Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
terça-feira, 15 de dezembro de 2020
Opinião do dia - Marina Silva*
Merval Pereira - Uso político das Forças Armadas
A tentativa do presidente Bolsonaro - um tenente sindicalista que acabou saindo do Exército por questões disciplinares, promovido a capitão - de politizar sua relação com as Forças Armadas gerou uma nova crise interna. Ele reduziu, através de decreto, o critério para a promoção do último posto das Armas - coronéis do Exército e da Aeronáutica, e Capitães de Mar e Guerra. Em vez de promoção também no Quadro de Acesso por antiguidade (QAA), as promoções passariam a ser apenas por merecimento (QAM - Quadro de Acesso por Merecimento).
Houve
reações internas, pois a promoção apenas por merecimento poderia ensejar uma
decisão política do presidente da República, que é quem dá a última palavra.
Três dias depois o decreto foi cancelado, voltando tudo ao que era antes. O
presidente Bolsonaro cultiva desde sempre o relacionamento com os militares,
primeiro para ganhar votos especialmente das patentes inferiores, pois defendia
os interesses da classe no Congresso, o que lhe garantiu sete mandatos de
deputado federal seguidos.
Na presidência da República, aparelhou seu ministério e os demais órgãos do governo com militares de diversas patentes, da ativa e da reserva. Boa parte sem qualificação para os cargos que ocupam, como o ministro da Saúde, General da ativa. E passou a prestigiar qualquer cerimônia militar, especialmente nas escolas de formação de oficiais.
No tempo em que acalentava abertamente ideias golpistas, vivia repetindo que contava com o apoio das Forças Armadas. Recentemente, houve um atrito diante das repetidas tentativas de politizar a questão militar. O comandante do Exército, General Pujol, aproveitou uma solenidade para deixar clara sua posição: “Nosso assunto é militar, preparo e emprego. As questões políticas? Não nos metemos em áreas que não nos dizem respeito. Não queremos fazer parte da política governamental ou do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre em nossos quartéis.”
Eliane Cantanhêde - O sonho e o pesadelo
Com
graves dúvidas sobre vacinas, o santo remédio para Bolsonaro é... reforma
ministerial
As vacinas mexem
com os nervos e o medo da população, tornam-se o maior desafio do governo e
serão um divisor de águas para o presidente Jair Bolsonaro, que, se você
prestar atenção, vai repetindo os antecessores Dilma
Rousseff e Fernando
Collor. É o remake de uma série que a gente já viu, capítulo por
capítulo, só que com personagens ainda mais absurdos, fantásticos.
Todos
os três presidentes nunca tiveram alguma intimidade ou cumplicidade com seus
vices, a quem qualificam de traidores. Assim como Dilma e Michel Temer,
Collor e Itamar Franco, Bolsonaro nem consegue mais ouvir falar
de Hamilton Mourão, que dá entrevistas sobre qualquer coisa,
fazendo uma clara contraposição a Bolsonaro e alternando concordância e
discordância com decisões do governo.
A história se repete com os ministros e com a forma de governar – ou de não governar. Todo presidente acuado, que erra muito e fica sob forte pressão da opinião pública e com medo de impeachment saca três fórmulas mágicas: cria um bunker com seu grupinho “leal”, abre os braços (e os cofres) para o Centrão de ocasião e lança uma reforma ministerial.
Dilma
se trancou no palácio com meia dúzia de gatos pingados que pensavam exatamente
como ela e deixou de fora até mesmo os lulistas do PT. Orelhas ardiam,
principalmente as do vice Temer e do ministro da Economia, a culpa era sempre
da mídia, o Centrão fazia a festa.
Collor, que se elegeu com a bandeira de “caçador de marajás”, descartou tudo isso junto com o seu PRN, jogou para segundo plano os coloridos de primeira hora e, num último e desesperado esforço para salvar o pescoço, tentou atrair Fernando Henrique Cardoso e o PSDB (que balançaram, mas não foram) e conseguiu Jorge Bornhausen e o então PFL. Era tarde demais.
