quinta-feira, 18 de abril de 2019

*José de Souza Martins: Pelas próprias mãos

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Propensão ao justiçamento incivilizado ganha um aliado perigoso e indevido nos  políticos que pregam  o armamento e a transformação do brasileiro num povo de pistoleiros

O Brasil ainda é um dos países que mais lincham no mundo. Entre tentativas e linchamentos consumados, cerca de uma ocorrência por dia. Não incluo no cálculo os casos indevidamente definidos como de "linchamento moral", os de agressão moral ou de difamação. Os verdadeiros linchamentos são aqueles em que a multidão quer sangue.

Com os assassinatos correntes, os do crime organizado, os casos de violência policial e as diferentes formas de agressão disseminadas na população, o país está vivendo uma verdadeira guerra civil, o que de certo modo equivale à situação de países dominados por conflitos internos intensos. Os de governos frágeis e sem rumo, incapazes de assegurar a paz e a unidade com pluralidade, com base nos princípios e valores da civilização. Dentro do Brasil verde e amarelo, há um Brasil, que, embora sendo o mesmo, é outro, aquele no qual não nos reconhecemos.

Os linchamentos de agora têm uma diferença em relação aos 2 mil casos que estudei em meu livro "Linchamentos - A Justiça Popular no Brasil". A maioria das ocorrências se concentrava nas regiões metropolitanas de São Paulo, de Salvador e do Rio de Janeiro, nessa ordem, com uma proporção menor de casos em outras regiões. Com a expansão das cidades, os linchamentos estão se deslocando para o Nordeste e, ainda mais, para o Norte.

A pesquisa cobre um período de meio século. Indica características do comportamento coletivo, em face de determinados crimes, que são essenciais para compreender as peculiaridades sociais dessa modalidade de violência. Nesse período, ao menos 1 milhão de brasileiros participou de linchamentos e tentativas.

Fernando Abrucio*: A linguagem política da era Bolsonaro

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

A linguagem política é um dos indicadores da qualidade da democracia de uma nação. Sua natureza diz respeito à maneira como os atores políticos e sociais falam, dialogam e negociam. Claro que as instituições políticas são essenciais, pois delimitam os direitos dos cidadãos e os deveres dos governantes. Mas leis e estruturas governamentais não andam sozinhas. O jogo político depende muito de como as lideranças políticas estabelecem um padrão de comunicação internamente à política e com a sociedade. Este é um ângulo vital para entender o inicio do governo Bolsonaro e suas perspectivas.

A construção da democracia é um dos maiores exemplos da relevância da linguagem política. Só foi possível reconstruir o mundo no pós-Segunda Guerra quando a tolerância e a barganha entre os principais atores políticos tornaram-se a regra do jogo. Foi o modelo pluralista que permitiu à Europa se livrar do fantasma dos totalitarismos que haviam vigorado por lá por duas décadas.

Falou-se muito do nazismo nos últimos dias e esqueceu-se que sua superação somente foi possível quando os políticos alemães deixaram de se ver como inimigos e passaram a se tratar como adversários. O mesmo vale para a Itália fascista. Basta ler Norberto Bobbio para aprender como a arte do diálogo foi essencial para a reconstrução da democracia italiana.

A democracia pressupõe mais do que a mudança da linguagem falada entre os políticos. Seu sucesso depende da forma como a política dialoga com a sociedade. A abertura de canais de participação, a maior transparência, o respeito pelo povo e pelas diversas partes que o compõem foram grandes conquistas obtidas em vários países no pós-Segunda Guerra.

Infelizmente, a história não é um processo evolutivo contínuo, como sonhavam muitos dos iluministas. O fato é que o mundo tem esquecido a importância de uma linguagem política democrática. Esse fenômeno começou na década de 1980, mas ganhou contornos mais fortes nos últimos dez anos, com a ascensão de populismos de direita cuja essência comunicativa é autoritária. O maior exemplo disso está, hoje, no centro do poder, nos Estados Unidos.

Donald Trump e seu ideólogo, Steve Bannon, criaram um modelo de linguagem baseada num tripé: propagar cotidianamente a mentira pública - ou a pós-verdade, para usar o termo hipócrita que inventaram - como forma de difamar os adversários; inventar inimigos públicos, que devem ser combatidos violentamente, sem direito ao contraditório; e evitar o diálogo com opositores ou mesmo grupos que pensem diferente, uma vez que não existe espaço para a negociação de posições.

Daniel Rittner: Bolsonarismo fala em rever Lei de Migração

- Valor Econômico

Suposta facilidade em pedido de refúgio é objeto de reflexão

Setores do governo querem revisar a atual Lei de Migração, sancionada pelo ex-presidente Michel Temer em 2017, apontando o risco de descontrole na entrada de estrangeiros que pedem refúgio no Brasil. Para auxiliares do presidente Jair Bolsonaro, deve-se ter mais cuidado com a segurança e diminuir brechas para a aprovação dos pedidos.

A legislação em vigência substituiu o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, tido como uma das últimas peças jurídicas do regime militar. Foi construída com base em um projeto do ex-senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que foi ministro das Relações Exteriores de Temer, e modificações no texto original ocorreram na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.

Mudanças na Lei de Migração estão sendo avaliadas por integrantes do governo e têm a defesa, principalmente, do grupo identificado com o escritor Olavo de Carvalho. Ainda não há posição fechada sobre o encaminhamento de uma proposta. Entre as possibilidades avaliadas, está a apresentação de um projeto de lei por deputado ou senador governista, com apoio do Palácio do Planalto.

Filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) explicitou suas críticas à lei atual. Há duas semanas, em uma audiência esvaziada da comissão temporária da Câmara que discute a crise venezuelana, relatou conversa que teve com uma funcionária de empresa aérea no aeroporto internacional de Guarulhos.

Maria Cristina Fernandes: Um Supremo fake

- Valor Econômico

Sob Toffoli, tribunal dificilmente voltará a ser poder moderador

O ministro Dias Toffoli conseguiu algo que nem o presidente da República vinha se mostrando capaz, reacender a militância bolsonarista na defesa da revolução justiceira representada por sua eleição.

Nem mesmo a decisão do Supremo de remeter inquéritos de corrupção de políticos para a justiça eleitoral havia sido capaz de tamanho feito. Caíra a ficha, para uma parte da República de Curitiba, que o apoio da população à Lava-Jato era movido, na verdade, pelo antipetismo.

Com a censura à revista "Crusoé", o "amigo do amigo do meu pai", junto com seu colega togado, Alexandre de Moraes, acordaram o antipetismo e o colocaram no mesmo palanque daqueles que, estejam à direita ou à esquerda, simplesmente não aceitam uma imprensa censurada. O presidente do Supremo contra quem no processo nenhuma prova de malfeito há, deu ainda ao presidente Jair Bolsonaro a oportunidade de posar em defesa da liberdade da mesma imprensa com a qual tem tido litigiosa convivência.

Ainda foi capaz de unir toda a imprensa em defesa de uma publicação digital cuja antipatia pelo mercado da informação é traduzido pelo slogan "ilha de jornalismo", sugerindo que todo o entorno é pântano. Dos processos que o site "O Antagonista", costela que deu origem à "Crusoé", acumula, alguns são movidos por jornalistas, caminho que pode ser seguido por qualquer um, até pelo presidente do Supremo. Isso não impediu que a imprensa e suas entidades de classe saíssem em defesa da revista e da liberdade de expressão.

