segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Carlos Pereira: O fantasma do segundo mandato

O Estado de S. Paulo.

O Brasil é um caso de sucesso de resistência política e judicial a um presidente iliberal

A forte resistência que Jair Bolsonaro tem enfrentado das instituições e da sociedade fez cair por terra a tese de que a simples chegada de um presidente com perfil iliberal levaria à derrocada da democracia, independentemente da qualidade das instituições.

As instituições e a própria sociedade fazem updates tanto a partir de experiências próprias como de aprendizados de outros países que refreiam arroubos autocráticos.

Existem várias derrotas sistemáticas de Bolsonaro no Legislativo e no Judiciário, mas também de iniciativas legais que visam a fortalecer as instituições para potenciais confrontos futuros.

No STF, o presidente perdeu todas as batalhas com relação ao enfrentamento da pandemia, seja na delegação aos governos locais da prerrogativa de adotar medidas de isolamento social e de acesso de pessoas não vacinadas, seja na exigência de receita médica para vacinação de crianças.

O STF também expandiu seus poderes para investigar fake news contra juízes, seus familiares ou a honra da instituição, nomeando um membro do próprio tribunal para chefiar as investigações em vez da PGR. Até Bolsonaro passou a ser investigado por notícias falsas sobre urnas eletrônicas.

O Congresso também bloqueou ações intimidatórias do presidente à Corte, como rejeição da CPI para investigar supostas falhas do Judiciário, aprovação da prisão de um deputado por ameaças a juízes do STF, rejeição da petição de impeachment do ministro Barroso etc. A CPI da Covid expôs fragilidades do governo até as vísceras, inclusive com várias denúncias de crimes cometidos pelo presidente.

Sob Bolsonaro, extrema direita se radicalizou

Analistas apontam que grupo normalizou valores sociais radicais e se tornou risco real à democracia, mas perdeu chance de se formalizar partidariamente

Guilherme Caetano / O Globo

SÃO PAULO — Cientistas políticos apontam que, desde 2018, grupo normalizou valores sociais radicais e se tornou risco real à democracia, mas perdeu oportunidade de se formalizar em um partido político, o que pode afetar organização futura

Após três anos de governo Bolsonaro, a extrema direita que o ajudou a se eleger conquistou avanços, normalizou valores sociais que defende e perdeu oportunidades inéditas. É o que aponta análise de estudiosos do bolsonarismo, convidados pelo GLOBO a fazer um balanço, desde 2018, do grupo mais à direita do espectro político no país.

Uma das mais notáveis mudanças foi a aceleração da internacionalização da extrema-direita brasileira, agora ator global de peso, diz Odilon Caldeira Neto, coordenador do Observatório da Extrema Direita. E, após as derrotas de Donald Trump nos EUA e José Antonio Kast no Chile, as eleições brasileiras, afirma, ganharam mais relevância:

— O Brasil passou de receptor a produtor de premissas de extrema direita. Não à toa, Steve Bannon tem muito interesse na eleição daqui — diz.

O ex-conselheiro político do ex-presidente Trump foi considerado um dos responsáveis pela vitória do republicano em 2016. E antes mesmo de assumir a Presidência, Bolsonaro já mantinha contato com Bannon, relação cujo elo sempre foi o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Fernando Gabeira: Você já foi à Bahia?

O Globo

Não é mais um artigo sobre a incrível insensibilidade de Bolsonaro, que não foi à Bahia confortar as pessoas, articular obras de reconstrução de estradas, casas e até mesmo determinar a ajuda médica necessária.

É apenas uma anotação na minha agenda. As chuvas na Bahia foram as maiores dos últimos 32 anos. Gostaria de visitar as cidades atingidas para saber até que ponto eram vulneráveis e o que é possível fazer para fortalecê-las diante dos eventos extremos.

Passaria por Itabuna, veria o Rio Cachoeira, faria uma parada em Itamaraju, onde, no passado, comia um camarão na moranga, de passagem para Ilhéus.

