terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ao comparar Israel a nazistas, Lula agride a História

O Globo

Presidente deveria ter a humildade de se desculpar diante do mundo

O Brasil sempre foi um refúgio para perseguidos de outras partes do mundo. Recebeu e integrou à sociedade imigrantes de todas as origens nacionais, étnicas e religiosas, entre os quais árabes (cristãos e muçulmanos) e judeus. Essa característica acolhedora tradicionalmente deu à diplomacia brasileira uma posição privilegiada de equilíbrio em relação aos conflitos recorrentes no Oriente Médio. Atos e declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, põem em xeque esse equilíbrio, agridem os fatos e, no mínimo, sugerem que ele desconhece a História.

Na tentativa de criticar as ações de Israel na Faixa de Gaza, Lula fez um paralelo frequente entre os antissemitas, que ofende não somente os judeus, mas as consciências justas do mundo todo. “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus”, disse Lula. A comparação descabida da guerra em Gaza com o Holocausto que exterminou 6 milhões de judeus na Segunda Guerra recebeu apoio do grupo terrorista Hamas, que agradeceu a Lula nas redes sociais. Isso diz tudo.

Cristovam Buarque* - As dívidas da democracia

Correio Braziliense

Por sorte, dessa vez, o atentado da máfia golpista fracassou devido à incompetência e ao despreparo do líder, um militar da reserva que, por pouco, não foi expulso do Exército por indisciplina na década de 1980

Os fatos recentes mostram que a democracia brasileira foi salva por uma questão de sorte. Foi sorte que, dessa vez, a máfia golpista fosse incompetente e liderada por um presidente despreparado, militar da reserva que por pouco não foi expulso do Exército por indisciplina, na década de 1980. A situação teria sido diferente se no lugar do capitão endiabrado estivesse um general respeitado na tropa, com um mínimo de capacidade de articulação e de pensamento estratégico. Foi por sorte que alguns comandantes optaram pela omissão, no lugar do apoio ao golpe. Foi sorte que havia no STF um Alexandre de Moraes com vontade, coragem e obsessão para enfrentar golpistas; sem um juiz tão comprometido o golpe não teria sido barrado.

Carlos Andreazza -Associação criminosa

O Globo

Jair Bolsonaro, cercado de braga-nettos, nunca esteve sozinho

Perde-se muito tempo com a já famosa — mais uma infame — reunião ministerial de 5 de julho de 2022. Aquela em que a turma do general Heleno, numa (mais uma) peleja por se provar o autoritário mais sabujo da desinformação bolsonarista, fez carga para que colegas menos engajados se lançassem à campanha contra o sistema eleitoral.

(Há preocupações legítimas sobre a segurança do sistema de votação eletrônico. A fiscalização a respeito deve ser rigorosa; os críticos tendo a segurança de que seus apontamentos não serão criminalizados na vala antidemocrática. O encastelado TSE já foi arrogante ao responder a questionamentos válidos. O bolsonarismo, no entanto, opera — existe e se desenvolve — na instrumentalização oportunista das dúvidas honestas; agente de assalto em tudo quanto possa minar as expressões de concretude da República. Tampouco à toa o investimento contra a credibilidade do sistema vacinal brasileiro. São manifestações práticas da “coisa pública”; da amplitude da “coisa pública”, donde inimigas.)

Andrea Jubé - O desacerta e reacerta dos líderes com Lula

Valor Econômico

Relação dos chefes do Executivo com o Legislativo, em especial, com as lideranças da base e da oposição, sempre foi de se tourear

Desde que as primeiras Constituições estabeleceram a separação dos Poderes, a relação dos chefes do Executivo com o Legislativo, em especial, com as lideranças da base e da oposição, sempre foi de se tourear.

Um pouco de história: nos anos 50 e 60, no auge da liderança de Carlos Lacerda e da UDN, que faziam oposição aos governos de Getúlio Vargas, JK e João Goulart, essa bancada oposicionista ficou conhecida como “banda de música”.

Isso porque os líderes udenistas se aboletavam nas primeiras cadeiras do plenário e se revezavam na tribuna com oratórias exaltadas. Nos dias de hoje, a oposição, principalmente o bolsonarismo, mantém os discursos estridentes - a diferença é que a repercussão flui nas redes sociais, não no plenário.

Pedro Cafardo - Nem culto à gastança nem terrorismo fiscal

Valor Econômico

É preciso evitar a polarização ideológica na área da economia, assim como na política

Semanas atrás, quando saiu o resultado do déficit primário do governo central, que atingiu R$ 230,5 bilhões no ano passado, o segundo maior da série histórica, voltaram à rinha econômica cenas de radicalismos.