Toffoli e Moraes foram além. Ressuscitaram, no Senado, as articulações por uma CPI da Toga, ou mesmo pelo impeachment de ministros. Com uma composição mais renovada que a da Câmara, a Casa se move, em grande parte, por redes sociais. Nas 24 primeiras horas depois da censura, a Bytes identificou a publicação de mais de meio milhão de tuítes em reação ao Supremo, liderados pela #ditatoga.

André Lara Resende:Razão e superstição

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Não ter restrição financeira não significa que tudo seja permitido, que a escassez de recursos inexista

A superstição do déficit
Paul Samuelson, o economista que mais contribuiu para a formulação e a ordenação da teoria econômica na segunda metade do século XX, o primeiro laureado com o Nobel, em entrevista a Mark Blaug para um documentário dos anos 1990 sobre Keynes, diz que a crença de que seria sempre preciso equilibrar o orçamento fiscal é uma superstição, um mito, cuja função é mais ou menos a mesma das religiões primitivas: assustar as pessoas para que elas se comportem de maneira compatível com a vida civilizada. Crença que, uma vez desmascarada, corre o risco de abalar um dos bastiões que toda sociedade deve ter para evitar que os gastos públicos saiam de controle, pois sem disciplina e racionalidade na alocação de recursos, o resultado é ineficiência e a anarquia.

Samuelson está certo, é claro, sobre a necessidade de disciplina e racionalidade nos gastos públicos. Compreende-se assim por que a afirmação de que o governo que emite sua moeda não tem restrição financeira - que nada mais é do que uma constatação trivial - provoque reações tão virulentas nos que temem a anarquia. Desde o Iluminismo, a racionalidade substituiu, com enormes vantagens, os mitos e as superstições na promoção da civilidade, mas os que veem a desmistificação dos déficits públicos como uma ameaça, aparentemente não concordam. Na tentativa de convencê-los, é preciso, antes de mais nada, examinar as razões pelas quais é tão difícil entender que o governo possa não ter restrição financeira.

A primeira delas é uma questão de senso comum: todos devem procurar equilibrar receitas e despesas. É preciso ter cautela em relação ao endividamento excessivo para evitar problemas. A regra vale para todos, tanto para as famílias quanto para as empresas, para as organizações sem fins lucrativos, para as entidades beneficentes e também para os governos que não têm moeda própria. Se é verdade para todos, é natural inferir que seria também verdade para os governos que emitem a sua moeda, sobretudo se isso é o que se ouve insistentemente repetido, a toda hora em toda parte, por jornalistas, especialistas, economistas e políticos ditos responsáveis.

É natural que a grande maioria das pessoas, que nunca parou para refletir sobre o tema, simplesmente adote como verdade o que, além de fazer sentido para o senso comum, é insistentemente bombardeado na mídia. Já a razão pela qual os economistas de formação insistem em acreditar em algo flagrantemente equivocado é mais complexa. Está ligada ao fato de que a teoria monetária ensinada nas escolas de economia ainda não foi revista para refletir a realidade da moeda fiduciária. Continua pautada pela lógica do metalismo.

O padrão-ouro, tornado anacrônico em Bretton Woods, foi definitivamente sepultado em 1971, quando os Estados Unidos acabaram com a conversibilidade do dólar, mas o ensino das questões monetárias, do funcionamento do sistema financeiro e do papel do Banco Central, não se adaptou à nova realidade.

Duas concepções da moeda
Duas visões do que é a moeda disputaram a primazia intelectual como referência para a formulação de políticas desde o fim do século XVIII, quando a Inglaterra, premida pelos gastos da guerra contra Napoleão, viu-se obrigada a suspender a conversibilidade da libra em ouro. A inconversibilidade, que perdurou de 1797 até 1821, provocou um acalorado debate que ficou conhecido como a "controvérsia bulionista". Enquanto os bulionistas - o nome vem de "bullion", lingote em inglês - previam o caos, dado que para eles a estabilidade monetária dependia da conversibilidade, os antibulionistas sustentavam que a moeda não precisava ser lastreada, pois era apenas uma unidade de crédito contra o Estado. A controvérsia foi retomada décadas mais tarde, em meados do século XIX, agora com os metalistas agrupados na "currency school" e os antimetalistas na "banking school".

Os metalistas, liderados por David Ricardo, saíram vitoriosos, tanto na política como nas escolas. Como observou Keynes, no seu clássico "A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", "Ricardo conquistou a Inglaterra tão completamente quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha. A sua teoria não foi apenas aceita pela City, pelos homens públicos e pela academia mundial, mas também suprimiu a controvérsia; o outro ponto de vista desapareceu completamente, deixou de ser discutido".

Em retrospecto, fica claro que os antimetalistas estavam certos, mas à frente de seu tempo. A moeda com lastro metálico desapareceu, o padrão-ouro foi definitivamente abandonado, a moeda contemporânea é puramente fiduciária e avança rapidamente para se tornar eletrônica, meramente contábil. Como compreenderam os antimetalistas, a essência da moeda é realmente ser uma unidade de crédito contra o Estado. Uma unidade de crédito com a qual é possível redimir obrigações tributárias e que passa a ser adotada como a unidade de conta padrão da economia.

A moeda metálica é apenas uma das formas que pode tomar a moeda. Uma forma que prevaleceu durante certos períodos da história das civilizações. O papel-moeda lastreado em metais preciosos, como a prata e o ouro, é a etapa seguinte, quando o sistema bancário passa a emitir títulos de crédito próprios, mas ainda é obrigado a manter uma fração dos seus títulos em lastro metálico.

Populistas e liberais, um equilíbrio precário

Pedro Ferreira* e Renato Fragelli* / Valor Econômico

A hostilidade do grupo ideológico ao livre comércio é notória, o que deve dar calafrios na equipe econômica

O governo Bolsonaro, que há pouco completou 100 dias, constitui uma desordenada aliança entre populistas conservadores e liberais clássicos, à qual se associa um grupo militar coeso com interesses mais geopolíticos. Para fins eleitorais, o concerto funcionou bem, tendo o selo de qualidade da Universidade de Chicago conferido credenciais reformistas a um candidato que, durante seus anos de baixo clero na Câmara, havia se notabilizado pela defesa dos interesses de grupos específicos - notadamente militares e policiais - e de uma bizarra pauta de extrema direita, bem como de oposição aberta a reformas modernizantes. Não está claro, entretanto, se a aliança sobreviverá aos quatro anos de mandato.

Como reforma da previdência e equilíbrio fiscal não estão no DNA de Bolsonaro, este não raro dá declarações que poderiam ter sido proferidas por parlamentares da oposição. Antes mesmo de as negociações políticas começarem, o presidente já contradizia sua equipe econômica sugerindo baixar a idade mínima para a aposentadoria das mulheres, entre outras modificações que reduziriam a economia fiscal. Com habilidade, o ministro da economia e deputados conscientes da necessidade da reforma conseguiram contornar aquela que se revelaria a primeira crise envolvendo a reforma da previdência.