Já fiz um projeto semelhante de analisar as condições de uma cidade diante de eventos extremos, após uma enchente em Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo.

Não o realizei. O que pude fazer agora neste fim de ano foi uma viagem para documentar a vulnerabilidade do litoral brasileiro diante da possível elevação do nível dos mares, provocada pelo aquecimento global.

Demétrio Magnoli: Djokovic expõe o jogo duplo da Austrália

O Globo

Novak Djokovic viajou para Melbourne para conquistar seu 21º torneio de Grand Slam, o recorde histórico que persegue. O jogo, porém, desenrolou-se fora da quadra, na esfera das regras da emergência sanitária. No fim, involuntariamente, o tenista número um expôs bem mais que seu próprio individualismo antissocial. A novela bizarra abriu uma fresta pela qual é possível admirar o espetáculo de governantes operando em perene Estado de Emergência.

Segundo Djokovic, a vacinação é uma simples escolha pessoal, algo como a opção entre carne ou peixe. Rejeitando a imunização, o tenista obteve isenção médica para participar do Aberto da Austrália, concedida por comissões “independentes” de especialistas criadas pelos organizadores do torneio e pelo estado australiano de Victoria. A notícia da exceção, sob motivos não revelados, provocou furor numa Austrália traumatizada por quase dois anos de longos lockdowns e rígidos fechamentos de fronteiras externas e internas. Aí, o governo federal renegou seu acordo imoral com as autoridades de Victoria, revogou o visto do infrator e emitiu uma ordem de deportação.

Bruno Carazza*: A mosca azul ronda o ministério de Bolsonaro

Valor Econômico

Apoio presidencial nem sempre é garantia de vitória nas urnas

O religioso mineiro Frei Betto abre seu livro de reflexões sobre a política transcrevendo uma poesia de Machado de Assis, uma parábola sobre um plebeu que certo dia se deparou com uma mosca azul, de asas de ouro e granada, que refulgia ao clarão do sol.

Deslumbrado pela beleza dos seus movimentos, percebeu que o inseto era encantado. Em meio à vibração de suas asas, ele viu a si mesmo como o rei de Cachemira, vestido com roupas finas adornadas por pedras preciosas, rodeado por cem mulheres de seios nus, e a seus pés quatorze reis vencidos, representando trezentas nações, rendendo-lhe glórias.

O poder inebria e por isso é que, uma vez picado pela mosca azul, quase ninguém quer largá-lo. Frei Betto diz que ele é mais tentador do que sexo e dinheiro - até porque torna essas delícias mais acessíveis.

No último sábado (08/01), o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pelo menos 12 de seus 23 ministros atuais devem sair para disputar as eleições de outubro; ou seja, mais da metade do primeiro escalão do governo federal foi picado pela mosca azul da política.

Sergio Lamucci: Covid e cenário para juro nos EUA elevam incerteza

Valor Econômico

Fed mais duro e avanço da ômicron tornam o quadro para o Brasil em 2022 mais complicado

As perspectivas para a economia brasileira no começo de 2022 tornaram-se um pouco mais complicadas. Com o avanço da ômicron, está em curso um aumento expressivo do número de casos de covid-19 no país, o que deverá ter algum efeito sobre a atividade econômica no primeiro trimestre, ainda que limitado. Além disso, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) indicou na semana passada que vai elevar os juros antes do que a maior parte dos analistas esperava. É uma notícia desfavorável para países emergentes como o Brasil, colocando pressão sobre as moedas desses países.

Por enquanto, esses dois aspectos ainda não provocaram revisões nas estimativas de crescimento para o ano, mas são dois pontos que apontam para um cenário mais complexo para o país. A expectativa dominante já era de uma economia fraca em 2022, dada a combinação de inflação resistente, juros em alta e incertezas fiscais e políticas elevadas, num ano de eleições presidenciais. O consenso de mercado é de um crescimento de apenas 0,36%, com alguns analistas projetando contração do PIB na casa de 0,5%.

