quinta-feira, 24 de março de 2011

Reflexão do dia - Luiz Fux

"A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político

Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional.

Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição. Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades no ano da eleição efetivamente inaugura regra nova inerente ao processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência da casa.


Para frente, a Lei da Ficha Limpa está valendo."

Luiz Fux. Ministro do STF, ontem, no voto da Lei da Ficha Limpa

Cem dias:: Merval Pereira

Caminhando para seus cem primeiros dias de governo, período de graça em que tradicionalmente se dá aos governantes o benefício da dúvida, a presidente Dilma Rousseff está acertando onde Lula errou e errando onde Lula acertou. Assim como Lula surpreendeu para melhor no primeiro governo, Dilma está surpreendendo pela capacidade de ser objetiva, sem se deixar levar por politicagens.

Mas ganho na política externa menos personalista e mais pragmática, e na condução do governo com sobriedade, maior rigor de postura, pode ser anulado pelos problemas econômicos. Os índices de popularidade são semelhantes aos de Lula no seu terceiro mês de governo, mas a diferença talvez seja que ela está com cerca de 40% de saldo positivo com uma economia que vem de um crescimento de 7,5% do PIB, mas está declinando.

Lula tinha índices parecidos num primeiro ano em que teve de tomar medidas muito duras, e entrou pelo segundo mandato mantendo essa mesma média de popularidade, que foi crescendo gradativamente à medida que a política de distribuição de renda ia se consolidando, e chegou à estratosfera dos 80% em 2010.

Talvez por isso Dilma mantenha o sonho de a economia crescer 5% este ano, quando tudo indica que, se fizer o que tem que ser feito para conter a inflação, ela crescerá no máximo 4%, ou até menos, metade do ano anterior. Talvez ela esteja errando onde Lula acertou: deveria puxar o freio no primeiro ano para depois tentar deslanchar. Tolerando um pouquinho de inflação, pode colocar em risco seu governo.

Justamente por isso o chefe do Gabinete Civil, Antonio Palocci - que foi o conselheiro de Lula que o convenceu de que controlar a inflação e alcançar o equilíbrio das contas públicas deveriam ser objetivos centrais nos primeiros momentos de governo -, está em disputa com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que é o pai da tese de que o PIB potencial brasileiro é de 5% ao ano, e quer provar isso a todo custo.

As entrevistas e declarações da presidente Dilma sobre esses temas não coincidem entre si, e também estão desalinhadas em relação a outros setores do governo.

A presidente diz que não abrirá mão do controle da inflação, mas ao mesmo tempo garante que não há inflação de demanda, isto é, não reconhece que a economia está aquecida e precisa ser controlada. Já o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, diz que a demanda está acima do que deveria e acena com medidas para conter o consumo.

A definição da equipe econômica, com a permanência de Mantega na Fazenda e a saída de Henrique Meirelles do Banco Central, deu clara indicação de que a presidente desejava centralizar a política econômica em suas mãos, na busca de objetivos que dificilmente são convergentes: nos próximos quatro anos, a média prevista pelo governo para o crescimento do PIB é de 5,9%, embora preveja redução de crescimento do PIB brasileiro para 5% este ano.

O Ministério da Fazenda estima um crescimento da economia para 5,5% no próximo ano, e 6,5% para 2013 e 2014.

O que parece estar novamente em jogo é a discussão sobre nosso PIB potencial, que em outros momentos provocou um debate técnico entre Mantega e Meirelles.

Quando assumiu o ministério, em março de 2006, Mantega vinha de uma disputa com o Banco Central exatamente sobre o PIB potencial e garantiu no discurso de posse que levaria a economia "até o limite do seu potencial de crescimento", que ele dizia ser mais próximo de 5% do que dos 3,5%, limite psicológico nunca explicitado, mas com que trabalhava a equipe econômica do ex-ministro Antonio Palocci.

Em 2007, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, comemorou o anúncio do crescimento do PIB de 5,4%, afirmando que estava sendo derrubado um mito de que o PIB potencial do Brasil era de 3,5%, nível acima do qual começaríamos a ter problemas de inflação e de "hiato de produção", isto é, falta de produtos e, no nosso caso, até mesmo apagão de energia.

A presidente eleita, Dilma Rousseff, aparentemente comprou a briga de Mantega, assumindo como factível um crescimento médio de 6% sem provocar inflação. O mercado, porém, continua apostando no limite anterior, talvez um pouco ampliado para 4%, ou no máximo 4,5% de crescimento.

Tudo indica que a produtividade brasileira cresceu nos últimos anos, e é provável que o PIB potencial tenha chegado a 5%, mas não nas atuais circunstâncias, quando o governo Lula, para eleger sua sucessora, estourou todas as contas e aumentou o gasto do governo - situação que tem que ser consertada neste ano, para que a inflação não se mantenha na parte superior da meta pelo terceiro ano seguido.

Mas a presidente Dilma tem contado com a sorte também em seus primeiros dias de governo. Teve oportunidade de conter o apetite do PMDB, embora não tenha se empenhado para controlar o do PT, e pode ser que tenha contado com a sorte no caso da recusa do ex-presidente Lula de participar do almoço com Obama.

Muitas foram as desculpas apresentadas por Lula para o não comparecimento, sendo que a aparentemente mais digna seja a de que não quis ofuscar a primeira visita internacional que a presidente Dilma recebia, e logo com o carismático presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.

Essa desculpa é apenas aparentemente digna, pois embute uma pretensão absurda, a de que sua presença ofuscaria a presidente. Lula, que deixou há tão pouco tempo o poder que ainda se ressente dele, sabe que a realidade política e o cerimonial não dão margem a que alguém se destaque mais que a presidente. Mas, se Lula tivesse aceitado o convite, é quase certo que estaria sentado na mesa principal, e não Fernando Henrique. Com a recusa, Dilma aproveitou para fazer um gesto político de conciliação, o que foi muito bom, e ao mesmo tempo deu uma resposta com classe a Lula.

FONTE: O GLOBO

União estável:: Dora Kramer

Muito já se falou a respeito das diferenças de forma e conteúdo entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor. Muito mais será dito ainda porque Lula e seus seguidores mais fanáticos já dão sinais explícitos de desconforto com as comparações, de resto inevitáveis tendo em vista as óbvias distinções entre um e outra.

Em menos de três meses a lista é robusta: atenção aos direitos humanos na política externa, rigor na resolução de desavenças internas, presença presidencial em caso de tragédias nacionais, reserva no comportamento pessoal, pronunciamentos limitados a ocasiões específicas, relações civilizadas com imprensa e adversários e convivência ao menos cerimoniosa com o fisiologismo.

Portanto, nada mais natural que se aponte e, conforme for o caso e o gosto do freguês, celebre-se o que há de diferente. Não há, objetivamente, nenhuma razão para a contrariedade exibida por Lula recentemente, considerando "hilariantes" as referências positivas à presidente no cotejo com condutas anteriores.

Francamente, o ex-presidente deveria sentir-se bem com a boa receptividade à sua sucessora e criatura eleitoral. Significa que, a despeito da má impressão deixada por ela durante o período em que foi ministra e seu desempenho abaixo da crítica como candidata, ele estava certo no tocante à capacidade da escolhida de sair-se bem na Presidência.

Ou não era isso que Lula esperava? Ao exibir-se desconfortável com os elogios, dá margem à interpretação de que talvez preferisse que a imprensa estivesse hoje plena de registros saudosistas em relação ao governo anterior, quem sabe até lamentos sobre a impossibilidade de haver um terceiro mandato.

Podendo, assim, alimentar a fantasia de que todas as críticas a ele dirigidas eram fruto de uma conspiração "das elites" contrariadas com um "governo do povo". Como se vê, os juízos negativos guardavam relação apenas e tão somente com palavras, gestos e atitudes inadequadas, quando não negativamente exorbitantes, do então presidente.

O problema, agora fica patente, era a ausência de limites e a carência de noção de Lula a respeito do significado do cargo e da conduta exigida a um chefe de nação. Dilma não faz nada de excepcional, apenas se comporta normalmente. Mas, na comparação, soa como um bálsamo.

Ao mostrar-se ressentido Lula não inova nem surpreende: apenas acentua marca de personalidade e mais uma vez perde excelente oportunidade de mostrar educação política e serenidade de espírito.

Inclusive porque ninguém com um mínimo de informação, sensatez e discernimento, aposta - nem remotamente - em ruptura entre ele e a presidente Dilma. Estão juntos, os dois e mais a nação petista, no mesmo projeto de poder.

Poder este disputado em eleições para o sucesso das quais a atuação de Lula é fundamental.

Romper não rompe. Resta aguardar para observar se Dilma também vai se diferenciar no que concerne ao uso da máquina ou se exorbitará, seguindo os passos do antecessor. Será o teste fatal.

Comando único. Não é visível, ainda, a olho nu, mas a presidente Dilma Rousseff determinou o fim da duplicidade de comando na condução da política externa ao molde do que vigorou no governo anterior: o chanceler de um lado, Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, do outro.

De raiz. Chamar negros de morenos é, guardadas as proporções, como chamar gordos de fortes.

Revela preconceito tão arraigado e enrustido que não ousa dizer os nomes que as coisas têm.