O conflito entre visões de mundo ficou novamente claro no recente cancelamento do aumento de 5,17% do preço do diesel. A regra de reajuste fazia todo sentido: o preço doméstico dos derivados de petróleo seguia o preço internacional convertido à moeda doméstica pela taxa de câmbio. Como a capacidade de refino de diesel da Petrobras é inferior ao consumo doméstico, quando a empresa pratica preço inferior ao definido pela regra, nenhuma distribuidora privada se interessa em importar o produto. Neste caso, a fim de suprir a demanda doméstica por diesel, a Petrobras tem que importar a diferença entre o consumo e sua capacidade de refino, vendendo-a domesticamente a preço inferior ao comprado no exterior.

O prejuízo previsível levou à queda de R$ 33 bilhões do valor de suas ações. Estaria Bolsonaro se inspirando em Dilma Rousseff? Para evitar excessos de volatilidade, a regra agora em suspenso - ou em renegociação - previa que os reajustes seriam espaçados no tempo.

Ocorre que racionalidade econômica nem sempre é fácil de entender e seguir. Com receio de greve dos caminhoneiros, o presidente tomou uma decisão que vai de encontro à estratégia de sua equipe econômica. O cálculo político de curto prazo falou mais alto do que a racionalidade econômica. O resultado foi uma sinalização muito ruim que terá consequências permanentes. A partir de agora, qualquer grupo de pressão com capacidade de mobilização se sentirá estimulado a lutar por seus interesses, mesmo que em claro detrimento da maioria da população.

Bruno Boghossian: Fósforo ao lado do diesel

- Folha de S. Paulo

Interferência torta deu arma aos caminhoneiros que querem chantagear Bolsonaro

O vaivém da Petrobras na definição do preço do diesel e a interferência torta do governo na estatal são barbeiragens que conseguem projetar nuvens de desconfiança para todos os lados. Os investidores já não sabem para onde vai a condução da companhia e os caminhoneiros ganharam força para fazer novas ameaças de paralisação.

Depois de atender à ordem de Jair Bolsonaro para suspender o aumento de R$ 0,11 na última semana, a petrolífera anunciou que o litro do diesel vai subir R$ 0,10. O episódio foi tão mal conduzido que deu discurso aos motoristas que se diziam prejudicados pela política de preços da empresa. Certamente a pressão não era por esse centavo de diferença.

Quase tudo ficou mal explicado. O ultraliberal Paulo Guedes disse que o presidente não encostou o dedo na estatal. Ele alegou que o chefe só fez uma pergunta à cúpula da companhia. “Não tenho nada a ver com esse negócio”, teria dito Bolsonaro, segundo o relato do ministro.

Guedes jura que não haverá mais intervenções, embora admita que a Petrobras estuda mudar sua fórmula de preços. A incerteza acende um fósforo ao lado do tanque de diesel.

Roberto Dias: Les élites daqui não olham o umbigo

- Folha de S. Paulo

Museu Nacional grita por uma fração das doações feitas para reconstrução de catedral

A elite brasileira é estridente ao chorar contra a torneira fechada da Petrobras para mostras culturais que ela, não os pobres, consome. O piloto automático vem tão introjetado que é difícil se questionar por um minuto se não haveria aí, quem sabe, uma distribuição de renda invertida com dinheiro público.

Mais difícil ainda é olhar a discussão por outro ângulo, contrário, já no campo da filantropia cultural.

Três importantes instituições do país estão fechadas: o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Ipiranga, em São Paulo, e o Museu Nacional, no Rio. Os dois primeiros com obras que se arrastam por anos. O último grita por uma fração das doações que ricos daqui e de fora prontamente deram para reconstruir a catedral de Notre-Dame, em Paris.

Duas listam ajudam a mostrar como vamos no plano da generosidade.

Mariliz Pereira Jorge: Pelo direito de ofender

- Folha de S. Paulo

Toda pessoa deve ser livre, inclusive para bancar o idiota

Mandar um dedo do meio para um policial é uma forma de liberdade de expressão, garantida pela 1ª emenda da Constituição americana. Foi o que decidiu um tribunal, mês passado. Debra L. Cruise-Gulyas foi multada por dirigir acima da velocidade permitida. Ao deixar o local, fez o gesto que lhe rendeu uma multa mais pesada. Não teve dúvidas, processou o oficial por cercear sua liberdade. E ganhou, felizmente.

Quem defende liberdade de expressão tem a ingrata missão de se manifestar pela defesa do direito de ofender. E de tempos em tempos se coloca ao lado de imbecis, raivosos, mal-educados, não porque os apoia, mas por uma causa maior, que é repudiar todo tipo de censura.

Um policial pode ser ofendido? Não deveria, mas pode. Uma deputada pode ser xingada? Não deveria, mas pode. Não porque mereçam, mas porque as pessoas devem ser livres, inclusive para bancar o idiota. E também porque ser ofendido é ônus inerente a cargos públicos em qualquer lugar civilizado —talvez não seja nosso caso.

Matias Spektor*: Depois do entulho

- Folha de S. Paulo

Episódio envolvendo o Supremo permite fazer o ajuste de contas com o passado

A reação de ministros da corte suprema a suspeitas sobre o possível envolvimento de magistrados com corrupção política é alarmante porque viola a Constituição.

No entanto, esse episódio tem um poderoso efeito pedagógico. Ele permite, finalmente, fazer o necessário ajuste de contas com o passado. Explico.

Nos últimos 30 anos, vingou a tese da suposta transição exitosa para a democracia. A narrativa dominante apresenta o Brasil como um caso de sucesso, em que pesem os vários percalços no meio do caminho.

Claro, essa visão reconhece que a travessia não foi perfeita. Mas as imperfeições são descritas como um mero resquício autoritário —aquela sobra incômoda que sempre tem numa obra grande e bem-sucedida. Não à toa, a expressão comum para descrever esses restos é “entulho autoritário”.

Essa continua sendo a forma hegemônica de descrever os últimos 30 anos. Segundo ela, o entulho atrapalha, mas não inviabiliza. Basta dar tempo ao tempo que uma democracia plena nascerá graças ao acúmulo de anos de governança virtuosa por parte de instituições democráticas, que estariam funcionando muito bem.

Janio de Freitas: Liberdades de expressão

- Folha de S. Paulo

Postagens de investigados pelo STF são pregações contra o Estado de Direito

Irrestrita? E essa ausência de limitação é que caracteriza a democracia plena? Ou tem limites? Quais? E qualquer deles é suficiente para comprometer as liberdades democráticas, logo, negar o Estado de Direito?

O tema da liberdade de expressão tem antiguidade grega e nem por isso se aproximou, alguma vez, do consenso. É agora a questão essencial na divergência aguda suscitada pela investigação, toda por conta do Supremo Tribunal Federal, das postagens de internet que o atacam e aos seus ministros.

Esse centro da questão, porém, está invadido em parte por outro tema, que mais complica a confrontação problemática, apesar de pouco polêmico.

Muitos apoiam a condenação às investigações pelo Supremo por entenderem que os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes, um a determiná-las e o outro a conduzi-las, assumem poderes alheios à sua função de julgadores, apenas. É, portanto, um problema formal, embora traga, implícito, a indagação crítica sobre a sua constitucionalidade ou não.

Na questão central, os dois ministros, e por extensão o Supremo, não têm situação melhor na maioria dos comentários tornados públicos. O tema é propício ao passionalismo. Com isso, a argumentação em geral está ausente, substituída por afirmações de ares definitivos e absolutos. O que condenam, no aspecto essencial, é a investigação de "críticas", de "insultos" e de "fake news", que seriam exercícios da liberdade de expressão. Muitos são artigos interessantes e estimulantes. Mas influenciados por uma disformidade nada incomum entre nós, jornalistas e políticos.

