EDITORIAIS
O mal que os privilégios fazem aos partidos
O Estado de S. Paulo
Acertadamente, o Congresso extinguiu em
2017 a propaganda partidária no rádio e na televisão. Sua recriação é mais um
retrocesso da atual legislatura, com apoio de Jair Bolsonaro
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro,
a Lei 14.291/22 recria a chamada “propaganda partidária gratuita”, que de
gratuita não tem nada, no rádio e na televisão. É mais um retrocesso que a
atual legislatura, em sintonia com o governo federal, impõe à sociedade.
Em 2017, o Congresso extinguiu a propaganda
partidária no rádio e na televisão, mantendo a propaganda eleitoral, veiculada
durante a campanha. A rigor, não deveria existir nenhuma modalidade de
propaganda política, partidária ou eleitoral custeada pelos cofres públicos ou
compulsoriamente por terceiros. Partido político é entidade privada e, se
deseja promover suas propostas, deve buscar por si mesmo os meios para tanto.
A extinção da propaganda partidária em 2017
foi um passo positivo, ao reduzir benefícios artificiais, pagos de forma
compulsória pelo contribuinte às legendas. Com a medida, o Congresso fez uma
pequena correção, dentro de um marco legal muito benevolente com os partidos.
Na verdade, o sistema é benevolente com as lideranças dos partidos.
Além do custo econômico imposto à
sociedade, benefícios artificiais para as legendas são prejudiciais aos
próprios partidos, uma vez que os afastam de sua missão – que é agregar pessoas
em torno de ideias e projetos, fazendo a representação e a articulação política
dessas propostas. Se uma legenda obtém do Estado os meios para sua manutenção,
o partido acaba por receber uma espécie de autorização para estar distante de
seus associados e não buscar novos associados.
Os benefícios artificiais desencadeiam todo
um processo de desvirtuamento das legendas. Não se pode fechar os olhos à
realidade. O alheamento dos partidos em relação à sociedade não é resultado do
acaso, como se fosse uma má sorte nacional. O atual regime de privilégios às
legendas, incluindo também os recursos do Fundo Partidário e do Fundo
Eleitoral, é forte estímulo para que as legendas fiquem distantes da sociedade
e se convertam em um negócio lucrativo para os caciques partidários.
Vale notar que, como pano de fundo desse
sistema absolutamente disfuncional, há uma visão equivocada sobre a natureza
dos partidos políticos. Como argumento para o acesso dos partidos a recursos
públicos e a outras benesses, como a “propaganda partidária gratuita”,
afirma-se que as legendas defendem o interesse público e, portanto, mereceriam
ser custeadas pelos cofres públicos. Trata-se de grave equívoco conceitual. Os
partidos são entidades privadas, que defendem interesses privados – os
interesses de seus associados. Isso nada tem de ilegítimo ou antidemocrático.
Ao contrário, é justamente na confluência democrática dos diferentes interesses
privados que se poderá depois vislumbrar o interesse público. Entre outras
consequências, essa realidade é um dos fundamentos para o multipartidarismo:
nenhum partido, nenhuma entidade privada detém o monopólio da defesa do
interesse público.