sexta-feira, 28 de maio de 2021

Vera Magalhães - Bolsonaro e Pazuello zombam das Forças Armadas

- O Globo

Jair Bolsonaro já logrou êxito no seu intento de desmoralização das Forças Armadas. Ao colocar o folgazão general Eduardo Pazuello debaixo de sua asa e impedir que ele sofra a punição que sua conduta ao comparecer a um comício político exigiria, o presidente da República liberou geral a anarquia militar. E faz isso porque quer se beneficiar dela.

É puro método a estratégia de corromper as instituições por dentro, que o bolsonarismo, tal qual uma praga de cupins, vai levando a cabo ao longo dos últimos dois anos e meio.

No caso das Forças Armadas, o atual presidente primeiro ganhou os generais com o canto da sereia da necessidade de acabar com a corrupção do PT. Graças a essa fantasia, fez com que os generais, que antes o desprezavam, passassem a vê-lo como seu candidato em 2018, a ponto de cruzarem, já ali, a linha ao ameaçar não aceitar a decisão do STF caso fosse concedido habeas corpus para soltar o ex-presidente Lula.

Vencida a eleição, os generais foram instalados de volta no poder, com direito a um vale-tudo em que os da ativa assumiram cargos políticos, algo que todos os conhecedores da hierarquia militar sempre alertaram que daria confusão.

Fernando Gabeira - Domingo de louvor ao vírus

- O Estado de S. Paulo

Cairemos na escuridão permanente ou estamos chegando ao fim do túnel?

Para o jornal inglês The Guardian, a manifestação de motos comandada por Bolsonaro foi obscena. Para quem observa o cenário nacional, ele foi também um marco que vai definir expectativas para os próximos meses.

Com Bolsonaro, no palanque da manifestação, estava um general da ativa, Eduardo Pazuello. A reação do Exército a essa violação de suas regras ainda é uma incógnita. O Ministério da Defesa ia se pronunciar, mas foi proibido de fazê-lo por Bolsonaro. Tanto Bolsonaro como Pazuello são perfeitamente conscientes da provocação que lançaram.

Bolsonaro costuma se referir ao Exército como “o meu Exército”. Todos sabemos que o Exército é uma instituição que pertence ao País. Bolsonaro quer demonstrar que ele manda e pode até romper com o regulamento militar.

Se o Exército responder como se espera que responda, Bolsonaro terá de aceitar a punição de Pazuello e reconhecer mais uma vez que não consegue impor sua vontade pessoal. Se o Exército não responder, Bolsonaro sentirá que deu mais um passo no controle do poder. O que seus aliados nas ruas pedem, um avanço sobre instituições democráticas, seria mais viável nesse cenário.

Não só nos próximos meses, como na própria eleição de 2022, Bolsonaro vai se sentir à vontade para contestar o resultado das urnas e impor sua vitória, com movimentos parecidos com o ataque ao Capitólio, nos EUA. Não é um cenário fácil. Uma ruptura com a democracia nesse momento radicalizaria o isolamento internacional do Brasil.

Bernardo Mello Franco – Um palco para a desinformação

- O Globo

A CPI da Covid é um sucesso de audiência. Dominou o noticiário político e o debate nas redes sociais. A comissão já reuniu provas da omissão e dos crimes do governo na pandemia. Mas tem derrapado ao oferecer palco para a desinformação e o negacionismo.

Na terça-feira, uma secretária do Ministério da Saúde aproveitou os holofotes para vender a farsa do “tratamento precoce”. Mayra Pinheiro mostrou por que ganhou o apelido de Capitã Cloroquina. Fez uma defesa entusiasmada do remédio, que não tem eficácia contra o coronavírus.

A doutora foi desmentida ao vivo pelo senador Otto Alencar, que é médico e lembrou que a substância só serve para o tratamento da malária. Mesmo assim, sua performance foi aplaudida pela claque governista.

Ontem o senador Marcos do Val assumiu o papel de garoto-propaganda do curandeirismo. Ele imitou o presidente Jair Bolsonaro ao discursar com uma caixa de cloroquina nas mãos. Depois sugeriu que o colega Major Olímpio, morto em março, estaria vivo se tivesse tomado o remédio.

