sábado, 14 de janeiro de 2023

Oscar Vilhena Vieira* - Debelando a crise

Folha de S. Paulo

Ataque violento do bolsonarismo está submetendo o sistema de defesa constitucional da democracia brasileira ao seu maior teste

A crise constitucional instaurada pela tentativa de abolição do Estado democrático de Direito em 8 de janeiro ainda não foi completamente debelada. O termo crise, de origem grega, está associado à necessidade de tomada de uma decisão fundamental, da qual depende a própria sobrevivência de um corpo. Assim como um paciente em crise demanda ações urgentes para que não venha a óbito, a crise atual exige medidas contundentes para que a República não pereça.

Em Roma, o remédio para a superação das crises da República era a instauração de uma dictadura, termo que não guarda semelhança com seu significado atual. A dictadura seditionis, instalada pelos cônsules, a pedido do Senado, mais se assemelha à nossa intervenção federal ou estado de defesa, pois conferia ao seu executor poderes de emergência, para o reestabelecimento da ordem constitucional. Jamais para a sua usurpação, como nas ditaduras contemporâneas.

Cristina Serra - O lugar de Bolsonaro é na cadeia

Folha de S. Paulo

Livre, chefe da quadrilha será o maior inimigo da democracia no Brasil

minuta de decreto encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres é prova mais do que contundente de uma conspiração golpista. Alguém pensou, buscou fundamentação jurídica (inexistente), escreveu e entregou o decreto de golpe nas mãos de Torres. Quem é o autor da proposta de estupro da Constituição, sempre desejado por Bolsonaro? Quem a encomendou? Se Torres era ministro e não denunciou a conspiração, dela fazia parte.

Alvaro Costa e Silva - O contragolpe

Folha de S. Paulo

Na Flórida, Bolsonaro ainda tenta se salvar atirando

Cada vez mais próximo da Papuda, Bolsonaro tenta comandar o movimento golpista. Segundo o filho 01, ele vive "lambendo feridas" na Flórida. Conversa. O capitão teve um encontro com seu assecla Anderson Torres no dia anterior à invasão do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. E mandou um recado aos membros da seita ao divulgar um vídeo questionando a vitória de Lula, apontando fraude nas eleições e fazendo mais ameaças ao STF.

Obedecendo ordens, políticos bolsonaristas dão cobertura ao golpe —desmascarado pela minuta de decreto inconstitucional escondida no armário de Torres, ex-ministro da Justiça. Nove senadores votaram contra a intervenção no DF e a deputada Bia Kicis (PL-DF) espalhou a mentira segundo a qual uma idosa havia morrido dentro da Academia de Polícia. Não conseguindo cadáveres até agora, inventaram um.

Demétrio Magnoli - As Catilinárias e o peixão

Folha de S. Paulo

Discurso hiperbólico conta pontos na arena da concorrência política, mas tem consequências imprevistas

"E devemos nós, que somos os cônsules, tolerar Catilina, abertamente desejoso de destruir o mundo inteiro pelo fogo e a chacina?" Catilina urdia um golpe de Estado, não "destruir o mundo inteiro" como discursou Cícero diante do Senado romano em 8 de novembro de 63 a.C. As Catilinárias figuram na origem de uma tradição de dois milênios de retórica hiperbólica. O método serviu ao propósito de expor a conspiração na Roma antiga. Não serve, contudo, para proteger a democracia no Brasil de hoje.

Atos golpistas, vandalismo ou terrorismo –o que aconteceu em Brasília no 8 de janeiro? A nota conjunta dos presidentes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário utilizou as três classificações indiferenciadamente. A imprensa foi atrás. Mas elas não são equivalentes. Golpismo, sim, ainda que caótico: a finalidade explícita era acender a faísca de um golpe militar. Vandalismo, claro: eis uma descrição factual, que complementa a anterior. Mas terrorismo?

João Gabriel de Lima - A cena histórica e as imagens sórdidas

O Estado de S. Paulo.

Esquerdas e direitas se uniram em torno de um bem maior: a preservação da própria democracia

A teoria dos jogos é um ramo da matemática que pode inspirar o debate democrático. Imaginemos dois contendores que pensam de forma diferente, mas vislumbram um bem maior. “Em alguns momentos o jogador A tem de ceder, em outros é o jogador B. São os chamados ‘jogos de coordenação’”, diz o economista Felippe Clemente, pesquisador da Universidade de Lisboa e especialista no assunto. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.

