém, que os discursos de Dilma "encerram definitivamente" as especulações sobre o futuro da Petrobrás. Na cerimônia de posse para o segundo mandato, semana passada, a presidente afirmou que defenderá a estatal de "predadores internos e inimigos externos".

A Petrobrás precisa publicar seu balanço ainda este mês, sob pena de enfrentar o vencimento antecipado de contratos de financiamento. A expectativa é de que os novos números já saiam depurados das irregularidades investigadas na operação Lava Jato, da Polícia Federal.

Comunicação. Dilma está convencida de que precisa melhorar a comunicação do governo. No fim do ano passado, ela ficou impressionada com o resultado de uma pesquisa mostrando que quase 70% dos estudantes do ProUni eram contra o Bolsa Família. Além disso, a maioria dos integrantes da nova classe média também acha que suas conquistas são fruto de esforço próprio, e não da ação do governo.

Apesar da "trombada" com Nelson Barbosa a respeito do mínimo, os debates internos sobre o ajuste fiscal deste ano deverão prosseguir nesta semana. O governo prepara medidas para aumentar a arrecadação.

Pelo lado das despesas, a previsão é de que seja necessário contingenciar gastos num montante próximo a R$ 65 bilhões. O valor, porém, só será determinado depois que o Congresso aprovar o Orçamento de 2015.

Antes de viajar para a Base Naval de Aratu, onde está descansando, Dilma comparou o Brasil de 2015 a um navio que vai enfrentar um "mar com ondas". Ela previu que o governo enfrentará obstáculos, mas se mostrou confiante que a embarcação "não afundará". A imagem foi usada pela primeira vez por ela em dezembro, em coquetel com a equipe do primeiro mandato, e repetida a amigos na quinta-feira, dia da posse. / Colaborou Débora Bergamasco

Justiça Eleitoral reforça controle e acaba com sigilo bancário dos partidos políticos

• Resolução do TSE obriga legendas a abrirem três contas distintas cujos extratos precisarão ser apresentados pelos bancos a cada 30 dias, com a identificação de todos os autores de depósitos

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Depois de fechar brechas que permitiam a ocorrência de doações ocultas de recursos de campanha, sem identificação dos financiadores, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu acabar com o sigilo bancário das movimentações dos partidos a fim de ampliar a fiscalização sobre os recursos recebidos também em períodos não eleitorais.

A mudança consta de resolução publicada no dia 30 de dezembro passado, cuja redação final foi feita pelo próprio presidente do TSE, ministro José Antonio Dias Toffoli (também membro do Supremo Tribunal Federal).

De acordo com o texto, os partidos serão obrigados a ter três contas bancárias distintas para movimentações do Fundo Partidário, de doações de campanha e de outros recursos. A conta para doações de campanha concentrará todos os recursos usados em eleições, mesmo os recebidos em anos não eleitorais.

Os bancos serão obrigados a mandar extratos dessas contas à Justiça Eleitoral a cada 30 dias, com a identificação de todos os autores de depósitos.

Segundo o presidente do TSE, esse será o primeiro passo para permitir o acompanhamento online, pelos eleitores, de todas as movimentações dos partidos. A publicação desses dados na internet a cada mês, porém, depende de aprovação de lei no Congresso Nacional.

Como era. Pelas normas vigentes até o fim de 2014, os partidos somente apresentavam à Justiça Eleitoral um demonstrativo contábil em suas prestações anuais de contas. Não havia como saber se os dados de fato correspondiam à movimentação das contas, a não ser com a abertura de auditorias especiais, motivadas por indícios de irregularidades ou denúncias.

O aperto na fiscalização das contas partidárias coincide com a revelação de que propinas investigadas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal, teriam sido pagas como doações oficiais ao PT, segundo depoimento do executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, da Toyo Setal, empresa que presta serviços à Petrobrás.

Levantamento publicado pelo Estado em outubro passado mostrou que as empresas do cartel da Lava Jato doaram R$ 456 milhões a seis partidos - PT, PMDB, PSDB, PSB, PP e DEM - entre 2007 e 2013. Esses recursos representaram 36% de todas as doações feitas por empresas às legendas no período.

Outra novidade importante da resolução do TSE é a implantação da contabilidade digital para os partidos. As prestações de contas que as legendas apresentarão até 30 de abril deste ano, ainda referentes a 2014, serão as últimas em papel.

A partir de 2016, todas as prestações de contas dos diretórios nacionais deverão ser feitas em formato eletrônico. A regra valerá para os diretórios estaduais e municipais a partir de 2017 e 2018, respectivamente.

O novo formato permitirá a publicação, na internet, de todos os registros contábeis dos partidos em planilhas eletrônicas, nas quais é possível fazer análises e cruzamentos de dados - por exemplo, ordenar a lista de doadores do maior para o menor valor, ou somar de forma automática todas as doações de uma mesma empresa.

Hoje em dia, não é possível fazer esse tipo de trabalho. As prestações de contas são publicadas na internet em formato PDF - ou seja, praticamente uma foto dos papéis entregues pelos partidos ao TSE.

Cartão. A resolução regulamenta ainda as doações a partidos realizadas pela internet por pessoas físicas e jurídicas. As transações poderão ser feitas com cartão de crédito ou débito, com a identificação dos doadores por nome, além de número de CPF ou de CNPJ.

Duas perguntas para José Antonio Dias Toffoli, presidente do TSE:

1.Qual é o objetivo do envio mensal dos extratos dos partidos ao TSE?
O objetivo final é que essas contas todas, um dia, estejam na internet para todos os cidadãos acompanharem, o que dependerá do Congresso (exposição na rede). Nada mais democrático e transparente que os partidos mostrarem suas contas e movimentações de recursos ao público. A publicação dos dados faz parte de um processo de educação cidadã.

2.O que acontecerá se uma doação irregular for detectada?
Se um partido receber uma doação de uma concessionária de serviços públicos, por exemplo, terá 30 dias para devolver o dinheiro ao depositante. Passado esse prazo, o dinheiro terá de ser recolhido aos cofres do Tesouro.


Recursos são distribuídos de acordo com a votação dos partidos para a Câmara

Composição do ministério põe em dúvida o 'volta Lula'

• Montagem de ministério aumenta divisões do PT e ameaça Lula-2018

César Felício – Valor Econômico

A montagem do ministério da presidente Dilma Rousseff aprofundou as divisões dentro do PT e colocou uma sombra sobre o projeto da sexta candidatura presidencial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda a aposta mais forte do partido para a sucessão de Dilma em 2018.

O mal estar dentro da tendência Construindo um Novo Brasil, majoritária dentro do PT, é grande e os integrantes da corrente querem discutir uma reação com Lula e com o presidente da sigla, o deputado estadual paulista Rui Falcão. A avaliação é que o novo formato do governo fortaleceu o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, classificado como "o condestável" (homem forte) da nova equipe.

"Estou muito preocupado com o que está acontecendo e qual a consequência que haverá para a liderança de Lula", comentou, sob reserva, um senador do PT próximo ao ex-presidente. "Mantido o atual quadro, ele não parece mais ser o candidato da preferência do Palácio do Planalto, e não terá como ser candidato contra o Planalto, mesmo com a popularidade que traz consigo", observa outro senador petista. Há ainda o temor dentro do PT de que o grupo mais próximo ao ex-presidente termine envolvido nas denúncias que afetam a Petrobras.

Não existe a hipótese de Lula perder uma disputa interna dentro do partido. Mas isso não é suficiente para o ex-presidente concorrer: ele já estaria constrangido pela diminuição da influência junto a Dilma e não entraria no cenário de 2018 sem um endosso claro de sua sucessora na presidência.

Segundo os seis petistas que falaram ao Valor, sob a condição do anonimato, Lula permanece como "plano A" da sigla para 2018, entre outros motivos pela dimensão de sua popularidade: uma pesquisa recente do Datafolha o apontou como o melhor presidente da história brasileira para 56% dos pesquisados. Mas Mercadante se tornou a principal alternativa caso o governo Dilma seja bem sucedido, de acordo com um deputado vinculado à tendência Mensagem ao Partido, a segunda em importância dentro do PT. "Seu poder deriva de Dilma, não do partido, e ele está totalmente atrelado ao destino que o governo terá", afirmou este parlamentar. Só perde o favoritismo se o governo fizer uma administração impopular.