Eliane Cantanhêde – Há generais e generais

- O Estado de S. Paulo

O comandante do Exército está no pior dos mundos: ou perde o cargo, ou perde a autoridade

Por que o presidente Jair Bolsonaro saiu ontem de Brasília, voou quase 3 mil quilômetros e se meteu no meio da Amazônia para inaugurar uma pontezinha de madeira, de menos de 20 metros? Simples. Para continuar seduzindo os militares e tentar fazer com o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio, o que fez com o também general Eduardo Pazuello: cooptá-lo, para manipulá-lo. Mas Paulo Sérgio não é Pazuello.

A ponte Rodrigo e Cibele fica na BR 307, liga São Gabriel da Cachoeira (AM) à Comunidade Indígena Balaio e foi feita pela Engenharia do Exército. Bom pretexto para o encontro de Bolsonaro com Paulo Sérgio e o ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, com direito a fotos e ao teatro de que vai tudo às mil maravilhas entre o presidente e as Forças Armadas. Não é assim.

Enquanto Bolsonaro se encontrava com o comandante e o ministro, bem longe da capital, vencia o prazo de 72 horas para que Pazuello se defendesse no Comando do Exército sobre sua presença num ato evidentemente político com o presidente, no Rio, domingo passado. O Estatuto Militar e o Regimento Disciplinar do Exército proíbem militares da ativa, caso de Pazuello, em atos políticos.

Ricardo Noblat - Bolsonaro trai seu desejo por um regime militar no Brasil

- Blog do Noblat / Metrópoles

Em viagem ao extremo norte da Amazônia, o presidente bajula seus ex-companheiros de farda e diz que eles decidem como o povo deve viver

É tamanho o empenho do presidente Jair Bolsonaro em tentar agradar seus ex-companheiros de farda que, ontem, em visita ao extremo norte da Amazônia para a inauguração de uma ponte de madeira construída pelo Exército em São Gabriel da Cachoeira, ele não se conteve e reconheceu ao discursar:

“Tem mais ministros oriundos das Forças Armadas no meu governo do que teve durante os governos da revolução de 1964”.

Revolução não houve em 1964, golpe militar, sim. O governo Bolsonaro, de fato, tem mais militares empregados do que qualquer outro governo da ditadura que durou 21 anos. Só ministros de Estado são sete. E mais de 6 mil militares ocupam cargos nos diversos escalões da administração pública.

Acompanhado de generais – entre eles, o ministro da Defesa Braga Neto e o comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira -, Bolsonaro condicionou o desejo dos brasileiros por paz, progresso e liberdade a uma decisão exclusiva dos militares:

 “Queremos paz, progresso e acima de tudo liberdade. A gente sabe que esse último desejo passa por vocês. Vocês é que decidem, em qualquer país do mundo, como aquele povo vai viver”.

Não são os militares que em qualquer país do mundo decidem como o povo deve viver. Só decidem onde não há liberdade, e eles mandam. É o que Bolsonaro gostaria que acontecesse por aqui.

Dora Kramer - Domínio dos fatos

- Revista Veja

Em última instância, a quem mais a não ser ao presidente se pode atribuir os atritos que resultaram no atraso da imunização?

Todos os fatos, falas e atos ora em exame na Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga ações e omissões do governo na gestão da pandemia de Covid-19 são de responsabilidade do presidente da República. A ele, por dever constitucional (artigo 84), cabe “a direção superior” da administração federal.

O chefe da nação é ao mesmo tempo executor, mandante e autor intelectual das decisões que traçam linhas de atuação. Por consequência, responde também por inações e procrastinações. Além disso, o mandatário tem um poder de influência monumental. Ele pauta comportamentos, pensamentos e crenças.

Notadamente num país com presidencialismo de contornos imperiais, onde vigora a ideia de que cabe mais ao Estado e menos à sociedade a movimentação das engrenagens nacionais, o ocupante da Presidência é figura central. Isso rende bônus, mas implica ônus, ambos convergentes para o mesmo endereço: o Palácio do Planalto.