Transposto para o universo político, esse bem maior seria uma visão de futuro para um país. Todos os brasileiros estão de acordo, por exemplo, com o fato de que precisamos acabar com a pobreza. Liberais, conservadores, social-democratas e socialistas têm ideias diferentes sobre como fazer isso. Para cumprir o objetivo no futuro, cada corrente tem de ceder um pouco no presente. “A democracia é feita desses jogos de coordenação”, diz Clemente.

Bolívar Lamounier* - Populismo e estatolatria: doenças infantis brasileiras

O Estado de S. Paulo.

Reforma política até hoje não foi efetivada por causa de crenças em ‘governo forte’ e de que desenvolvimento só é possível com estatais

Por maiores que sejam as minhas ressalvas a respeito da trajetória política de Luiz Inácio Lula da Silva, reconheço que dessa vez ele agiu como se deve, rechaçando os arruaceiros abolsonorados que invadiram Brasília com a intenção de depredar as sedes dos três Poderes.

Depredar como aviso. É óbvio que o objetivo último de seu mentor é o golpe. Não tiveram e não terão êxito, porque o interesse da maioria social, assumido por Lula, é a pacificação do País, o desarmamento dos espíritos e a criação de condições para a retomada do crescimento econômico. Cassando o passaporte de Jair Bolsonaro, ele terá de regressar e se explicar à Justiça.

Sabemos todos que golpes e tentativas de golpe são uma constante no sistema presidencialista de governo. Mesmo durante os 21 anos dos governos militares, como já demonstrei neste espaço, todas as sucessões foram problemáticas. Uma delas envolveu um claro golpe de Estado. Quando da morte do general presidente Artur da Costa e Silva, o sucessor legítimo teria que ser o deputado Pedro Aleixo (MG), eleito para a Vice-presidência junto com Costa e Silva pelo próprio colégio eleitoral, no estrito cumprimento, portanto, da regra sucessória que os próprios militares estipularam.

Paulo Sternick* - A guerrilha de extrema direita desafia o governo

O Globo

O objetivo será tumultuar a vida dos cidadãos e aterrorizar toda a sociedade, prejudicar ainda mais a economia, criar o caos

O governo Lula atribui ao governo de Brasília o ônus sobre a falha e/ou omissão na contenção dos golpistas em 8 de janeiro. Permanece a dúvida se o governo Lula não podia ter previsto que o governo de Brasília era cúmplice do golpe. O serviço de inteligência desde cedo no domingo avisou que a Praça dos Três Poderes e os prédios públicos seriam atacados. E o Planalto não checou qual defesa estava efetivamente sendo organizada. Poderia exigir do governador uma contenção à altura. Caso contrário, por motivos óbvios, decretaria a intervenção federal preventiva na segurança, antes da invasão, e a teria impedido.

Hábito de psicanalista é notar incoerências em narrativas, mesmo fora do divã (psicanálise aplicada). Com efeito, perguntado se “o governo federal não confiou demais nas informações do governo do DF”, o interventor federal em Brasília — aliás um sujeito sério e competente —, Ricardo Capelli, respondeu:

— Você desconfia quando te dão motivos para desconfiar... As relações interfederativas se pautam pela confiança. A gente jamais imaginou que haveria uma operação desmonte da Secretaria de Segurança Pública. O que nos chegava eram informações dizendo que estava tudo bem, tudo certo, que a manifestação seria tranquila, que as tropas iriam garantir.

Eduardo Affonso - O Palácio do Torto

O Globo

Talvez devêssemos esquecer o Alvorada, sua colunata encantatória, suas sempiternas infiltrações

É surpreendente que nenhuma dessas cartilhas patrulhadoras da linguagem tenha apontado o racismo estrutural escancarado no nome da residência oficial do presidente da República: Palácio da Alvorada.

Mais interessados nas falsas etimologias que nas verdadeiras, os bedéis do léxico deixaram escapar que alvorada vem de albus (alvo, branco). Por conseguinte, prenhe de conexões com branquitude, eurocentrismo, perpetuação do escravagismo etc. etc.