Luiz Carlos Azedo - O vírus não brinca
O
negacionismo de Bolsonaro funciona como sabotagem aos esforços governamentais
para conter a pandemia, inclusive os do Ministério da Saúde, cada vez mais
enrolado na própria burocracia
Não
há sanitarista no Brasil que não tenha estudado o caso da epidemia de meningite
ocorrida durante a década de 1970, em pleno regime militar, bem como a campanha
de vacinação que controlou a doença. A epidemia começou em Santo Amaro, na
Grande São Paulo, causando 2.500 mortes na capital paulista. Mesmo com a
incidência de casos saltando a cada ano, e com mortalidade oscilando de 12% a
14% dos doentes, o regime militar escondia os números da população e negava a
existência de epidemia, estabelecendo censura prévia aos veículos de
comunicação para que não divulgassem o que estava ocorrendo. Médicos e
sanitaristas não podiam dar entrevistas.
Só
a partir de 1974, quando a doença já grassava em áreas centrais de São Paulo, e
não havia mais como negar a situação, com hospitais em colapso, os generais
começaram a reconhecer o problema. Na época, o Brasil vivia o chamado “milagre
econômico” e os militares temiam que a divulgação da epidemia gerasse pânico na
população e prejudicasse as atividades econômicas.
Enquanto a meningite matava moradores da periferia, conseguiram abafar o assunto, mas, quando a epidemia atingiu bairros nobres de São Paulo, as autoridades foram obrigadas a admitir que havia uma crise de saúde. O estrago já estava feito. A incidência em São Paulo subiu de 2,16 casos por 100 mil habitantes, em 1970, para 5,90 casos em 1971. Em 1972, chegou a 15,64 diagnósticos por 100 mil habitantes e, em 1973, atingiu os 29,38 casos por 100 mil habitantes. A partir de 1974, houve uma explosão, motivada pela circulação do meningococo A, gerando uma sobreposição de surtos. Em 1974, a taxa de meningite chegou a 179,71 casos por 100 mil habitantes.
Ricardo Noblat - Nota da Anvisa trai sua contaminação pelo bolsonavírus
Órgão
técnico vira órgão político
Criada
pela Lei nº 9.782 de 1999, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa) é uma autarquia que “tem por finalidade institucional promover a
proteção da saúde da população […] mediante a intervenção nos riscos
decorrentes da produção e do uso de produtos e serviços sujeitos à vigilância
sanitária, em ação coordenada e integrada no âmbito do Sistema Único de Saúde”
É
um órgão de natureza eminentemente técnica como ela própria, em nota
distribuída, ontem, a propósito do uso de vacinas contra o coronavírus, fez
questão de ressaltar. Ocorre que a nota é o maior atestado público de que a
Anvisa, em tempos de governo presidido por um ex-capitão do Exército e de
Ministério da Saúde repleto de militares, foi inoculada pelo vírus ideológico.
A
primeira parte da nota disserta sobre o plano mal ajambrado de vacinação em
massa ainda sem data marcada para começar – mas até aí nada demais a levar-se
em conta um presidente que tratou a Covid-19 como uma gripezinha, estimou que
não mataria mais do que oitocentas pessoas, menos ele dotado de saúde de
atleta, e que ao fim acabariam morrendo os que tivessem de morrer, e daí?
Vale
como confissão do aparelhamento político da Anvisa o que está escrito na nota
do seu meio para seu final. Está dito lá que deve ser levada em consideração ao
se avaliar o uso emergencial de vacinas “a potencial influência de questões
relacionadas à geopolítica que podem permear as discussões nacionais e decisões
estrangeiras relacionadas à vacina da Covid-19”.
Segundo a Anvisa, “há o risco ainda de que países coloquem interesses nacionais em primeiro lugar na garantia de acesso a uma vacina para seus próprios cidadãos, criando potencial de corromper o rigor com que as vacinas candidatas contra a Covid-19 são avaliadas para autorização de uso de emergência”. E aí? Aí a nota entra no assunto que de fato a justifica: a vacina chinesa.
Carlos Andreazza - A pazuellização
Nem
sequer seringas temos. Mas teremos. Né, general?
Um
governo que ancorou seu negacionismo frente à pandemia num discurso de
compromisso radical com a saúde econômica deveria ser obcecado por vacinar
maciçamente a população. Porque só a vacinação destravará a economia.
Este,
no entanto, é um governo que só criou — e cria — dificuldades para a vacinação.
Na prática, o governo Bolsonaro — força regressiva, dependente de
imprevisibilidades, que melhor vigorará quanto maior for a calamidade — lida
com a pandemia de forma antieconômica. É um contrassenso. É, pois, a mais pura
expressão do bolsonarismo, fenômeno reacionário anabolizado pela dissonância
cognitiva.
