Já se tornou lugar comum, de tão repetida, a máxima segundo a qual eleições municipais resolvem-se no município, em torno de questões locais como transporte, saúde, educação, conservação de vias etc. Assim, pouca importância teriam as disputas nacionais dos partidos para definir os pleitos locais, pois seria improvável que os eleitores votassem no município levando em consideração sua avaliação dos governos nacional e estadual.
O saber convencional tende a preconizar que os partidos reforçam tal tendência, pois suas disputas e seus alinhamentos locais não mimetizam o que ocorre nos planos estadual e - sobretudo - federal. De fato, na medida que se desce na escala populacional e econômica dos municípios, mais o não mimetismo é verdadeiro. Pode-se afirmar que quanto mais baixo se vai nessa escala, menos importam os partidos - ou, ao menos, a lógica nacional dos partidos. Assim, quanto mais se vai o interior do Brasil, mais frequentes se tornam alianças improváveis nas grandes cidades, nos Estados e - principalmente - no âmbito federal.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, desenha-se no município de Farroupilha uma coligação entre o PT e o DEM (normalmente adversários atávicos) contra o PMDB. Essa municipalidade tem pouco mais que 63,5 mil habitantes, segundo o último Censo. Em Braço do Norte, Santa Catarina, onde vivem menos de 30 mil cidadãos, o atual prefeito, do PP, concorre à reeleição e negocia uma coligação que junte PSDB, DEM, PPS, PSD e PT. Encontraremos outros casos pelo interiorzão afora, se percorrermos o resto do país.
Alianças locais revelam estratégia nacional de partidos
Todavia, é difícil imaginar tal união de forças em municípios maiores e, sobretudo, em capitais. Nesses, embora a realidade municipal continue a ser o fator preponderante para a escolha do eleitor e, consequentemente, para as estratégias eleitorais locais dos partidos, há mais imbricamento entre o que ocorre localmente e o que se desenrola no plano nacional.
Tal imbricamento não significa necessariamente alinhamento: não é porque partidos são aliados no plano nacional que necessariamente se aliarão em municípios maiores e capitais. Pode ocorrer até mesmo o contrário, pois conflitos travados entre aliados no plano federal são um dos fatores a explicar sua pouca disposição a preservar alianças (algumas bem tradicionais) nos municípios. Considerando-se uma pequena amostra de capitais para as quais já há mais informação disponível (inclusive de pesquisas), observemos algumas situações.
PCdoB e PT, embora sejam partidos que caminham juntos na maior parte das vezes, nos três níveis de governo, desde a segunda metade dos anos 80, vêm mostrando bem menos afinidade nos pleitos deste ano. Impulsionado por alguns nomes competitivos, seus ou de outras agremiações, os comunistas, parceiros menores dessa habitual aliança, sentiram-se à vontade para não submeter suas candidaturas às pretensões petistas em diversas cidades importantes, como Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e Fortaleza.
O PMDB também corre em raia própria em muitos grandes municípios país afora, apesar de ser o principal parceiro do partido de Dilma Rousseff no plano federal. Assim, caminha para concorrer separado do PT em municípios como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Natal. O PDT, embora parceiro dos petistas em Curitiba, com o neo-ex-tucano Gustavo Fruet, é adversário certo em Porto Alegre e, muito possivelmente, em Belo Horizonte, Salvador e Natal.
Por outro lado, se parceiros governistas no plano federal dividem-se em disputas nas capitais, outro aspecto da luta partidária nacional repete-se país afora: o enfraquecimento e o isolamento das oposições. À exceção da candidatura José Serra na capital paulista, que se mostra capaz de amealhar apoios na seara de partidos que são situacionistas no plano federal (PSD, PTB e, talvez, PP), os tucanos tendem a concorrer sozinhos noutros locais, sequer juntando-se ao DEM, tradicional aliado, em capitais como Florianópolis, Rio de Janeiro, Salvador e Recife.
O caso de Recife é emblemático da fragilização oposicionista. Há uma disputa interna ao PT, entre o atual prefeito, o impopular João da Costa, e o deputado Maurício Rands, apoiado pelo ex-prefeito petista, o ainda popular João Paulo. A despeito da cizânia interna, com o próprio partido questionando a normalmente natural candidatura à reeleição do atual ocupante do cargo, o PT caminha para uma aliança com seus parceiros no plano federal: PCdoB, PSB, PDT e PSD. Enquanto isto, em vez de aproveitar-se das confusões na seara adversária, os três principais partidos de oposição no plano federal, PSDB, DEM e PPS, tendem a concorrer isoladamente, cada um com seu candidato. Não fosse suficiente, mesmo o PMDB pernambucano, oposicionista no plano federal, avança com pré-candidatura própria, de Raul Henry. Num tal cenário, o PT recifense pode mesmo se dar ao luxo de brigar internamente e rifar o atual prefeito.
Conclui-se que embora seja correta a avaliação de que a escolha do eleitor no plano municipal se resolve em função de questões locais, o mesmo não é igualmente válido para a estratégia aliancista dos partidos, quando se trata de grandes municípios e, principalmente, capitais. Primeiro, pelo quase óbvio: abrem-se no plano municipal oportunidades de crescimento que não estão igualmente postas no âmbito federal, ou mesmo estadual. Segundo, porque os partidos veem no seu fortalecimento local uma alavanca para posições negociadoras mais fortes no plano nacional - daí terem de aproveitar tais oportunidades. Terceiro, mas apontando no sentido oposto, porque os cálculos de oportunidades levam a trocas cruzadas em diferentes pleitos ("eu apoio você aqui, você me apoia ali") e, no caso de malogro de alianças, a retaliações cruzadas ("você não me apoiou aqui, não apoio você ali"). Portanto, estratégias nacionais dos partidos não levam, necessariamente, a um alinhamento nacional de alianças municipais. Podem levar exatamente ao contrário.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.
Fonte: Valor Econômico