Marcus André Melo*: A maldição dos incumbentes

Folha de S. Paulo

Argumentar que há derrocada do neoliberalismo na América Latina não se sustenta

O que Bibi Netanyahu, Sebastián Piñera e Boris Johnson têm em comum? A resposta comporta qualificações, mas três aspectos são relevantes.

O primeiro é que essas lideranças, em sistemas de governo distintos, estão entre as mais bem-sucedidas no combate à pandemia da Covid. O Reino Unido foi o primeiro país a vacinar a população e as iniciativas no país tornaram-se referência; o Chile foi por larga margem o campeão da vacinação na América Latina e adotou medidas emuladas em outros países; Israel foi o primeiro país a vacinar a quase a totalidade da população adulta.

O segundo aspecto é que, paradoxalmente, esses líderes se tornaram politicamente tóxicos e naufragaram nas eleições. No caso de Johnson, uma ressalva: trata-se apenas de uma eleição regional, embora crucial, mas as pesquisas recentes apontam para uma derrota dos Tories nas eleições gerais. Ele tornou-se muito impopular e recentemente seu mais importante assessor —o negociador chefe do Brexit— se demitiu.

Celso Rocha de Barros: Magnoli e a questão racial

Folha de S. Paulo

Distribuição de melanina em conselho de banco e na Central do Brasil é diferente

Em entrevista publicada dia 2 de janeiro nesta Folha, Gina Abercrombie-Winstanley, chefe de Diversidade e Inclusão do Departamento de Estado americano, manifestou sua surpresa com a falta de negros nos espaços de poder no Brasil, apesar de a divisão étnica da população estar em torno de 50%.

No dia 7, também na Folha, Demétrio Magnoli criticou a diplomata americana, dizendo que, na verdade, 47% dos brasileiros se declaram como "pardos" no censo, e só 9% como "negros".

Reclamou, ainda, que no Brasil uma estratégia política espúria juntou pretos e pardos na mesma categoria para ocultar a questão social.

Abercrombie-Winstanley está certa, Magnoli está errado.

Magnoli sabe muito bem do que Abercrombie-Winstanley está falando.

Há alguns pardos e, eventualmente, um ou outro negro em espaços de poder brasileiros. Mas a distribuição de melanina na reunião do conselho de administração de um banco brasileiro e em um trem da Central do Brasil é muito diferente.

Catarina Rochamonte*: Os esbirros de Lula

Folha de S. Paulo

Ruy Castro usa régua de cálculo eleitoral para prejudicar pré-candidato Sergio Moro

Em sua coluna da Folha, no recente artigo intitulado "Os esbirros de Bolsonaro", Ruy Castro elencou nomes que, segundo seu critério, seriam espécie de capangas, jagunços ou quadrilheiros do presidente Bolsonaro. Entre esses nomes, ele inclui Sergio Moro, o que não se sustenta, visto que Moro rompeu e saiu do governo justamente por não aceitar ser esbirro. E não foi o único; outros exemplos do primeiro escalão podem ser citados, como general Santos Cruz, Mandetta e Nelson Teich.

No seu julgamento, Ruy Castro usa régua de cálculo eleitoral para prejudicar a pré-candidatura a presidente do ex-juiz da Lava Jato e, ipso facto, favorecer as pretensões do lulismo, que trabalha para ter como adversário no segundo turno o desastroso e inviável presidente Bolsonaro. Sendo assim, consideremos outro governante e seus esbirros.

Mathias Alencastro*: A reforma espanhola

Folha de S. Paulo

Situação de milhões de trabalhadores por aplicativo obriga governos progressistas a repensarem mercado de trabalho

As declarações de Lula exaltando a nova reforma trabalhista da Espanha pautaram o debate político na semana passada. Pouco ou nada foi feito, no entanto, para entender a experiência histórica a que ele está se referindo.

