sábado, 9 de maio de 2020

A marcha dos camisas pardas – Editorial | O Estado de S. Paulo

Um grupo de brucutus apoiadores do presidente Jair Bolsonaro – chamados “300 do Brasil” – armou acampamento no entorno da Praça dos Três Poderes para organizar uma invasão ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os camisas pardas do bolsonarismo, que agora vestem verde e amarelo e roupas camufladas, programam uma marcha sobre Brasília neste fim de semana. “Nós temos um comboio organizado para chegar a Brasília até o final desta semana. Pelo menos uns 300 caminhões, muitos militares da reserva, muitos civis, homens e mulheres, talvez até crianças, para virem para cá e darmos cabo dessa patifaria”, ameaçou Paulo Felipe, um dos líderes da milícia acampada, em vídeo divulgado em uma rede social.

A palavra “patifaria” não foi escolhida ao acaso. Resulta de uma irresponsável incitação. No dia 19 de abril, dirigindo-se a apoiares reunidos em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro exortou a súcia que pedia o fechamento das instituições democráticas a “lutar” com ele. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. Acabou a patifaria!”, bradou Bolsonaro, como se estivesse prestes a descer da Sierra Maestra, e não de uma caminhonete transformada em palanque.

Desafio constante – Editorial |Folha de S. Paulo

Incapaz de aceitar limites, Bolsonaro constrange STF com encenação patética

Ao abrir a sessão plenária do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (6), o ministro Dias Toffoli definiu a corte que preside como última trincheira da sociedade na defesa dos direitos assegurados pela Constituição.

Pregou a harmonia entre os Poderes, condenou as agressões sofridas por jornalistas numa manifestação de apoiadores de Jair Bolsonaro no domingo (3) e cobrou respeito às decisões do tribunal, alvo predileto da turba golpista.

Tratou-se de uma resposta adequada às provocações do presidente, ainda que tardia —como corretas e demoradas, por sinal, têm sido as reações de Toffoli.

Fazia dias que, inconformado com o veto do STF à nomeação de um apaniguado para o comando da Polícia Federal, Bolsonaro ameaçara desafiar a determinação judicial e atacara o ministro Alexandre de Moraes, que assinara a liminar.

Planalto deveria seguir lição de Toffoli – Editorial | O Globo

Há planos de saída ordenada do isolamento, em sentido contrário ao que defende o presidente

Se fez algum balanço da marcha rumo ao Supremo na quinta-feira, à frente de industriais que foram visitá-lo em audiência no Planalto, o presidente Bolsonaro, pelo seu estilo, não deu qualquer importância à sugestão que recebeu do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de se aproximar de governadores e prefeitos para constituir um comitê ou gabinete de crise a fim de juntos coordenarem a saída do país do isolamento social, de forma organizada e em bases técnicas. Não deu importância, mas deveria dar.

Bolsonaro empacou na defesa intransigente do fim do isolamento sem quaisquer planejamento e cuidado, mas a realidade não dá alternativa melhor ao Brasil, como não deu nem está dando a outros países. O presidente demitiu o ministro anterior da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, porque ele não aceitava a proposta voluntarista do chefe, nomeou outro médico, Nelson Teich, cuja posição na essência não é diferente da do antecessor. Ambos têm diplomas e carreiras a preservar.

Merval Pereira - Um governo deteriorado

- O Globo

Presença de seus ministros de origem militar na comitiva mórbida indica que eles pensam igual a Bolsonaro

À medida que os fatos políticos vão ocorrendo sem que as barreiras institucionais sejam eficazes para conter o ímpeto corrosivo do presidente Bolsonaro, preocupa que militares antes considerados capazes de incutir bom-senso ao governo estejam avalizando uma visão paranóica da situação política.

O General Vilas Boas, ex-comandante do Exército e figura icônica entre seus pares, encontrou palavras para elogiar a entrevista à CNN da ainda secretária de cultura Regina Duarte onde ela, em vez da “sensibilidade” que o general vislumbrou, demonstrou uma absurda indiferença diante das mortes pela Covid-19, das torturas e mortes na ditadura militar.

A mesma insensibilidade que o presidente Bolsonaro explicitou ao ir de supetão ao Supremo Tribunal Federal (STF) pressionar pelo fim da quarentena, num momento em que o país claramente entra na fase aguda da pandemia e tem o número de mortes diário aumentando dramaticamente.