A
principal constituição discursiva de Jair Bolsonaro ante a peste apenas se
serviu da preocupação com a economia para fabricar conflitos e difundir teorias
da conspiração. Falamos de um presidente que manteve taxa de aprovação acima de
30% mesmo, no auge da pandemia, quando cultivava declarações beligerantes no
cercadinho do Alvorada. Ingênuo crer que sua pregação antivacina não resultasse
em aumento no número daqueles que não pretendem se imunizar.
Isso passa, contudo. Reverte-se. No caso da Covid-19, é ter as doses nos postos para que a desconfiança dos que dizem que não se vacinariam se converter em braço esticado. Sim: teremos os antivacinas vacinados. E continuarão bolsonaristas. Ok. O problema é a cisão social derivada da descrença; o eco influente da desinformação — sim, genocida — sobre outrora sólida cultura vacinal. Voltou o sarampo. A estúpida campanha antivacina produz atraso objetivo quando o estúpido é o presidente da República.
José Casado - Enlaçado e cercado
Governador
acena com vacina na rua em 40 dias
Trinta
e oito graus sobre terra queimada. É Carnaíba, no sertão, a 400 quilômetros do
Recife. Lá vivem 19 mil pessoas aturdidas pelo vírus, mas fiéis à esperança de
proteção. Médico e prefeito, José de Anchieta Patriota (PSB) se cansou do
desgoverno federal. Entrou no Instituto Butantan e saiu com a reserva de 40 mil
doses da vacina CoronaVac.
Ontem,
a lista do Butantan abrigava 912 prefeituras, 13 estados mais os governos de
Argentina, Chile, Peru e Honduras. A romaria ao laboratório cresce. O início da
vacinação em São Paulo está marcado para 25 de janeiro, feriado pelos 466 anos
da construção do barraco pioneiro da capital paulista, obra dos jesuítas Manuel
da Nóbrega e José de Anchieta.
É essa a mudança relevante na perspectiva política. Faz diferença quem chega antes com respostas objetivas à ansiedade pandêmica. O governador João Doria (PSDB) acena com vacina na rua em 40 dias.
Bernardo Mello Franco - Natal sem armas
O Supremo confiscou o presente de Natal de Jair
Bolsonaro para o lobby das armas. Na semana passada, o presidente zerou a
tarifa sobre a importação de revólveres e pistolas. Ontem o mimo foi vetado
pelo ministro Edson Fachin.
No papel, a isenção de impostos foi concedida pela
Câmara de Comércio Exterior. Na prática, o órgão só carimbou uma ordem de
Bolsonaro. O presidente se apressou para faturar com a turma do bangue-bangue.
Ao anunciar a medida, publicou uma foto em que aparece de trabuco em punho num
estande de tiro.
O capitão é um velho aliado de quem lucra com a morte. No primeiro mês de governo, ele editou um decreto para afrouxar o Estatuto do Desarmamento. Em abril deste ano, mandou o Exército revogar portarias de rastreamento de armas e munições. As regras facilitavam a apuração de crimes, permitindo mapear o caminho entre a fábrica e o dedo que aperta o gatilho.
Pablo Ortellado - Impeachment é pouco
Negacionismo
de Bolsonaro contribuiu para descumprimento do distanciamento social e
ampliação de contaminação e mortes
Parte
expressiva dos cidadãos brasileiros segue encantada pelo flautista do Vale do
Ribeira e vai marchando mesmerizada, prestes a se afogar no rio.
Segundo
pesquisa Datafolha,
52% dos brasileiros não veem nenhuma responsabilidade do presidente nas mortes
causadas pela Covid-19. As evidências contrárias, porém, são eloquentes.
Bolsonaro
não elaborou com antecedência um plano nacional de vacinação e não estabeleceu
protocolos para o distanciamento social, gerando descoordenação entre as
iniciativas de estados e municípios. Durante todo o período da pandemia,
minimizou a mortalidade da Covid, condenou o fechamento do comércio e difundiu
a descrença em vacinas.
Os efeitos dessa postura negacionista foram medidos em vários estudos.