Tomando emprestada do universo jurídico criminal a teoria do domínio do fato — que permite a imputação de culpa ao detentor do controle dos fatores que levam a condutas incriminadoras e foi usada pelo Supremo Tribunal Federal para condenar José Dirceu por corrupção ativa no processo do mensalão —, Jair Bolsonaro senta praça no topo dos acontecimentos em exame na CPI.

Prestes a completar um mês em 3 de junho e com mais sessenta dias pela frente, com a possibilidade de prorrogação por mais noventa, a comissão parlamentar anima as torcidas políticas. Os entusiastas da investigação esperam que dali saia a bala de prata capaz de afastar o presidente do cargo antes do prazo regulamentar. Os seguidores de Bolsonaro torcem para que os trabalhos degenerem, tomem o rumo do teatro meramente político/eleitoral e caiam no descrédito.

Murillo de Aragão - O Centrão vai ao mar

- Revista Veja

Partidos da base terão de se dividir para eleger parlamentares

O Centrão e ex-integrantes do bloco como o MDB e o DEM estão divididos em relação ao governo. A fragmentação é visível, por exemplo, na CPI da Pandemia. O relator, Renan Calheiros, prócer do MDB, é notadamente um oposicionista do presidente Jair Bolsonaro. Já os senadores Fernando Bezerra e Eduardo Gomes, do mesmo partido, são os líderes do governo, respectivamente, no Senado e no Congresso. Na Câmara, o MDB tem em Baleia Rossi, presidente da sigla, um adversário de Bolsonaro.

No DEM, a divisão é semelhante. Marcos Rogério, senador por Rondônia, é um dos maiores defensores do governo na CPI. Já ACM Neto, presidente da sigla, alimenta um discurso de independência, ainda que em seus quadros haja uma importante ministra, Tereza Cristina. O DEM terá de decidir como e onde deve ser bolsonarista ou não.

No PSD, a situação começa a ficar mais clara. Um dos articuladores do governo, Fábio Faria, é do partido, mas está de saída, já que a legenda caminha para a independência. Como consequência, a sigla deverá, gradualmente, perder espaço no governo. PP, Republicanos e PL continuam firmes no barco bolsonarista. O PSL mantém um pé lá e outro cá nos botes da política.

Ricardo Rangel - Como assim?

- Revista Veja

As perguntas que não encontram respostas lógicas

Como assim, tantos integrantes das Forças Armadas, instituição cujas bases são a hierarquia e a disciplina, apoiam um presidente que não se subordina à lei e estimula a quebra da disciplina e da cadeia hierárquica na caserna?

Como assim, tantos no agronegócio, setor que tanto depende das exportações, apoiam um presidente que destrói o meio ambiente, hostiliza nossos parceiros comerciais e cria o perigo de sofrermos sanções comerciais?

Como assim, tantos cristãos, que professam a religião do amor e da caridade, da misericórdia e da compaixão, da empatia e da solidariedade, apoiam um presidente movido pelo ressentimento, que estimula o ódio, que libera armas, que é indiferente à morte de centenas de milhares de brasileiros?

Bruno Boghossian - Aliança militar Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente fez quase um pedido aberto para que a caserna o ajude a ficar no poder

Jair Bolsonaro quer renovar sua aliança política com as Forças Armadas. Depois de fabricar desentendimentos, o presidente lembrou aos militares que eles são sócios originários de seu governo e fez quase um pedido aberto para que a caserna o ajude a permanecer no poder.

A visita de Bolsonaro a uma obra tocada pelo Exército na Amazônia, nesta quinta-feira (27), foi o palco desse comício militar. Ao lado de ministros e comandantes, ele apresentou sua plataforma e apelou a itens da velha cartilha que rege o envolvimento das Forças Armadas na política: a ocupação de espaços de poder e a oposição à esquerda.

O presidente tentou amarrar o destino do governo ao apoio daquela plateia de oficiais da ativa e generais da reserva. Depois de fazer um balanço dos desafios de seu mandato, acrescentou: "Essa responsabilidade eu divido com todos vocês".