As postagens cujos autores são investigados não são de crítica: não se ocupam de expressar discordância com os fundamentos de decisão alguma do Supremo. Também não são de insultos. E muito menos são apenas de notícias falsas. Além de agressões morais, são, nos seus reflexos, pregações contra o Estado de Direito, a pretexto de ataque ao Supremo Tribunal Federal. Não surpreende que seus autores já identificados sejam todos seguidores de Jair Bolsonaro, sem faltar um general para dar a cor da tradição.

Clóvis Rossi: Máquina de corromper também mata

- Folha de S. Paulo

Suicídio de Alan Garcia vai na conta da Odebrecht

Assim como há os “serial killers” (assassinos em série), há os corruptores em série.

O mais notório deles —a construtora brasileira Odebrecht— acaba de fazer a sua primeira vítima de grande repercussão, na figura do ex-presidente peruano Alan García (houve já cinco mortes ligadas ao caso Odebrecht, três na Colômbia, uma na Bahia e outra no Rio Grande do Sul).

O Peru, aliás, é a mais completa demonstração de que a Odebrecht é uma máquina de corrupção: todos os presidentes deste século foram envenenados pela Odebrecht.

Um deles, Ollanta Humala, chegou a ficar preso por nove meses. Nesta quarta-feira (17) soltou nota de pesar pela morte de García, provavelmente aliviado porque, no dia 30, comemorará um ano de liberdade.

Outro presidente, Pedro Pablo Kuczynski, mais conhecido como PPK, corre o risco de se tornar a segunda vítima: no mesmo dia em que García se suicidou, o promotor José Domingo Pérez solicitou 6 anos e 8 meses de prisão para ele. Notícia terrível para quem está internado por causa de taquicardia e pressão alta.

Um terceiro ex-mandatário, Alejandro Toledo, fugiu para os Estados Unidos. Sua extradição já foi solicitada.

Fosse no Japão, o suicídio de Alan García poderia ser considerado um daqueles gestos de fuga à vergonha pela prisão praticado por algum acusado de corrupção.

No caso dele, não é bem isso: se estivesse com vergonha, García não teria pedido asilo ao Uruguai assim que começaram as investigações sobre “Chalán”, o codinome que a empresa brasileira atribuiu a ele (sim, também no Peru, cada corrompido recebia um nome em código).

Se a moda de preferir o suicídio à prisão tivesse sido adotada antes, haveria uma verdadeira carnificina entre políticos latino-americanos: documentos enviados pela Suíça e pelos Estados Unidos, publicados há cerca de dois anos pela Folha, mostram que o veneno da construtora se espalhou por dez países da região (Brasil, Argentina, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala, Panamá, Peru, Venezuela e México). Pegou também Moçambique.

William Waack: Erro grotesco

- O Estado de S.Paulo

No meio de grave luta política, o STF inflama as forças que querem emparedá-lo

Antonio Dias Toffoli assumiu a presidência do STF em setembro último com a proposta de baixar a temperatura das brigas institucionais e evitar surpresas, como uma canetada que libertasse Lula. Era o momento crítico pré-eleitoral (que o diga o atentado contra Bolsonaro) e o então comandante do Exército, general Villas Bôas, tinha combinado com o mais jovem presidente do Judiciário que seu chefe de Estado-Maior e hoje ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, uma das principais cabeças políticas das Forças Armadas, seria assessor especial de Toffoli.

O esquema de “pacificação” funcionou até ser engolido pelo agravamento da mais espetacular disputa da crise brasileira, que opõe expoentes de enorme projeção da Lava Jato, de um lado, e integrantes de peso do Supremo e do mundo político no Legislativo, de outro. E vai acabar arrastando também o Executivo na disputa para determinar quem exerce o poder de fato sobre os principais agentes políticos (e suas decisões).

A Lava Jato se entende como uma instância de controle externa sobre o mundo da política, descrito como irrecuperável, podre e intrinsecamente corrupto até que seu principal paladino, Sérgio Moro, decidisse fazer parte dele como ministro da Justiça. Do outro lado, há sólidas razões doutrinárias sustentando objetivos políticos lícitos, como os de assegurar que quem governa e legisla é quem foi eleito, e não procuradores e juízes. Razões desmoralizadas perante parte numerosa do público pelos que delas fazem uso só para escapar da Justiça. Mas o fato é que uma parte do Supremo e um número grande de políticos, entre eles muita gente honesta, acham que já passou da hora se de colocar limites e frear o ativismo de expoentes da Lava Jato.

Zeina Latif*: Escolhas

- O Estado de S.Paulo

Os recursos são limitados, mas há demandas de todos os lados por ajuda do governo

Os recursos são limitados, mas há demandas de todos os lados por ajuda e benefícios do governo. Por isso, os governantes têm de encarar a difícil tarefa de fazer escolhas. Com frequência, são demandas de grupos organizados, que gritam mais, em detrimento do bem comum.

Pior, muitas decisões são tomadas no escuro, sem diagnósticos e sem estudo de seu impacto. Boas intenções que não se traduzem em benefício para a sociedade e, com o passar do tempo, nem mesmo para os grupos beneficiados. Quando a fatura chega, todos perdem.

Um exemplo foi a política de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para aquisição de caminhões com juros subsidiados. Gerou crescimento artificial da frota, redução do valor de fretes e, ao final, descontentamento geral. Melhor teria sido utilizar os recursos para investir em infraestrutura.

Não faltam exemplos de intervenção estatal desastrosa. A julgar pelo baixo potencial de crescimento, nós mais erramos do que acertamos. É momento de desmonte dessas políticas. Menos é mais.

O presidente Bolsonaro, porém, custa em se livrar de velhos hábitos. A intervenção na política de preços da Petrobrás é o mais recente episódio.

Bolsonaro errou ao ceder à pressão dos caminhoneiros, suspendendo a elevação do preço do diesel e anunciando crédito do BNDES para este grupo (de novo?). O receio das ameaças de paralisação não deveria ser guia para a tomada de decisão dos governantes. Além disso, se no ano passado houve amplo apoio da sociedade à greve, em um contexto de um governo desgastado, este não é o caso agora. Caberia uma postura mais firme do presidente. O sinal foi ruim, ou de fraqueza ou de descuido na tomada de decisões, sem avaliar as consequências.

Celso Ming: Remendos nos estragos do mercado do diesel

- O Estado de S.Paulo

Se o governo está propenso a recorrer a casuísmos para consertar a intervenção de Bolsonaro nos preços do óleo diesel, outros casuísmos desastrados podem acontecer

Seis dias após a desastrada intervenção do presidente Jair Bolsonaro nos preços do óleo diesel, o governo se mobilizou para recompor o vaso quebrado. Mas algumas questões de fundo permanecem intocadas.

Ficou firmado o princípio de que cabe apenas à Petrobrás a definição dos preços dos derivados destinados ao mercado interno. E, para evitar a chantagem dos caminhoneiros, o governo montou um pacotinho de bondades a eles destinados: uma linha de crédito de R$ 500 milhões com o BNDES para financiamento da compra de pneus e de peças de reposição, certa desburocratização dos trâmites que autorizam o transporte de cargas e a criação de novas regras para formação dos fretes. Outro acerto que poderia, a médio prazo, atender às reclamações da categoria é canalizar ao Ministério da Infraestrutura mais R$ 2 bilhões para pavimentação e reparo das rodovias mais rodadas no transporte de cargas.