Hélio Schwartsman - Não é só incompetência
O
fracasso contra a Covid-19 se deve à sabotagem dos consensos científicos sobre
a doença
É
impressionante a resiliência de Bolsonaro na pesquisa Datafolha que
avaliou as percepções do eleitorado sobre sua performance. Apesar do
agravamento da epidemia, a aprovação ao presidente continua em 37%, mesmo nível
registrado em agosto, quando a curva das infecções refluía.
Seria
tentador decretar que o eleitor é um marciano cego, incapaz de reconhecer a
realidade que o cerca, desistir da democracia e sonhar com um déspota
esclarecido. Mas não é tão simples. A Covid-19 é corretamente percebida como um
problema, e a maior parte dos entrevistados (42%) considera o desempenho do
presidente nessa frente como ruim ou péssimo --30% cravaram bom ou ótimo.
Não obstante, a maioria (52%) afirma que o presidente não tem nenhuma culpa pelos mais de 180 mil brasileiros mortos, e 38% dizem que ele tem alguma responsabilidade, mas não é o principal causador dos óbitos.
Cristina Serra - Uma dor assim pungente...'
Campanha
é ato para transformar dor em esperança e promessa de vida
A
história do Brasil é tão associada à exploração predatória de recursos naturais
que nosso gentílico —brasileiro— designava quem trabalhava na derrubada do
pau-brasil, "a ferro e fogo", como bem definiu o historiador Warren
Dean. A extração da madeira —que fornecia a tintura cor de brasa para tecidos
na Europa— foi o motor inicial de uma devastação que explica muito do
persistente "correntão" nas nossas florestas.
Da mata atlântica original, que se estendia por 17 estados brasileiros, restam apenas 11,73%, segundo o botânico Ricardo Cardim, que se dedica a localizar as árvores gigantes remanescentes no bioma. Há poucos dias, Cardim divulgou a descoberta, no sul da Bahia, de um tesouro: o maior exemplar de pau-brasil encontrado até hoje, com idade estimada entre 500 e 600 anos. Um raríssimo sobrevivente do saque ecológico de cinco séculos.
Andrea Jubé - Hora de menos “selva”, mais política
José
Múcio foi sondado para vaga de Ramos no palácio
Política
é circunstância, e as circunstâncias favorecem o movimento lento e gradual de
profissionalização da articulação política do governo. Salvo o imponderável, o
presidente Jair Bolsonaro deverá coroar esse processo na reforma ministerial
prevista para fevereiro, após se consumar a sucessão nas Mesas Diretoras da
Câmara e do Senado.
Trata-se
de um movimento iniciado há 14 meses, quando Bolsonaro substituiu a deputada
Joice Hasselman (PSL-SP), parlamentar de primeiro mandato, uma neófita entre
raposas, pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), três vezes deputado federal, na
liderança do governo no Congresso.
O segundo gesto nessa direção foi a substituição, há quatro meses, do então líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), parlamentar de primeiro mandato, um neófito entre raposas, pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), seis vezes deputado federal e ex-ministro da Saúde.
Daniela Chiaretti - O Brasil fora do tabuleiro do clima
O
mundo ruma para a descarbonização, mas o Brasil se perde no caminho
O
tabuleiro climático global está sendo preparado para 2021. A União Europeia é
hoje o competidor mais forte e capacitado - aprovou uma meta de corte de
emissões de gases de efeito estufa mais ambiciosa do que já tinha, pretende
descarbonizar a economia em 30 anos e, muito importante, traçou um plano para
chegar lá. A China é o país com mais potencial de virar o jogo - anunciou a
neutralidade em carbono em 2060, o mais tardar, e o pico das emissões antes de
2030, o que quer dizer que depois disso irá emitir menos. Os Estados Unidos, a
maior potência econômica mundial, volta ao jogo em 36 dias e, como no xadrez,
tornará pública sua abertura nos próximos meses. Vizinhos latino-americanos -
Argentina, Colômbia, Peru e Uruguai -além do Chile, estão bem posicionados. O
Brasil, indiscutivelmente um dos jogadores mais brilhantes mesmo quando ficava
na defesa, está fora do tabuleiro.
Foi este o recado que recebeu ao apresentar uma meta climática sem transparência e sem discussão com a sociedade brasileira, de empresários a banqueiros, grandes exportadores, cientistas, representantes da sociedade civil. A meta é para toda a economia só no comunicado à ONU? Plano? Estratégia? Políticas públicas? Se existem, estão bem guardadas. O anúncio atabalhoado produziu a desconfiança de que o Brasil usa uma linha de base de emissões que não corta gases-estufa, mas permite ao país emitir mais. É preciso algum tempo para entender se foi isso mesmo, se foi um equívoco ou se o governo esqueceu as regras do jogo.