Reinaldo Azevedo – Lembrar Nuremberg desbanaliza o mal

- Folha de S. Paulo

Metáfora extrema serve para lembrar que, para certos crimes, não pode haver perdão

Sempre que a evocação do Holocausto ou do tribunal de Nuremberg servir para justificar a truculência e a morte e para minimizar o horror, estejam certos de que estarei aqui e em qualquer parte para repudiar tal manifestação. E quem fala por mim? As muitas dezenas de artigos que já escrevi a respeito em minha página, hoje hospedada no UOL, e reiteradas declarações em programas de rádio.

Erra a Conib (Confederação Israelita do Brasil) ao atribuir ao senador Renan Calheiros (MDB-AL) a banalização do Holocausto judeu quando o relator da CPI associou o comportamento de homicidas da Covid-19 ao de alguns réus no tribunal de Nuremberg.

Basta voltar à fala de Renan para constatar que ele se referia àqueles que, no julgamento histórico, ou alegavam ignorância ou exibiam uma descarada indiferença. Tenho caros amigos na Conib. Reconheço, como eles sabem e como é público, a importância de sua luta e de entidades congêneres mundo afora.
Pouco importa o que eu pense sobre o atual governo de Israel —e não penso coisas muito boas—, resta a evidência de que o antissemitismo ainda é um "botão quente" em política, frequentemente acionado pelas mais variadas expressões do neofascismo —incluindo o de matriz islâmica. Não é de hoje que participo desse debate.

Mas é preciso saber quando a evocação do tribunal de Nuremberg —ou mesmo do Holocausto judeu— serve para rotinizar o genocídio e o morticínio em massa e quando esse chamamento à memória tem o propósito de encarecer agressões de lesa-humanidade que estão sendo rotinizadas. O zelo não pode correr o risco de, involuntariamente, tomar o lugar da impiedade.

Vinicius Torres Freire – Uma virada no pessimismo econômico

- Folha de S. Paulo

País é bem mais pobre e desigual que em 2013, mas economia pode despiorar mais rápido

Os economistas do Itaú passaram a prever que a economia vá crescer 5% neste 2021. Estão no extremo do otimismo, consideradas as opiniões do pessoal do mercado compiladas pelo BC. A estimativa mediana era de 3,5% até o fim da semana passada. Mas, além do bancão, humores em geral mudaram desde o início de maio.

Caso o PIB cresça 5% neste ano, a economia de 2021 terá voltado ao mesmo nível de produção e/ou renda de 2019. O Itaú estima que tenha havido crescimento no primeiro trimestre ante o final de 2020; que no primeiro trimestre a economia teria voltado ao nível do início de 2020. Os dados oficiais saem na terça (1º).

Antes de contar mais sobre chutes informados de otimismo, convém lembrar que o PIB per capita no início deste ano ainda era 11,1% inferior ao de 2013, um empobrecimento inaudito na história de que se tem registro. Mesmo crescendo 5%, ainda seremos em média 7,4% mais pobres do que em 2013. Mesmo com a despiora, problemas como desigualdade terão se agravado, o desemprego será alto e a destruição institucional prossegue. Adaptações da produção à epidemia podem ter acelerado mudanças estruturais (ruins) no emprego e na equidade.

José de Souza Martins* - Poder e loucura

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Até que o desvio de personalidade ganhe percepção social de que a sociedade está sendo governada por um louco pode passar muito tempo

Em lugar nenhum, os poderosos hereditários ou de circunstância estão sujeitos a um radar político eficaz que acenda a luz vermelha em caso de que apresentem sinais de loucura. Apenas supostamente a própria estrutura do Estado tem mecanismos de detecção automática de casos de insanidade para bloquear o governante que deixe de atender aos requisitos de normalidade mental para governar.

A loucura não é a mesma coisa em todas as partes. Ela é definida culturalmente, mesmo pelo médico. No Brasil, a sabedoria popular tem uma definição benevolente que retarda a estigmatização de alguém por comportamento anômalo: “De músico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco.”

Aqui, pode-se supor que uma fonte social de loucura eventual na política é a da tradição localista do autoritarismo patriarcal, decorrente da dominação escravista. Pessoas com essa mentalidade, deslocadas para situações da sociedade moderna e urbana, estão sujeitas a desconforto mental que pode se manifestar em alguma forma de loucura.