A presença de seus ministros de origem militar na comitiva mórbida indica que eles pensam igual a Bolsonaro, ou se submeteram a seu desprezo pelo sofrimento alheio, numa visão utilitarista da vida em sociedade.

Ascânio Seleme - Regina, fria, insensível e debochada

- O Globo

Entrevista que Regina concedeu à CNN mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor

Quando Regina Duarte foi anunciada como substituta do nazista demitido da Secretaria de Cultura há dois meses, muitos se equivocaram (este colunista inclusive) acreditando que o setor ganharia com sua nomeação. Afinal, era uma atriz com meio século de experiência e que conhecia muito bem a cultura nacional, suas necessidades e precariedades. O fato de ser aliada de primeira hora de Jair Bolsonaro fazia parte do jogo, não se podia esperar que o presidente chamasse Chico Buarque para o posto. Foi um engano terrível.

A entrevista que Regina concedeu aos repórteres Daniel Adjuto, Daniela Lima e Reinaldo Gottino, da CNN, mostrou o lado mais obscuro da atriz, a sua frieza e insensibilidade, o caráter tão deformado quanto o do seu antecessor Roberto Alvim. Debochada, a secretária zombou da morte, da tortura, fazendo uma dancinha patética na cadeira enquanto cantarolava “Pra Frente Brasil”, música-hino da seleção brasileira de 1970 mas que também serviu como propaganda do governo do general Emílio Médici, o mais brutal do ciclo militar que durou 21 anos.

Somente uma pessoa gelada pode tratar de tortura e assassinatos a mando do Estado como coisa natural. “Sempre houve tortura”, disse Regina. “Na humanidade, não para de morrer (gente)”, acrescentou desavergonhadamente. E depois, ridícula, perguntou “por que que as pessoas ficam oh, oh, oh (diante da morte), por que?”. A atriz não difere em nada dos trogloditas que avançam sobre enfermeiras, que agridem jornalistas, que carregam faixas pregando a volta do AI-5, a intervenção militar ou o fechamento de Supremo e Congresso.

Míriam Leitão - A pequena chance da cartilha Guedes

- O Globo

Bolsonaro seguirá a cartilha de Bolsonaro. Paulo Guedes deveria fixar seus pontos “valeixo”, para demarcar terreno de até onde aceitará ceder

Quando distribui cargos ao centrão, o presidente está voltando ao seu leito natural. Ele foi de nove partidos, todos fisiológicos, antes de chegar à Presidência com o discurso de combate à corrupção. Nenhuma surpresa que ele agora esteja com seu balcão de negócios ativo. O discurso contra a “velha política” sempre foi para inglês ver. A grande dúvida é quais as concessões que serão pedidas ao Ministério da Economia no projeto de blindagem do mandato de Jair Bolsonaro. Terá Paulo Guedes também o seu ponto “valeixo”, ou seja, uma questão que considere inegociável?

O presidente Jair Bolsonaro tem pressionado a Receita Federal para perdoar dívidas tributárias das igrejas evangélicas, chegando inclusive a reunir em seu gabinete o secretário José Tostes, da Receita, com o deputado David Soares (DEM-SP), filho de R.R.Soares, um dos pastores que sustentam o bolsonarismo, e cobrar uma solução, segundo informou o “Estado de S. Paulo”. A igreja dos Soares deve R$ 144 milhões ao fisco. Na equipe econômica o que se diz é que o perdão de dívidas só pode ser concedido através de lei. Não pode ser um acerto entre amigos, como quer o presidente. Os débitos das igrejas são antigos, aliás, nada a ver com a pandemia.

Oscar Vilhena Vieira* - A ocupação do STF

- Folha de S. Paulo

O tribunal não pode se omitir diante de tentativas de intimidação

Tribunais e cortes supremas, quando cumprem devidamente seu papel de guardar as respectivas constituições, têm o dom de enfurecer autocratas das mais variadas afiliações ideológicas. De Chávez a Orbán, a emasculação de tribunais tornou-se uma cena corriqueira no enredo das escaladas autoritárias.

Vargas aposentou compulsoriamente sete ministros do tribunal e restringiu as prerrogativas da corte para controlar seu governo. Nesse período foi escrita uma das páginas mais constrangedoras da história do Supremo, que permitiu, vencidos os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, a entrega de Olga Benário aos nazistas.