Um dirigente matiza o poder de fogo de Mercadante em caso de desistência de Lula em disputar um novo mandato. "Há vários núcleos na nova equipe que não terão a ação coordenada por Mercadante. É o caso do ministro da Defesa, Jaques Wagner, do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, e de ministros não petistas como o das Cidades, Gilberto Kassab, e o da Educação, Cid Gomes. Ele estará longe de ser um primeiro-ministro", afirmou, também sob reserva.

Mercadante foi candidato a vice-presidente na chapa de Lula em 1994 e disputou o governo de São Paulo em 2006 e 2010 com apoio integral do ex-presidente. Distanciou-se da corrente majoritária do PT nos últimos anos. Em público, defende a candidatura de Lula em 2018, como frisou em entrevista para o jornal "Folha de S. Paulo" este domingo.

A pasta ocupada pelo ex-governador da Bahia, eleito duas vezes e que conseguiu fazer seu sucessor, é irrelevante do ponto de vista político e sua escolha para comandar a Defesa ainda intriga os dirigentes petistas. No governo Lula, Wagner foi ministro do Trabalho e das Relações Institucionais. 

O bom desempenho eleitoral do ministro da Defesa ainda faz Wagner ser citado como um nome a ser considerado em 2018. "Na hipótese de ter que se buscar alternativas, quem tem respaldo popular e larga na frente é Jaques Wagner, não Mercadante. Ele tem a força do voto e o destino do PT em São Paulo é um problema", disse outro deputado de uma corrente minoritária do PT, sempre ressalvando que Lula é o principal nome da sigla. Em São Paulo, o partido teve em 2014 o pior resultado eleitoral desde 1994.

Para um integrante da corrente Mensagem, São Paulo pode deixar de ser um problema caso o prefeito Fernando Haddad consiga se reeleger no próximo ano. Um resultado expressivo no principal colégio eleitoral em disputa no país em 2016 poderia colocar Haddad na rota da sucessão presidencial. O prefeito paulistano era o ministro da Educação até 2012, quando foi bancado por Lula para concorrer no ano seguinte à Prefeitura de São Paulo, alijando do processo a senadora Marta Suplicy. Haddad é próximo, entretanto, da tendência Mensagem ao Partido.

O governador mineiro Fernando Pimentel é pouco citado como um eventual nome do partido na hipótese de Lula não concorrer. "Ele tem uma tarefa a cumprir em Minas Gerais", disse o dirigente petista, em referência à necessidade de consolidar a hegemonia petista sobre o Estado de origem do presidente nacional do PSDB, o senador Aécio Neves, candidato presidencial derrotado no ano passado. Caberá a Pimentel acelerar a desconstrução de Aécio em seu próprio terreno e possivelmente enfrentá-lo nas urnas na eleição estadual em 2018.

Colega de Dilma na militância clandestina contra a ditadura nos anos 70, Pimentel foi prefeito de Belo Horizonte e ministro do Desenvolvimento, mas ficou com pouco espaço na equipe ministerial. 

Os dois representantes do PT mineiro na Esplanada são a ministra da Igualdade Racial, Nilma Gomes, que não tem densidade política; e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, um rival histórico de Pimentel no PT mineiro, reconciliado com o governador nas eleições municipais de 2012, quando Patrus disputou e perdeu a Prefeitura de Belo Horizonte.

"O erro de Pimentel na montagem do ministério foi ter feito indicações dentro da bancada com pouco currículo para as pastas", comentou um parlamentar petista. O governador tentou viabilizar o deputado Reginaldo Lopes no ministério da Educação.

O mineiro ainda é relacionado como hipótese para 2018 por parte da ala petista mais próxima ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Cumprindo pena em regime aberto, o ex-ministro tem promovido reuniões com petistas em sua residência em Brasília. Seus aliados falam em "reinvenção do PT". 

Segundo um parlamentar, a intenção de Dirceu seria a de estruturar uma espécie de terceira via dentro da sigla, autônoma tanto em relação a Dilma como ao ex-presidente.

Governo transfere gasto de 2014 e dificulta ajuste

• Levy herda conta de repasses ao setor elétrico

Leandra Peres – Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, toma posse hoje com uma herança inesperada: o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, que havia prometido repasses ao setor elétrico em dezembro, "pedalou" R$ 1,25 bilhão para janeiro e transferiu ao caixa que será gerenciado pelo novo ministro um problema que pode somar R$ 6 bilhões.

É que, além da manobra fiscal, o ministro Levy terá que arrumar recursos para cobrir o déficit de 2014 da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que financia a redução nas tarifas de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já trabalha com uma estimativa de um saldo negativo de R$ 4,5 bilhões. A maior parte dessa despesa são subsídios devidos pelo Tesouro Nacional relativos a despesas ocorridas ao longo de 2014, mas que ainda não foram contabilizados nas estatísticas do setor

Esse balanço se refere apenas a gastos do ano passado que não foram cobertos pelo Tesouro. Não inclui, portanto, as despesas de 2015, que serão novamente elevadas por causa da baixa quantidade de chuvas. Também estão fora os pagamentos da energia gerada pelas termelétricas em novembro e dezembro de 2014, um gasto estimado em R$ 3 bilhões que vence em janeiro e fevereiro e para o qual ainda não há solução.

O ministro Levy tem dito que não pretende usar recursos do Tesouro Nacional para socorrer o setor elétrico. Segundo declarações, o ajuste tem que ser feito por meio de repasses à tarifa de energia elétrica. Durante a transição da equipe econômica, Levy foi surpreendido pelo tamanho do problema acumulado nas contas do setor elétrico. A descrição feita ao Valor é de imenso "incômodo".

O balanço total das "pedaladas" de 2014 será muito superior ao que ocorreu no setor elétrico. Mas esse número só será conhecido nas próximas semanas, à medida que o sistema de controle de gastos do governo federal registre todas as operações.

O que chama a atenção na operação feita na CDE é que o ex-secretário Arno Augustin havia se comprometido publicamente a transferir os recursos em 2014. Na última entrevista coletiva que deu à imprensa, ele disse que o Tesouro pagaria R$ 1,5 bilhão ao setor elétrico em dezembro.

Tecnicamente, o pagamento foi feito no mês passado. Mas o Tesouro se aproveitou dos feriados bancários para que o desembolso dos recursos só ocorresse em janeiro. A ordem bancária para pagamento do fundo CDE foi dada no dia 31 de dezembro às 9 horas. Como não há expediente bancário no último dia útil do ano, o saque dos recursos só pode ser feito na sexta-feira. Com isso, o governo engordou o resultado de 2014, ao mesmo tempo em que aumentou a pressão sobre o caixa deste ano.

A manobra não é restrita ao setor elétrico. O site Contas Abertas, ONG que monitora gastos públicos, estimou em até R$ 3,1 bilhões os gastos de investimentos de 2014 que foram transferidos para 2015. A ordem bancária à CDE também foi localizada pela entidade a pedido do Valor.

O levantamento do Contas Abertas mostra que o pagamento de investimentos somente no último dia do ano totalizou R$ 2 bilhões. Nos dias 29 e 30 de dezembro, o Tesouro emitiu ordens bancárias para pagar investimentos no valor de R$ 1 bilhão.

Nas demais despesas do governo, o Contas Abertas mostra um aumento de R$ 3,2 bilhões nos restos a pagar processados. No jargão orçamentário, essas são despesas já reconhecidas pelo governo e que estão apenas aguardando o pagamento. Em 2014, esses gastos totalizaram R$ 33,6 bilhões. Na virada para 2015, somaram R$ 36,8 bilhões.

"Houve a 'pedalada'. Espero que tenha sido a saideira. O fato é que o ministro Levy não está recebendo a pasta limpa das mágicas fiscais", diz o secretário-geral da ONG, Gil Castello Branco.

A posse do ministro da Fazenda deve ser o principal evento político de hoje. Levy dará entrevista à imprensa e tomará posse no auditório do Banco Central, onde há espaço para um grande número de convidados. A expectativa é que o novo ministro anuncie sua equipe, além de receber apoio maciço do setor financeiro.