Se faltar a tais pessoas a ressocialização para esse outro modo de vida, inconformadas, nos casos mais brandos reagem com objeções demolidoras à sociedade que desconhecem. Nas formas mais graves, eventualmente no poder, sua reação tenderá à obsessão do golpe de Estado para impor sua vontade política tosca e torta, demolir as instituições e reinventar uma sociedade só para si.

Até que o desvio de personalidade ganhe percepção social de que a sociedade está sendo governada por um louco, pode passar muito tempo. Artistas e escritores têm capturado com mais facilidade do que os políticos e do que o cidadão comum os indícios de que um rei ou um presidente saiu dos eixos e que, portanto, talvez deva ser removido do trono ou do poder. Simão Bacamarte, o alienista de Machado de Assis, documenta essa percepção. Louco é sempre quem acha que loucos, idiotas e errados são os outros.

Fernando Luiz Abrucio* - Um governo de verdades alternativas

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Irresponsabilidade é um método de ação política para todo bolsonarismo

Os governos democráticos, por definição, devem responder ao público e assumir as responsabilidades pelos atos governamentais, por meio de informações fidedignas que possam ser acessadas de forma transparente e que sirvam para a fiscalização da sociedade e de instituições públicas independentes. Há na língua inglesa um termo para esse processo: “accountability”, cuja tradução mais usada no Brasil tem sido responsabilização, porque, além da prestação de contas, espera-se que os governantes sejam responsabilizáveis por suas políticas públicas. Dito isto, pode-se dizer que a irresponsabilidade é a marca do presidente Bolsonaro, tornando-se um método de ação política para todo o bolsonarismo.

Cabe lembrar que a “accountability” foi rara ao longo da história brasileira porque a democracia demorou para florescer nestas terras. Somente com a Constituição de 1988 é que os governantes se viram obrigados a responder constantemente ao público. Comparado ao que ocorrera em toda a trajetória republicana do país, houve muitos avanços, de modo que os governos se tornaram mais abertos ao escrutínio público.

Evidentemente é preciso aperfeiçoar vários dos instrumentos de responsabilização do poder público, fazendo da “accountability” um processo marcado mais pela cobrança do que fora efetivamente feito pelos governantes e menos um objeto de vingança política ou de tentativa de substituir os eleitos por não eleitos que se acham salvadores da pátria. Só que os ajustes devem servir para continuar na trilha de maior fiscalização governamental, e não para reduzir os controles democráticos sobre os governantes.

César Felício - Uma ideia nefasta

- Valor Econômico

“Voto auditável” é armadilha para contestar eleições

A discussão hoje da impressão do voto, como instrumento para auditar a urna eletrônica, está muito longe de ser apenas uma ideia ruim, como era antes. A proposta impulsionada pela ala bolsonarista do PSL, com a adesão de uma ou outra liderança de esquerda e abençoada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, tornou-se agora a maior ameaça potencial ao sistema democrático no país.

O que a Câmara está discutindo não é a volta do voto em cédula. Se fosse isso, seria um retrocesso, mas ainda assim muito melhor do que o que está posto em debate. O voto em cédula é um mecanismo de consulta popular altamente vulnerável a fraudes, mas que, com amadurecimento institucional e o desenvolvimento de ferramenta de controles, é aceito em diversas partes do mundo.

A emenda constitucional em discussão prevê a instalação de uma impressora acoplada à urna eletrônica que, em tese, permitiria ao eleitor conferir se o seu voto está sendo computado corretamente. Em seguida, o papel seria picotado e cairia automaticamente em um recipiente. O mecanismo permitiria que uma seção eleitoral fosse auditada. Se a sistematização dos votos na urna eleitoral for diferente dos votos impressos no recipiente físico, estaria visualizado o buraco na armadura.

