quarta-feira, 16 de março de 2022

Vera Magalhães: Reacionarismo com aparato estatal

O Globo

O reacionarismo histérico, impulsionado por notícias falsas e pela disseminação da narrativa segundo a qual a cultura e a educação estavam sob uma espécie de ditadura progressista que minava os valores da família, foi um dos ingredientes fundamentais para a eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Peças de publicidade à primeira vista toscas demais para ser críveis, como a que dizia que Fernando Haddad havia distribuído mamadeiras com bicos em forma de pênis em creches quando fora prefeito de São Paulo e, se eleito presidente, “nacionalizaria” a prática, cumpriram o circuito tradicional das fake news naquele pleito: nasciam em grupos do Facebook, se espraiavam pelo WhatsApp e paravam, aqui e ali, em postagens de políticos, que lhes emprestavam ares de verossimilhança.

Esse caldo de cultura do submundo das redes sociais e dos aplicativos de mensagens, que tenho chamado aqui de Bolsoverso, teve reflexo nas ruas, com ofensivas de grupos como o MBL, que promoveu o boicote e a vandalização de uma exposição, a “Queermuseu”, em 2017 e 2018.

Bernardo Mello Franco: Ventos do Chile

O Globo

A esquerda brasileira está encantada com Gabriel Boric. A posse do presidente do Chile foi festejada como um sinal de novos ventos na América Latina. Mas o fenômeno que o levou ao poder dificilmente se repetiria por aqui.

Ex-líder estudantil, Boric foi eleito aos 35 anos, idade mínima para disputar a Presidência no Chile e no Brasil. Aqui o campo progressista vai às urnas com dois veteranos. Ciro Gomes tem 64 anos. Está na quarta tentativa de chegar ao Planalto. Lula tem 76. Será candidato pela sexta vez.

A renovação chilena não se limita à mudança geracional. Boric se elegeu com bandeiras que mobilizam os jovens, como o feminismo, a defesa dos povos indígenas e o aumento da participação popular.

Elio Gaspari: Um caso de lavajatismo piorado

O Globo / Folha de S. Paulo

Deve-se aos repórteres Artur Rodrigues e Rogério Pagnan a revelação de que abriu-se a caixa-preta das maracutaias envolvendo a concessão de rodovias de São Paulo. A Ecovias, uma das maiores empresas do setor, reconheceu a existência de um cartel e propinas em 12 concessões entre 1998 e 2015. Em 2020, a Ecovias assinou um acordo cível com a Promotoria paulista e aceitou devolver à Viúva R$ 650 milhões, dos quais R$ 400 milhões em obras e R$ 250 milhões em dinheiro. A empresa cobra os pedágios mais caros do estado: R$ 30,20 para carros.

Nessa bocarra operavam pelo menos dez parlamentares filiados a quase toda a extensão do arco partidário. Alguns deles vendiam proteção numa comissão parlamentar de inquérito.

Dessa boa iniciativa resulta um detalhe inquietante: o Ministério Público e o Judiciário não revelam o nome do representante da Ecovias que fez um acordo de colaboração premiada. Mais: procurada, a Ecovias recusou-se a comentar a colaboração de seu representante.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro recupera expectativa de poder

Correio Braziliense

O governo passou a operar em modo eleitoral, com adoção de medidas para mitigar os efeitos da pandemia e da inflação no bolso dos brasileiros

O ato realizado, ontem, pelo Partido Liberal (PL), do ex-deputado Valdemar Costa Neto, que filiou 16 deputados à legenda, mostra que o presidente Jair Bolsonaro está recuperando a expectativa de poder, que, em grande parte, havia se transferido para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em razão do favoritismo do petista nas pesquisas de opinião. Entre os novos filiados, estão a deputada Carla Zambelli (SP), o cantor baiano Netinho e o jogador de vôlei Maurício de Souza. O PL passou a ter a maior bancada da Câmara, com 65 parlamentares.

A maioria dos parlamentares que ingressaram no PL deixou o União Brasil, partido que resultou da fusão do PSL com o DEM. Bolsonaristas de primeira hora, como Coronel Tadeu (SP), Sanderson (RS) e Hélio Lopes, conhecido como Hélio Negão (RJ), estão no pacote de filiações, esperadas desde quando o presidente Bolsonaro ingressou na legenda comandada por Valdemar Costa Neto, em novembro passado. Naquela ocasião, por causa da lei de fidelidade partidária, somente o senador Flávio Bolsonaro (RJ) havia ingressado na legenda.

Hélio Sshwartsman: Lula faz política, Bolsonaro só reage

Folha de S. Paulo

Lula olha também para a governabilidade a partir de 2023

Se há algo que Luiz Inácio Lula da Silva sabe fazer, é política. E ele vem jogando bem. Está de olho não só na vitória eleitoral em outubro (pré-requisito para qualquer outra coisa) mas também na governabilidade a partir de 2023. Por isso, vem trabalhando para ampliar tanto quanto possível seu arco de alianças. Mira não só a esquerda, que já ganharia por gravitação, mas também o centro e a direita republicanos.