Rápido e rasteiro. A propósito da reforma política tal como está sendo conduzida pela comissão especial do Senado, ocorreu a Jaime Lechinski frase de Giordano Bruno momentos antes de ser queimado pela Inquisição: "Que ingenuidade a nossa pedir aos donos do poder a reforma do poder."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Gol de Fux:: Eliane Cantanhêde

A votação de ontem no Supremo Tribunal Federal é um alívio, ao mostrar que o Fla-Flu na mais alta corte do país acabou e da melhor forma: com a vitória da lei, da experiência e da técnica jurídica sobre o apelo fácil da demagogia.

Ninguém que não tenha rabo preso nem dívidas na polícia e na Justiça pode ser contra a Lei da Ficha Limpa. Eu, tu e nós (nem sempre eles) somos a favor de moralidade na vida pública e exclusão dos piores quadros e dos mais lamentáveis exemplos de homens públicos. A questão, porém, é que juízes não julgam pela impressão ou pela simples vontade, mas friamente com base no que está escrito nas leis vigentes e na Constituição.

Luiz Fux, que veio para desempatar, elogiou o princípio da lei, como todos nós elogiamos, mas votou de acordo com a Constituição: a Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho do ano eleitoral de 2010 e, portanto, só pode valer para as próximas eleições -a de 2012, municipal, e a de 2014, geral.

Dói? Dói, mas doeria mais se Fux jogasse às favas os escrúpulos de consciência e a letra da lei em favor dos aplausos e dos elogios. Para "ficar bem" com a opinião pública.

A Ficha Limpa, para ele, é "a lei do futuro, a aspiração legítima da sociedade brasileira". Mas, igualmente, deve ser aspiração da sociedade brasileira o Estado democrático de Direito regido de fato pelo direito, não ao sabor do clamor popular e do aplauso fácil.

Que, assim como Fux teve a coragem de enfrentar as câmeras e as críticas, a Justiça brasileira a tenha também para perseguir uma sociedade mais justa, em que a lei valha efetivamente para todos. Haverá então um dia em que lei, realidade e aspirações legítimas da sociedade andem, enfim, juntas. Vai demorar? Vai. Mas devagar e sempre.

Comemorem "fichas-sujas" do PT, do PSDB, do PP, do PSB. Sem esquecer de que o Brasil avança e que quem ri por último ri melhor.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Nuvens políticas:: Cláudio Gonçalves Couto

Segundo um dos mais conhecidos adágios da política brasileira, por uns atribuído a Magalhães Pinto, por outros a Tancredo Neves, "política é como nuvem: você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou". Embora tal máxima da sabedoria política mineira possa se aplicar a uma infinidade de situações nas quais as configurações do jogo do poder mudam sutil e rapidamente, sem que até os mais atentos observadores se dessem conta de que havia uma metamorfose em curso, há certos episódios que parecem feitos sob encomenda para corresponder a uma imagem tão sugestiva. É este o caso da movimentação política protagonizada por Gilberto Kassab na criação de seu novo partido.

E como se não bastasse a criação da nova agremiação assumir hoje um formato bastante distinto daquele que animou inicialmente os seus promotores, o desfecho desse processo também parece conferir um tom especialmente irônico à iniciativa tomada pelo DEM há poucos anos, de solicitar à Justiça Eleitoral um posicionamento sobre a quem pertencem os mandatos eletivos, se ao partido ou aos eleitos. Recapitulemos alguns fatos para melhor entendermos este imbróglio.

Ao final do ano de 2006, no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) concernente à cláusula de desempenho dos partidos nas eleições para a Câmara, o ministro Gilmar Mendes resolveu pontificar sobre outro assunto (ainda que correlato), afirmando: "Devemos refletir (...) sobre a consequência da mudança de legenda por aqueles que obtiveram o mandato no sistema proporcional, o que constitui, sem sombra de dúvidas, uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do modelo de representação popular pela via da democracia de partidos." Coincidentemente, poucos meses depois disto, já no início de 2007, o DEM ingressou com uma consulta no TSE, perguntando: "Os partidos e coligações têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda?"

Do resto da história todos devem se lembrar: algum tempo depois o TSE respondeu que o mandato pertenceria ao partido, o STF confirmou tal interpretação e ambas as cortes estenderam tal entendimento aos mandatos obtidos pelo sistema eleitoral majoritário (prefeitos, senadores, governadores e presidente). Ao regulamentar o assunto o TSE estipulou algumas situações em que seria justificável para o eleito mudar de agremiação. Dentre elas figurava a criação de um novo partido.

O motivo para tal consulta do DEM às altas cortes foi a sangria em suas fileiras congressuais com a migração para as hostes governistas de muitos de seus parlamentares eleitos - o mesmo processo que, em sentido inverso, beneficiara o mesmo DEM (então chamado PFL) em seus anos de governismo, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Como a situação do partido mudou, tendo ele passado à oposição, aquilo que não era percebido como problema começou a incomodar: recorreu-se então à justiça para estancar um sangramento que, diga-se, não vinha ocorrendo apenas após as eleições - ele se verificava nas próprias disputas eleitorais, nas quais o PFL já apresentava um declínio significativo. É bem verdade, diga-se, que o estabelecimento pelas cortes superiores de uma interpretação favorável à fidelidade partidária não agradou apenas ao DEM, mas a todo um segmento da opinião pública que há muito reclamava a adoção de regras coibidoras do troca-troca partidário.

O irônico é que justamente agora, quando o DEM se vê num estágio ainda mais avançado de sua anemia política, tornaram-se ainda mais prejudiciais à sua sobrevivência as regras restritivas para mudança partidária ensejadas por sua consulta de 2007. Afinal, se o prefeito Kassab, às turras com a direção nacional do partido, tivesse podido simplesmente mudar de legenda sem maior estardalhaço, não teria provocado uma movimentação tão abrangente do cenário político-partidário nacional como aquela suscitada pela criação de seu novo partido. A necessidade de fundar uma nova agremiação para poder deixar o DEM sem correr o risco de perder o mandato acabou por abrir uma grande oportunidade para a movimentação de diversas lideranças políticas do campo conservador país afora, aprofundando ainda mais a desidratação do DEM e criando-lhe um novo competidor dentro do mesmo âmbito do espectro político.

Poder-se-á replicar, contudo, que o novo partido não veio para ficar. Ele seria apenas um abrigo temporário (uma organização provisória) que permitiria a Kassab abandonar o DEM antes de ingressar no PSB mediante a fusão das duas legendas. Ora, isto parecia verdadeiro há algumas semanas atrás, antes que o novo partido passasse a obter a adesão de figuras políticas de maior peso país afora, muitas delas pouco propensas a uma fusão com o Partido Socialista no futuro próximo - ainda que o estabelecimento de uma aliança durável possa ser algo do interesse das duas agremiações. A própria dinâmica institucional originalmente engendrada pelo DEM, que obrigou seus dissidentes a criar um novo partido, acabou por fazer deste algo potencialmente mais valioso do que seria um mero abrigo temporário. Isto não apenas tende a inviabilizar por completo qualquer tentativa futura de punição aos dissidentes por uma antes "evidente" burla das regras de fidelidade partidária, como também gerou ao DEM um prejuízo político ainda maior do que aquele que seria causado pela saída de Kassab e seus acólitos. As nuvens mudaram e, para o DEM, tornaram-se negras.

Mas se as notícias para o DEM não são nada boas, pode-se dizer que também não é muito favorável à democracia brasileira um processo como este. Afinal, esse novo partido nada acrescenta de efetivamente novo ao sistema partidário - é simplesmente mais uma agremiação formada por políticos de perfil tradicional dispostos a negociar seu apoio com qualquer governo - e, de quebra, contribui para fragilizar ainda mais a já tão anêmica oposição.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O fortalecimento de Dilma Rousseff com visita de Obama e o Datafolha...:: Jarbas de Holanda

É praticamente consensual a avaliação de que a presidente Dilma se fortaleceu com a visita do colega norteamericano Barack Obama. Com a cordialidade recíproca das manifestações de ambos; a valorização das afinidades em torno da democracia e dos direitos humanos; a valorização de parcerias de investimentos na infraestrutura brasileira e de tecnologia no campo energético (no pré-sal), sem prejuízo da cobrança da quebra de barreiras a nossos produtos. Com a dimensão suprapartidária do principal evento da visita (um almoço no Itamaraty), expressa na presença dos ex-presidentes brasileiros. E com a grande e favorável repercussão da visita nos meios políticos, empresariais e populares. Tudo isso propiciando o que foi destacado no Top Mail anterior, com o título “Dilma/Obama. Em vez do ideologismo, boas relações do Brasil com os EUA”. Ou seja, a substituição do antiamericanismo esquerdista, dominante no segundo mandato de Lula, por um relacionamento diplomático centrado em tradições e compromissos comuns com o pluralismo democrático, e com plena autonomia de nossa parte num relacionamento econômico pragmático, pautado pela defesa de nossos próprios e peculiares interesses.