O governo reconheceu que não pode decretar preços irrealistas, mesmo em se tratando de produtos de primeira necessidade. Pareceu ter entendido que uma política econômica que pretende ser liberal não pode descambar para intervencionismos, sob pena de criar devastadora fonte de incertezas.

Mas o conserto não foi providenciado apenas para garantir coerência de princípios e a permanência do “Posto Ipiranga” no comando da economia. O tabelamento dos preços dos combustíveis produziria distorções: corrosão do caixa da Petrobrás; fuga de potenciais interessados na compra de ativos da petroleira; estímulos artificiais a aproveitadores que comprariam combustíveis a preços mais baixos no mercado interno para exportá-los por preços de mercado; e retardamento da correção dos desequilíbrios de mercado, na medida em que impediria a retirada dos transportadores ineficientes.

Luiz Carlos Azedo: Reforma se desidrata

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“As raposas do Centrão já se deram conta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um animal ferido na floresta. Não tem apoio suficiente na própria base do governo para aprovar a reforma que deseja”

Para um plenário vazio, mas que registrava no painel de votação a presença de 420 dos 513 deputados, por volta das cinco da tarde de ontem, o jovem líder do Novo, Marcel Van Hatten (RS), se esgoelava na tribuna da Câmara, em defesa da reforma da Previdência tal qual fora apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Era um protesto solitário contra a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Casa de adiar para a próxima semana a votação do relatório de admissibilidade do projeto de reforma apresentado pelo governo. No comando da sessão, a deputada Érika Kokay (PT-DF) ouvia atentamente o discurso do colega. Em seguida, a petista foi à tribuna para descer o malho na reforma e enaltecer a decisão da CCJ, à qual chegou às 4h30 da madrugada para reservar seu lugar na primeira fila do plenário, uma das táticas da oposição para obstruir as votações.

Hatten e Kokay não falavam para os poucos seguranças que guarneciam as portas do plenário e os dois taquígrafos que anotavam tudo, discursavam para a Voz do Brasil e as câmeras da TV Câmara, ou seja, para os eleitores que acompanham pelo rádio e pela televisão o que acontece no Congresso. É muito comum esse tipo de prática nas sessões de segunda e quinta-feira, mas raramente isso acontece numa quarta-feira, mesmo em véspera de semana santa, quando a tribuna é disputadíssima. Em circunstâncias normais, a sessão estaria lotada, porque esse é o dia de grandes votações. Não foi o que aconteceu ontem. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deliberadamente, havia esvaziado a pauta do plenário, como quem joga água fria na fervura do embate entre o Palácio do Planalto e os partidos do Centrão. No fim da tarde, a maioria dos deputados já estava voando mais cedo para seus estados.

O movimento na Câmara fora intenso durante a manhã e começo da tarde, por causa da Comissão de Constituição e Justiça, cujo presidente, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), depois de tentar votar a admissibilidade da reforma, reconheceu que a aprovação foi adiada para a semana que vem por falta de acordo. Explicou que o deputado Marcelo Freitas (PSL-MG) havia pedido o adiamento para analisar as mudanças pleiteadas por líderes partidários. A reunião da CCJ havia sido convocada na noite de terça-feira, depois que uma manobra regimental encerrou a discussão na sessão que ameaçava entrar pela madrugada. No fundo, o que houve foi falta de acordo na própria base do governo. DEM, PR, PP, PRB e SD, os partidos do Centrão, que na véspera se aliaram ao PT e demais partidos de oposição, agora negociam mudanças com o governo.

Merval Pereira: Tragédia política

- O Globo

Odebrecht replicou na América Latina e na África o modelo de corrupção de gestões petistas

O suicídio do ex-presidente do Peru Alan García, ao receber um mandado de prisão em casa, é a explicitação trágica do esquema de corrupção que a empreiteira Odebrecht espalhou pela América Latina e África ao replicar naquelas regiões o modelo de negócios que implantou no Brasil durante os anos petistas.

Foi graças à interferência do próprio presidente Lula, hoje preso em Curitiba, e com o apoio do BNDES, que a empreiteira brasileira se espalhou por todos os países governados por uma esquerda que tinha como pretexto a integração latino-americana, e objetivo de dominar politicamente a região.

A Odebrecht, no entanto, não escolhia posição política. O Peru é um exemplo: Pablo Kuczynski, ex-presidente de direita, está preso devido a delações premiadas da empreiteira, no Brasil e nos Estados Unidos, e outros dois ex-presidentes enfrentam investigações judiciais: Alejandro Toledo (2001-2006), de direita, e Ollanta Humala (2011-2016), de esquerda. Fujimori está preso por outro caso de corrupção.

Na Lava-Jato peruana, a conexão brasileira surgiu na delação premiada do advogado brasileiro José Américo Spinola, que afirmou ter pago a Alan García US$100 mil a pedido da Odebrecht. O ex-presidente alega vaque o dinheiro era pagamento por uma palestra.

Ao investigar as contas internacionais, secretas ou declaradas, do marqueteiro João Santana, a operação Lava-Jato descobriu um grande esquema ilegal de financiamento de projetos políticos de esquerda pela América Latina e a África.

Em diversos desses países, o marqueteiro João Santana recebeu pagamentos ilegais através de empresas offshore alimentadas pela Odebrecht, que tinha interesses na eleição de políticos do esquema devido a financiamentos de grandes obras de infraestrutura.

Míriam Leitão: A América Latina e o populismo

- O Globo

Há vários males na América Latina. O maior deles é acreditar em salvadores da pátria e poções mágicas contra problemas graves

A América Latina não se cansa de perder sonhos e repetir os mesmos enredos trágicos. Alan García, quando assumiu em 1985, com apenas 35 anos, era parte de um movimento de renovação do continente que passara por ditaduras. O populismo econômico fez com que ele terminasse seu primeiro mandato com o país em hiperinflação. A América Latina daqueles anos 1980 viu a inflação destruir os sonhos de inclusão social como agora vê a corrupção sepultando projetos políticos. O suicídio de Alan García é emblemático de uma época.

Na Argentina, o presidente Mauricio Macri, que chegou à Casa Rosada defendendo o projeto liberal para se contrapor ao intervencionismo dos Kirchner, decidiu repetir ontem um velho erro já cometido na região: o congelamento de preços para lidar com a inflação resistente que herdou e não conseguiu domar. O populismo ocorre em qualquer lado do espectro político, e é um dos erros recorrentes da região.

— De uma certa forma, é um ciclo que se fecha. O García começou com medidas populistas e foi em direção à políticas mais ortodoxas. Já o Macri era um liberal que agora adota uma medida heterodoxa para tentar ganhar fôlego e chegar até as eleições de outubro — afirmou a economista Monica de Bolle, diretora do Programa de Estudos Latino-Americanos da Johns Hopkins University.

Macri mostra que, seja de direita ou de esquerda, há um momento em que o governante latino-americano acha que é possível resolver tudo com uma canetada, um congelamento, ou um telefonema para o presidente da estatal. Macri ontem congelou preços e disse que tudo foi feito depois de negociação com grandes empresas e avisou que é por seis meses. Tenta corrigir com uma medida artificial o que não conseguiu fazer com sua cartilha liberal que ele, aliás, usou muito mal.

