Posto de gasolina foi usado até como comitê de campanha do PT
Dois chefes de postos de vistoria do Detran apontados como organizadores de esquemas de fraudes que incluíam vistorias fantasmas tinham padrinhos políticos: Ricardo Loroza de Rezende, do posto de Paracambi, preso anteontem com mais 36 pessoas, era protegido do deputado estadual André Ceciliano (PT), enquanto Nildo Sá Ferreira, de Araruama, ainda foragido, fora indicado pelo presidente da Alerj, Paulo Mello (PMDB), de quem é sobrinho, revelam Chico Otavio e Natanael Damasceno. Mais um integrante foi preso ontem, restando ainda sete mandados a serem cumpridos, entre eles o de Nildo. Loroza doou R$ 15. 721 para a campanha eleitoral de Ceciliano, ex-prefeito de Paracambi, além de ceder um espaço de um posto de gasolina de sua propriedade para alojar o comitê do petista. Mello e Ceciliano alegam que não se responsabilizaram pelos atos dos apadrinhados.
A conexão Detran
Chefes da máfia que fraudava vistorias têm ligação com deputados fluminenses
Chico Otavio, Natanael Damasceno
Ao atirar no que viu, a Operação Direção Oposta, responsável pelo desmonte de uma quadrilha que agia no Detran, pode ter acertado o que não viu. Os dois chefes de postos de vistoria apontados como organizadores de esquema de fraudes - um deles já preso - eram apadrinhados políticos: Ricardo Loroza de Rezende, do posto de Paracambi (Baixada Fluminense), era protegido do deputado estadual André Ceciliano (PT). Nildo Sá Ferreira, de Araruama (Região dos Lagos), foi indicado pelo presidente da Assembleia Legislativa, deputado Paulo Mello (PMDB), de quem é sobrinho.
A quadrilha chefiada por Ricardo Rezende, o Ricardinho, e Nildo, de acordo com o Ministério Público estadual, cobrava propina dos motoristas para regularizar documentos de licenciamento sem vistoriar os veículos. A operação, deflagrada na quarta-feira pela Corregedoria do Detran, pela Polícia Civil e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP, havia prendido até ontem 38 dos 45 suspeitos com mandados de prisão expedidos pela Justiça.
Loroza atuou na campanha de André
Loroza, nomeado no dia 8 de abril para a chefia do Detran de Paracambi, atuou ano passado na campanha eleitoral de André Ceciliano, ex-prefeito do município. Além de ceder instalações do posto de gasolina Paracambi, de sua propriedade, para alojar o comitê do petista, doou R$15.721 para o candidato. Na cidade, ele é apontado como o arrecadador da campanha de Ceciliano.
Em junho, depois da nomeação, Loroza e Ceciliano viajaram juntos para a Disney World, na Flórida, com suas mulheres. Até o início da manhã, um vídeo no Youtube, com cenas do desfile da Acadêmicos do Cubango, mostrava os dois sambando abraçados. Pouco depois, o site informava que o arquivo fora "removido pelo usuário".
Para os promotores, Loroza agia em Paracambi com a anuência da maioria dos funcionários do Detran na cidade. O grupo teria feito do "posto de Paracambi um grande balcão de negócios, onde vistorias são vendidas, documentos ideologicamente falsos são emitidos, dados falsos são inseridos no sistema do Detran, causando dano à higidez do mesmo, e multas e gravames são apagados", descreve a denúncia. Para sustentar a acusação, o MP lista uma série de interceptações telefônicas.
Dono de lojas de compra e venda de carros, Loroza trabalhou de 2007 até o ano passado no gabinete do ex-deputado Délio Leal. Atualmente, o irmão dele, Nilton Cesar Loroza de Rezende, é servidor comissionado de André na Alerj. Nilton doou ano passado R$11 mil para a campanha do petista.
Nildo, por sua vez, chefe de dois postos de vistoria do Detran em Araruama, é acusado de dividir a coordenação do esquema de propina na Região dos Lagos com seu subchefe, Guilherme dos Santos, e com o chefe do posto de São Pedro da Aldeia, João Carlos Lanhas. Sobrinho de Paulo Mello e indicado por ele, que o chama de Dida, atuava no ramo de compra e venda de carros antes de assumir a chefia do posto.
Nildo, que está foragido, teria organizado com Guilherme e João Carlos um esquema de pagamento de propinas que dispensava os motoristas de comparecer aos postos de vistoria para receber os documentos. Ao todo, o MP denunciou 66 envolvidos - 20 em Paracambi e 46 em Araruama e São Pedro da Aldeia - por corrupção passiva, inserção de dados falsos no sistema do Detran, falsidade ideológica, peculato e formação de quadrilha. A máfia é suspeita de ter faturado R$4 milhões em um ano.
Paulo Mello e André Ceciliano admitiram a nomeação de Loroza e Nildo, mas não se responsabilizaram pelos atos dos apadrinhados à frente dos postos do Detran.
- Sou político. Não escondo isso. Quando ganho o governo, participo do governo. Mas ninguém pode usar o meu nome para qualquer coisa. É meu sobrinho e eu o indiquei. Mas errou, tem de pagar - disse o presidente da Alerj.
André Ceciliano, por meio de sua assessoria, também assumiu a nomeação e a relação de amizade com Ricardo, mas garantiu desconhecer a fraude.
Esta não é a primeira vez que pessoas envolvidas em fraudes no Detran são flagradas com um pé dentro do parlamento fluminense. Em outubro do ano passado, integrantes de uma quadrilha especializada em falsificar documentos do órgão foram presos. O grupo era formado por despachantes, funcionários e ex-servidores do departamento e por um assessor do deputado Geraldo Moreira.
Em 2007, um relatório da Polícia Civil sobe irregularidades no posto do Detran de Cachoeiras de Macacu citou o deputado Marcos Abrahão, hoje no PT do B. O parlamentar, que supostamente havia indicado o chefe do posto, chegou a ser excluído de seu partido, o PSL, em 2009 por causa do incidente.
De acordo com o coordenador do Gaeco, a investigação que levou à denúncia não esbarrou em informações que envolvessem os parlamentares nas atividades dos dois grupos. Segundo ele, se isso tivesse acontecido, a investigação teria de ser repassada ao Procurador Geral do Estado, Cláudio Lopes, devido às prerrogativas dos deputados.
FONTE: O GLOBO