É nessa conjuntura que convidou o ex-tucano Geraldo Alckmin para ser seu vice, mantém conversações com Gilberto Kassab e vai distribuindo agrados a evangélicos. Para os que, como eu, ainda acreditam que a laicidade do Estado é um valor, dói ver o PT emprestando apoio ao projeto de lei que quer proibir o uso da palavra "bíblia" "fora de contexto". A arte da política, porém, consiste justamente em trocar posições em questões consideradas menos urgentes por apoio para os objetivos tidos como estratégicos.

Bruno Boghossian: Em busca de um alvo fácil

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas ficam pendurados em agenda moral para compensar um déficit de realizações do governo

Na ausência de alvos fáceis, o bolsonarismo costuma recauchutar polêmicas do passado. Desta vez, o Ministério da Justiça fez uma jogada ensaiada com políticos conservadores e proibiu a exibição de um filme de 2017. A manobra expõe um governo que depende da mesma guerra cultural que Jair Bolsonaro explorou para chegar ao poder.

Ninguém tentou esconder que a censura seria usada como arma política. No fim de semana, aliados de Bolsonaro denunciaram uma cena de "Como se Tornar o Pior Aluno da Escola" em que o vilão pede que duas crianças o masturbem. O secretário da Cultura, Mario Frias, entrou na campanha e prometeu agir contra o que chamou de afronta às famílias.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro começa sua guerra da reeleição

Folha de S. Paulo

Governo vai gastar de modo disfarçado, fazer favores e reagir à maré de crise mundial

Os efeitos da desordem mundial vão bater no Brasil pelo menos na forma de inflação mais alta até às vésperas da eleição, perto de 9% ao ano até agosto. Se a crise ou a inflação pararem por aí, vai sair barato. Mas Jair Bolsonaro não vai ficar parado, como já deveria ser fácil perceber.

Por mais que não vá conseguir levar o crescimento muito além do zero, pode salvar alguns votos que iriam pelo ralo com uma recessão. Mais relevante, pode distribuir benefícios localizados, "pessoais", que ao menos possam render uma boa impressão, ainda que não dê conta da carestia e da queda dos salários.

Bolsonaro começa gastando R$ 20 bilhões em combustíveis, na verdade deixando de arrecadar tal valor de impostos a fim de baratear o diesel. Sabe-se lá quanto desse desconto vai chegar nos tanques, mas é um pequeno impulso fiscal (gasto do governo que estimula a economia) e um "gesto".

Silvia Matos*: Reajustes mais imunes ao populismo

Folha de S. Paulo

Eles devem preservar o poder de compra, não apenas os interesses eleitorais

Não há dúvidas de que este ano será muito desafiador. Em primeiro lugar, o ano de 2021 deixa uma herança muito negativa para 22 em diversas frentes, que já seriam obstáculos para o crescimento neste ano.

Em segundo lugar, a guerra na Ucrânia é um brutal choque nos preços de commodities que já estavam muito pressionados. Os riscos de contaminação e disseminação da tendência de longo prazo da inflação aumentou. A valorização cambial recente apenas atenua o choque, mas não consegue evitar os aumentos de preços domésticos. Consequentemente, o Banco Central tem menos espaço para baixar a guarda e ser flexível na condução da política monetária.

Em resumo, será um ano de baixo crescimento e de inflação muito mais elevada, com uma composição mais desfavorável para as famílias de baixa renda. Em particular, a análise dos índices de inflação, calculado pelo Ipea, tem mostrado que, para as famílias de renda mais baixa, a maior pressão de preços nos últimos 12 meses reside no grupo de habitação, devido aos reajustes de energia elétrica e gás de botijão, e no grupo alimentação. Ambos explicam quase 60% da inflação de 10,5% acumulada em 12 meses até janeiro de 2022, o último dado disponível. Somando o grupo transporte, a contribuição chega a quase 80%.

Roberto DaMatta*: A guerra é uma patologia sem vacina

O Estado de S. Paulo / O Globo

‘Não matarás’ é válido em toda sociedade conhecida. Por isso, a invasão da Ucrânia é bárbara

Meu pessimismo reafirma que a morte se faz presente de modo excepcional no nosso mundo.

Mal saímos de uma pandemia, com uma enorme possibilidade de contrair o vírus e dele adoecer e morrer aos milhares, e um czar-oligarca russo invade um país vizinho e, onipotente, ameaça usar suas ogivas atômicas – aquelas que provam o nosso lado diabólico – e desfaz tudo o que merece o nome de civilização.

Eis uma clara revelação de como projetávamos nos chamados “povos selvagens” esse brutal antidiálogo chamado “guerra”.

Essa patologia sem vacina, na qual as palavras que fabricam e enriquecem a vida são trocadas pelas bombas e pelos tiros, que suspendem e incentivam o “não matarás”.

Fábio Alves: Copom em apuros

O Estado de S. Paulo.