Mercado espera inflação acima do teto da meta em 2015

• Primeira pesquisa Focus deste ano revela aumento do pessimismo dos analistas em relação ao ritmo médio de alta dos preços

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na primeira divulgação do Relatório de Mercado Focus de 2015, a mediana das projeções do mercado financeiro para o IPCA deste ano subiu de 6,53% para 6,56%. O movimento revela ainda com mais força que a expectativa é de que o Banco Central entregue a inflação oficial do País acima do teto da meta de 6,50%. Há um mês, a taxa esperada pelos analistas para o indicador estava justamente no limite de 6,50%.

Para 2014, a mediana das estimativas para o índice oficial de inflação apresentou leve avanço, passando de 6,38% para 6,39%, segundo divulgação feita há pouco pelo BC. Há um mês, a taxa mediana para esse indicador já estava em 6,38%.

No caso das expectativas para a inflação suavizada 12 meses a frente, a taxa passou de 6,59% para 6,60% de uma semana para outra - há um mês, estava em 6,63%. No Top 5 de médio prazo, que é o grupo dos economistas que mais acertam as previsões, a mediana para o IPCA de 2014 ficou congelada em 6,35%. Um mês antes, estava em 6,29%. Para 2015, esse mesmo grupo também manteve a mediana das estimativas parada em 6,40% - quatro semanas atrás estava em 6,20%.

Para o curto prazo, a taxa para dezembro ficou inalterada em 0,75% pela quarta semana consecutiva. Já a de janeiro de 2015 foi modificada de 0,96% para 0,97%, em linha com a perspectiva do presidente do BC, Alexandre Tombini, de que os preços vão mostrar aceleração nos próximos meses. Um mês antes, essa taxa estava em 0,90%.

Selic. Analistas que participam do Relatório Focus acreditam que a taxa básica de juros ao ano, a Selic, subirá 0,50 ponto porcentual na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, marcada para os dias 20 e 21 deste mês.

Atualmente, a Selic está em 11,75% ao ano. Ao longo de 2015, a expectativa de economistas que participam do pesquisa Focus é a de que a taxa registrará aumento de 0,75 ponto porcentual este ano.

A mediana das previsões para os juros no período seguiu em 12,50% ao ano pela quarta semana consecutiva. Já a Selic média de 2015 permaneceu em 12,47% ao ano pela terceira vez seguida, valor bem próximo da taxa efetiva esperada para o fim deste ano. Quatro semanas atrás estava em 12,38% ao ano.

Nas estimativas do grupo dos analistas consultados que mais acertam as projeções, o chamado Top 5 da pesquisa Focus, a previsão para a Selic no fim de 2015 também está em 12,50% ao ano.

PIB. As projeções em relação ao crescimento do País seguem fracas. No ano passado, espera-se que o País tenha crescido 0,15% - o documento anterior apontava alta de 0,14%. Para este ano, prevê-se alguma recuperação, mas para um crescimento ainda modesto, de 0,50% em 2015.

Câmbio. Após a confirmação da continuação da ração diária por pelo menos mais três meses, a mediana das projeções para o dólar de 2015 ficou estacionada em R$ 2,80 de uma semana para outra - um mês antes estava em R$ 2,70. A mediana das expectativas para o dólar médio deste ano também ficou paralisada em R$ 2,71. No levantamento de um mês atrás estava em R$ 2,60.

Pelas projeções, só na metade do ano que vem é que o dólar deve dar uma trégua e mostrar recuo. A divisa americana tende a chegar em junho de 2016 em R$ 2,66, conforme a mediana da série histórica das expectativas de mercado.

Ricardo Noblat - A velha Dilma de sempre

- O Globo

"Nós não somos ladrões" Gilberto Carvalho, ex-secretário da Presidência da República, sobre os petistas

Ninguém em Brasília, por mais próximo que fosse de Dilma, acertaria um bolão que perguntasse assim: "No segundo governo, quanto tempo a presidenta levará para desautorizar publicamente um dos seus auxiliares?". O mais esperto dos apostadores talvez cravasse "uma semana". E logo seria apontado como desafeto de Dilma. Resposta certa: menos de um dia. A vítima: Nelson Barbosa, ministro do Planejamento.

NO MEIO DA tarde da última sexta-feira, uma vez empossado, Barbosa se viu no centro de uma roda de jornalistas carentes de informações sobre o ajuste fiscal que vem por aí. Quem circula com passe livre pelo Palácio do Planalto informa que o ajuste será mais duro do que o imaginado aqui fora. Crivado de perguntas, o ministro resolveu saciar a curiosidade dos jornalistas.

E DISSE QUE o governo irá propor ao Congresso uma nova regra para o reajuste do salário mínimo a partir de 2016. A regra atual, criada em 2008, cairá em desuso até dezembro. Barbosa teve o cuidado de garantir que "continuará a haver aumento real do salário mínimo", cláusula pétrea da Era PT. Segundo ele, "a política do reajuste do salário mínimo é correta, mas precisa ser reavaliada".

DILMA NÃO GOSTOU quando soube da entrevista. E no sábado de manhã, na Base Naval de Aratu, na Bahia, onde descansa, subiu nas tamancas ao ler o que os jornais publicaram a respeito. Um telefonema de Aloizio Mercadante, chefe da Casa Civil da Presidência da República, deu conta a Dilma da reação negativa das centrais sindicais à entrevista de Barbosa.

SE NÃO FOSSE a pessoa autoritária que é, acostumada a infundir medo e a humilhar subordinados, de uma simples secretária ao general que um dia saiu chorando do Palácio do Planalto depois de tratado aos gritos, Dilma poderia ter telefonado para Barbosa e tirado tudo por menos. O ministro nada disse que não tivesse sido antes negociado com ela. E aprovado por ela.

UMA DILMA TOLERANTE, disposta a criar um ambiente favorável ao trabalho em equipe, a ouvir antes de falar, e a compartilhar o poder, na verdade seria outra Dilma, e não essa que temos. Dividir o poder não se resume ao loteamento de cargos do governo entre partidos que o apoiam, mais ainda sabendo que tal prática favorece a corrupção acima de tudo. Como demonstrado.

MAS QUEM DISSE que Dilma admite abrir mão de nacos do poder? Somente ela mesma... Barbosa distribuiu uma nota oficial na tarde do sábado dando o dito pelo não dito: "A proposta de valorização do salário mínimo a partir de 2016 seguirá a regra atualmente vigente". Ou seja: um ponto importante da nova política econômica foi revogado mal o governo começou. E começou mal.

PARA PROVAR QUE manda, Dilma desmoralizou seu ministro. Não satisfeita em fazê-lo, deixou que assessores vazassem para a imprensa sua indignação com "declarações consideradas inoportunas". Ligado ao PT há muitos anos, Barbosa desmoralizou-se. Aceitou a reprimenda sem chiar . Baixou a cabeça. Aferrou-se ao emprego com gosto. E sem um pingo de vergonha.

NO FIM DO GOVERNO passado, Guido Mantega, da Fazenda, foi um ministro demissionário no exercício do cargo. Dilma antecipou que o mandaria embora caso se reelegesse. Barbosa poderá atravessar no cargo os próximos quatro anos. Nem por isso recuperará a autoridade perdida em menos de 24 horas. A sorte do novo governo depende cada vez mais de Joaquim Levy, sucessor de Mantega. Saiba Dilma que ele não é de levar desaforo para casa

José Roberto de Toledo - Novo velho deputado

- O Estado de S. Paulo

O velho deputado está terminando seu sétimo mandato consecutivo. Velho nem tanto pela idade, mas pela experiência. Foram 28 anos seguidos no plenário da Câmara, votando desde os capítulos da Constituição de 1988 até as dezenas de emendas que a reformaram. Sempre foi coerente com seus princípios. Se esses princípios coincidem com a vontade do dono do poder não é culpa dele.

De Lula a Dilma, de Sarney a FHC, o velho deputado sempre foi governista. Hábito. Pouco importa se seu partido faz oposição ao presidente da ocasião ou se ele próprio fez campanha para o adversário. O líder do governo - de qualquer governo - sabe que pode contar com seu voto em 80% das vezes ou mais. O líder de seu partido sonha em ter a mesma confiança, mas não reclama.

Melhor um deputado governista na própria bancada do que na dos rivais. Ele conta tempo de TV para o partido e aumenta a cota de recursos do Fundo Partidário para a agremiação. Deixa como está.