Claudia Safatle - Proposta de reforma tributária tem atrativos

- Valor Econômico

Governo desistiu de mexer nas deduções do Imposto de Renda

O pacote da reforma tributária fatiada, em finalização pelo governo, vai propor o corte de cinco pontos percentuais na alíquota do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) em um prazo de dois anos. Com isso, a alíquota cheia cai de 25% para 20%. Em contrapartida, o governo quer tributar com alíquota de 15% (podendo chegar a 20%), a distribuição de lucros e dividendos das empresas a seus acionistas, que hoje é isenta; e extinguir com o regime dos juros sobre capital próprio, que é uma outra forma de distribuir lucros sem pagar imposto. Discute-se acabar, também, com as isenções do IR sobre algumas aplicações financeiras, tais como os certificados de recebíveis imobiliários e agrícolas (CRIs e CRAs).

Sobre o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), o governo decidiu não mexer nas deduções, a exemplo das despesas médicas, para “não machucar ainda mais a classe média, já bastante baleada”, segundo assegurou uma fonte oficial. Aumentar a faixa de isenção do IR, hoje de R$ 1.903,98, para a casa dos R$ 3 mil, como vem prometendo há meses a pasta da Economia, também é uma possibilidade, mas, segundo essa mesma fonte, essa medida poderá estar condicionada à aprovação do Imposto sobre Transações - cujo debate ficou interditado, na Câmara, durante a presidência do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao não corrigir a tabela de isenção do Imposto de Renda pela inflação, o fisco acaba penalizando mais os contribuintes.

Desemprego bate recorde e não há melhora no horizonte

Volta ao mercado de trabalho é desafio, em especial para informais

Por Ana Conceição e Lucianne Carneiro / Valor Econômico

 São Paulo e do Rio - O mercado de trabalho brasileiro bateu vários recordes negativos no primeiro trimestre e um novo recrudescimento da pandemia eleva as incertezas sobre quando haverá uma recuperação do nível de emprego aos níveis de 2019. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou ontem que a taxa de desemprego chegou a 14,7% no período, a maior desde que a pesquisa foi iniciada, em 2012. No mesmo período do ano passado, era de 12,2%.

Também marcaram história no primeiro trimestre o número de desempregados, 14,8 milhões, e o de desalentados (aqueles que desistiram de procurar uma ocupação), 5,97 milhões. Os subutilizados, também conhecidos como mão de obra desperdiçada, ou porque estão desempregados ou porque trabalham menos do que gostariam, chegaram a 33,2 milhões, outro recorde. Quem tem algum tipo de ocupação no mercado formal ou informal somou 85,65 milhões, 6,6 milhões a menos que no primeiro trimestre de 2020.

“É o pior momento do mercado de trabalho. O aumento da desocupação é esperado para essa época do ano. Mas essa sazonalidade pode estar sendo reforçada pelo acúmulo [das perdas] ao longo de 2020”, afirma Adriana Beringuy, gerente da Pnad no IBGE. Assim, mesmo em meio à piora da pandemia mais pessoas voltaram ao mercado em busca de renda. Ao não conseguir ocupação, elevaram o desemprego. Todas as 351 mil pessoas que voltaram a buscar emprego no primeiro trimestre não encontraram colocação.

Segundo Beringuy, não é possível avaliar o impacto da ausência de pagamento do auxílio emergencial na busca por trabalho no primeiro trimestre de 2021. Essa busca, no entanto, foi puxada principalmente pelas regiões Norte e Nordeste, onde o auxílio tem peso. maior No Norte, a taxa de desemprego subiu para 14,8%, no primeiro trimestre de 2021, e no Nordeste, para 18,6%.

Rogério F. Werneck - Coisas de internet

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Bolsonaro agora quer que não levem a sério declarações em rede social, mas falas do presidente não são palavras ao vento

Em junho, tudo indica, o país ultrapassará o marco macabro de meio milhão de mortes por Covid-19. Não falta, contudo, quem se apresse em vaticinar que a memória do povo é curta e que, com o avanço da vacinação e a retomada da economia, tamanha devastação será logo esquecida, a ponto de acabar não tendo maior relevância na campanha presidencial do ano que vem.

Sobram razões para discordar de tal vaticínio. Muito pelo contrário, o mais provável é que o trauma da Covid-19 esteja fadado a ter importância central na disputa presidencial de 2022, não só pelo rastro de letalidade como pelo desgaste emocional do eleitorado, ao cabo de uma pandemia tão longa.