Alvorada é o clarear, o nascer do dia — enquanto seu oposto, o crepúsculo (diminutivo de creper, escuro) indica que a escuridão está para chegar, e o dia prestes a morrer.

Sim, o crepúsculo também é racista.

Carlos Góes - Os impactos econômicos da radicalização política

O Globo

A polarização impõe custos às relações econômicas e pode levar pessoas a se engajarem menos em transações comerciais

Brasília ainda não se recuperou da destruição causada por bolsonaristas radicais esta última semana. Eu, que já trabalhei em alguns dos prédios atacados, acompanhei com espanto o desenrolar da violência, como quem vê um lugar familiar ser acometido por um desastre natural. As perguntas na minha cabeça eram: quais as consequências desse tipo de radicalização e violência para nossa sociedade?

É verdade que não é a primeira vez que prédios públicos são atacados na Esplanada dos Ministérios. Mas, desta vez, há algo diferente. Parece haver uma grande legitimação da violência e radicalização política por parte significativa da sociedade.

Carlos Alberto Sardenberg - Haddad arranja um quebra-galho

O Globo

São milhares e milhares de normas. Praticamente toda empresa brasileira tem alguma pendência tributária

O sistema tributário brasileiro não é apenas ruim. É o pior do mundo — e não se trata de modo de dizer. Foi medido.

O Banco Mundial produziu até 2021 a pesquisa Fazendo Negócios, com o objetivo de avaliar o ambiente de negócios para uma empresa privada média. Ou, saber se esse ambiente é favorável ou desfavorável ao empreendedor que quer ganhar dinheiro honestamente.

A pesquisa está interrompida para avaliação de métodos, mas a análise dos sistemas tributários em geral, e do brasileiro em especial, apresentou resultados importantes.

Aqui, não medem o tamanho da carga, mas o sistema. Basicamente: qual o custo (contadores, advogados, funcionários) de manter as obrigações tributárias em dia; com quantos órgãos uma empresa tem de lidar; quantas operações, ou seja, quantos Darfs a empresa tem de emitir.

Marcus Pestana - Apesar de tudo, vamos falar de atenção primária

Ainda sob o impacto das tristes cenas ocorridas no último domingo em Brasília, faz-se necessário não perder o foco do enfrentamento dos grandes problemas nacionais, paralelo à defesa intransigente da democracia brasileira.

Os desafios brasileiros são de tal ordem que não há tempo para paralisia. Na última semana, abordei a necessidade vital da reestruturação e qualificação da atenção primária à saúde como pilar do sucesso do sistema nacional de saúde, particularmente do SUS.

Em boa hora veio a nomeação do médico sanitarista, Nésio Fernandes, como Secretário Nacional da Atenção Primária, que a partir de sua experiência como secretário municipal de Palmas, secretário estadual do Espírito Santo e presidente do CONASS, tem profundo conhecimento da realidade do SUS.

Como ex-gestor de saúde, gostaria de alinhar algumas ideias e opiniões sobre o caminho a seguir para a abordagem deste que me parece o maior gargalo da política pública de saúde. É evidente que a pandemia deixou uma difícil herança como, por exemplo, as filas agravadas para exames, tratamentos e cirurgias. Mas não se pode perder a visão estratégica de longo prazo.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Pacote de Haddad não resolve questão fiscal

O Globo

Governo mostrou preocupação com déficit, mas ainda precisa apresentar arcabouço para controle do gasto

O primeiro pacote de ajuste fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve pontos positivos e outros nem tanto. Ele acerta ao evidenciar que está preocupado com o déficit público, mas erra ao dar mais ênfase ao aumento de receita do que ao corte de despesas. Em resumo, não exime o governo de apresentar um robusto arcabouço para controlar o gasto público.

O governo começa com a difícil tarefa de fazer um ajuste fiscal. As despesas da União têm ficado acima das receitas, e a consequência disso é o aumento do endividamento e a elevação das taxas de juros, o que encarece o crédito e os investimentos do setor privado e segura o crescimento da economia. Reverter essa situação é urgente.

Poesia | Fernando Pessoa - Navegue

 

Música | Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto - Dia Branco

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