E o velho deputado, nunca pensou em trocar de legenda? De jeito nenhum. Ele se considera um quadro histórico. Trocaram as denominações de seu partido, trocaram a sigla, trocaram a posição em relação ao governo, mas ele não trocou nada. Está onde sempre esteve. É um liberal conservador, um governista de oposição, um ruralista pró-hospitais filantrópicos, um amigo do Tibete que defende o "direito da legítima defesa", um apoiador da microempresa em favor da "cadeia do aço e ferro gusa".

Sua base eleitoral sabe que pode contar com o velho deputado, principalmente com suas emendas ao Orçamento da União. São milhões e milhões a cada ano para as pequenas e médias cidades que costumam elegê-lo, cada vez com mais votos. Por obra do destino, às vezes coincidem a liberação, pelo governo, dos recursos dessas emendas com votações na Câmara. Mas, de novo, o que pode o velho deputado fazer se o governo concorda com ele?

Mais recentemente, outra coincidência tem lhe trazido dissabores. Só porque umas empresas que levam o seu nome recebem dinheiro do governo federal, acusam-no de franciscano. De fazer a política do toma lá dá cá, do "é dando que se recebe". Ora, que culpa tem ele se o governo precisa de suas faculdades? Não as intelectuais, diga-se, mas de suas salas de aula.

Começaram alugando-as para fazer o Enem (Exame Nacional o Ensino Médio), depois, para colocar alunos que têm suas mensalidades bancadas pelo Fies (Financiamento Estudantil). De R$ 1,5 mil em 2011, o dinheiro recebido da União pelas empresas homônimas ao velho deputado subiu para R$ 3,5 milhões em 2012, foi a R$ 12 milhões em 2013 e chegou a R$ 25 milhões em 2014. Tudo legal.

É muita implicância. Até da locadora de onde aluga os carros que usa quando está em Brasília desconfiam - só porque a fatura é paga pela verba de gabinete que recebe da Câmara. Basta. Chega. Não dá mais para o velho deputado. Ele vai voltar para sua terra natal, onde lhe dão valor por suas empresas, fazendas e hospital filantrópico que administra, com pequena ajuda federal.

Está na hora de deixar as novas gerações assumirem essa luta ingrata. É exatamente isso que seu filho deve fazer, assim que tomar posse de sua cadeira na Câmara dos Deputados. O velho deputado vai ser substituído pelo novo deputado. Ele foi eleito pela antiga base eleitoral do pai - praticamente uma herança. Pelo fabricante de armas e cartuchos que financiou sua campanha, deve integrar a mesma frente pelo "direito da livre defesa".

Assim se renova a política no Brasil. Sai o pai e entra o filho. Mudam caras e prenomes, seguem os sobrenomes. Trocam as siglas e os partidos, permanecem as práticas, usos e costumes - principalmente com o dinheiro público. E o velho deputado? Vira foto na parede, nome em letreiro? Isso também - além de garantir uma suplência no Senado, que ninguém é de aço ou ferro gusa.

Valdo Cruz - A dona da bola

- Folha de S. Paulo

No dia da posse, compromisso com ajustes na economia, bem ao gosto de sua nova equipe. Dois dias depois, um passo atrás e uma sinalização de que a velha Dilma vai estar presente no novo mandato. Para o bem e para o mal.

Dilma ficou irritada ao ler que seu novo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, havia dito que o governo iria enviar ao Congresso nova regra de valorização do salário mínimo para valer de 2016 a 2019.

Tanto, que determinou que ele soltasse nota no sábado dizendo que será mantida a regra atual, que corrige o mínimo pela inflação, mais um ganho real equivalente ao crescimento do PIB de dois anos antes.

Fez seu ministro recuar por temer comprar mais briga com as centrais sindicais. Elas, que já não gostaram da decisão de endurecer a concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários, poderiam ler na fala de Barbosa uma intenção de reduzir futuros aumentos do mínimo.

Enfim, para quem anda fazendo muita coisa ao contrário do que prometeu na campanha, seria um pouco demais. Daí sua decisão de interromper o debate interno e mandar dizer que tudo fica como está.

Atropelou sua equipe econômica, que discutia novas fórmulas para, mantendo aumentos reais ao salário mínimo, diminuir seu peso nas contas públicas no médio e longo prazos e na vida das empresas, dando mais competitividade ao país.

No curto prazo, a decisão da petista, é bom dizer, nem é muito boa para os trabalhadores. A economia cresceu quase zero em 2014 e vai seguir ritmo bem fraco neste ano. Ou seja, os ganhos reais do mínimo em 2016 e 2017 serão muito baixos.

Numa visão imediatista, manter tudo como está é até, então, bom para os cofres públicos. Só que o país perde a chance de debater uma regra para correção do mínimo que seja mais viável para seu futuro. Mas a dona da bola resolveu que não se fala mais nisto --faz parte do jogo presidencial, mas tem lá seu custo.

Renato Janine Ribeiro Dilma começa a delegar poderes?

• Três núcleos de ministros quase independentes

- Valor Econômico

Durante quatro anos, Dilma Rousseff recebeu críticas a seu estilo de governar, centralizador demais, a ponto de inibir iniciativas de seus ministros. Comentou-se, e eu mesmo o fiz, que lhe faltava delegar e dialogar. Pois isso pode estar mudando. Ao nomear Joaquim Levy para dirigir a economia, está claro que ela lhe delega poderes que seu antecessor Guido Mantega jamais teve; aliás, há um ponto a mais no caso de Levy: ele é tão necessário ao governo Dilma 2.0 quanto Henrique Meirelles foi ao governo Lula 1.0.

Doze anos atrás, o banqueiro Meirelles foi o fiador do governo Lula junto ao mercado. Com os anos, deixou de ser indispensável (embora tenha continuado no cargo), porque o patronato adquiriu confiança em Lula. Hoje, Levy é o fiador do segundo governo Dilma junto ao mercado. Ao menos nos próximos anos, se ele demitir-se ou for demitido, serão sérios os riscos para a governabilidade econômica. Isso lhe dá um mandato forte.

Há nesse novo ministério - que não entusiasmou quase ninguém - três "clusters", ou núcleos, de titulares com grande autonomia. Ou seja, colaboradores que não podem ser demitidos facilmente. Isto é, ministros a quem atribuições e decisões serão delegadas. Se a autonomia lhes for podada, o custo para a eficiência do governo e o prestígio presidencial será alto.

O primeiro núcleo é o da economia. Levy é o mais visível, mas com Nelson Barbosa e Alexandre Tombini temos aqui três ministros - podendo chegar a cinco, se incluirmos os titulares da Agricultura, Katia Abreu, e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Armando Monteiro. No andar atual do mundo, a economia é determinante numa escala que nem mesmo Marx imaginou: é difícil outras políticas se definirem sem a garantia de crescer o PIB.

A economia é o setor que mais deve mudar em face do primeiro mandato. Para o PT continuar as políticas sociais, que são sua própria razão de ser (e de sua popularidade), a economia precisa melhorar. A presidenta parece ceder parte razoável da decisão econômica, para assegurar as políticas sociais. Na famosa expressão, cede os anéis para salvar os dedos. Aceitar isso não deve ter sido fácil para uma governante certa de si como Dilma. Tanto que já houve um primeiro stress entre ela e Nelson Barbosa, sobre o salário mínimo. O que eu receio é que não tenha ficado meridianamente claro, e combinado, entre Dilma e os ministros econômicos, quais serão os limites da economia e da política.

O segundo núcleo é o dos ministros que trazem ao governo o apoio de seus partidos, sendo eles os próprios dirigentes principais, de direito ou de fato, de suas agremiações. Entre eles estão os controversos Gilberto Kassab, pelo PSD, e Aldo Rebelo, do PCdoB. Haverá outros. Os dois têm forte experiência administrativa e política. Dilma quer evitar riscos no Congresso, seja o do "impeachment", se a batata da Petrobras esquentar, seja o da rejeição de projetos presidenciais. Blinda-se o Executivo contra uma eventual rebelião do Legislativo.