Ascânio Seleme: Cala a boca já morreu

- O Globo

A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia ganhou diversos prêmios de instituições e entidades públicas e privadas, inclusive o prêmio Faz Diferença, do GLOBO, ao proferir em novo contexto a famosa frase “cala abo cajá morreu ”. Retirada de velha e conhecida musiquinha infantil popular, a sentença foi imortalizada pela minis trana ação que julgava a inconstitucionalidade de autorização prévia para biografias, em junho de 2015. Cármen Lúcia foi a relatora que arrebatou a todos com o seu voto. O Supremo acompanhou a ministra por unanimidade.

Foi um momento de glória na história do STF. Atém esmoo ministro Dias T off o li votou contra a autorização prévia. “A corte está afastando a ideia de censura, que, no estado democrático de direito, é inaceitável”, disse com propriedade o ministro. O mesmo minis troque em 14 de março abriu um inquérito sigiloso para apurara taques contra a Corte. E que agora é o pivô de uma enorme crise institucional justamente porque o presidente do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, resolveu censurara revista “Crusoé”, que descobriu rastros de Toffoli nas planilhas da Odebrecht.

Contra Dias Toffoli, identificado como “o amigo do amigo do meu pai” por Marcelo Odebrecht em depoimento ao Ministério Público, não há qualquer acusação, apenas a informação de que ele deveria ser procurado para resolver um problema na obra de uma hidrelétrica no Rio Madeira. Nenhuma ofensa ao ministro, nenhum ataque ao STF, nada que justificasse sequer a atenção do presidente do inquérito. Mas Alexandre de Moraes, instrumentalizado por Toffoli, não só censurou a publicação como chamou seu editor para depor.

Além de inconstitucional e arbitrária, a decisão foi burra. A história fora publicada na sexta-feira da semana passada, estava esquecida, não tivera repercussão, permanecia debaixo de uma pilha de outras reportagens feitas pela “Crusoé” depois dela. Ao censurar com uma truculência que lembra os melhores momentos da ditadura, Alexandre de Moraes desenterrou a história e transformou um assunto morto numa bomba atômica.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou o STF suspender o inquérito sigiloso, Alexandre de Moraes rechaçou o pedido e Dias Toffoli deu mais 90 dias de prazo para as investigações. Do alto da tribuna e protegidos por suas togas, os ministros Toffoli e Moraes perderam a chance de recuar. Dodge poder e correra o plenário do Supremo, escancarando o problema que divide a casa, apesar de deixar perplexo todos os entes políticos do país.

Carlos Alberto Sardenberg: Perdendo a confiança

- O Globo

Sequência de problemas reduz a crença na capacidade do governo (e de Guedes) de entregar política econômica tão apoiada

Não está errado dizer que a Petrobras perdeu R$ 32,4 bilhões quando o presidente Bolsonaro suspendeu o reajuste de 5,7% que a estatal anunciara para o preço do diesel.

Mais correto, porém, é dizer que os acionistas da Petrobras perderam todo aquele dinheiro. E não foi apenas por causa dos 5,7%.

Ações caem quando há mais investidores vendendo do que comprando os papéis. E quem vende é porque perdeu confiança. Em geral, só os grandes investidores fazem esses movimentos rápidos. Os outros, entre os quais se incluem quase todos os brasileiros que têm alguma poupança, só podem reclamar ou lamentar. Todos, portanto, perdem dinheiro e confiança.

E quem são os acionistas?

O próprio governo federal, por exemplo. O BNDES tem em sua carteira algo como R$ 40 bilhões em papéis da Petrobras. A Caixa, uns R$ 10 bi. Só aí, portanto, o governo perdeu R$ 4,5 bilhões naquele dia (desvalorização dos papéis de uns 9%).

É dinheiro. Ainda nesta semana, o governo disse que o BNDES vai emprestar R$ 500 milhões para os caminhoneiros comprarem pneus. E que vai procurar no orçamento uns R$ 2 bilhões para arrumar rodovias. Acharia ali na carteira de ações.

Claro que as ações podem recuperar valor — se a Petrobras conseguir reaplicar o aumento do diesel ou se descobrir um baita campo de petróleo ou se o preço internacional do óleo subir —mas a desconfiança permanece.

Bernardo Mello Franco: Vem aí o PSDB de cashmere

- O Globo

No mês que vem, o governador João Doria deve emplacar um preposto no comando do PSDB. Os fundadores do partido o detestam, mas não devem se atrever a enfrentá-lo

Depois de encolher nas urnas, o PSDB passará por uma troca de guarda. Quarto lugar na eleição presidencial, Geraldo Alckmin deixará o comando do partido no mês que vem. Deve ser substituído pelo ex-deputado Bruno Araújo, um preposto de João Doria.

Não será uma transição indolor. O governador de São Paulo já deixou claro que pretende escantear tucanos históricos para moldar a legenda ao seu estilo. Admite até mudar o nome do partido. Tudo para pavimentar sua própria candidatura ao Planalto em 2022.

Doria anunciou as mudanças com antecedência. Em outubro, aproveitou o discurso da vitória para cutucar desafetos na sigla. “No meu PSDB, acabou o muro. Este será o novo PSDB, um partido que tem lado”, provocou.

O tucano pegou uma carona de última hora na popularidade de Jair Bolsonaro. Chegou a vestir uma camiseta amarela com o slogan “BolsoDoria”. Cinco meses antes, ele havia afirmado que uma vitória do capitão seria um “desastre” para o Brasil.

Ricardo Noblat: Chamem o Heleno!

- Blog do Noblat / Veja 

Quem reescreve o capitão
Com licença de Otávio Rego Barros, o general que literalmente reproduz o que o chefe diz, o porta-voz de fato do capitão Jair Bolsonaro é o general Augusto Heleno, seu ex-instrutor na Academia Militar de Agulhas Negras, e ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República.

Heleno é a sombra de Bolsonaro. Aconselha-o em todos os momentos. E quando seu antigo pupilo o contraria ou simplesmente comete asneiras, hábito que cultiva dado ao seu temperamento impetuoso e ignorância inata, lá corre Heleno a acudi-lo. O resultado nem sempre é satisfatório, mas fazer o quê?

Os presidentes João Figueiredo, o último da ditadura de 1964, e José Sarney, o primeiro pós-ditadura, costumavam chamar “o Pires” quando se viam em apuros ou queriam assustar seus adversários. Os generais Walter Pires e Leônidas Pires Gonçalves foram respectivamente ministros do Exército de Figueiredo e Sarney.

Heleno não é chamado para assustar ninguém. Cabe-lhe devolver a razão a Bolsonaro e baixar a temperatura que se eleva por toda parte sempre que Bolsonaro é… Bolsonaro. É uma tarefa difícil, essa do general. Mesmo para ele que já comandou tropas do Exército brasileiro em países conflagrados.

Foi decisiva a intervenção do general para restabelecer a paz entre Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, no caso do aumento do preço do diesel. Bolsonaro cancelou o aumento com medo de uma greve de caminhoneiros. Guedes ameaçou pedir as contas, já imaginou? Bolsonaro e Guedes são dois estourados.