Terminado o Carnaval, quando o ano efetivamente começa no Brasil, é oportuno voltar a esse tema. A expressão “terrorismo fiscal”, já citada nesta coluna, foi novamente lembrada. A militância fiscalista a repele, naturalmente, com o argumento de que os déficits fiscais aumentam a dívida pública, alimentam a inflação, exigem a manutenção de juros elevados e contraem a economia.

Míriam Leitão – A força e o poder da diplomacia

O Globo

Criticar a fala de Lula não significa aceitar o inaceitável em Gaza ou concordar por um segundo que seja com Netanyahu

A máxima da diplomacia brasileira, por muito tempo, foi a de que “no Itamaraty não se improvisa”. A frase era repetida no Ministério das Relações Exteriores no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, como um alerta de que havia sempre sutilezas a considerar antes de cada ato e cada palavra. O país ainda vivia a etapa final do governo militar, mas a preocupação dos diplomatas de carreira era ter uma política de Estado e não de governo. O objetivo era solucionar controvérsias, ampliar mais os horizontes e refazer laços esgarçados durante o auge do autoritarismo. Ontem, o país se viu imerso numa crise diplomática provocada por um improviso de Lula. Outros ruídos têm nascido de falas impensadas.

Luiz Carlos Azedo - Lula chamou Netanyahu para dançar um minueto

Correio Braziliense

Lula errou politicamente. Não sabemos se foi arroubo de oratória ou deliberado. Não vai se desculpar, porém já sabe que precisa relativizar as declarações sobre a guerra de Gaza

De origem aristocrática, o minueto foi uma dança muito popular na corte de Luís XIV, o Rei Sol, monarca conhecido pela frase-síntese do absolutismo: "L'état, c'est moi" (o Estado sou eu). Nos séculos XVII e XII, difundiu-se pela Europa, com ecos por aqui, por ser uma dança alegre e de passos miúdos, que não exigia um grande vigor físico, mas apenas ritmo para acompanhar o compasso 3/4. O minueto inspirou nossos sambistas a dançarem o "miudinho"; na política, "dançar miudinho" é sinônimo de saia justa, isto é, um grande constrangimento.

Muitos compositores incluíram o "minuit" em suas sonatas, sinfonias e músicas de câmara, como Bach, Haydn, Mozart, Beethoven e Paderewski. O minueto da Sinfonia nº 40 de Mozart, porém, nada tem de elegante nem gracioso, mas exprime um grande sentimento de angústia. É mais ou menos o que está acontecendo com a diplomacia brasileira após as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o massacre israelense em Gaza, em retaliação ao atentado terrorista do Hamas.

Maria Cristina Fernandes - Lula tem mais a perder do que Netanyahu

Valor Econômico

As declarações de Lula oferecem uma chance para Netanyahu se defender com argumentos que unem seu país, dividido pela guerra

A despeito das convocações cruzadas de embaixadores, nem o Brasil nem Israel têm a ganhar com a escalada da crise gerada pelas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva comparando a matança de palestinos em Gaza ao holocausto. Até que este perde-perde se esgote, porém, Lula enfrenta mais riscos que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

As declarações de Lula oferecem uma chance para Netanyahu se defender com argumentos que unem seu país, dividido pela guerra. Trata-se de um fôlego temporário, visto que o exército israelense está prestes a fazer nova investida em Rafah, na fronteira com o Egito, e levantar nova leva de indignação internacional, mas é uma pausa útil.

Já Lula, que é o anfitrião, esta semana, da primeira grande reunião do G20 sob presidência brasileira, a dos chanceleres, perde a oportunidade de galvanizar uma posição sobre o tema. Arrisca, com isso, afetar sua liderança sobre o bloco. Até o momento, o apoio internacional mais eloquente que as declarações de Lula recebeu foi do Hamas, grupo responsável pelo ataque já classificado de terrorista pelo governo brasileiro.

Merval Pereira - Linha vermelha

O Globo

Lula mistura alhos com bugalhos de maneira absurda, com consequências graves. A não ser por uma tendência ideológica contra o Estado de Israel, completamente fora da política tradicional brasileira, é inexplicável o que aconteceu

A humilhação pública a que foi submetido o embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, pelo Estado de Israel, sendo repreendido no Museu do Holocausto diante de jornalistas, é exemplar da passionalidade que o tema desperta no povo judeu. E do erro grosseiro, diplomático, histórico e ideológico cometido pelo presidente Lula ao comparar uma reação excessiva de Israel ao ataque terrorista do Hamas à política de dizimação em massa levada a efeito pelos alemães contra os judeus na Segunda Guerra Mundial.

