- O Estado de S.Paulo
Talvez seja o momento de lamentar nossa evidente falta de verdadeiras lideranças
Não acho que as opções mais prováveis que se colocam diante do eleitor após o primeiro turno – a julgar pelo cenário trazido pelas pesquisas mais recentes, seria o confronto Fernando Haddad versus Jair Bolsonaro – sejam uma escolha de Sofia ou possam ser descritas como dilema do prisioneiro.
A primeira é a horrível situação, descrita no filme com Meryl Streep sobre a rampa de seleção em Auschwitz, em que qualquer escolha implica uma tragédia. O segundo é uma adaptação da Teoria dos Jogos, segundo a qual escolhas individuais visando exclusivamente a interesse próprio (nesse contexto, o voto anti-Bolsonaro ou o voto anti-PT) acabam produzindo um resultado coletivo pior para cada indivíduo.
Acho que a questão essencial neste momento é tentar entender a natureza do fenômeno que enfrentamos na próxima votação – duas posturas radicalmente opostas, antagônicas e, a julgar pelo palavreado em curso, irreconciliáveis. Trata-se de ocorrência efêmera, típica de polarização em disputa eleitoral, ou, ao contrário, de uma profunda transformação da política brasileira caracterizada, antes de mais nada, pelo “esfarelamento” do que se poderia descrever como “centro”, “moderação” ou “equilíbrio”?
Tendo pela segunda hipótese. Em primeiro lugar, não é nada novo o fenômeno da resistência ao lulopetismo, que é a expressão do que há de retrógrado e atrasado na política brasileira, resistência que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e a resultados de eleições como as municipais de São Paulo de 2016. Em segundo lugar, em oposição à ferocidade como o lulopetismo se dedicou (em parte com dinheiro público desviado, como hoje sabemos) a destruir seus adversários políticos, encarados sempre como “inimigos do povo”, cresceu um vigoroso movimento pendular contrário, com capilaridade, abrangência e características próprias de uma “guerra cultural” (ou seja, de afirmação ou negação de valores).
No meio desse movimento foram apanhadas elites pensantes que, à falta de um projeto de País razoavelmente desenhado, e em dúvida sobre as próprias ideias, parecem pregar a um deserto de ouvintes – e que se sentem “órfãos” de representação – os valores democráticos, harmonia, estabilidade, coesão de princípios e o que mais pareça bonito, socialmente responsável e capaz de arrancar aplausos de gente “razoável”.