E a imagem da presidente Dilma foi adicionalmente favorecida, de sábado em diante, por dois fatos significativos. Primeiro a divulgação de pesquisa do Datafolha, na qual ela começa o governo com 47% de popularidade, igualando (na margem de erro) o recorde de 48% obtido por Lula no início do segundo mandato, em 2007. Índice de aprovação da nova presidente (combinado com o de 78% de expectativa favorável do eleitorado) que a reforça muito nas negociações político-partidárias e com o Congresso. Segundo fato político pró Dilma (este vinculado diretamente à visita do presidente norte-americano): a ausência de Lula no almoço oferecido por ela a Obama e sua família. Ausência que tem sido objeto de crítica generalizada, como a de artigo da jornalista Vera Magalhães, na Folha de S. Paulo, de ontem, com o título “Dilma revoga o nunca antes”, e os seguintes trechos da abertura: “Certas imagens, como se sabe, carregam mais símbolos que muitas palavras. A que reuniu, no último sábado, Dilma Rousseff e três ex-presidentes (Fernando Collor, Itamar Franco e FHC), poderá a ser lembrada no futuro como o ponto final do ‘nunca antes neste país’. “Ao convidar seus antecessores para a recepção à família Obama no Itamaraty, Dilma mostra que pretende pautar o início de seu governo por uma dose maior de institucionalidade e menor de pirotecnia”. Ou a da coluna de Raymundo Costa, no Valor também de ontem, intitulada “O protagonismo às avessas de Lula”. Dois trechos do artigo: “As relações políticas, internas ou externas, não devem ser marcadas por gostos pessoais. Dilma marcou um gol de letra ao convidar para o almoço todos os ex-presidentes brasileiros, desde a redemocratização”. “Quando Lula recusou o convite de Dilma, aí sim o ex-presidente se transformou em um protagonista do evento. É presunção dizer quer ofuscaria Dilma se tivesse ido à festa. É fato concreto que sua ausência provocou uma série de especulações sobre a solidez da política de reaproximação de Dilma com os EUA, quando se conhece a influência de Lula sobre o governo da presidente e o PT, partido ao qual são ligados alguns dos movimentos sociais que armaram os protestos com ar déjà vu contra a visita, no Rio de Janeiro”.

... E a vulnerabilidade dela ante a inflação, com a persistência do bloqueio a reformas

É no plano da economia – na persistência da pressão inflacionária, no imperativo de mais aumentos de juros, na supervalorização do Real – que o governo Dilma Rousseff defronta-se com os principais problemas e riscos de insucesso. Para o efetivo enfrentamento dos quais – tendo em vista efeitos a médio prazo e, sobretudo, a remoção de obstáculos básicos a um desenvolvimento sustentado – não bastam a melhora de gestão de máquina governamental, certamente positiva, nem a chamada “consolidação fiscal” do corte de gastos anunciado. Pois são necessárias respostas bem mais profundas e amplas, dificilmente viáveis, senão impossíveis, para uma presidente presa de compromissos com o lulismo e o petismo. Respostas que teriam que começar por uma verdadeira reforma tributária, capaz de conter e reverter a sangria fiscal que penaliza o conjunto da sociedade e onera pesadamente todas as atividades produtivas, inviabilizando muitas delas, constituindo o principal fator da perda de competitividade dos produtos brasileiros e cuja causa maior são os gastos do enorme gigantismo estatal.

Respostas estas que poderão – se decididamente buscadas – viabilizar a montagem de uma oposição competitiva na próxima eleição presidencial. Baseada em uma pauta reformista, ao invés do recurso à contraposição de propostas populistas, tentado na última disputa.

Jarbas de Holanda é jornalista

O Itamaraty tucanou:: Clóvis Rossi

Não dá para entender muito bem o que o Brasil quer no caso da Líbia. Primeiro, abstém-se na votação que acabaria impondo uma zona de exclusão aérea. Ou seja, não sabe se é bom ou se é ruim, dúvida com que se folclorizava o tucanato tempos atrás.

Depois, o chanceler Antonio Patriota produz uma frase candidata ao campeonato mundial de platitudes, ao afirmar que o governo brasileiro espera uma "transição benigna na Líbia". Quem não quer, fora meia dúzia de tarados?

Ah, o ministro ainda acrescentou que espera "o mínimo de violência, o mínimo de derramamento de sangue e que se estabeleça processo político que leve a uma transição benigna". Também espero.

Mas dá para explicar como poderia haver "mínimo de violência e de derramamento de sangue" se a comunidade internacional seguisse o Brasil e não votasse a zona de exclusão aérea? Patriota, como brilhante diplomata, sabe que Gaddafi não é exatamente madre Teresa de Calcutá e que, sem os bombardeios, iria fazer pó de Benghazi e de seus habitantes.

Pode-se lançar mil e um argumentos, alguns até ponderáveis, para ser contra a decisão do Conselho de Segurança. Mas quem usa qualquer um desses argumentos deveria dar-se ao trabalho de contar também o que aconteceria se a proposta fosse rejeitada.

Aconteceria mais um massacre. Simples assim.

Uma segunda ordem de argumentos pede sanções também ao Bahrein (ou à ditadura que seu gosto pessoal recomendar, leitor amigo). Dadas as condições que se deram na Líbia, nada contra.

Mas faltaria, em qualquer caso, a legitimidade que só uma decisão do Conselho de Segurança pode dar, de acordo com as regras internacionais. São as que temos.

A escolha continua sendo evitar ao menos um massacre ou tolerar todos. Não é tão difícil escolher.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A crise Naom, o mundo e o Brasil::Antonio C. de Lacerda

A crise nos países do Norte da África e do Oriente Médio (Naom) tem trazido instabilidade nos mercados, com a elevação dos preços do petróleo, volatilidade nas bolsas de valores e demais ativos. A pergunta é: até que ponto essa crise pode afetar negativamente a recuperação em curso na economia mundial e interromper o crescimento brasileiro?

As primeiras questões importantes são a durabilidade e a extensão da crise. O tempo que durará a instabilidade e quantos países da região serão afetados. Embora a Líbia responda por só 2% do abastecimento mundial, o preço do petróleo cresceu 20% nas primeiras semanas após o início do conflito, pelo temor de que a crise se alastre para os países da região, que juntos respondem por 35% da produção petrolífera global. Há ainda o efeito da redução dos estoques globais, fator anterior à recente crise, mas da crise financeira de 2008/2009, o que contribuiu para aumentar a incerteza.

Estudo recente da Agência Internacional de Energia aponta para a necessidade de investimentos da ordem de US$ 10 trilhões até 2030 só para garantir maior nível de segurança de abastecimento, levando em conta a demanda e as sua fontes de suprimento, ainda sob grande influência da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

O Brasil não tem como não sofrer impactos dos recentes acontecimentos, até porque, se a crise se agravar e isso provocar um aumento sustentável dos preços do petróleo, o ritmo de crescimento da economia mundial pode ser afetado. Mas a situação da economia brasileira hoje é bem diferente da de crises anteriores do petróleo, não só pelos indicadores macroeconômicos, mas também pelo maior grau de autossuficiência energética. A elevação do preço do petróleo, se, por um lado, gera transtornos, como o aumento de insumos industriais e agrícolas no curto prazo, por outro, representaria um aumento do potencial de geração de receita do pré-sal.

Se o cenário de agravamento da crise prevalecer, o que me parece menos provável, a redução do ritmo de crescimento da economia mundial deve impactar negativamente os preços das commodities minerais e agrícolas. Isso geraria queda na receita potencial dos países exportadores desses produtos. Por outro lado, seria um fator que, junto com a redução do crescimento mundial, arrefeceria a recente pressão inflacionária.

Considerando os aspectos levantados, o melhor cenário para a economia mundial e, pois, a brasileira seria de uma resolução relativamente rápida da crise. Mas, se esse é o desdobramento mais desejável, não necessariamente pode ser o mais provável, mesmo porque envolve questões que extrapolam o campo econômico, envolvendo aspectos étnicos, políticos e religiosos. Muitos dos países envolvidos têm estruturas e características próprias, que certamente exigirão alternativas diferenciadas.

Enquanto prevalecer um certo grau de instabilidade quanto à reorganização social, política e econômica na região, os impactos sobre a economia mundial continuarão a exercer influência sobre os indicadores econômicos, ainda com reflexos no comportamento das bolsas de valores e demais ativos. O desdobramento dos efeitos da catástrofe no Japão é outra variável a gerar incógnitas no cenário econômico global.

No momento, a única certeza é o aumento da incerteza. Convém ao Brasil evitar tomar decisões com base num quadro que está a mudar substancialmente. Refiro-me especialmente à taxa de juros e outras medidas para "desaquecer" o nível de atividade. Até porque, num cenário de estresse na economia mundial, o freio virá naturalmente. Nesse caso, o risco é perder o timing e errar a mão na correção de rumos, sendo "mais realista que o rei" e exagerando na dose. Aí estaríamos pagando um custo maior e desnecessário. É preciso redobrar a atenção na análise e interpretação dos indicadores da economia, de forma ampla, para minimizar o risco de tomar decisões equivocadas de políticas econômicas.