Em 1969, o general Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva após a edição do AI-5, que suspendeu as garantias da magistratura e excluiu da apreciação do Judiciário as ações praticadas com fundamento em atos institucionais. A porta se abria para o período mais obscuro da ditadura.

Demétrio Magnoli* - Carta a um não confinado

- Folha de S. Paulo

Consertamos a economia depois, todos juntos, sem individualismo

Não ponho o pé na rua há semanas. Leio, aproveito meu pacote da Netflix, experimento receitas, até comecei a pintar. Exercito-me na esteira da sala. Peço tudo por aplicativo. Faço sacrifícios: sinto falta do Iguatemi, dos meus restaurantes preferidos, de viajar.
Você, não confinado, sabota meus sacrifícios, espalhando o vírus. Devo qualificá-lo como um ser antissocial.

Não há vacina ou remédio confiável. O governo Bolsonaro ignora a pandemia, fechou o Ministério da Saúde, não coordena esforços de testagem. São mais motivos para ficar em casa, nossa única salvação.

O renomado cientista Miguel Nicolelis disse que a quarentena é para "evitar contágios". Itália e Espanha estão flexibilizando a medida com, respectivamente, 1.552 e 2.397 contágios médios diários na última semana. Seus governos irresponsáveis deram as costas à ciência. Você nunca a seguiu.

Julianna Sofia – Jogos e trapaças

- Folha de S. Paulo

Presidente trapaceia com novos e antigos aliados

Neoaliados de Jair Bolsonaro, comandantes do bloco de partidos fisiológicos conhecido como centrão vivem com a Justiça no encalço. O pepista Arthur Lira, líder do grupamento, coleciona ações judiciais desde falcatruas içadas pela Lava Jato a acusações de apropriação de salários de servidores e de recebimento de propina —teve um assessor preso com dinheiro nas meias num aeroporto.

São sujeitos desse naipe que Bolsonaro busca trapacear. Depois de avalizar um acordo alinhavado pelo centrão para garantir aumento para o funcionalismo na votação do projeto de socorro aos estados, o presidente acena na direção oposta e promete à equipe econômica vetar a medida.

Alvaro Costa e Silva - Cinco letras que odeiam

- Folha de S. Paulo

Nas redes sociais, bolsonaristas conseguem se expressar com desprezo ainda maior do que o E daí? Presidencial

O escritor português Mário de Carvalho anotou no Facebook: "Deve ser da palavra escrita. Pouco acostumadas a escrever, as pessoas deixam-se levar pelo embalo. Tenho verificado que criaturas, na vida real (notem: vida real!) razoavelmente delicadas e cordatas, perdem as estribeiras aqui no FB. E é vê-las, para meu espanto, a irritar-se, a cotovelar e, pior, a chamar nomes às outras. E às vezes basta uma trivial e natural diferença de opinião ou de perspectiva".

Autor de mais de 30 livros, alguns publicados no Brasil, como o romance "Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde", Carvalho conclui: "Os profissionais da escrita, 'et pour cause', são mais comedidos e controlados. O que me parece justo sugerir é que pensem duas (ou três) vezes antes de se saírem com uma formulação mais grosseira, ou com um insulto".

Roberto Simon* - A ordem global numa máquina do tempo

- Folha de S. Paulo

Covid-19 acelera tendências mundiais adversas ao Brasil

“Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”, teria dito Lênin, em meio ao turbilhão da Revolução Russa. No mês passado, completaram-se 150 anos do nascimento do pai-fundador do império soviético, com a frase que lhe é atribuída a ganhar uma estranha atualidade.

Com a Covid-19, décadas aconteceram nas últimas semanas.

Há enorme incerteza sobre a ordem internacional que emergirá ao final da crise que vivemos. Mas vozes distintas –como Dani Rodrik, economista de Harvard, ou Richard Haas, o presidente do Council on Foreign Relations, o mais importante think-tank americano– convergem a um ponto.

Pode-se pensar a pandemia como uma espécie de máquina do tempo. Mais do que criar algo inteiramente novo, a Covid-19 acelerará transformações globais que já estavam em curso.

Um exemplo: a incapacidade dos grandes atores internacionais de agirem conjuntamente diante de problemas comuns –do aquecimento global ao comércio, da paz à própria contenção de pandemias.

