- O Estado de S. Paulo
Desçam todos, por favor. Faremos uma pausa.
Passado o dia de hoje, 24 de janeiro, não haverá novo tempo nem outra época. A vida será a mesma. Com ou sem condenação, a democracia permanecerá, as regras do jogo não serão alteradas, as liberdades não falecerão, eleições continuarão a acontecer. Entre choros, palmas e velas, a institucionalidade jurídico-política prevalecerá, radicalismos à parte, que fazem parte do jogo. A viagem seguirá, após a parada obrigatória. Passageiros continuarão inquietos e divididos, mas seguirão em frente, refrescados uns, pilhados outros. O destino ainda não será vislumbrado, mas todos saberão que ele está logo ali, nas urnas de outubro.
Passado o julgamento, alguma redefinição terá de se impor, ainda que o clima de dramatização persista. Não mais o crime, a culpa ou a inocência, mas o futuro dos personagens, seu potencial e sua razão de ser. Reiterada a condenação de Lula, o PT judicializará a política, concentrando-se numa discutível batalha jurídica a ser travada nos tribunais. Absolvido o ex-presidente, o partido será vitaminado e voltará a ter chances de mostrar o que propõe para o país, além de Lula.
A tese partidária é que, com a condenação, “não teremos mais normalidade institucional no Brasil”, como diz Gleisi Hoffmann, sem se dar conta do tamanho das labaredas que carregam suas palavras. A perspectiva é tão burra politicamente que não é de se acreditar que todos os petistas pensem do mesmo jeito. Afinal, se as eleições serão uma “fraude”, como reza a cartilha, o certo seria ignorá-las. O partido, porém, nem pensa nisso.
O fato, mal processado sobretudo pelos petistas, é que Lula é só a ponta de um gigantesco iceberg, no qual se abraçam políticos de praticamente todos os partidos brasileiros, de centro, direita e esquerda. Todos estão sujos, mas só Lula estaria a pagar o pato? O problema é que sem Lula a esquerda não sabe se orientar. A direita tem vários nomes, além de ter, também, fortalezas muito mais poderosas para resistir ao cerco da Lava Jato.
A esquerda não pode cometer deslizes de corrupção, nem falcatruas, nem levar vantagens pessoais, nem trambicar com os poderosos, nem manter relações promíscuas e não transparentes com quem quer que seja. Se faz isso, deixa de ser esquerda, converte-se numa vertente degenerada da esquerda, tendo ou não consciência dessa opção.
A esquerda dominante não admite isso. Minimiza a sujeira que acumulou quando esteve no poder. Alegar que não há provas suficientes nem crimes é fazer como o avestruz. É desrespeitar a inteligência alheia.