Paulo Fábio Dantas Neto* - Em busca de um centro: uma eleição e dois scripts
Lemos e
ouvimos sempre que eleições municipais têm lógica diferente de eleições para
Executivos nacional e estaduais. Fenômenos comuns a 2016 e 2018 arranharam um
pouco essa convicção. O sucesso do discurso anti-política, a força da onda
lavajatista, o antipetismo como coalizão de veto e por aí vai, tudo isso se
desdobrou e radicalizou entre 2016 e 2018.
Agora,
um ponto em discussão é em que medida 2020 reverteu 2016. Para avaliar bem
isso, deve-se considerar o insucesso eleitoral que tiveram, dessa vez, os
discursos de polarização ideológica e o da “nova política” como antipolítica, a
menor relevância nas urnas do tema da segurança e o pouco peso do da luta
contra a corrupção. Considerar também que o eleitorado valorizou eficácia nas
gestões municipais, fator cuja importância foi potencializada pelo contexto da
pandemia.
Mas não
se pode excluir da análise um importante elemento de continuidade entre 2016 e
2020, que é o fortalecimento eleitoral da chamada centro-direita, em sua
diversidade. Aqui cabe distinguir uma centro-direita pragmática que recebe o
apelido, muitas vezes impróprio, de “centrão” e aquela que, há tempos, tem o
DEM como sua expressão programática, postura que manteve esse partido, por mais
de uma década, na oposição aos governos do PT.
Da análise desses fatores depende a resposta à seguinte questão: a reversão que tenha havido, em 2020, do “espírito” de 2016, restabelecerá o antigo grau de autonomia de eleições municipais, deixando supor que 2022, apesar da sinalização contrária de 2020, possa reiterar o quadro inóspito de 2018 ou o padrão de desconexão que vigorou dos anos 90 até 2016-2018 seguirá sendo violado, tornando 2020 capaz de prenunciar 2022 como 2016 prenunciou 2018?
Entrevista | Benjamin Teitelbaum, autor de 'Guerra pela eternidade' e professor da Universidade do Colorado
Benjamin
Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores
atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os
gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de
fundamentos religiosos
Letícia Duarte | El País
Nova York - -Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro e Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela eternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.
Baseado
em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como
o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon,
o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo
Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa
teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados
Unidos, do Brasil e da Rússia.
Nesta
entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos
Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por
que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções
antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no
Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”,
alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para
a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que
eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas.
Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismo até
a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.
Pergunta. Seu
livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma
doutrina marginal dentro da própria extrema
direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o
livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?
Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.
O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais
É
preciso que o Legislativo e o Executivo não fechem os olhos à realidade do
País. Não é tempo de recesso ou de férias
O relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), informou que apresentará o parecer final sobre a proposta apenas no ano que vem. “Em vista da complexidade das medidas, bem como da atual conjuntura do País, decidi não mais apresentar o relatório da PEC Emergencial em 2020. Creio que a proposta será melhor debatida no ano que vem, tão logo o Congresso nacional retome suas atividades e o momento político se mostre mais adequado”, disse Bittar.
É
no mínimo estranho que a atual conjuntura do País sirva como desculpa para
adiar uma vez mais a tramitação de uma PEC que, como o próprio nome revela, vem
cuidar de uma situação emergencial. As atuais circunstâncias do País, em
especial o estado das finanças públicas – ver abaixo o editorial Retomada
mais lenta –, são motivo mais que suficiente para que o Congresso enfrente
imediatamente o assunto.
O fato é que o Legislativo percebeu que o próprio autor da PEC, o Executivo federal, se desinteressou pelo assunto. Dessa forma, o tema que já era de difícil aprovação – a proposta estabelece restrições e mecanismos para os gastos públicos – ganhou ares de tarefa impossível. Não há mágica. Se o governo federal não faz sua parte para promover a responsabilidade fiscal, dificilmente haverá algum avanço no caminho do reequilíbrio das contas públicas.
Poesia | Mario Quintana - Escrevo diante da janela aberta
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas cotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!