Economista, Doutor pelo IE/UNICAMP, Professor Doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, é co-autor, entre outros livros, de "Economia brasileira" (4ª edição, Saraiva, 2010)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Um trimestre forte:: Míriam Leitão

A economia brasileira continua dando sinais mistos neste início de ano, mas o PIB deve crescer mais no primeiro trimestre do que no final de 2010. O emplacamento de veículos subiu 18% nos dois primeiros meses, mesmo com as medidas de restrição do crédito. O mercado de trabalho permanece forte, sustentando a renda e o consumo. O varejo mantém o ritmo de vendas financiadas.

A estimativa do Itaú Unibanco é de que o PIB terá alta de 1,2% no primeiro trimestre. É a mesma projeção da consultoria MB Associados, enquanto a Tendências prevê 1%. Em todos os casos, haverá crescimento maior em relação ao quarto tri de 2010, quando o PIB cresceu 0,7%. Para o ano, a previsão é de 3,6%, segundo o Itaú, menos da metade dos 7,5% de 2010. A indicação, portanto, é de que a economia irá desacelerar ao longo do ano.

Em sua ida ao Senado na terça-feira, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, falou em redução dos prazos de financiamento de veículos e aumento dos juros, como resultado das medidas do final do ano passado. Mas os números da Fenabrave de emplacamentos mostram que o ritmo permanece forte, com alta de quase 20% nos dois primeiros meses do ano. A principal explicação é o mercado de trabalho, que continua aquecido, garantindo renda e previsibilidade de rendimentos, com o aumento da formalização do emprego. Além disso, a falta de mão-de-obra em alguns setores tem permitido reajustes salariais em muitos casos acima da inflação.

O presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), Fernando de Castro, diz que houve pequena desaceleração do comércio no início do ano. Se o crescimento do setor em 2010 foi de 9,5%, pela medição do IDV, em março, a expectativa é de 7,5%, em relação ao mesmo mês de 2010. Ao contrário do que se poderia imaginar, a redução não está acontecendo nos segmentos ligados ao crédito, mas nos gastos correntes das famílias:

- Está havendo crescimento, mas percebemos uma pequena desaceleração, discreta. Os bens duráveis não foram impactados nem os semiduráveis. Os consumidores estão preferindo cortar gasto corrente, de bens não duráveis, para pagar prestações e planejar novas compras a prazo. Ao longo do ano, deverá acontecer uma inversão, mas não haverá desaceleração abrupta.

Castro explica que o mercado de trabalho é o principal fator para a manutenção do ritmo, apesar das medidas adotadas pelo BC. A inflação, segundo ele, também não tem afetado o consumo porque os reajustes salariais estão repondo as perdas:

- A inflação não tem afetado de forma significativa o hábito do consumo. Ela tira poder de compra, mas a massa salarial continua crescendo com reajustes acima da inflação em muitos casos. Temos um mercado de trabalho com ganhos reais.

O consultor André Beer, vice-presidente da GM do Brasil por 18 anos, acha normal que a desaceleração do setor automobilístico seja gradual, porque o ritmo estava forte. Mesmo assim, ele estima queda nas vendas este ano, de 3,5 milhões para algo entre 3 milhões e 3,3 milhões:

- Quando o crescimento está forte, só se houver um tranco muito grande para frear. Então é normal que os dados ainda sejam altos. A desaceleração será gradual.

Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, acredita que o ritmo da economia ficará mais fraco a partir de setores sensíveis ao crédito. Por isso, olhar para a indústria automobilística é importante. Ele lembra que, apesar dos dados da Fenabrave, o indicador do IBGE, de vendas no varejo ampliado, que inclui veículos, caiu 0,2% em janeiro, enquanto o varejo restrito, sem automóveis, subiu 1,2%.

- Os dados estão mistos. Pelos números do IBGE, a parte menos sensível à concessão de crédito continua muito forte, como supermercados, enquanto a que depende de crédito começa a dar sinais de mudança de tendência. Há indícios de redução, mas gradual, especialmente no setor automobilístico. Os juros que o BC sobe têm efeito mais lento sobre os consumidores e o mercado de trabalho - explicou.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) está preocupada com o aumento dos juros. Por isso, espera que o governo de fato reduza gastos, abrindo espaço para o consumo privado. De acordo com Renato da Fonseca, gerente-executivo de Pesquisa, Avaliação e Desenvolvimento da CNI, a indústria acumula queda de 0,1% nos últimos seis meses. Enquanto os setores mais sensíveis aos importados apresentam redução forte, como calçados (-9,3%); têxtil (-7,5%); e metalurgia básica (-4,5%); outros continuam a todo vapor, como máquinas e equipamentos para escritório (15%); gráficas e impressoras (9,9%); e mobiliário (7,4%):

- Desde a crise de 2008, o que vem sustentando a indústria é o mercado interno. Com a alta da inflação e o aumentos dos juros, o receio dos empresários é de que a demanda interna também seja afetada. Por isso, os indicadores de confiança, embora ainda estejam altos, vêm caindo mês a mês. É muito importante que o governo reduza seus gastos para que o que o setor privado possa continuar gastando.

Fábio Silveira, da RC Consultores, estima que o crédito para pessoa física ainda terá alta de 15% este ano, enquanto a massa salarial crescerá 4,8%. Taxas acima do crescimento projetado por ele para o PIB, de 3,8%. Não será tarefa fácil para o BC reduzir o excesso de velocidade.

FONTE: O GLOBO

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Novo ministro surpreende e joga Ficha Limpa para 2012

Com o voto de desempate do ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 a 5, que a Lei da Ficha Limpa não vale para a eleição de 2010 e só terá efeitos na de 2012. Fux acompanhou o voto do relator, Gilmar Mendes, e afirmou que a lei, editada em junho de 2010, não poderia ter efeito para o mesmo ano. O resultado inverte a decisão do STF tomada no ano passado, quando, diante do empate, a Corte declarou a lei válida para o pleito que se realizava. E causará mudanças nas assembleias legislativas e no Congresso, pois políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas ainda assim concorreram, poderão ter votos validados. É o caso de Jader Barbalho (PMDB-PA), que disputou o Senado e obteve votos suficientes para ser eleito. Especialistas criticaram a decisão do STF. Para integrantes do Movimento Ficha Limpa, que colheu 1,6 milhão de assinaturas para o projeto, os fichas-sujas ganham sobrevida pública.

Ficha Limpa só valerá em 2012

DECISÃO NO SUPREMO

No voto de desempate, ministro Fux surpreende e diz que medida não pode ter efeito retroativo

Carolina Brígido e Demétrio Weber


Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. A decisão inverte a interpretação dada pelo tribunal, em julgamento realizado ano passado, quando a lei foi declarada válida para o último pleito. Haverá reviravolta na composição de assembleias legislativas e do Congresso Nacional: políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas, ainda assim, concorreram, poderão ter seus votos validados. Há no STF recursos de 29 políticos nessa situação. Agora, essas candidaturas terão de ser legitimadas - como a de Jader Barbalho (PMDB-PA), que concorreu sem registro a uma cadeira no Senado e obteve votos suficientes para ser eleito.

Ano passado, o STF julgou um recurso no qual Jader questionou o início dos efeitos da lei. A votação terminou em empate e os ministros optaram por manter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinara a aplicação da lei em 2010. O impasse ocorreu porque a composição do STF estava incompleta desde agosto de 2010, quando Eros Grau se aposentou. O ministro Luiz Fux foi nomeado para a vaga no último dia 3, com a missão de desempatar a votação. Ontem, o novato votou contra a validade da lei na última eleição.

A decisão foi tomada no julgamento do recurso do deputado estadual Leonídio Bouças (PMDB-MG), que teve o registro de candidatura negado porque fora condenado por improbidade administrativa - um dos impedimentos para disputar as eleições, segundo a lei. Fux ressaltou que o artigo 16 da Constituição Federal impede mudanças na regra eleitoral a menos de um ano da votação. A Lei da Ficha Limpa foi editada em 7 de junho de 2010.

- Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição - disse. - Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades no ano da eleição efetivamente inaugura regra nova inerente ao processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência da casa.

Fux elogia lei de iniciativa popular

Segundo Fux, o artigo 16 é uma garantia para eleitores e candidatos, pois evita surpresas e casuísmos às vésperas das eleições. Fux aproveitou para elogiar a iniciativa da lei.

- A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político - declarou, logo no início do voto.

Mas ponderou em seguida:

- Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional.

Os demais ministros mantiveram suas posições expressas no julgamento do caso Jader. Votaram contra a aplicação imediata: Gilmar Mendes, José Antonio Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da Corte, Cezar Peluso. Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ellen Gracie defenderam a validade para 2010.

No início da sessão, o STF decidiu que o julgamento teria repercussão geral. Ou seja, ao julgar outros recursos semelhantes, os ministros ficam obrigados a seguir o mesmo entendimento firmado ontem. Os recursos não precisarão ser submetidos ao plenário e serão julgados por um ministro. Estão nessa situação o ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB), candidato ao Senado; Janete Capiberibe (PSB-AP), candidata a deputada federal; e João Capiberibe (PSB-AP), candidato a senador.

O relator do caso Bouças, Gilmar Mendes, Foi o primeiro a votar. Ponderou que o STF não tem o dever de legitimar uma lei de iniciativa popular:

- Essa é a missão da Corte: aplicar a Constituição, ainda que contra a opinião majoritária - disse. - Não raras vezes a Corte tem que defender o cidadão contra sua própria sanha, contra os seus próprios instintos. Dependendo da quadra, pode se defender o fuzilamento, a pena de morte. É preciso ter cuidado com esse interesse, o sentimento popular.