Heleno atuou nos bastidores e teve êxito. Mas não é sempre que isso acontece. Na última sexta-feira, depois de seis dias de silêncio, Bolsonaro resolveu comentar o assassinato do músico carioca Evaldo Rosa dos Santos, alvo de 80 tiros disparados por nove soldados do Exército, no Rio. E o fez à sua maneira tosca:

“O Exército não matou ninguém. O Exército é do povo. A gente não pode acusar o povo de assassino. Houve um incidente. Houve uma morte. Lamentamos ser um cidadão trabalhador, honesto”.

Ora, o que um tenente, um sargento e sete soldados do Exército são? Por que estão presos? Traficantes não são. Mas quando traficantes matam é o tráfico quem mata. Quando um grupo de policiais mata traficantes ou meros suspeitos foi a polícia que matou. Não foi o Exército. Nem um comando armado das carmelitas descalças.

Chamado a consertar Bolsonaro, Heleno bem que tentou:

“O que ele disse foi o seguinte: o Exército não matou ninguém, o Exército é uma instituição que respeita profundamente os valores humanos e nunca matou ninguém. Quem matou, se aconteceu de alguém morrer na operação, foi alguém que o Exército vai responsabilizar pela morte”.

Heleno foi mal dessa vez. “Se aconteceu de alguém morrer na operação…?” Mas como? O músico não morreu? O sogro do músico que estava com ele não foi baleado? Enquanto durou a ditadura de 64, tortura e morte foram admitidas em quartéis e dependências militares. O Exército, sim, torturou e matou.

O general Heleno sabe disso. Não precisa sacar de falsos argumentos para justificar os tropeções do seu atual chefe.

O mistério de Alcolumbre

Silêncio suspeito
O Senado dispõe de um moderno parque gráfico que, entre outras coisas, imprime tudo que lhe pede cada um dos 81 senadores, quase sempre material de divulgação de suas atividades.

O destino da Europa

Direita ganha espaço e esquerda organiza primavera europeia em corrida eleitoral

Por Danilo Thomaz | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

RIO - A Europa que vai eleger 705 membros do Parlamento Europeu no próximo mês é bastante distinta da que foi às urnas em 2014. Nesse intervalo de cinco anos, o continente passou por uma série de episódios que afetou o seu panorama político: o referendo da Escócia pela saída do Reino Unido, a tentativa de proclamação de uma república catalã, a crise do Reino Unido para uma saída da União Europeia e a ascensão e o fortalecimento da extrema-direita em vários países do continente.

Na França, a segunda economia da zona do euro, a Frente Nacional (hoje Reunião Nacional) chegou ao segundo turno das eleições presidenciais. Sua nova líder, Marion Maréchal-Le Pen, busca consolidar e renovar o partido perante a queda de popularidade do presidente Emmanuel Macron, simbolizada pelos protestos dos coletes amarelos. Na Andaluzia, o Vox, de extrema-direita, conquistou 12 assentos na Câmara local. É a primeira vez, desde 1982, que esse espectro político está representado em um parlamento da Espanha. Desde maio do ano passado, a Liga Norte, de extrema-direita, governa a Itália, terceira maior economia da zona do euro, em uma coalizão com o Movimento 5 Estrelas, que se classifica como antissistema.

Levantamento realizado em 31 países mostrou que os votos em candidatos populistas, de esquerda e de direita, mais que triplicaram desde 1998, segundo levantamento do jornal inglês "The Guardian" no fim do ano. Há duas décadas, 7% dos europeus votavam em candidatos populistas, de diferentes espectros. Vinte anos depois, esse número passou para 25%.

Diante desse cenário, 14 organizações de esquerda de nove países - o Movimento Democracia na Europa 2025, fundado pelo ex-ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis, é de caráter pan-europeu - têm se estruturado de maneira transnacional para a criação da Primavera Europeia. O movimento propõe uma nova agenda para a União Europeia e pretende, sob seu ponto de vista, torná-la mais democrática e sustentável no campo socioeconômico.

A crise ignorada por Bolsonaro: Editorial / O Estado de S. Paulo

Travada pela insegurança de empresários e consumidores, a economia cresceu apenas 1,1% nos 12 meses terminados em fevereiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Inicialmente medíocre, esse foi o ritmo de expansão registrado em 2017 e repetido em 2018, os dois primeiros anos depois da recessão. Ainda sem sinal de melhora a curto prazo, o ritmo se manteve no primeiro bimestre, com resultados muito ruins na maior parte das atividades. Nesta altura, no entanto, é preciso ser muito generoso para ainda classificar apenas como medíocre o desempenho econômico do Brasil. Se o presidente Jair Bolsonaro pelo menos mostrasse alguma preocupação diante desse quadro, seria mais fácil acreditar numa rápida mudança. Mas deve sobrar pouco tempo para isso, quando o presidente da República se dedica a intervir na gestão da Petrobrás e a mimar os líderes de uma categoria descontente com as condições de mercado – a dos caminhoneiros (ver o editorial O presidente ‘entendeu’). Quem estará contente?

Mais atenta que seu chefe às precárias condições do País, a equipe econômica estima em apenas 2,2% o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano. Essa estimativa é pouco melhor que a do mercado, inferior a 2%. Os números conhecidos ou estimados até agora tornam muito difícil projetar um resultado muito melhor que o do ano passado.

Inquérito do STF atropela a lei e afeta imagem da Corte: Editorial / O Globo

Investigações abertas por Toffoli, já com relator, atingem a instância que dá a palavra final do Judiciário

O anúncio feito em março, pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, de que decidira instaurar inquérito para investigar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças (...) que atingem a honorabilidade do Supremo, de seus membros e familiares” foi logo acompanhado de temores de que a iniciativa poderia levar a Corte a uma crise.

Pelo simples e grave motivo de que a iniciativa abria flancos para críticas técnicas, e por não ter havido consulta prévia a outros ministros. Ao fazer o anúncio solene, ao fim de uma sessão, Toffoli já nomeou para conduzir o inquérito o ministro Alexandre de Moraes, atropelando mais uma norma dos tribunais, a do sorteio de quem irá presidir as investigações, para garantir isenção e independência, princípios pétreos da Justiça.

O agravamento de tudo deu-se com a decisão tomada por Moraes de determinar que a revista “Crusoé” e o site “O Antagonista” retirassem do ar a notícia de que Marcelo Odebrecht, em sua delação premiada, identificara como o próprio Dias Toffoli o “amigo do amigo do meu pai”, citado na Lava-Jato. Toffoli, advogado do PT, foi nomeado responsável pela Advocacia-Geral da União por Lula, muito próximo a Emílio Odebrecht, pai de Marcelo. O documento com esta referência terminou retirado dos autos pelo juiz Luiz Antonio Bonat, da Lava-Jato no Paraná, a pedido do Ministério Público, por entender que o fato não tinha relação com a construção da Usina de Belo Monte, no Pará, sob investigação.

Ouvido na pista: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro anuncia medidas pouco promissoras para contentar os caminhoneiros

Se o país continua refém de chantagens dos caminhoneiros, em parte isso se deve à colaboração primordial de Michel Temer (MDB), sucedida agora com gosto demagógico por Jair Bolsonaro (PSL), que ainda candidato batia palmas para o movimento que quase asfixiou o país em 2018 e rebaixou ainda mais o crescimento econômico.

Por fraqueza política, num caso, ou alinhamento oportunista, no outro, a cumplicidade dos presidentes contribui para o sequestro da razão, econômica ou política.