E, sobretudo, porque salta aos olhos que as proporções do desastre sanitário que se abateu sobre o país foram amplificadas, em grande medida, pela incúria escancarada com que o governo se permitiu lidar com a pandemia.

Flávia Oliveira - Brasil, território da escassez

- O Globo

O governo que sabotou a compra de vacinas em variedade e quantidade desmoralizou o Programa Nacional de Imunização e também envenenou os brasileiros com o vírus da discórdia. No país outrora capaz de vacinar mais de dois milhões de pessoas por dia, a ação deliberada de adiar a contratação de imunizantes pavimentou a escalada das mortes e, de quebra, multiplicou desvios éticos e morais pela prioridade na fila. Individual ou coletivamente, “quando o jeito é se virar, cada um trata de si, irmão desconhece irmão”. Nos versos do poeta do samba, Paulinho da Viola, o resumo do Brasil de Bolsonaro, território da escassez.

A CPI da Covid mal completou um mês, e a responsabilidade do governo federal, por atos, omissões, inépcia ou incompetência, na política de vacinação está clara. Ontem, o depoimento de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, foi outro que jogou luz sobre a ação deliberada do presidente da República para desqualificar, desacreditar e adiar a assinatura do contrato de compra da CoronaVac, parceria com o laboratório chinês Sinovac. O sim à primeira oferta, feita em julho, garantiria ao país 60 milhões de doses ainda no último trimestre de 2020. Mas o contrato de 46 milhões de doses só foi formalizado em janeiro deste ano, sob intensa pressão política e quando a variante P.1, mais transmissível, já circulava em Manaus e, na sequência, país afora.

Pedro Doria - O paradoxo do WhatsApp

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Há um debate rolando na Índia que tem muito interesse para o Brasil. Lá, Ravi Shankar Prasad, ministro da Lei, Informação e Tecnologia, propôs em fevereiro regular as redes sociais. Segundo a nova legislação, o governo estaria apto a ordenar a retirada do conteúdo que considerar ilegal. Dentre as medidas, apps de mensagens como o WhatsApp seriam também obrigados a traçar o caminho daquilo que circula. Se o governo não gostar de algo, terá como descobrir quem enviou. Pois o WhatsApp, em geral discreto na relação com governos por onde anda, reagiu com dureza. Recorreu à Suprema Corte do país.

Um pouco de contexto ajuda. O premiê indiano, Narendra Modi, faz parte da onda mundial de governantes populistas e autoritários que incluem o húngaro Viktor Orbán, o americano Donald Trump e, naturalmente, o brasileiro Jair Bolsonaro. Modi tem mais proximidade com outro ilustre membro do conjunto, o turco Recep Tayyip Erdogan. Para os dois, é menos uma visão nacionalista de extrema-direita que os guia, embora ambos sejam de direita e nacionalistas. A força motriz de seu populismo é religiosa, e seus principais adversários não são o naco democrático dos liberais e progressistas. Seu alvo principal são as minorias religiosas. A diferença é cosmética, pois a ação política é similar. Fortes doses de autoritarismo, desinformação pelos meios digitais e uma contínua ação de degradação institucional. Corroem as democracias por dentro.

Não é à toa, portanto, que exista na Índia um ministro responsável simultaneamente pela Lei, pela Informação e pela Tecnologia. Quebrar o espírito das leis, controlar informação, tudo pela tecnologia, é a fórmula do decaimento democrático.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Butantan derruba versão do governo sobre vacinas

O Globo

Num depoimento considerado “demolidor” por senadores da oposição, o diretor do Butantan, Dimas Covas, fez desmoronar os frágeis argumentos apresentados pelo Planalto para justificar a falta de vacinas. Na CPI da Covid, Covas revelou que o Ministério da Saúde ignorou oferta, em 30 de julho de 2020, para entrega de 60 milhões de doses da chinesa CoronaVac no último trimestre daquele ano. Disse ainda que, em dezembro, havia 5,5 milhões de doses prontas e 4 milhões em produção: “As doses estavam disponíveis, e o Brasil poderia ter sido o primeiro país do mundo a começar a vacinação”.