O mais provável é cumprir com o que já foi sinalizado, mas dizer que vai prolongar o aperto

Eis o tamanho da encrenca que o Copom terá de enfrentar na sua reunião hoje: a média dos núcleos da inflação, que excluem os preços mais voláteis, como alimentos e combustíveis, deu outro salto de janeiro para fevereiro, avançando de 0,87% para uma alta ao redor de 1%, mesmo com o aperto monetário em curso já há um ano e com a taxa Selic em dois dígitos. Na taxa anual, de 8,4% no mês passado, a média dos núcleos sobe por 18 meses consecutivos.

Com a alta de preços se disseminando por mais produtos e serviços no IPCA, a inflação alta está se tornando cada vez mais resiliente. E os efeitos secundários do choque adverso de oferta, agravados agora pela guerra na Ucrânia, devem continuar empurrando para cima as expectativas inflacionárias.

Fernando Exman: Risco de politização da emergência sanitária

Valor Econômico

Governo tenta acelerar mudança do status da covid-19

É preciso refletir com prudência se este é o momento adequado para o Brasil flexibilizar o estado de emergência sanitária decretado por causa do coronavírus.

O mesmo debate ocorre em outros países. É verdade, também, que os números sobre contaminações, internações e mortes são bem menores do que os observados num triste passado recente.

A vacinação avançou, e a cada dia mais brasileiros tomam a dose de reforço. Alguns municípios se preparam, inclusive, para aplicar a quarta dose na população mais idosa. Uma notícia positiva, diante do fato de que os casos graves e fatais têm se concentrado entre os pacientes com idades mais avançadas.

Winston Fritsch*: Um apelo à ‘nova’ Fiesp

Valor Econômico

Ambiente pavorosamente não competitivo tira os estímulos à busca de ganhos de produtividade e é regressivo e antissocial

Os debates políticos sobre as causas da “estagnação secular” da economia brasileira desde os anos 80 têm, justificadamente, se concentrado em fatores institucionais e macroeconômicos, como a falta de segurança jurídica ou os irmãos siameses do recorrente desequilíbrio fiscal e da alta e instável taxa de juros, ambos frutos de nossa longa crise de governança.

Menos se tem dito dos determinantes microeconômicos, como a falta de competição a que é submetida a grande indústria brasileira - fruto, em particular, de um protecionismo elevado e pouco transparente - e de seus efeitos, como o baixo dinamismo tecnológico.

A indústria paulista que, em particular, se beneficiou enormemente da intervenção brutal do Estado após a Segunda Guerra Mundial, ao ponto de São Paulo chegar a representar 58% da produção industrial em uma federação de 26 Estados em 1970, declina desde então, sendo hoje menos do que 38% do total. Por isso, há vários anos, os industriais desse estado atacam o moinho de vento das “políticas liberais” como se essa, além de uma ficção, fosse a origem de seus problemas estruturais e seculares e não, exatamente o contrário: o atávico mercantilismo brasileiro e a falta de competição.

Daniel Rittner: OCDE virou uma Otan da economia mundial?

Valor Econômico

Debate abordou vantagens e desvantagens da adesão brasileira à organização

O economista Otaviano Canuto era secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda em 2003, no começo do governo Lula, quando foi convidado para uma palestra sobre o Brasil na sede da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris. “Lá eu me dei conta de que a grande razão do convite era me usar como veículo para mandar uma mensagem ao governo brasileiro”, relembra Canuto, que depois se tornou diretor- executivo do Banco Mundial e do FMI. Na época, o Chile estava postulando sua entrada. Seria o primeiro país sul-americano e o segundo da América Latina, na sequência do México. O então secretário-geral da instituição o chamou para uma conversa e abriu o jogo: “Nós dissemos para o Chile que preferiríamos o Brasil, mas agora precisamos saber se vocês têm interesse”.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Guerra aumentou desafio do BC no controle da inflação

O Globo

A inflação no Brasil segue em alta — o acumulado em 12 meses está em 10,54% —, e as perspectivas não são as melhores depois da invasão russa à Ucrânia. Entre 23 de fevereiro e 8 de março, preços de mercadorias cotadas em dólar no mercado futuro aumentaram de forma indiscriminada, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). O trigo subiu 45%. Petróleo, 34%. Milho, 10%. Açúcar, 5%. Alumínio, 4%. Na semana passada, a gasolina e o diesel sofreram reajuste nas refinarias.

É nesse contexto inóspito que o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelo presidente do Banco Central (BC) e por seus diretores, definirá hoje o novo valor da Selic, taxa básica de juros da economia. Desde o começo do ano passado, o BC vem elevando a Selic de forma consistente. Foram oito altas. Ela saiu de 2%, o menor nível da História, para os 10,75% anunciados em fevereiro.

Juros maiores encarecem o crédito, reduzem o consumo, diminuem a demanda e tornam os reajustes mais difíceis porque as empresas temem perder mercado. O BC precisa aumentá-los para, no jargão dos economistas, “ancorar” as expectativas do mercado. Traduzindo: evitar que empresas antecipem aumentos com base na presunção de mais inflação futura.

Poesia | Manuel Bandeira: O rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

Música | Marisa Monte - Não vá embora