Um terceiro grupo, mais difuso, que por isso mesmo não sei se cabe chamar de núcleo, é o de alguns ministros testados e aprovados. Não têm o peso dos primeiros junto ao mercado, nem o dos segundos junto ao Congresso. Mas sabe-se o que eles querem. Destaco dois nomes, que saíram da Esplanada no fim do governo Lula e voltam, com forte apoio em suas áreas. Só tem cabimento regressarem se estiverem munidos de carta quase branca. São Patrus Ananias, que dirigiu o combate à fome e agora assume outra pasta dita social, e Juca Ferreira, que retoma o ministério da Cultura.

Realcei os membros do núcleo econômico, que só funcionará se estiverem bem ligados, muito solidários entre si, e que não dependem do PT, ao contrário: nesta altura, parece que é o PT que depende deles; os do "cluster" partidário, que reúne dirigentes bem diferentes entre si - todos eles, também, de fora do PT - mas que têm em comum o fato de que Dilma terá de fazer mais concessões ao mundo político do que esteve propensa a fazer; e finalmente uma simples lista de ministros dos quais se sabe o que farão, e que certamente incluem outros que continuam em suas pastas, reforçados pelo simples fato da recondução.

Mas temos pelo menos uns dez ministros que não dependerão de autorização presidencial, para saber se adotam ou não uma medida. (Dilma pode intervir, cortando essa autonomia, mas o preço será caro).

Estará mesmo mudando o modo de governar? Maquiavel dizia, no "Príncipe", que ou somos de um jeito ou de outro. Não conseguimos mudar. Mas ele reduzia os modos de ser a apenas dois - o dos impetuosos e o dos cautelosos. Tudo o mais era mutável.

Aqui, penso no estilo de governar do primeiro mandato - o da pessoa centralizadora, desconfiada, preocupada em articular as diversas ações ministeriais, empenhada em gerar sinergias - mas que não conseguiu tanto êxito quanto pretendia. O fato é que Dilma não tem alternativa, e é positivo que tenha reconhecido este fato. Avessa aos políticos, talvez por não gostar de sua busca desenfreada pela própria vantagem, reticente em relação aos empresários, talvez por descrer que tenham uma visão do Brasil, ela parece que teve de ceder ao mundo real - que não é o melhor dos possíveis, mas é o único disponível.

Não vai ser fácil conciliar ministros assim diferentes, nem lhe será fácil reduzir seu protagonismo em várias áreas do governo, sobretudo a econômica. Mas esse novo ministério, que não é do sonho de ninguém e duvido que seja dos sonhos de Dilma, sinaliza uma certa possibilidade de desbloqueio de algumas travas políticas, econômicas e sociais a que chegamos.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

Marcus Pestana - Que seja bem-vindo o governador Pimentel

Ano Novo, vida nova. Em Minas, iniciamos nova etapa que marca o fim de um ciclo governamental inovador e rico, inaugurado em 2003 com a vitória de Aécio Neves e liderado pelo PSDB, e o início do período sob a liderança do PT após a vitória de Fernando Pimentel. A política mineira é conhecida e admirada como sendo diferenciada, cheia de sutilezas e possuidora de estilo refinado. Não foi à toa que Tancredo Neves disse: “Em Minas quem briga são as ideias, não as pessoas”. Torço para que Fernando Pimentel – de quem me aproximei em 2008, na campanha de Marcio Lacerda – faça um bom governo. Tenho proximidade pessoal com muitos integrantes do seu governo. Em vários momentos, minha vida pessoal ou pública cruzou com as de Helvécio, Fausto, José Afonso, Bernardo, Angelo Oswaldo, Crocco, entre outros. A todos, o sincero desejo de que façam um bom trabalho.

Os últimos 12 anos ficarão para a história como virtuoso período da administração pública mineira. O Brasil inteiro aprendeu a ter Minas como referência, e o reconhecimento de organismos internacionais (Banco Mundial, Unesco, OMS, Opas, FMI) foi pleno. É por isso que inúmeras visitas de novos governos de outros Estados têm ocorrido e nossos quadros técnicos recebem convites de todo o Brasil para integrarem as novas equipes. Para ficar em único exemplo, nos visitou o governador Flávio Dino (PCdoB-MA), que ficou impressionado com o êxito da PPP pioneiramente introduzida no setor penitenciário e a metodologia de planejamento baseada em metas e resultados.

Esse reconhecimento nacional e internacional não caiu com a chuva ou veio com o vento, é fruto de trabalho, imaginação, competência, seriedade, equipe e da liderança forte de Aécio Neves.

Marcas como Saúde em Casa, ProHosp, Rede de Urgência e Emergência, Farmácia de Minas, Viva Vida, ProAcesso, MinasComunica, Circuito Cultural da Praça da Liberdade, Expominas, Linha Verde, Aeroporto Regional da Zona da Mata, Hospital de Uberlândia e recuperação das estâncias hidrominerais, entre tantas conquistas, somadas aos recordes nas áreas de saneamento e energia, e à marca-síntese – levar as crianças mineiras ao primeiro lugar nacional na avaliação do próprio Ministério da Educação sobre a qualidade do ensino fundamental –, serão definitivamente incorporadas ao patrimônio da história da administração pública mineira como eficazes instrumentos na melhoria da qualidade de vida da população.

Infelizmente, não se pode dizer o mesmo da ação do governo federal do PT em Minas. Faltaram marcas, sobraram passivos. Sonhos inconclusos como o metrô de BH, a modernização do Anel Rodoviário e o Rodoanel, a duplicação da BR–381, a planta de acrílico de Ibirité, a segunda unidade da Fiat em Betim, o novo Marco da Produção Mineral com a correção dos royalties do minério são lembranças negativas que ficarão dos últimos 12 anos.

Voltarei ao assunto. Por enquanto, fica o desejo de boa sorte a Fernando Pimentel e sua equipe.

Marcus Pestana, deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais

Gustavo Loyola - BC emitiu sinais contraditórios

• Seria útil que o BC tivesse uma 'meta intermediária' para a inflação em 2015 com trajetória declinante

- Valor Econômico

Um velho ditado militar diz: ordem, contraordem, desordem. De fato, há registros históricos de inúmeras batalhas perdidas por causa da confusão gerada por instruções contraditórias dadas pelos generais às suas tropas. No campo da política monetária, o Banco Central brasileiro parece ter repetido o equívoco dos generais derrotados, ao produzir uma comunicação que mais confundiu do que orientou a ação dos agentes econômicos.

O discurso adotado pelo BC após a mais recente decisão do Copom - que acelerou a alta da taxa de juros básica para 50 pontos-base - ilustra claramente a confusão que uma comunicação do tipo "ordem, contraordem" acarreta entre aqueles que aguardam uma sinalização assertiva da autoridade monetária. O aumento do ritmo de elevação dos juros indicaria um propósito de endurecimento da política monetária, não tivesse o BC qualificado simultaneamente que qualquer esforço adicional tenderia a ser feito com "parcimônia", tendo em vista os efeitos cumulativos e defasados da política monetária. Com isso, os agentes econômicos ficaram no escuro sobre os passos futuros do BC.

Na realidade, ao combinar elevação do ritmo de alta dos juros com a sinalização de "parcimônia" futura, o BC acabou anulando qualquer efeito positivo de sua política sobre as expectativas de inflação, caracterizando um caso típico de desperdício de munição que apenas gerou custos adicionais para o Tesouro Nacional, cuja dívida tem um custo fortemente atrelado à taxa de juros de curto prazo.

Como exemplo da insensibilidade das expectativas, pode-se mencionar a manifestação do presidente do BC, em audiência pública no Senado, realizada em 15 de dezembro passado, asseverando que a hipótese de trabalho da instituição é a convergência da inflação para a meta em 2016, após um período curto de aceleração no início do ano que vem. Contudo, naquela data, as expectativas dos agentes econômicos captadas pela pesquisa Focus eram muito menos otimistas, a mediana da inflação esperada para 2016 se mantendo no patamar de 5,7%, sem ter esboçado qualquer reação à aceleração do ritmo de alta da taxa Selic pelo BC decidida pelo Copom no início de dezembro.