Gilmar criticou o período de inelegibilidade estabelecido pela lei para condenados por improbidade administrativa, que pode chegar a mais de 30 anos:

- Eu não consigo imaginar que tenha sido essa a intenção (do legislador). Se foi, é algo para a psiquiatria jurídica. O tema não é jurídico, é para a psiquiatria jurídica - disse.

A decisão foi tomada com base exclusivamente no artigo 16 da Constituição. No entanto, alguns ministros declararam posições contrárias a outros aspectos da lei. Gilmar, Marco Aurélio e Peluso criticaram a possibilidade de declarar alguém inelegível por ato praticando antes da edição da lei:

- Essa exclusão da vida pública com base em fatos acontecidos antes do início de vigência da lei é uma circunstância histórica que nem as ditaduras ousaram fazer. As ditaduras cassaram mandatos. Nunca foi editada na ditadura uma lei para punir fatos praticados antes de sua vigência - disse Peluso.

Após o julgamento, Fux esclareceu:

- Para frente, a Lei da Ficha Limpa está valendo.

Leonídio Bouças foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais por improbidade administrativa. Em 2002, quando era secretário da Prefeitura de Uberlândia, teria usado a máquina para promover sua candidatura a deputado estadual. Segundo a Justiça mineira, houve enriquecimento ilícito e proveito patrimonial.

FONTE: O GLOBO

Indio deixa o DEM e mexe com eleição no Rio

Debandada leva partido a negociar aliança com o PR de olho na sucessão de Eduardo Paes

Gerson Camarotti e Marcelo Remígio

BRASÍLIA E RIO. Depois de duas horas de reunião, o vice-presidente nacional do DEM, o ex-deputado fluminense Indio da Costa, anunciou ao presidente da legenda, senador José Agripino Maia (RN), sua decisão de deixar o partido no início da noite de ontem. Ele foi acompanhado pelo presidente do diretório municipal do DEM no Rio, o ex-líder do governo Cesar Maia na Câmara de Vereadores, Paulo Cerri. Indio da Costa foi candidato a vice na chapa do presidenciável tucano José Serra, ano passado.

Com isso, crescerá a debandada no DEM do Rio em protesto ao ex-prefeito Cesar Maia. No dia anterior, a ex-deputada Solange Amaral (RJ) já havia feito o mesmo. Indio não disse a qual partido irá se filiar, mas tudo indica que ele entre no PSD, que será criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

- Como posso fazer política nacional sem poder trabalhar no estado e no município? Comecei na política com Cesar Maia há 19 anos. Por isso, não vou disputar com ele. Se Cesar acha que não deve haver renovação no DEM, então vou buscar um novo caminho. É uma questão de sobrevivência. Ou eu faço isso e deixo o partido, ou não sobrevivo.

A saída de Indio do DEM mexeu com o cenário da sucessão municipal no Rio. Se optar por concorrer pelo PSD, o ex-deputado forçará Cesar a lançar mão da candidatura de seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia (RJ). Para cacifar o parlamentar, a legenda, até então isolada, negocia uma aliança com o PR do deputado federal Anthony Garotinho, que indicaria o vice.

A escolha de um vice por parte de Garotinho ainda depende do futuro do próprio deputado. O ex-governador seria a primeira opção do PR para concorrer à sucessão de Eduardo Paes (PMDB), que tentará a reeleição. Garotinho não descarta indicar a filha, a deputada estadual Clarissa (PR), para vice de Maia.

- A decisão dele (Indio) deve ser respeitada - afirmou Cesar, ressaltando que o DEM definirá alianças e candidato no início do segundo semestre.

FONTE: O GLOBO

Serra e Aécio divergem sobre sistema eleitoral

Raquel Ulhôa

O ex-governador José Serra, candidato derrotado a presidente da República pelo PSDB, apresentou ontem à bancada do seu partido no Senado proposta de adoção do sistema distrital puro nas eleições de vereador em 2012, nos municípios de mais de 200 mil eleitores. O partido tende e encampar a proposta, assim como já decidiu defender a implantação do distrital misto nas eleições para deputados estaduais e federais.

O senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou ter "simpatia" pela proposta de Serra de adoção do distrital puro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, mas não se comprometeu. Ele lembrou que a comissão da reforma política está discutindo "o sistema geral". Nesse caso, a comissão ainda não faz distinção entre eleição proporcional em municípios ou em Estados. Aécio reafirmou que a posição do PSDB foi de defesa do "distrital misto", em que metade das vagas para a Câmara é decidida em votações nos distritos e a outra metade, em lista fechada.

O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), participou da reunião do seu partido, assim como o líder na Câmara, Duarte Nogueira (SP). A ideia, segundo Guerra, é que as bancadas das duas Casas trabalhem em sintonia. "Vamos trabalhar junto, Senado e Câmara, para não ter dispersão. A proposta do Serra será incorporada. Somos contrários ao "distritão". É um retrocesso, porque reduz o valor e o papel dos partidos", disse.

Para Serra, a adoção do voto distrital puro na eleição municipal em 2012 seria simples, exigiria apenas aprovação de projeto de lei - e não de uma mudança constitucional - e poderia servir como um teste para eventual implantação desse sistema eleitoral nos Estados, a partir de 2014, para eleger deputados estaduais e federais. Na comissão, os senadores do PSDB votaram a favor do distrital misto a partir de 2014. Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) chegou a apresentar a mesma sugestão de Serra, para as eleições municipais, mas ela não foi discutida.

"Seria uma experiência, para ver como funciona o voto distrital. Hoje numa cidade como o Rio de Janeiro, que tem mais de 4 milhões de eleitores, um candidato a vereador tem que disputar votos nesse universo todo. Não fica ligado a um lugar específico do Rio. Se a cidade for dividida em distritos, que elegerem seus representantes, eles serão ligados a questões da cidade", disse Serra. "Seria um avanço muito grande e reduziria muito os custos de campanha."

Serra disse que seria uma mudança apenas parcial, já que no Brasil existem cerca de 80 municípios desse porte, mas que abrigam quase 40% da população. Para os Estados, ele defendeu o voto distrital misto, pelo qual os deputados seriam eleitos por distrito e também por uma lista.

"Esse é um sistema que funciona em outros países. Não se trata de inventar pólvora. É um sistema mais barato e melhora a representatividade parlamentar. Tem que ter mecanismos de vinculação maior entre o eleito e o eleitor. No Brasil essa ligação é muito tênue", afirmou.

Ao mesmo tempo em que os tucanos discutiam o assunto com Serra, a mudança do sistema eleitoral era o assunto da reunião do vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado do PMDB, com a bancada do seu partido no Senado - e de partidos com os quais forma bloco no Senado (PP e PV). Temer foi reforçar a campanha pela aprovação do sistema majoritário (ou "distritão") nas eleições de deputados estaduais e federais e vereadores, em substituição do atual sistema proporcional.

A proposta - combatida pela oposição e pelo PT - tem apoio do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), presidente da comissão especial do Senado criada para discutir e propor uma reforma política.

Pelo sistema majoritário, os candidatos mais votados são eleitos, o que nem sempre acontece no modelo atual, em que as vagas dos partidos são calculadas em função dos votos obtidos pela legenda - o que faz com que um candidato muito bem votado ajude a eleição de colegas de partido ou coligação cuja votação não seria suficiente para levá-lo ao parlamento.

Temer saiu da reunião do PMDB otimista com o apoio à sua proposta. Segundo ele, a população entenderá melhor o sistema majoritário, pelo qual o candidato mais votado é eleito, independentemente do cálculo da proporcionalidade adotado hoje.

"O voto majoritário é uma indicação minha baseada no texto constitucional, que diz que todo poder emana do povo", disse. Satisfeito, Dornelles afirmou que Temer "foi muito competente" ao defender o voto majoritário. Esse modelo também está sendo chamado de "distritão", porque, na prática, o território todo (Estado ou município) seria tratado como um distrito.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Aliado de Alckmin lidera ação judicial contra o PSD

Fernando Taquari

Aliado de primeira hora do governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado estadual Campos Machado (PTB) lidera a iniciativa de contestar na Justiça o uso da sigla PSD (Partido Social Democrático). A movimentação é vista com bons olhos pelo Palácio dos Bandeirantes, que está preocupado com uma possível debandada de tucanos e aliados na Assembleia Legislativa.

O PSD foi criado duas vezes. A primeira pelo presidente Juscelino Kubitschek em 1945. Durou até 1965 quando foi extinto pela ditadura militar. Em 1980, depois que o regime liberou a criação de partidos, a sigla foi novamente registrada até ser incorporada pelo PTB, em 2003. Uma de suas principais lideranças era o deputado estadual Nabi Abi Chedid, que morreu em 2006.

Campos Machado promete recorrer à Justiça assim que chegar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o registro da nova sigla. "Na época, assumimos até os compromissos financeiros do PSD, que seguem pendentes", disse.