Falava-se, desde antes, em “crise do multilateralismo” ou em um mundo “G-Zero”, em oposição ao G-7, G-20 e afins.

Devemos ver, agora, a decadência acelerada da ordem liberal que nasceu no pós-Segunda Guerra, e o que virá depois parece mais turbulento.

Ricardo Noblat - Pandemia que nada! Hoje é dia de churrasco no Palácio da Alvorada

- Blog do Noblat | Veja

Neste fim de semana, as mortes passarão de 10 mil

O Brasil chegou a 9.897 mortes em decorrência do novo coronavírus. Nas últimas 24 horas, 751 novos óbitos foram confirmados, o maior número registrado no período. O que significa um aumento de 22,1% em relação ao recorde anterior, que era de 615. O número de casos da doença alcançou a marca de 145.328.

Assim, o país já ultrapassou o dobro do número de mortes da China (4.633), onde o primeiro caso de coronavírus aconteceu entre novembro e dezembro do ano passado. Na próxima segunda-feira, o número de mortos deverá passar dos 10 mil. Somente em São Paulo, antes do final de junho, estima-se que morrerão 11 mil pessoas.

Convenhamos: este não seria o melhor momento para que o presidente da República oferecesse um churrasco em sua residência oficial com direito a festejos que costumam pontilhar ocasiões como essa. Mas é o que Jair Bolsonaro fará. O “evento” contraria as recomendações de saúde para que se evite aglomerações. E daí?

Luiz Carlos Azedo - A volta ao “normal”

- Correio Braziliense (08/05/2020)

“O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho ainda não é mensurável”

O presidente Jair Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes para pôr uma saia justa no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Acompanhado de ministros e um grupo de empresários com os quais havia se reunido, fez-lhe uma visita surpresa, na qual apelou para que as medidas restritivas motivadas pela crise do coronavírus sejam amenizadas nos estados e municípios. A iniciativa coincidiu com a sua decisão de autorizar o funcionamento da construção civil e das indústrias, que o governo federal passou a considerar atividades essenciais, ou seja, fora do regime de isolamento social.

Toffoli justificou as decisões da Corte em favor dos entes federados: estados e municípios têm prerrogativas constitucionais reconhecidas pelo Supremo para adotar o distanciamento social, conforme orientação das autoridades sanitárias, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS). Toffoli também sugeriu que essas ações sejam coordenadas entre União, estados e municípios. A assessoria de comunicaçao do Supremo confirmou que o encontro foi marcado de última hora e não estava na agenda. Bolsonaro decidira fazer a visita durante a reunião que teve com representantes da indústria, no Palácio do Planalto.

A travessia a pé da Praça dos Três Poderes lembrou, com sinal trocado, a ida do senador Antônio Carlos Magahães (PFL, hoje DEM-BA), então presidente do Senado, ao Palácio do Planalto, para tomar satisfações com o presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da intervenção no Banco Econômico, por ocasião do PROER, programa de reestruturação do sistema financeiro adotado em razão do Plano Real. Imaginem uma situação inversa: os ministros do Supremo atravessando a Praça dos Três Poderes de toga, para cobrar a entrega do vídeo da reunião ministerial na qual Bolsonaro teria tentado interferir na atuação da Polícia Federal (PF), conforme acusa o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

Adriana Fernandes - Impasse do congelamento

- O Estado de S. Paulo

Paulo Guedes colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamento

O embaraço político e econômico que marcou a votação do congelamento de salários dos servidores públicos pelo Congresso mostra que a pressão pelo gasto não tem limites no País.

Muitos senadores e deputados defenderam a exclusão de várias categorias do congelamento de salários com a justificativa de que a medida é inócua porque não haverá dinheiro para os aumentos por conta do impacto da covid-19 na economia e nos cofres públicos.

É má-fé dos parlamentares ou mesmo ignorância sobre o que tem acontecido nas últimas décadas no Brasil. Faltou também sensibilidade dos parlamentares para a opinião pública. Sim, o outro lado: trabalhadores da iniciativa privada, que tiveram cortes de salários ou perderam o emprego para a pandemia da covid-19. Esse lado também pode fazer a diferença.

Mesmo com o Estado quebrado em todas as esferas de governo (União, Estados e municípios), podemos ver que a opção que tem prevalecido é pelo mau uso do dinheiro público.