O problema da comunicação ficou mais evidente ainda quando o BC tornou público o Relatório de Inflação relativo ao quarto trimestre de 2014, trazendo uma linguagem muito mais dura do que a empregada, apenas duas semanas antes, na ata da última reunião do Copom. A sinalização de "parcimônia" foi substituída pela assertiva de que o Copom "irá fazer o que for necessário para que no próximo ano a inflação entre em longo período de declínio, que a levará à meta de 4,5% em 2016". De novo, "ordem, contraordem".

É fato que a mudança do discurso do BC poderia ser justificada pela alteração da situação conjuntural em razão de algum fato não previsto, já que, obviamente, não se espera do BC o dom da presciência. Porém, entre a reunião do Copom e a divulgação do RI, apenas o mercado cambial sofreu uma mudança relevante, com depreciação adicional do real e aumento da volatilidade. Essa trajetória, contudo, não pode ser considerada como uma surpresa, tendo em vista a presença visível de fundamentos macroeconômicos e políticos óbvios para a valorização da moeda americana.

Não custa lembrar que a eficácia da política monetária, notadamente no regime de metas de inflação, depende muito da qualidade da comunicação do Banco Central. A razão disso é o papel fundamental que as expectativas dos agentes econômicos sobre a trajetória futura das taxas de juros desempenham na transmissão dos efeitos da política monetária para a economia real. Quando os objetivos do BC permanecem opacos, a inferência sobre o comportamento futuro dos juros torna-se um exercício lotérico e se perde o desejável alinhamento entre as expectativas de mercado e os propósitos da autoridade monetária.

Além das dificuldades trazidas por um discurso pouco claro, outro aspecto negativo da comunicação recente do BC encontra-se no excessivo peso atribuído às intenções relativas à política fiscal futura no processo de convergência da inflação para a meta. Como o BC, a maioria dos analistas, entre os quais me incluo, espera uma melhora sensível na política fiscal em 2015, em razão da benfazeja substituição da equipe do ministro Mantega. Porém, a meu ver, não deveria o BC se antecipar à mudança da política fiscal, atribuindo a esta, tácita ou explicitamente, o papel de trazer as expectativas de inflação para o centro da meta, não sendo razoável que o BC "delegue" ao Tesouro uma atribuição que é intrinsecamente sua.

De todo modo, apesar dos problemas de comunicação recentes, o BC pode começar a afetar positivamente as expectativas inflacionárias nos próximos meses, desde que alinhe sua ação e seu discurso claramente à convergência da inflação para a meta em 2016. Nesse sentido, seria útil que o BC tivesse uma "meta intermediária" explícita para a inflação em 2015 que mostrasse trajetória declinante em relação ao ano anterior.

Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central

"Perspectivas de crescimento, e muito baixo, só em 2017"

• Entrevista: Affonso Celso Pastore

Doutor e livre docente pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), o economista Affonso Celso Pastore, que já presidiu o Banco Central de1983 a 1985, não duvida do acerto da escolha de Joaquim Levy para fazer a correção de rumo da política econômica do governo Dilma Roussef. Ele diz que no plano de voo do ajuste fiscal haverá turbulências, mas achaque a presidenta Dilma manterá o curso — a inflação vai bater 7% e só converge para a meta de 4,5% em 2017; o crescimento do país este ano será ainda menor que o de 2014; e a taxa de investimento não sobe mais que os atuais 17% do PIB. "Ou a presidente Dilma morde a bala, aguenta o Levy e passa um ano ou dois de ajuste para colocar o Brasil em rota de retomada com estabilidade de preços, no terceiro e no quarto ano, ou ela desiste. No meu plano de voo, ela não tem saída, a não ser morder a bala e apoiar o Levy. Eu espero que seja feito isso".

Eliane Velloso Octávio Costa – Brasil Econômico

Como o sr. vê a atual política de combate à inflação? O governo abandonou a prioridade de levar a inflação para o centro da meta este ano?

Você não consegue trazer a inflação para o centro da meta num curto período de tempo. Ela subiu, desancorou expectativas, está rodando em torno do topo da meta. Existe uma quantidade enorme de preços administrados que ficaram defasados em função da tentativa de controlar a inflação segurando preços administrados. Isso que o governo fez. Nós estamos enfrentando, devido ao déficit muito alto na conta corrente, um período de depreciação cambial que já vem há algum tempo. E, obviamente, a depreciação cambial eleva a inflação. Quer dizer, da soma dessas forças, embora a inflação feche o ano de 2014 talvez um pouco abaixo do topo da meta, lá pelos 6,3%, 6,4%, a tendência é começar o ano de 2015 com ela encostando o topo da meta. Pode bater acima de 7% por algum tempo antes de começar a cair. E quando começar a cair, vai cair muito lentamente. Quer dizer, ela não vai convergir para a meta em 2015. Ela começa a reduzir, numa tendência a convergir para o cento da meta em 2016. Mas é claro que projeções por um período muito extenso na frente tem sempre uma margem de erro. Eu diria que o mais provável é que ela vá convergir para a meta lá para 2017.

Por que a inflação voltou a subir?

Houve dois desajustes nesses últimos anos que são responsáveis por essa teimosia da inflação crescente. Primeiro foi uma política fiscal extremamente expansionista; segundo, foi uma política monetária excessivamente acomodativa. Tem dois erros aí. Tem um erro de política fiscal, e tem um erro de política monetária. Em 2011, esse governo fez um superávit primário bem alto, mas por um curtíssimo período de tempo. Logo em 2012 mudou de ideia e reservou à política fiscal uma outra tarefa, que era a de expandir a demanda. Foram as chamadas políticas contracíclicas.

Que tinham dado certo em 2008 e 2009...

Quando a economia precisava de políticas contracíclicas e o Brasil estava absolutamente preparado para enfrentar a crise financeira internacional, que nos Estados Unidos foi uma crise bancária de grandes proporções. Aqui não houve isso. O saneamento do sistema bancário já tinha se completado, o país tinha entrado na austeridade fiscal, tinha cumprido as metas de superávit primário, vinha reduzindo a relação dívida/PIB, houve uma completa desdolarização da dívida pública e a inflação estava convergindo para a meta. Então, naquele momento, o Brasil estava preparado para seguir políticas contracíclicas. E seguiu. E teve um enorme sucesso. A crise foi muito mais aguda nos Estados Unidos e na Europa e demorou em média seis trimestres. No Brasil foi curta, cerca de dois trimestres. E foi localizada na indústria, não pegou muito o setor de serviços, que é o grande empregador no país. Quando chegou em 2010, o Brasil já tinha saído completamente da crise e o PIB cresceu 7,5%. Mas, em 2012, sem necessidade de fazer política contracíclica, nós entramos numa política fiscal expansionista.

Mas naquele momento a economia não estava começando a desaquecer, o que levou o governo a tomar medidas como a redução do IPI de automóveis?

Houve ali houve um erro de interpretação muito grande. Esse governo nunca percebeu que o Brasil é um país de escassez de mão de obra. Com o desemprego lá em baixo, você tinha que ter políticas econômicas que produzissem aumento de produtividade de mão de obra, investimentos de infraestrutura, permitir baixar custo para o setor privado. Seguir políticas fiscal e monetária que permitissem previsibilidade, tirassem risco, para junto com investimento em infraestrutura e etc. permitir a retomada do investimento. Mas o que acontecia é que a economia murchava, porque a produtividade não estava crescendo, e era ela que tinha crescer. Ou seja, desacelerou o crescimento do PIB potencial e o governo tentou combater isso expandindo demanda. Quando veio a crise na Europa e o BCE teve que fazer os LTROs (Long-Term Refinancing Operations) para evitar a crise bancária, o Banco Central teve que dar um cavalo de pau e começou a baixar a taxa, com a inflação acima do topo da meta. Então, a taxa de juros foi transformada em objetivo, e não em instrumento de política econômica. Aí você teve a conjugação de expansão fiscal com superávit primário lá embaixo, a dívida bruta começou a crescer e não parou mais.

Era o início da nova matriz econômica?

Isso mesmo. Em função dos QEs (Quantitative Easing, os programas de liquidez dos EUA), o dólar estava se depreciando com relação a todas as moedas, inclusive o real, que estava claramente sobrevalorizado. A nova matriz dizia o seguinte: temos que depreciar o câmbio e manter o juro baixo. Bom, se deprecia o câmbio e mantém o juro baixo, a inflação sobe. Quando a inflação sobe, tem que parar de depreciar o câmbio. Aí o BC muda demão. Quando chega 2013, ele está intervindo para evitar que o real deprecie. A política fiscal continuou expansionista. O BC ainda manteve a taxa de juro baixa até recentemente, quando começou o ciclo de subida. A combinação desse negócio todo fez a inflação sair do controle, com apolítica fiscal expansionista e a monetária acomodativa. A correção disso é que está sendo discutida.