Além de frear o ímpeto de parlamentares interessados em migrar para a nova legenda, a iniciativa do petebista favorece Alckmin na medida em que contribui para esvaziar o palanque de Kassab, interessado em disputar o governo paulista nas eleições de 2014. O tucano deve concorrer à reeleição. Campos Machado, no entanto, nega que a ideia de contestar o uso da sigla tenha relação com a amizade ao governador.

"Somos muito amigos e eu vou acompanhá-lo sempre, mas não falei com o Geraldo (Alckmin) sobre isso", disse o deputado. A relação entre dois cresceu a partir de 2000, quando formaram uma chapa para disputar a prefeitura de São Paulo. A dobradinha foi repetida em 2008, quando tentaram, em vão, pela segunda vez chegar ao comando da capital paulista. O PTB estadual também ficou ao lado do tucano na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes em 2010.

A iniciativa ainda pode atrapalhar os planos dos futuros filiados do PSD que pretendam disputar as eleições de 2012, já que a ação deve postergar o registro da sigla. Advogado do PTB, Itapuã Messias ressaltou que o TSE nunca julgou uma situação similar. Mesmo assim, está otimista. Alega que ao invés da fusão, quando uma legenda se une a outra e cria um terceiro partido, a incorporação envolve a adoção do estatuto e do programa partidário da sigla incorporadora. Já os aliados do prefeito afirmam que o PSD deixou de existir e por isso não haveria impedimentos à sua criação.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Sirkis: ''Há um clima quase de ódio contra o grupo da Marina''

Alfredo Junqueira

Alfredo Sirkis, deputado e presidente do PV no Rio de Janeiro

Presidente do diretório estadual do PV do Rio e um dos assessores mais próximos da ex-senadora Marina Silva, o deputado federal Alfredo Sirkis (RJ) confirma que há um clima beligerante que divide a legenda e que pode culminar na criação de um novo partido.

O parlamentar, que integra o grupo Transição Democrática - que pede mudanças internas na sigla -, afirma haver boicote da atual direção contra pessoas ligadas a Marina. Para o verde, o clima é de "quase ódio" em relação a Marina e seus aliados.

Ele cita como exemplo a inviabilização da filiação de uma das filhas da ex-senadora ao diretório do Distrito Federal. Para Sirkis, é inaceitável que o deputado federal José Luiz Penna (SP) seja presidente nacional da legenda por 12 anos.

Quais são os principais pontos práticos de discórdia no PV?

A ideia de um presidente por tempo indeterminado, podendo até ser vitalício, é totalmente inaceitável. Acho que o presidente do PV tem que ter um mandato de dois anos, não ser reelegível. Tem que ser um coordenador, e não exercer o poder de forma vertical. O Penna preside o PV nos últimos 12 anos. Não existe nenhum outro partido - com exceção do partido do Eymael - que tem um único presidente há tanto tempo. Já foi o suficiente.

Há pressão para aceitar políticos sem identidade com a sigla?

Ele comentou na última reunião da Executiva que tinha feito um grande esforço para trazer o prefeito de Salvador (João Henrique Carneiro), o que era contrário à vontade do partido na Bahia. E trata-se de um prefeito completamente desmoralizado e queimado, que colocou a cidade num estado deplorável. Houve época em que ele defendeu a fusão do PV com o PSC. Ali há, de fato, uma divergência. O partido deve crescer necessariamente na cidadania e atrair políticos com mandato que tenham uma profunda afinidade ideológica e programática conosco. É melhor ser um partido menor e coerente do que um partido dentro da matriz tradicional da política brasileira.

A ex-senadora Marina Silva e seu grupo estão representados no comando do PV?

Houve um crescimento da Executiva, que está gigantesca, com 58 pessoas. O poder de fato é exercido por um grupo quase secreto em torno do presidente. A Executiva ficou quase cinco meses sem se reunir.

E a situação nos Estados?

Houve muitos problemas. Em alguns lugares houve até boicotes a pessoas que entraram com a Marina no partido. Situações muito sérias aconteceram no Amazonas, em Mato Grosso, e em outros Estados. Em Brasília, a filha da Marina, segundo ela, não conseguiu se filiar. As coisas nunca são colocadas explicitamente. São sempre uma névoa, um fog burocrático. Em vários lugares pessoas não conseguiram se filiar. Órgãos de reunião não se reúnem há muito tempo e decisões são tomadas de forma totalmente solitária por presidentes estaduais que fazem parte Executiva Nacional. Há uma certa clientela que se cria como base de sustentação do atual presidente.

Existe ou não a possibilidade de se criar um novo partido?

Não diria que é impossível. Mas não estamos trabalhando com essa hipótese nesse momento. Trabalhamos com a hipótese de diálogo. O problema é que criou-se uma coisa que nunca existiu dentro do PV. Há um clima de intimidação, gente que tem medo de se posicionar porque acha que pode sofrer represálias. Vejo um clima que eu nunca imaginei no PV, quase de ódio em relação a gente. Uma coisa muito radicalizada.

Cultura Política (PCB): Marcha da Questão Agrária no Brasil (jan./fev. 1964):: Caio Prado Junior

Já têm sido salientadas, embora não se tenham ainda suficientemente compreendido, a significação e importância que têm no Brasil a legislação rural-trabalhista e sua efetiva aplicação para a solução do problema agrário e a reforma de nossa economia rural. Esse aspecto da reforma agrária tem sido subestimado, inclusive e particularmente pelas correntes políticas de esquerda que acentuam quase unicamente o outro aspecto dessa reforma que vem a ser o parcelamento da propriedade rural e a eliminação do latifúndio. Costuma-se mesmo, freqüentemente, reservar a esta última categoria de medidas, a qualificação de “reforma agrária”, excluindo dela expressa ou implicitamente a aplicação da legislação trabalhista que é relegada a um papel secundário e apagado. Haja vista os pronunciamentos a respeito das reformas de base, e da agrária em particular, onde se trata sempre do combate ao latifúndio, da divisão das terras, e não se toca senão incidentemente nas medidas de proteção do trabalhador rural e reguladoras das relações de trabalho no campo. É sintomático desse descaso o fato de ter passado a um primeiro e quase exclusivo plano dos debates em torno do assunto, a questão da desapropriação das propriedades rurais para o fim de loteamento e distribuição aos trabalhadores. É essa inclusive a posição dos comunistas que desde sempre se colocaram e ainda se colocam na liderança da questão. No documento mais recente em que definem sua posição em frente às reformas de base (a posição dos comunistas diante das Reformas de Base, Abril de 1963, publicado em Novos Rumos, 1 a 9 de Maio de 1963) o ponto relativo à legislação trabalhista não é incluído no texto que se ocupa da reforma agrária propriamente e das medidas destinadas à promovê-la. E sim é arrolado entre as “medidas parciais que melhorem a situação das massas camponesas, incrementem a produção de gêneros alimentícios e matérias-primas”. E assim mesmo essa inclusão é feita em último e mais que apagado e discreto lugar.

Nada justifica essa subestimação, e pelo contrário, os últimos desenvolvimentos da questão, particularmente no Nordeste onde o problema agrário se apresenta de maneira mais aguda, vêm em confirmação da outra tese, a saber, que é na aplicação efetiva da legislação trabalhista, sua ampliação e necessária correção em muitos pontos em que se vem mostrando insuficiente e defeituosa, bem como na adoção de providências complementares destinadas a consolidar e tirar todos os efeitos econômicos e sociais da nova situação criada pela melhoria das condições de vida do trabalhador obtidas com a aplicação daquela legislação trabalhista, é nisso sobretudo que deve consistir, no momento atual, a luta pela reforma e renovação de nossa economia agrária. É daí que se poderão esperar os melhores e mais profundos e imediatos reflexos de ordem econômica e social, e mesmo política, no conjunto da situação brasileira. O que vem ocorrendo no Nordeste constitui experiência preciosa e evidencia que a frente decisiva da luta pela reforma agrária se situa hoje sobretudo na implantação geral e definitiva, no campo, das normas reguladoras do trabalho. Pode-se dizer que aí reside o centro nevrálgico e ponto principal de partida da reforma que deve ser imediata e intensamente atacado. Não é por certo o único, mas sem dúvida o essencial e que oferece melhores perspectivas para a ação reformadora e seu sucesso.

Quais são esses fatos recentemente ocorridos no Nordeste, e particularmente em sua região de maior expressão econômica que vem a ser a área açucareira de Pernambuco? Um amplo e poderoso movimento dos trabalhadores da cana, movimento esse amparado e estimulado pelo governo do Sr. Miguel Arraes, governador do Estado, que assim mostra bem claramente sua inspiração democrática e renovadora da obsoleta estrutura das relações econômicas e sociais imperantes no campo brasileiro, logrou obter no correr do ano findo completa vitória no que diz respeito a pelo menos um dos ítens essenciais da legislação rural-trabalhista que são os níveis de remuneração do trabalhador. Hoje, a totalidade dos trabalhadores da cana que há menos de ano se contavam entre os setores mais explorados e miseráveis dessa já em conjunto tão miserável população rural brasileira, estão percebendo uma remuneração que, embora não tenha em si nada de extraordinário (se bem que ultrapasse o mínimo legal), representa para eles mais ainda que uma simples melhoria quantitativa, pois assume caráter de verdadeira transmutação em suas condições de vida. Basta citarmos os dados: há menos de um ano, percebiam de 80 a 120 cruzeiros diários. Hoje estão recebendo 900!