A única maneira de Israel voltar atrás na declaração de que Lula é persona non grata seria o Brasil pedir desculpas, e o recrudescimento da crise com a convocação do embaixador brasileiro de volta e a correspondente reprimenda ao embaixador de Israel no Brasil mostra que dificilmente teremos uma solução rápida para uma crise desnecessária.

Eliane Cantanhêde - Lula, por que não te calas?

O Estado de S. Paulo

Com Blinken, G-20 e o ato na Paulista à vista, Brasil está como diabo e Bolsonaro gostam

Toda vez que Lula põe os pés fora do Brasil, troca manchetes positivas por negativas e cria tensões desnecessárias, ao lançar frases de efeito irresponsáveis, de conteúdo errado, na hora errada. O alvo da vez é Israel, que entra obrigatoriamente, e de supetão, na agenda dele com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, amanhã de manhã. Não é um tema fácil. Lula vive às turras com Israel e acaba de comparar a ação em Gaza ao Holocausto, e Blinken representa o maior aliado israelense no mundo.

É admissível criticar Israel por reagir ao ataque terrorista do Hamas desproporcionalmente, com milhares de mulheres, crianças e civis mortos em Gaza. Mas daí a comparar a ação israelense com o Holocausto e os 6 milhões de judeus mortos pelo nazismo é inaceitável sob todos os pontos de vista. Netanyahu é tudo o que se sabe, mas Lula lhe deu de bandeja a chance de retrucar, dizendo que a comparação com o Holocausto “ultrapassa a linha vermelha” e foi “vergonhosa e grave”. Como discordar?

Alvaro Costa e Silva - O camarote lotado do golpe

Folha de S. Paulo

À medida que as investigações avançam, surgem nomes no grupo conspiratório de Bolsonaro

À medida que avançam as investigações da Polícia Federal e o zap da caserna é esquadrinhado de uma ponta à outra, o entorno conspiratório de Bolsonaro está se transformando no camarote dos irmãos Marx, cena clássica do filme "Uma Noite na Ópera". Contrariando as leis da física e da decência, sempre cabe mais um. Mais um golpista.

Até quem aparentemente não foi convidado dá as caras, como penetra. Logo após a Operação Tempus Veritatis, o general Mourão correu para ocupar a tribuna do Senado. Mesmo aquele bolsonarista que tem dificuldade para interpretar um texto entendeu que ele havia incitado as Forças Armadas a se insurgirem contra o que definiu como "devassa persecutória". Depois, no morde e assopra, baixou o tom, dizendo-se legalista.

Hélio Schwartsman - Diplomacia em frangalhos

Folha de S. Paulo

Quando fala de improviso, Lula parece mais diretor de grêmio estudantil do que presidente da República

Ah, Luiz Inácio Lula da Silva... Quando ele segue o roteiro preparado pelo Itamaraty, ainda é possível enxergar uma posição minimamente coerente com a tradição diplomática brasileira. Foi o caso do discurso que ele fez no sábado (17) na abertura da cúpula da União Africana em Adis Abeba. Ali, sem deixar de criticar Israel, também condenou os ataques do Hamas e pediu a libertação imediata de todos os reféns.

Dora Kramer - Palpite para lá de infeliz

Folha de S. Paulo

É humanamente indefensável e historicamente equivocada a comparação de Israel a Hitler

Não podem mais ser vistas como dúbias ou meramente polêmicas as declarações do presidente Luiz Inácio da Silva sobre a guerra entre Israel e o Hamas. A comparação da ação militar israelense em Gaza (sem dúvida exorbitante) ao extermínio de judeus na Segunda Guerra Mundial posiciona o mandatário brasileiro muitos degraus acima na escala da temeridade diplomática.

Assumiu um lado, e da pior maneira na cena mundial, ao receber elogios e agradecimentos do grupo terrorista. Não bastassem a condescendência com ditadores e a concessão do benefício da dúvida a Vladimir Putin na morte de Alexei Navalni, agora mais essa.

Joel Pinheiro da Fonseca – Agradando o Hamas

Folha de S. Paulo

Fala de Lula nos isola do mundo democrático e fortalece a oposição no Brasil

A fala do presidente caiu como uma bomba: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus".

Não sei se era sua intenção, mas foi o que Lula conseguiu: esfriou ainda mais as relações do Brasil com o mundo democrático e fez com que o assunto central do debate público brasileiro nas últimas 24 horas voltasse a ser o conflito Israel-Palestina.

E com razão. A comparação é esdrúxula. A campanha de bombardeios israelenses na Faixa de Gaza é desproporcional, deve ser publicamente denunciada —como tantos bombardeios em tantas guerras presentes e passadas—, mas genocídio não é.

Poesia | Extravio, de Ferreira Gullar

 

Música | Paulo Costta & Moreno Veloso - Ano Passarinho