O sr. acredita que haverá de fato uma correção de rumo?

Eu tenho um enorme respeito pelo Joaquim Levy. Ele é um economista com uma formação acadêmica excelente e tem duas experiências de muito sucesso no Brasil, como secretário do Tesouro no primeiro governo Lula e como secretário estadual de Fazenda do Rio de Janeiro, quando fez um trabalho excelente, além de outras atividades no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Central Europeu (BCE). Ele sabe muito bem o que fazer. Ele tem noção de como ajustar apolítica fiscal. Então, na medida em que ele aceitou, certamente olhou para o tamanho da tarefa, e como ele é um homem muito responsável, não deve ter chegado para a presidente e imposto condições. Ele deve ter tido uma conversa adulta sobre o tipo de ajuste que tem ser feito no Brasil. E se ele aceitou, eu não tenho dúvida de que ele ouviu dela encorajamento no sentido de que essa é a linha que deve ser seguida.

Qual sua expectativa para o ajuste?

O superávit primário de 1,2% para este ano é insuficiente para reduzir a relação dívida bruta/PIB. O Levy coloca a redução da dívida bruta como sendo um objetivo e diz que nos anos seguintes vai aumentar o superávit primário. Vai fazer 1,2% neste primeiro ano e no mínimo 2% no segundo. É um ajuste fiscal forte, como nunca tivemos. O Brasil teve dois ajustes grandes. Primeiro em 1998, quando saímos do regime de câmbio fixo e fomos para o regime de metas de inflação; e o segundo foi em 2003, na transição de FHC para o Lula. Essa subida para 1,2% é maior que as duas primeiras e temos que ter muito cuidado. Se a gente vai começar a aumentar imposto, vai desacelerar mais a atividade, penalizar o investimento, impedir a retomada da formação bruta de capital fixo. Acho que vai ter aumento de imposto, mas ele quer fazer o ajuste basicamente controlando gastos, o que também desacelera a atividade. O meu ponto é: fechamos 2014 com um crescimento medíocre, próximo de zero, talvez um pouco maior ou um pouco menor. Se você abrir a pesquisa Focus, vai ver que o consenso de mercado está baixando para este ano, mas ainda é de um crescimento maior que o de 2014. No meu ponto de vista, a Focus está errada. O crescimento deste ano vai ser ainda menor.

Ainda menor?

Exatamente. Primeiro, a política fiscal é mais contracionista; segundo, você não tem força para aumento de consumo. Eu quero ver a taxa de investimento. Mas nós não podemos esquecer que tem aqui um negócio que se chama crise na Petrobras, que é muito grande na formação bruta de capital fixo. Tem uma ligação grande dentro do setor de petróleo e também um peso enorme no investimento público das estatais, do ponto de vista da dimensão econômica. E sem balanço auditado, a Petrobras não tem condições de levantar capital.

Ela vai ter que rever o seu plano de investimentos?

Tem que rever e tem que cortar. E, além da Petrobras, todas as maiores construtoras do país estão no mesmo barco. Então isso introduz um deslocamento para baixo no investimento, coma incerteza que isso gera e o desdobramento que isso tem no plano econômico. Com uma economia já crescendo pouco e com uma desaceleração vinda do lado fiscal, não é possível você ter uma retomada dos investimentos. Quando você olha do lado da demanda, não tem consumo, não tem investimentos, e a política fiscal fica pior. Eu não quero dizer quanto cai o PIB esse ano, ainda é cedo para dizer isso, mas o crescimento é pior que o crescimento do ano passado.

E a taxa de investimento do país? Dificilmente passará dos atuais 17%?

Essa forma que você está colocando é cautelosa e eu gosto. Não será maior do que 17%. Eu ficarei muito surpreso se a taxa de investimento der maior do que a de 2014. É daqui para baixo, não daqui para cima. Acho que um grande resultado este ano é um investimento igual ao de 2014. Você tem um ano de crescimento muito ruim e já está vendo a taxa de desemprego tendo um começo de subida. Quando você corrige o desemprego pela taxa de participação, ele já está subindo há algum tempo. Você tem uma inflação que vai subir no início deste ano. Há uma depreciação cambial, que tem um lado positivo, com a melhoria da competitividade das exportações, que está indo muito mal, por sinal, além da melhoria da indústria, mas isso toma tempo, não vem instantaneamente. Se repassar para cima, o BC, ainda que vá com muita cautela para não adicionar uma força de desaceleração muito maior, tem que continuar subindo os juros.

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central foi reticente e falou em parcimônia daqui para frente. O que o sr. achou dessa comunicação?

Há algum tempo eu não acredito mais na ata do Copom e acho que não estou sozinho nisso. Existe lá dentro do Banco Central um temor muito grande de assumir seu mandato, que é ode combater a inflação. Então, ele sempre dá uma no cravo e outra na ferradura. E sempre é traído pelos fatos. Essa inflação vai para cima dos 6,5%, vai bater os 7% no começo deste ano. O câmbio hoje, de tudo que melhorou, ficou em R$ 2,67 no fim do ano. Não tinha economista que responde à Focus que desse esse número para o fim de 2014. Agora, todos estão tomando consciência de que há um crescimento muito baixo do comércio mundial e que há uma queda no preço das commodities. Como estamos com um déficit na conta corrente muito grande, vamos ter um câmbio que vai ficar assim, ou um pouco mais depreciado do que está. Isso significa uma pressão inflacionária maior e, quando o BC falou em parcimônia, estava falando de R$ 2,50, de modo que eles também estão sendo atropelados pelos fatos.

No cenário de economia quase estagnada, juros altas e câmbio valorizado, não vai haver muita pressão sobre o ministro Joaquim Levy?

Aí tem duas alternativas. Ou a presidente Dilma morde a bala, aguenta o Levy e passa um ano ou dois de ajuste — para colocar o Brasil no terceiro e no quarto ano em uma rota de retomada, com estabilidade de preços —, ou ela desiste. No meu plano de voo, ela não tem saída a não ser morder a bala e apoiar o Levy. Eu espero que seja feito isso. Mas tem que ter apoio político. Talvez o PT dê esse apoio político a ela. Porque o PT tem interesse de que, apesar de ter um custo de dois anos, a economia cresça nos dois anos finais do governo e o partido tenha chance de derrotar o Aécio, quando o Lula o enfrentar em 2018. Eu acho que provavelmente ela vai ser instada, politicamente, a manter o curso do ajuste. E deve ter sido o entendimento que o Levy teve quando aceitou ser ministro da Fazenda. Então vocês podem usar isso como plano de voo. Mas é um plano de voo sujeito a muitas turbulências, de natureza política ou mesmo ideológica.

A nova equipe econômica tem a presença do Nelson Barbosa como ministro do Planejamento, que foi quem criou as desonerações. Há uma contradição?

Só que o instrumento está nas mãos do Levy. Ele (Barbosa) pode ter a filosofia, mas não tem o instrumento na mão. Quando o Malan queria continuar com o Plano Real, o Serra não queria, mas acabou prevalecendo o Malan, que tinha os instrumentos na mão, além do apoio do presidente Fernando Henrique Cardoso. Com os instrumentos na mão e o apoio do presidente, ainda que tenha oposição teórica de outros ministros, o ministro da Fazenda faz prevalecer sua política. O mais provável é que o Nelson Barbosa coopere nesse tipo de política. Mas a decisão, em última instância, é da Dilma, de manter o curso ou não. O grau de desajuste que aconteceu é de tal ordem que você sabe que vai ter um custo grande e isso indica que, racionalmente, você deve manter o ajuste. No passado ela já se desviou daquilo que eles chamam de ortodoxia e optou pela heterodoxia, por crença ideológica. Se tiver uma recaída da crença ideológica, aí nós temos um problema na frente. Nenhum de nós tem condição de dizer se isso vai acontecer. A gente espera que não. Mas, também, não tem certeza de que não recaia.