A explicação desse considerável progresso e magnífica vitória obtida em tão curto lapso de tempo e que subverteu por completo os tradicionais padrões e a escala de valores do interior pernambucano se encontra, a par do fator político que em outras áreas do país não foi ainda devidamente aproveitado e mobilizado para o mesmo fim, encontra-se na rapidez e eficiência com que os trabalhadores pernambucanos lograram se organizar e sindicalizar. É quase um milagre essa pronta e larga mobilização de trabalhadores rurais somente possível porque nela se concentrou a ação e direção política, o que mostra o grave erro de não se conceder a esse propósito, em outros lugares, a primazia no plano político da reforma agrária, em benefício de outros propósitos no momento ainda de remotas possibilidades práticas, como sejam a abolição do latifúndio e a divisão da grande propriedade rural. Conhecemos o interior pernambucano de longa data, e ainda em maio do ano passado, quando lá estivemos, nada fazia crer que de um momento para outro aqueles humildes e submissos trabalhadores da cana, jungidos à sua miserável existência de verdadeiros párias sociais e inteiramente passivos em frente aos usineiros e senhores de engenho seus patrões, fossem capazes de levantar a cabeça e levar de vencida os seus exploradores.

Mas assim foi, e mudou com isso a fisionomia da região pelos efeitos diretos e indiretos da brusca elevação dos padrões de vida da população local constituída em sua maioria de trabalhadores da cana e suas famílias. Modificou-se não apenas a existência dos trabalhadores diretamente beneficiados pela melhoria dos salários, e que começavam já a apresentar os primeiros sinais visíveis, embora ainda muito débeis, de sua integração nos padrões de vida de uma sociedade civilizada – o que não ocorria anteriormente –, mas já se estão sentindo os efeitos da nova situação criada com a brusca elevação do poder aquisitivo dos trabalhadores, nas atividades comerciais da região. Em dezembro do ano passado estivemos entre outros lugares em Palmares, centro da região canavieira sul do Estado e obtivemos aí informações concludentes a respeito em inquérito a que procedemos junto ao comércio local. Não encontramos duas opiniões nem informações divergentes. Grandes e pequenos comerciantes – tivemos contato com muitas e variadas pessoas, inclusive o gerente de uma agência bancária local –, foram unânimes em reconhecer e proclamar que o comércio e a cidade em geral se estão largamente beneficiando com o grande afluxo de seus novos consumidores que são os trabalhadores da cana com seus salários valorizados. O movimento comercial cresceu de várias vezes, e o fato se vem acentuando de mês para mês, não podendo, pois, ser atribuído simplesmente às festas de fim de ano. Está-se vendendo em Palmares – e trata-se evidentemente aí somente de uma amostra, pois o fato é geral em toda zona canavieira –, como nunca se vendeu antes. Não foi possível naturalmente, dada a rapidez da visita e sua improvisação, recolher dados precisos. É, aliás, de estranhar que as agências e organismos oficiais voltados para os problemas de desenvolvimento do Nordeste, como em especial a Sudene, não se tivessem, até agora, mostrado particularmente interessados no assunto, e não procurassem acompanhar atenta e sistematicamente a sua evolução. Encontra-se aí uma experiência evidentemente da maior importância e significação para a análise e interpretação dos problemas de desenvolvimento econômico, e que mereceria por isso uma atenção que infelizmente ainda não lhe foi concedida. Faltam por isso dados quantitativos precisos do fenômeno. Mas o fato aí está para quem quiser observá-lo: o interior pernambucano passa indubitavelmente por transformação de grande alcance no que se refere à vida local, graças ao consumo crescente, pelos trabalhadores rurais, de artigos que até há pouco ignoravam completamente ou adquiriam em quantidades mínimas, como sejam camas, colchões, tecidos, calçados (na zona rural pernambucana era excepcionalíssimo encontrar alguém calçado), artigos de toucador, louça, até mesmo pequenos rádios de pilha. O comércio não tem mãos a medir para atender a esse brusco aumento de sua clientela e os pedidos que lhe vem de um setor até ontem praticamente ausente do mercado, embora constituísse o maior contingente demográfico local.

Trata-se por certo de um processo ainda em começo, e demorará ainda algum tempo – mesmo porque depende também de outros fatores mais complexos – até que a massa rural pernambucana se integre efetivamente e por completo na vida normal de uma sociedade civilizada de que na realidade sempre viveu praticamente afastada. Mas os primeiros sintomas e índices do que significa o processo em início já são suficientes para alcançar algumas conclusões de ordem econômica, social e mesmo política, da maior relevância.

A ampliação do mercado que resulta da irrupção nele de um considerável contingente de novos consumidores antes dele afastados, constitui sem dúvida um poderoso estímulo às atividades produtivas, em particular da indústria. Já se fala em Palmares na eventualidade da transformação do insignificante centro urbano que é hoje a cidade, em importante praça comercial e centro de grande atividade econômica e vida social. Verifica-se com isso que um dos principais, e podemos dizer que fundamentalmente o principal ponto de estrangulamento da economia nordestina e grande responsável do subdesenvolvimento da região, começa a apresentar as primeiras perspectivas de solução. É possível prever o rompimento do tão conhecido círculo vicioso do subdesenvolvimento, que consiste na deficiência de iniciativas e de atividades produtivas por efeito da insuficiência de estímulos num mercado restrito; restrição essa por seu turno decorrente da falta daquelas mesmas iniciativas e baixo nível de atividades econômicas.

De outro lado, o encarecimento da mão-de-obra rural terá necessariamente por efeito – trata-se de uma lei invariável da economia capitalista – estimular a produtividade agrícola pela introdução de melhoramentos tecnológicos (mecanização, adubação, etc.) Ao mesmo tempo esse encarecimento da mão-de-obra e aumento de custos contribuirá para a concentração da lavoura canavieira nas áreas mais favoráveis para essa cultura, liberando-se por essa forma as áreas menos favoráveis que poderão ser aproveitadas para outras atividades produtivas. É graças principalmente ao baixo custo da mão-de-obra que até hoje sempre prevaleceu no Nordeste, que foi possível à cana absorver e monopolizar a quase totalidade das terras, com todas as nefastas conseqüências de ordem econômica e social que daí decorrem. A liberação de áreas deixadas pela cultura canavieira constituirá inclusive estímulo para o parcelamento de grandes propriedades que se mostrarem menos propícias à grande lavoura. Note-se que já começam a aparecer algumas das primeiras iniciativas particulares de loteamento para venda de grandes propriedades. Essas iniciativas poderão e deverão ser estimuladas através de medidas fiscais e outras a fim de se incrementar esse processo de divisão expontânea de grandes propriedades, o que por certo constituirá importante fator do outro objetivo da reforma agrária que vem a ser proporcionar ao trabalhador rural que puder e quiser fazê-lo, maiores oportunidades de acesso à propriedade da terra.

Em suma, as conseqüências da valorização do trabalho rural observado nesta principal zona agrícola do Nordeste que vem a ser a da lavoura canavieira, são multiformes e se projetam em futuro mais ou menos próximo em transformações consideráveis e profundas da economia nordestina em geral. Não pode haver dúvidas que o Nordeste está ingressando agora, e graças sobretudo à elevação dos padrões de vida do trabalhador rural, em nova fase de desenvolvimento bem distinta do passado.

Evidencia-se nesse exemplo concreto que nos oferece o Nordeste e que aí está em pleno desenvolvimento para quem quiser observá-lo e dele extrair as lições que proporciona, a grande força potencial renovadora da economia agrária brasileira e estimuladora do processo de reforma agrária que se encerra na luta dos trabalhadores rurais pelas suas reivindicações imediatas e melhores condições de vida. O que plenamente confirma a tese a que nos referimos no início deste artigo, contra aqueles que teimam em acentuar quase unicamente o aspecto da reforma agrária que diz respeito à divisão de terras. Tem sido esta última, infelizmente, a posição dominante das forças de esquerda, como já notamos, com grande prejuízo, sem a menor dúvida, para a marcha da reforma agrária. Apegando-se unicamente a um aspecto dessa reforma que apresenta menores perspectivas de ação prática no momento, os seus defensores vêm contribuindo, embora inconscientemente no mais das vezes, para fazer da palavra de ordem da reforma cada vez mais um simples pretexto de agitação política de cúpula, traduzida em slogans que não atingem a massa trabalhadora rural (como sejam “reforma agrária radical”, “eliminação do latifúndio”, “terra para quem a trabalha”, etc.), e que se oferecem algum rendimento demagógico em restritos setores completamente afastados dos problemas do campo, pouco ou nada tem dado de prático no terreno da luta efetiva pelas reformas. Para comprová-lo é bastante observar a diminuta audiência e receptividade que tais slogans têm na massa dos trabalhadores rurais que deveriam naturalmente ser os primeiros a ouvi-los e os entender. Isso apesar de não faltar aos mesmos “slogans” a mais aparatosa orquestração, inclusive de círculos oficiais e do próprio Presidente da República. De efetivo e concreto, a campanha em favor da divisão da terra pouco ou nada tem produzido, nem despertou maior atenção da massa rural, circunscrevendo-se até hoje a luta pela terra quase unicamente a regiões e situações excepcionais, como é o caso dos posseiros das zonas pioneiras (oeste paranaense, Goiás...) e dos foreiros de algumas restritas zonas de importância secundária do Nordeste. Nas regiões de real e fundamental expressão na economia agrária brasileira, e onde se concentra a larga maioria da população trabalhadora rural – na lavoura canavieira do Nordeste e do Centro Sul, nos cafezais de São Paulo e Paraná, nos cacauais da Bahia, etc. –, nessas regiões e reivindicação da terra não encontra eco, e não se esboçou aí, em proporções dignas de nota, nenhum sintoma de luta social. O que contrasta vivamente com a agitação, luta e abertura de amplas perspectivas de reforma e renovação econômica, social e podemos até dizer política, que se apresentam no setor das reivindicações trabalhistas. Contraste que ainda seria maior se nesta última direção se tivesse acentuado e concentrado a ação das forças políticas de esquerda, seja através da propaganda, organização e mobilização dos trabalhadores, seja na luta parlamentar pelo aperfeiçoamento e ampliação da legislação social-trabalhista aplicável ao campo; bem como pela adoção de medidas legais complementares destinadas a facilitar e estimular a organização dos trabalhadores rurais, promover e consolidar o novo estatuto material e social deles.

