DEU EM O GLOBO
O balanço dos acordos regionais que estão sendo fechados nesses últimos dias, para a campanha presidencial, demonstra com assustadora clareza em que pé está nosso “presidencialismo de coalizão”, expressão cunhada há mais de 20 anos pelo cientista político Sérgio Abranches para tentar explicar o tipo de regime que utilizamos no país
E o que surge no cenário é uma reunião incongruente de siglas que nada tem a ver com a teoricamente avassaladora maioria parlamentar que abriga a base governista.
Se a base partidária do segundo governo Lula é das mais fragmentadas já registradas na História do presidencialismo brasileiro, essa fragmentação torna-se maior ainda na formação da base de apoio da campanha da candidata oficial, Dilma Rousseff, nos estados.
Em nível nacional, o governo perdeu o apoio oficial de dois partidos de sua base, o PP e o PTB, que não entraram na coalizão governista utilizando táticas distintas.
O PP ficou oficialmente neutro, pois os governistas que apoiam a candidatura Dilma não têm maioria para convocar uma convenção nacional do partido para formalizar a decisão, mas têm força suficiente para impedir que o partido aderisse à candidatura Serra.
Com a nova pesquisa do Ibope divulgada ontem, é possível que os dilmistas ganhem nova força e consigam reverter essa decisão já anunciada.
No PTB, o processo foi justamente o contrário: a direção nacional do partido tem o controle da convenção e aprovou a formalização do apoio a Serra, mas vários setores do partido estão com Dilma.
Os minutos de propaganda gratuita do PTB vão para Serra, os do PP são subtraídos de Dilma e divididos entre todos os partidos.
Uma medida para se ter a exata noção do tamanho da tropa de cada um, em nível nacional, é o tempo de televisão na propaganda gratuita que cada grupo acabou obtendo com suas alianças.
Se o governo conseguisse manter unida sua base partidária, o placar seria uma goleada para a coligação da candidata oficial, alguma coisa como o dobro de tempo em relação ao adversário Serra.
Com as negociações ocorridas, a diferença será de cerca de dois minutos a favor de Dilma, a não ser que o PP retorne ao seio governista com seu minuto e pouco.
Um bom exemplo é o Rio Grande do Sul, onde atribuí na coluna de terça-feira o apoio do PDT ao PT na campanha nacional para presidente que parece não ser tão simples.
O PT, que tem o ex-ministro da Justiça Tarso Genro como candidato ao governo do estado, está praticamente limitado ao apoio do PSB, do deputado Beto Albuquerque.
O PDT no Rio Grande do Sul está aliado oficialmente com o PMDB, cujo candidato é José Fogaça, que tem como vice o deputado Pompeu, que se caracteriza por se vestir normalmente com roupas gauches case é membro do PDT.
Há, no entanto, uma ala do partido apoiando a candidatura de Dilma, liderada por Alceu Colares, que, quando governador, foi o primeiro a dar um cargo a Dilma Rousseff, de secretária de Energia.
Com o rompimento de Brizola com o governo do PT de Olívio Dutra, Dilma saiu do PDT e se filiou ao PT, assumindo logo em seguida o Ministério de Minas e Energia do governo Lula.
Dilma não se esqueceu do seu padrinho político, e Alceu Colares foi nomeado consultor da Itaipu Bi-Nacional.
Embora esta ala do PDT seja fiel a Dilma, é muito discutível seu apoio ao PT de Tarso Genro.
Já o peemedebista José Fogaça alega que ficará neutro na eleição presidencial, chegando a argumentar que muitas vezes ficar neutro é um sinal de coragem na política.
Essa “coragem”, no entanto, conta a favor do candidato tucano José Serra, alimentando as dissidências regionais dentro de seções importantes do PMDB.
Na verdade, a partir do segundo governo Lula, o funcionamento da coalizão parlamentar melhorou em relação ao poder proporcional que cada partido recebeu.
O cientista político da Fundação Getulio Vargas Octávio Amorim Netto define que um governo multipartidário, em um regime presidencialista, para se assemelhar aos gabinetes de coalizão formados nos sistemas parlamentaristas, precisa que o presidente obedeça às seguintes normas: Usar um critério eminentemente partidário de seleção dos ministros; alocar os ministérios aos partidos em bases proporcionais ao seu peso dentro da maioria legislativa do governo; usar mais projetos de lei do que medidas provisórias; e dar poder de veto aos seus parceiros de coalizão sobre os projetos a serem apreciados pelo Congresso.
Com relação à distribuição de cargos e ministérios na proporção do poder de cada partido, Lula, para manter o apoio do PMDB e garantir não apenas os cinco minutos de propaganda eleitoral gratuita na televisão, mas também a capilaridade da atuação política do partido pelo país — é o que tem maior número de prefeitos e vereadores —, deu prioridade a suas reivindicações, forçando o PT a abrir mão de disputar governos importantes como o de Minas, ou intervindo no Maranhão para garantir apoio a Roseana Sarney.
O resultado da pesquisa Ibope, colocando pela primeira vez a candidata oficial, Dilma Rousseff, à frente da corrida presidencial, fora da margem de erro, é um banho de água fria na campanha tucana.
Eles contavam com a campanha na televisão para consolidar a posição de José Serra, e o que aconteceu foi uma subida da adversária.
Prova de que a campanha da candidata petista acertou ao criar fatos alternativos à propaganda tucana, como a viagem de Dilma Rousseff ao exterior, que garantiu a ela exposição pública, embora falsa.
Mesmo tendo sido mais um exemplo de uso da máquina governamental em favor da candidatura oficial.