Ele expôs o governo também ao desmontar a versão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Disse que não houve interrupção nas negociações com o Butantan em outubro, depois de o presidente Jair Bolsonaro desautorizar publicamente Pazuello, dizendo que não compraria a CoronaVac, a que se referia como “vacina do Doria”. Covas afirmou que as tratativas foram interrompidas no dia seguinte às declarações e só foram retomadas meses depois — o contrato com o ministério foi assinado em janeiro de 2021, quando o governo comprou 46 milhões de doses com opção de comprar mais 54 milhões. De acordo com ele, hoje já daria para ter entregado 100 milhões.

A má vontade com a CoronaVac, manifestada por Bolsonaro em diversas ocasiões, ficou patente na falta de apoio ao Butantan para produzir a vacina, responsável por 75% das imunizações no Brasil. Covas disse que o instituto não recebeu um centavo do governo federal para construir uma fábrica que permitirá a autossuficiência — está sendo erguida com recursos privados. Ele ressaltou que foi uma postura diferente da adotada em relação à vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pela Fiocruz com investimentos federais.

Poesia | Pátria Minha - Vinicius de Moraes

Nelson Sargento, lenda do samba, morre aos 96 anos, vítima de Covid

Sambista foi um dos maiores nomes da Mangueira e autor dos principais enredos da história da escola

- O Globo

Morreu aos 96 anos, às 10h45 desta quinta-feira (27), o cantor e compositor Nelson Sargento. Baluarte da Mangueira, o sambista estava internado desde o dia 22 de maio no Inca (Instituto Nacional de Câncer). O artista  chegou "com quadro de desidratação, anorexia e significativa queda do estado geral", segundo nota da instituição, que confirmou sua morte através de nota oficial nesta quinta-feira.

Na nota, o Inca informa que "ao chegar na unidade, foi realizado o teste de Covid-19, que apontou positivo. O paciente estava aos cuidados do Inca na Unidade de Terapia Intensiva desde o último sábado (22). Apesar de todos os esforços terapêuticos utilizados, o óbito ocorreu". "Nelson Mattos era paciente do Inca desde 2005, quando foi diagnosticado e tratado câncer de próstata", continua a nota.  Ele deixa a mulher, Evonete Belizario Mattos, e os seis filhos biológicos (Fernando, José Geraldo, Marcos, Léo, Ricardo e Ronaldo), além de Rosemere, Rosemar e Rosana, que adotou. A  assessoria informa que, devido à pandemia, não haverá velório, e que Nelson será cremado em cerimônia restrita à família.

Nelson Sargento foi vacinado contra Covid no dia 31 de janeiro, em uma cerimônia no Palácio da Cidade, na qual o prefeito Eduardo Paes deu início à campanha de vacinação para a terceira idade no Rio. Ao lado dele, estavam outros quatro idosos, entre eles o ator Orlando Drummond, de 101 anos. Mesmo tendo recebido as duas doses do imunizante, Nelson Sargento foi infectado. Especialistas afirmam que o risco para desenvolver a doença existe mesmo com duas doses da vacina e pode ser explicado por diferentes fatores. Um estudo recente em São Paulo constatou que a CoronaVac é efetiva contra a Covid-19 em idosos acima de 70 anos, apesar de seu desempenho cair conforme a idade. Especialisas reforçam que, mesmo vacinados com duas doses, deve-se continuar as políticas de distanciamento social, uso de máscara e outras formas de prevenção de contágio para combater à epidemia, juntamente com a campanha de vacinação.

O garoto que aprendeu a tocar violão com Nelson Cavaquinho e que desde cedo compunha com seu padrasto, o letrista Alfredo Português, tinha um encontro com o destino. Logo se tornaria um dos baluartes da Mangueira, autor de alguns dos sambas-enredos mais importantes da história da escola, da qual virou presidente de honra. Em quase um século de vivências, Nelson Sargento não apenas testemunhou como participou diretamente das diferentes mutações do samba. Um gênero em eterna agonia, que ele e seus parceiros sempre socorreram “antes do suspiro derradeiro”, como diz uma de suas músicas mais conhecidas, “Agoniza mas não morre”.

Música | Agoniza mas não morre - Nelson Sargento & Teresa Cristina