Em vez disso, as forças políticas de esquerda, inclusive os comunistas, se desgastam em estéril agitação que serve muito mais os propósitos do carreirismo político que os verdadeiros interesses das camadas trabalhadoras do campo e os objetivos econômicos e sociais da revolução brasileira. Na raiz dessa falseada orientação política está a incompreensão da realidade brasileira e do sentido profundo do nosso processo revolucionário, o que leva a distorções produzidas por erradas concepções teóricas que consiste ou inconscientemente se inspiram em situações econômicas e sociais completamente estranhas ao Brasil e aqui inexistentes. Decalcou-se simplesmente e sem maior espírito crítico e científico, o inaplicável modelo da reforma e revolução agrária dos países europeus. E se transportou para cá, encaixando arbitrariamente na evolução histórica brasileira, a situação da Europa egressa da Idade Média e do feudalismo cuja economia agrária, tão distinta da nossa, se caracterizava essencialmente pela presença de uma economia e classe camponesa, isto é, uma estrutura econômica e social de pequenos produtores individuais constituída de unidades familiares voltadas essencialmente para a produção de subsistência e onde o mercado representava papel secundário e subsidiário. Essa economia camponesa dos países europeus se encontrou até os tempos modernos – e na Europa oriental, inclusive na Rússia tzarista, até o séc. XX – oprimida, explorada e sufocada pela grande propriedade fundiária de origem feudal. Propunha-se assim a reforma agrária em termos de libertação dessa economia e classe camponesa. Isso se traduzia, em termos sociais, na abolição das restrições de ordem pessoal que pesavam sobre os camponeses e que nos casos extremos consistiam na servidão da gleba; restrições essas que em maior ou menor grau lhes tolhiam a liberdade jurídica e a livre disposição dos produtos de que dependia sua subsistência. E significava, no plano econômico, abrir passo no campo para uma economia mercantil, isso é, de produção para o mercado; bem como para o estabelecimento de relações capitalistas de produção e trabalho, o que representava condição necessária, no momento, para o progresso e desenvolvimento das forças produtivas da agricultura.

Completamente distintas, como logo se vê, são as condições brasileiras, tanto no que se refere à formação histórica de nossa economia, como em conseqüência, no que diz respeito à situação nos dias de hoje. A economia agrária brasileira não se constituiu na base da produção individual ou familiar, e da ocupação parcelária da terra, como na Europa, e sim se estruturou na grande exploração agrária voltada para o mercado. E o que é mais, o mercado externo, o que acentua ainda mais a natureza essencialmente mercantil da economia agrária brasileira, em contraste com a dos países europeus. Não se constituiu assim uma economia e classe camponesa, a não ser em restritos setores de importância secundária. E o que tivemos foi uma estrutura de grandes unidades produtoras de mercadorias de exportação trabalhadas pela mão-de-obra escrava. Situação essa que no fundamental se conservou até hoje. Manteve-se praticamente intacta a grande exploração agrária, operando-se nela, com a abolição da escravidão, a substituição do trabalho escravo pelo livre sem afetar com isso a natureza estrutural da grande exploração. Até mesmo, em alguns e importantes casos, a grande exploração se ampliou e integrou ainda mais. É o que se deu recentemente com a lavoura canavieira no Nordeste onde os antigos engenhos foram sendo progressivamente absorvidos e concentrados e pela usina; bem como em São Paulo, onde a produção açucareira se vem aceleradamente desenvolvendo a ponto de constituir hoje o Estado o principal produtor do país, e onde essa produção se acha altamente concentrada.

Nessa perspectiva da economia do açúcar é muito fácil observar as incoerências e inconseqüências das interpretações mais em voga acerca da economia agrária brasileira difundidas nos meios de esquerda. Segundo essas interpretações, o latifúndio constituiria uma sobrevivência “arcaica” de natureza “feudal ou semifeudal”, hoje inteiramente obsoleta e ultrapassada pelas exigências do desenvolvimento econômico. No entretanto no caso da economia açucareira que constitui sem dúvida um dos principais setores da agricultura brasileira, e certamente aquele em que se encontra a maior concentração fundiária, observa-se, sem margem para dúvidas, que essa concentração, nas proporções em que se verifica e continua se ampliando, representa fato recente e da maior atualidade, nada tendo de “arcaico” e “obsoleto”. Bem pelo contrário, ela não somente tem por estímulo fatores de natureza essencialmente capitalista (em que sobrelevam as exigências dessa grande unidade industrial moderna que é a usina de açúcar), mas ainda proporcionou e foi mesmo condição necessária do aumento de produtividade verificado e do desenvolvimento econômico. Como se enquadraria esse fato tão notório e tão fácil de ser observado e analisado, nos esquemas teóricos correntes acerca da natureza da economia agrária brasileira? É claro que tal enquadramento somente se faz e pode fazer à custa de uma completa distorção dos fatos reais, e mesmo desconhecimento e desprezo dos de maior relevo. E teremos então, como era fatal, erros grosseiros nas conclusões práticas derivadas de tal interpretação falseada, acerca do sentido das reformas propostas. Como exemplificação, lembremos o mesmo documento acima citado, a posição dos comunistas diante das Reformas de Base, onde num capítulo especial acerca da política de desenvolvimento do Nordeste se propõe como meta da luta pela reforma agrária, a “desapropriação das terras dos latifúndios na faixa úmida do litoral (isto é, zona açucareira) e a distribuição das terras aos camponeses”. O que se está efetivamente verificando na prática é coisa muito diferente; mas nem por isso os próprios autores do documento em questão porão em dúvida, estamos seguros, o considerável impulso no sentido da reforma e renovação da economia agrária verificado na zona açucareira do Nordeste, embora isso se esteja dando por vias que a interpretação teórica e a orientação prática deles não previra nem propusera.

Nesse caso da lavoura açucareira do Nordeste, uma falseada concepção teórica não impediu, embora tenha por vezes embaraçado o progresso realizado. De um comunista local ouvi a afirmação que não concordava muito com o caminho que estava seguindo a luta dos trabalhadores da cana porque isso os desviava do objetivo que devia teoricamente ser o seu, a saber, a “reforma agrária radical” nos termos propostos pelo documento e programa comunistas que citamos. Eis aí como uma errada teoria pode desorientar a prática e embaraçar com restrições descabidas e hesitações a marcha da reforma. Não houve, contudo, no caso que estamos considerando, maior prejuízo, porque na situação particular do Nordeste era tal a pressão das contradições presentes – a que se aliou a circunstância particularmente favorável de um governo estadual que deu seu apoio à luta dos trabalhadores –, que foi possível superar quaisquer insuficiências teóricas que se supriram com o empirismo da ação prática. Em outros lugares, todavia, onde tais estímulos e fatores favoráveis à reforma não ocorreram, ou não lograram se manifestar de maneira tão forte, o erro teórico e a desorientação conseqüente da prática deram como resultado o esmorecimento da ação. Não pode ser contestado que nas condições altamente favoráveis do momento presente, tanto no que respeita à situação econômica, social e política geral, como no que se refere à compreensão e ânimo de luta dos trabalhadores rurais brasileiros, a questão agrária marcha muito lentamente na generalidade do País. E continuará assim por muito tempo, até que as forças políticas populares e de esquerda se decidam intervir acertadamente no assunto, deixando de lado a estéril agitação por objetivos que se acham no mais das vezes, na situação do país e no momento que atravessamos, muito além e mesmo inteiramente fora do realizável, a fim de se concentrarem naquelas tarefas da reforma que efetivamente respondem à sua fase e etapa atuais. Essa é a condição para o apressamento da transformação e renovação da economia agrária brasileira, preliminar necessária de novo Brasil de amanhã que se está construindo.

Revista Brasiliense, n. 51, jan/fev., 1964. (último número da revista)

Adoniran Barbosa e Elis Regina

Aula de português ::Carlos Drumonnd de Andrade

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, esquipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.