O modelo de governança da Espanha democrática, baseado na competição entre as regiões, com forte autonomia financeira, e o Estado central, que administra os fundos europeus destinados ao país, desmoronou depois do colapso financeiro de 2008.

Eleito em 2011, no auge da crise da dívida na Europa, o governo conservador de Mariano Rajoy usou os números dramáticos do desemprego entre os jovens, que chegou a 46% naquele ano, para justificar uma das reformas trabalhistas mais rigorosas do continente. Foram os assalariados transformados em precários na era Rajoy que ajudaram a fortalecer o esquerdista Podemos a partir de 2014.

Depois de várias tentativas frustradas de chegar ao poder sozinho, o Podemos aceitou, em 2019, formar uma coalizão com os socialistas. Dos cinco ministros que o partido indicou para o governo de Pedro Sánchez, a que mais se destacou foi a ministra do Trabalho Yolanda Díaz.

Mirtes Cordeiro*: Pequenas histórias da vida cotidiana

O Jornal do Commercio em sua manchete deste sábado anunciou: “Recifense amargou 13% de alta na feira”. Eu li a matéria justamente ao chegar da feira no Mercado da Mangueira, em Prazeres, Jaboatão dos Guararapes. Segundo o jornal, os dados apresentados pelo DIEESE indicam que a capital pernambucana está entre as três do Brasil com maior aumento da cesta básica em 2021.

Na verdade, fazer a feira toda semana – o que inclui frutas, verduras, carnes e alguns cereais – tem se tornado verdadeira maratona num labirinto no qual as mulheres – maioria – transitam de um lugar para outro em busca do menor preço aliado à qualidade do produto. Café, açúcar, banana, tomate, carne, manteiga, farinha de mandioca, óleo de soja e pão francês são os produtos que tiveram maior alta de preço.

Justamente alguns alimentos básicos para a população pobre.

Nós, as mulheres, que somos geralmente as responsáveis por fazer a feira, vamos acumulando experiência na arte da economia. Na prática.

Parte dos políticos e muitos economistas deveriam passar por essa experiência.

O político para entender como será difícil quando perder a eleição e já não ter disponíveis as verbas de gabinete e os cartões corporativos.

Os economistas para elaborarem melhor as propostas para os candidatos a presidente da República nesta eleição que se aproxima.

Ambos deveriam entender o que é o dia a dia de uma família para sobreviver, fazendo malabarismos para sustentar uma prole, ainda que seja pequena.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bagunça administrativa se junta ao populismo fiscal

Valor Econômico

Governo dá nova demonstração de amadorismo com a barafunda criada em torno do projeto de lei de um novo Refis para empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais

O governo Jair Bolsonaro deu nova demonstração de amadorismo com a barafunda criada em torno do projeto de lei que criaria um novo Refis para empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais. Mais do que a decisão de vetar integralmente o texto do parcelamento de dívidas tributárias do Simples Nacional, aprovado pelo Congresso em dezembro, causa espanto o grau de desarticulação entre as autoridades. Pode até ser algo esperado em um governo recém-empossado, não em uma administração que entra no quarto ano de mandato e pretende reeleger-se. No plano econômico, os desencontros cada vez mais frequentes entre Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes minam o que resta de credibilidade da política fiscal.

O novo Refis - oficialmente batizado de Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp) - permitiria a renegociação de até R$ 50 bilhões em dívida com o Fisco. O país tem hoje cerca de 16 milhões de micro ou pequenas empresas, além de MEIs, que sofreram com os efeitos da pandemia. Boa parte tem a continuidade de seus negócios ameaçada. Como sinal da crise, há quatro meses, a Receita Federal notificou 440.480 devedores do Simples com “significativo” valor pendente de regularização.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Nota Social

O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos…
O poeta está melancólico.

Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.
O poeta está melancólico.

Música | Adriana Calcanhotto: Lá Lá Lá