Sérgio Augusto - Os morlocks

- O Estado de S. Paulo

De que trevas afinal vieram essas criaturas destilando ódio e ostentando ferocidade homicida?

Muita gente se fez essa pergunta às primeiras irrupções dos black blocs nas manifestações de rua de alguns anos atrás, embora sem aquele tom prazenteiro com que há mais tempo os turistas estrangeiros indagam aos cariocas onde é que aquelas mulatas esculturais das escolas de samba se escondem antes e depois do carnaval.

Muita gente agora repete a pergunta quando os militantes bolsominions saem às ruas, fantasiados de verde e amarelo, para mais uma marcha da insensatez e do orgulho nazi-fascista.

Os black blocs nada tinham ou têm a ver com os squadistri do duce brasiliense, esses belicosos gigolôs do patriotismo e do farisaísmo evangélico que nos fins de semana pressionam pelo fim da democracia e prometem deflagrar uma guerra civil, uns até já metidos em uniformes de campanha, como se viu num vídeo grotesco e criminoso veiculado nas redes sociais quarta-feira à noite.

Os black blocs – inesperados, incontroláveis e apenas visíveis no breve momento da baderna – vandalizavam símbolos materiais do capitalismo selvagem, atacavam vitrines de butiques, caixas eletrônicos, carros de luxo, jogavam pedras e outros objetos à mão; mas não agrediam pessoas física ou verbalmente; não faziam ameaças nem incitavam a intervenção de outras forças além das suas próprias, que nunca botaram para quebrar exigindo o fechamento do Congresso e do STJ, a reedição do AI-5 e o que mais pudesse resultar de um putsch militar.

Marcus Pestana - Constituição, a âncora da democracia

Existe atualmente no ambiente do nosso país um visível mal estar. É inacreditável. Em meio a uma violenta pandemia e tendo pela frente uma das maiores recessões de nossa história, ver nas ruas e nas redes sociais pessoas agressivamente pedindo um novo AI-5, o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal - guardião da Constituição, em outros termos, o fim da democracia. Percebo em conversas com amigos, familiares, conhecidos, um sentimento misto de temor, apreensão, incredulidade, indignação e surpresa com os rumos políticos de nosso Brasil. Eu, que como vereador coordenei a campanha das diretas na minha cidade, em 1984, jamais imaginei que parcela significava da população viesse a se mobilizar algum dia defendendo um retrocesso catastrófico. Afinal até o samba enredo da Imperatriz Leopoldinense clamava: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”.

Minha geração, que na metade dos anos setenta, tentou reencontrar o fio da meada histórico da geração de 1968, abraçou com vigor, determinação e coragem a agenda democrática – anistia ampla e geral, eleições diretas para Presidente e todos os demais cargos e Constituinte livre e soberana. A utopia que movia nossa generosa militância era ver um país mais justo e democrático.

Descobrimos e experimentamos o autoritarismo nos livros e na vida real. Quantos foram os encontros visando à reconstrução da UNE e das UEEs reprimidos? Comecei a acordar para a longa e tenebrosa noite do autoritarismo vivida pelo país aos 16 anos, em 1976. Estudava na Academia de Comércio de Juiz de Fora e liderei um dia de greve e uma passeata no recreio do turno da manhã. As razões eram afetivas e administrativas, nada de conteúdo político e ideológico. No dia seguinte, fui informado que seria enquadrado no Decreto-Lei 477, de 26 de Fevereiro de 1969, que definia infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dava outras providências. Aí descobri que havia fortes restrições à liberdade de opinião, organização e mobilização e que poderia ser expulso do colégio e sofrer outras penalizações. Foi aí que despertei para a imperiosa e inescapável participação no movimento pela redemocratização do país.

Jeffrey Sachs* - Como evitar um desastre financeiro global

- Valor Econômico

Os credores parecem não entender que, se a taxa do cupom da Argentina for reduzida para perto da dos EUA, um calote não será necessário. A taxa altíssima de 7% é profecia autorrealizável: ela torna a inadimplência inevitável, enquanto uma taxa de juro mais baixa a tornaria desnecessária

Quando um único carro derrapa em uma estrada coberta de gelo, o resultado pode ser um acidente que envolva 50 carros. O mesmo acontece com os mercados financeiros internacionais: a moratória do México em 1982 levou a um “engavetamento” de dezenas de países.