A Universidade de Campinas já está batendo. Como a presidenta é oriunda de lá, não é uma forte influência?

Esse risco existe, não podemos minimizá-lo. E ainda que não se materialize, a simples existência desse risco faz com que os empresários que cogitassem fazer algum investimento agora queiram uma definição maior sobre a manutenção ou não da política econômica. Enquanto persistir a incerteza, persiste o conservadorismo dos empresários.

O que acaba afetando a taxa de investimento também, não?

Ela acaba reforçando a tendência de a taxa de investimento ficar mais baixa.

Mas tirando essa freada de arrumação necessária este ano, o senhor vê um cenário mais desanuviado para frente?

Eu acho que 2015 é um ano muito duro, pior do que 2014. O ano de 2016 ainda será muito duro, mas, talvez, menos do que 2015. Em 2017 é que vamos começar ater perspectivas de crescimento, embora muito baixo. O crescimento potencial do Brasil, hoje, está perto de 1,5%. Talvez, em 2017, possamos chegar a 2,5%, mas essa é a velocidade da recuperação. Ela não é uma coisa retumbante. Será um crescimento baixo.

No seu livro "Inflação e crises — o papel da moeda" o sr. fala do desgaste da reputação do Banco Central neste governo.A manutenção da sua direção foi bem vista pelo mercado?

O mercado financeiro é cínico a esse respeito, pois depende do Banco Central. Se ele fizer uma crítica como eu faço... eu não levo cliente lá, mas tem cliente estrangeiro que quer conversar com o BC, por isso é preciso ter um grau de diplomacia na crítica pessoal. Ninguém vai dizer que não tem credibilidade. O que você usa são evidências claras. Pega um gráfico com a taxa de inflação projetada pelo mercado 12 meses à frente. Você vai ver que ela está acima dos 6,5%, quase nos 7%. Você acha que um mercado que projeta para 12 meses para frente uma inflação de 7% (ela está em 6,3%) está tendo uma manifestação de credibilidade na execução da política econômica? Olhe as reações que saíram (sobre a última ata). Se o BC tivesse dado 0,5ponto percentual no último Copom e não falado nada sobre parcimônia, teria sido aplaudido. Quando colocou aquela "frasezinha marota" lá dentro, talvez para acomodar situações internas, de um ou outro diretor que não queria, o mercado reagiu muito mal.

Foi visto como contraditório?

O mercado financeiro pode ser cínico, de não fazer uma crítica direta ao BC, mas essas duas reações mostram que a credibilidade está muito baixa. Eu suponho que o novo ministro da Fazenda, com a formação técnica do Levy, que, no fundo, pode agir no sentido de coordenar apolítica fiscal e monetária, discutindo abertamente com o presidente do BC, possa induzir ações mais eficazes do Banco Central no campo da política monetária. Não que ele vá fazer a política monetária, mas o diálogo reassegura apoio mútuo e a coisa vai. Apesar de ficar o mesmo time, ele pode performar melhor do que performou no passado, quando não tinha interlocutor. Agora tem um interlocutor competente.

Hoje o BC tem quadros egressos do próprio banco. Seria o caso de ter lá nomes com sensibilidade de mercado, como na Fazenda?

O que eu condeno é a demonização do economista que veio do mercado financeiro. Essa Universidade de Campinas tem vários defeitos e um deles é o de achar que quem trabalha no mercado financeiro necessariamente é um pária da sociedade. É o que foi mostrado naquele filme da campanha com os banqueiros festejando e uma família como feijão sumindo do prato. Eu conheço muito economista que trabalha no mercado financeiro porque tem de ter um emprego. Eu sou consultor de bancos porque tenho de ganhar a minha vida, não estou defendendo o interesse de ninguém. O jeito que Campinas nos vê é como se fôssemos aqueles indivíduos tirando o feijão das pessoas, quando ninguém que eu conheço está defendendo que tem de concentrar distribuição de renda para subir a taxa de juros. Esse é um instrumento que se usa para conter a inflação, mas acham que isso está sendo feito para dar lucro a banqueiro e penalizar o povo. Não há razão pela qual um indivíduo que é competente e que esteja no mercado financeiro não possa ir para o BC. Ficou um negócio de nós contra eles, que quem é bom é quem nasceu dentro do BC. Desculpa, mas quando você começa a fazer um processo que em genética se chama inbreeding, cruzando irmão com irmã — falando de animais, obviamente — você degenera geneticamente a raça. É muito bom ter cross-utilization, ter gente com outras orientações lá dentro.

Em relação à economia dos Estados Unidos, quando o sr. acha que o país vai subir a sua taxa de juros?

O que a presidente do Fed, Janet Yellen, disse na última reunião do Fomc (comitê de política monetária) é que o gato subiu no telhado. Tem gente que diz que o movimento de valorização do dólar fará a inflação do país cair e então o Fed não vai subir a taxa de juros. Não é verdade. Os EUA tem uma característica diferente do Brasil. O pass-trough do câmbio para preços lá é praticamente zero.A valorização ou desvalorização do dólar não afeta a taxa de inflação. Nem a queda do preço do petróleo. O Fed olha para o core (núcleo) e isso é inflação menos o preço do petróleo. O núcleo da inflação nos EUA depende do mercado de mão de obra. Os presidentes do Fed só falam na Nairu (Non-Accelarating Inflation Rate of Unemployment) por uma razão muito simples. A inflação nos EUA é basicamente de salários, pois a economia tem um setor de serviços muito grande. A inflação começa a subir quando os salários começam a subir. E para ver se os salários sobem, tem que olhar para a taxa de desemprego, mas a de longo prazo. Os lack (folga) está chegando praticamente a zero e quando isso ocorre os salários começam a subir. Já tem indicadores de aumento de compensation (remuneração) e intenção de correção de compensation que já estão mostrando claramente a curva em ascensão. Ou seja, a economia americana vem crescendo vigorosamente e vai começar a produzir aumento de salários.

Então, vão começar a elevar juros?

Vão ter que elevar, sim. A Yellen disse que nas duas próximas reuniões não vai ter, mas pode ser que na terceira aumente. Eu diria que, para ser conservador, na pior das hipóteses, no fim do primeiro semestre vai subir.

E a cotação do dólar no Brasil já precificou isso?

O movimento de valorização do dólar no mundo já está aí há algum tempo. Todas as moedas estão se depreciando com relação ao dólar, inclusive ao real, outras mais, outras menos. Uma que deprecia muito mais é o rublo, claro, porque tem lá uma queda do preço do petróleo. Outra que tem depreciado mais do que várias outras é o real, apesar de o BC vender pesadamente swaps no mercado de câmbio, o que segura a depreciação. O real está depreciando mais porque o preço das commodities está caindo e nós estamos com déficit na conta corrente chegando a 4% do PIB, o que força a depreciação. Então, um pedaço desse movimento do real é EUA, mas não é tudo. O outro é puramente doméstico.

O sr. acha que a gente corre o risco de perder grau de investimento neste ano?

Na medida em que for cumprido esse programa do Levy —1,2% no primeiro ano, com credibilidade, sem contabilidade criativa, e ele pisar no freio com os bancos públicos como está dizendo que vai pisar — eu acho que o grau de investimento está preservado, até se provar que ele não saiu do rumo. Se ele não sair desse rumo, eu acho que nós não perdemos o grau de investimento.

E a Petrobras, perde?

A Petrobrás, coitada, eu não seio que vai acontecer com ela. Ela tem uma dívida de vários bilhões de dólares dos EUA e com covenants (cláusulas contratuais de proteção ao investidor) que não serão cumpridos. Eu não sei como ela vai voltar ao mercado. Foi feita uma pergunta ao Levy e ele deu uma resposta evasiva e a minha terá que ser também. Ninguém sabe se a República não vai ter que ir ao exterior para captar, para honrar a Petrobras. Isso é uma coisa que nós vamos ver nos próximos lances.

E esses rumores sobre fechamento de capital, o sr. acha exagerados?

A natureza odeia o vácuo. Na ausência de informações, a especulação sobre o que pode ser feito fica violenta. Mas eu ponho isso no campo das ilações que estão sendo tiradas sobre rumos possíveis. Existe um risco de tudo, mas não dá para darmos um palpite ordenado a essa altura.