Os caminhoneiros decerto enfrentam problemas graves —como tantos outros brasileiros vítimas de desemprego ou declínio de empreendimentos. Medidas capazes de proporcionar alívio ao setor de transporte de cargas podem ser bem-vindas, desde que não prejudiquem o interesse público.

O bem-estar geral, entretanto, não esteve em questão desde que um líder da categoria, Wallace Landim, ou Chorão, teve portas abertas para levar suas reivindicações à Casa Civil do ministro Onyx Lorenzoni. Que outros movimentos sindicais ou sociais teriam acesso tão franco ao Planalto?

Argentina ressuscita acordo de preços contra a inflação: Editorial / Valor Econômico

A Argentina entrou mais uma vez no túnel do tempo e ressuscitou, em um pacote de medidas lançado ontem, um acordo de preços entre governo, empresas e supermercados, com congelamento de tarifas, além de medidas de cunho social, como descontos em remédios, medicamentos, subsídios para moradias aos mais pobres e facilidades creditícias e de revisão de dívidas para micro e pequenas empresas. O governo de Mauricio Macri, diante de nova disparada da inflação, resolveu jogar abertamente a cartada eleitoral. Em outubro Macri deve enfrentar, ao que tudo indica, a ex-presidente Cristina Kirchner, e as pesquisas apontam uma disputa muito apertada, sem favoritos.

O pacote eleitoral vem apenas 12 dias depois da terceira revisão do acordo com o Fundo Monetário Internacional, cuja aprovação permitiu ao país receber mais US$ 10,8 bilhões de ajuda. Até agora, em menos de um ano, o Fundo apoiou o país com US$ 38,9 bilhões, na maior operação de empréstimos da instituição até agora. O FMI deu seu aval à política de Macri, mas nem na carta de intenções da equipe argentina nem nas observações do Fundo se notam indícios de concordância com as medidas anunciadas ontem. Há inconsistências com o programa econômico em curso.

Macri e o FMI esperavam o início de uma recuperação gradual no começo do segundo trimestre e contavam com derrubar a inflação a 30% até o fim do ano. Março trouxe uma ducha gelada nestas expectativas. Os preços subiram 4,57%, elevando a taxa trimestral para 11,8%, perto da metade da meta para o ano inteiro. Alguma alta era esperada por ambos, segundo o FMI, devido à "combinação de altas tarifas, aumentos maiores que o esperado nos salários e recomposição de margens da indústria e do varejo", fatores que influenciariam a inflação de forma "prolongada". Entretanto, a receita acordada era mais do mesmo - a manutenção de uma "política monetária e fiscal e conservadora pelo tempo necessário para ancorar as expectativas inflacionárias e reduzir a inércia de salários e preços".

Carlos Drummond de Andrade: Cariocas

Como vai ser este verão, querida,
com a praia, aumentada/ diminuída?
A draga, esse dragão, estranho creme
de areia e lama oferta ao velho Leme.
Fogem banhistas para o Posto Seis,
O Posto Vinte... Invade-se Ipanema
hippie e festiva, chega-se ao Leblon
e já nem rimo, pois nessa sinuca
superlota-se a Barra da Tijuca

(até que alguém se lembre de duplicar a Barra, pesadíssima).

Ah, o tamanho natural das coisas
estava errado! O mar era excessivo,
a terra pouca. Pobre do ser vivo,
que aumenta o chão pisável, sem que aumente
a própria dimensão interior.
Somos hoje mais vastos? mais humanos?
Que draga nos vai dar a areia pura,
fundamento de nova criatura?
Carlos, deixa de vãs filosofias,
olha aí, olha o broto, olha as esguias
pernas, o busto altivo, olha a serena
arquitetura feminina em cena
pelas ruas do Rio de Janeiro
que não é rio, é um oceano inteiro
de (a) mo (r) cidade.
Repara como tudo está pra frente,
a começar na blusa transparente
e a terminar... a frente é interminável.
A transparência vai além: os ossos,
as vísceras também ficam à mostra?
Meu amor, que gracinha de esqueleto
revelas sob teu vestido preto!
Os costureiros são radiologistas?
Sou eu que dou uma de futurólogo?
Translúcidas pedidas advogo:
tudo nu na consciência, tudo claro,
sem paredes as casas e os governos...
Ai, Carlos, tu deliras? Até logo.
Regressa ao cotidiano: um professor
reclama para os sapos mais amor.
Caçá-los e exportá-los prejudica
os nossos canaviais; ele, gentil,
engole ruins aranhas do Brasil,
medonhos escorpiões:
o sapo papa paca,
no mais, tem a doçura de uma vaca
embutida no verde da paisagem.
(Conservo no remorso um sapo antigo
assassinado a pedra, e me castigo
a remoer sua emplastada imagem.)
Depressa, a Roselândia, onde floriram
a Rosa Azul e a Rosa Samba. Viram
que novidade? Rosas de verdade,
com cheiro e tudo quanto se resume
no festival enlevo do perfume?
Busco em vão neste Rio um roseiral,
indago, pulo muros: qual!
A flor é de papel, ou cheira mal
o terreno baldio, a rua, o Rio?
A Roselândia vamos e aspiremos
o fino olor de flor em cor e albor.
Um rosa te dou, em vez de um verso,
uma rosa é um rosal; e me disperso
em quadrada emoção diante da rosa,
pois inda existe flor, e flor que zomba
desse fero contexto
de metralhadora, de seqüestro e bomba?

Davi Brandão*: Nelson Gonçalves: 21 anos de saudades do Rei do Rádio

Neste dia 18 de abril serão completados 21 anos de saudade de um dos maiores nomes da música brasileira: Nelson Gonçalves, o artista que somou 81 milhões de discos vendidos no Brasil. Além de cantor e compositor, foi jornaleiro, mecânico, polidor, tamanqueiro, engraxate e garçom, além de lutador de boxe.

Nelson nasceu como Antônio Gonçalves Sobral, em 21 de junho de 1919, na pequena cidade de Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Seus pais, imigrantes portugueses, tinham acabado de chegar ao País. Durante a infância — já vivendo no bairro do Brás, em São Paulo, Nelson acompanhava o pai às feiras livres e praças. Enquanto seu Manuel tocava violão, o menino cantava em cima de um caixote. Em dias mais difíceis, seu Manuel chegava a se fingir de cego para comover as pessoas. Na infância tinha dois apelidos. Na escola era chamado de Carusinho, por sua voz excepcional. Como gaguejava, passou a ser também chamado de Metralha, já que falava cuspindo as palavras. Mesmo com a disfunção fonética, decidiu ser cantor.

Antes de chegar ao seu objetivo passou pelas diversas profissões citadas acima. Intempestivo e brigão, canalizou sua impetuosidade para o boxe. Com 17 anos, recebeu a faixa de Campeão Paulista dos Meio-Médios, após vencer 24 lutadores por nocaute e ter perdido apenas duas vezes, por pontos.

Focado em seu sonho, Nelson estudou canto acadêmico, por seis anos, com o maestro Bellardi. Aprendeu que não era gago, mas taquilárico (do grego takimós: respiração curta, acelerada). Dentre os tantos conselhos do maestro ouviu um conselho que mudaria sua vida: deveria ser cantor popular. Como Antônio não era sonoro, adotou o nome Nelson, que considerava mais melódico.

Nelson Gonçalves: Ronda