A desvalorização da moeda da Tailândia em julho de 1997 desencadeou a crise financeira asiática. A falência do Lehman Brothers em setembro de 2008 deflagrou a Grande Recessão em todo o mundo.

Os financistas internacionais já têm experiência suficiente para saber que não devem iniciar a crise da covid-19 em 2020. Seu bom senso será testado em breve.

Mesmo antes que a covid-19 jogasse a economia mundial na pior crise desde a Grande Depressão, a Argentina estava sobre-endividada, de novo. Como já aconteceu tantas vezes na história cheia de calotes da Argentina, um acordo insuficiente com credores recalcitrantes em 2016, seguido de um rápido retorno ao mercado de bônus, revelou-se apenas uma esperança ilusória, tanto para o então presidente da Argentina quanto para os credores do país.

Os déficits fiscais abalaram sua estabilidade. Um programa de resgate do Fundo Monetário Internacional (FMI) em 2018 não funcionou. E as dívidas da Argentina, com taxas de cupons muito altas, se provaram insustentáveis.

Mas a Argentina dificilmente está sozinha. À medida que normas relaxadas de concessão de empréstimos pelos mercados financeiros e a ampla liquidez produzida pelo Fed e outros bancos centrais levaram muitos países em desenvolvimento a tomarem crédito pesadamente nos últimos anos, o super-endividamento da dívida soberana passou a ser reconhecido cada vez mais como um grande risco sistêmico. Uma sessão das Reuniões da Primavera do FMI em 2019 foi intitulada “Enfrentando a Próxima Onda de Crises da Dívida Soberana”.

A reconstrução da política externa brasileira*

Valor Econômico

A diplomacia atual contraria princípios constitucionais na letra e no espírito

Por Fernando Henrique, Rubens Ricupero, Celso Amorim e Outros

É preciso que Congresso e o Judiciário cumpram seu papel de controle da constitucionalidade das ações diplomáticas

Apesar de nossas distintas trajetórias e opiniões políticas, nós, que exercemos altas responsabilidades na esfera das relações internacionais em diversos governos da Nova República, manifestamos nossa preocupação com a sistemática violação pela atual política externa dos princípios orientadores das relações internacionais do Brasil definidos no Artigo 4º da Constituição de 1988.

Inovadora nesse sentido, a Constituição determina que o Brasil “rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I- independência nacional; II- prevalência dos direitos humanos; III- autodeterminação dos povos; IV- não-intervenção; V- igualdade entre os Estados; VI- defesa da paz; VII- solução pacífica dos conflitos; VIII- repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX- cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X- concessão de asilo político”.

“Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito. Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração. Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse. Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.

Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não-intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero.

Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao país custos de difícil reparação como o desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos.

Sergey Akopov* Dia da Vitória – uma alegria com lágrimas nos olhos

- O Globo

Embaixador da Rússia no Brasil escreve sobre os 75 anos da rendição da Alemanha nazista e o legado da guerra para o povo russo

Neste dia 9 de maio, a Rússia e os outros países da antiga União Soviética comemoram o Dia da Vitória na Grande Guerra Patriótica de 1941-1945. É assim que em todo o espaço pós-soviético se chama o período da Segunda Guerra Mundial, quando nosso país travou uma luta sem igual pela sua sobrevivência contra a Alemanha nazista na Frente Oriental europeia.

Para o nosso povo, e para mim, a vitória, sem dúvida, representa um grande sucesso do todo o mundo civilizado na defesa da sua liberdade. Mas não só isso. Como diz a famosa canção russa, é uma “alegria com lágrimas nos olhos”. Naquela guerra o mundo perdeu mais de 70 milhões de pessoas, entre as quais 27 milhões eram cidadãos soviéticos. Estes números gelam-nos o sangue nas veias. Os países que participaram da guerra sacrificaram uma parte significativa de uma geração inteira, as pessoas mais corajosas e ativas, muitas das quais poderiam se tornar cientistas, artistas, escritores e contribuir no desenvolvimento do mundo pós-guerra. Mas nunca voltaram. E a alegria da vitória, para mim, não consegue se sobrepor a esta trágica perda.

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Estranhou o quê?

Poesia | Paulo Mendes Campos - Sentimento do Tempo

Os sapatos envelheceram depois de usados
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce