Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Fora de esquadro
Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Formalmente, o raciocínio do presidente Luiz Inácio da Silva não está errado. Pede que investigadores tenham cuidado com a biografia de investigados decerto no intuito de ponderar que o vedetismo de certos profissionais da área faz mal ao Estado de Direito e às garantias individuais dos cidadãos.
O argumento, contudo, soa fora do esquadro na voz de Lula. Um presidente que em seus quase sete anos de mandato jamais usou do microfone para fazer a defesa dos bons costumes, do respeito aos preceitos constitucionais relativos à probidade, dos princípios e valores gerais de civilidade ética.
Nunca condenou a transgressão, sempre passou a mão na cabeça dos transgressores. Ao contrário. Se o dono da boa biografia é seu adversário, o julgamento é imediato. Agiu assim na oposição e também age na Presidência. Agora, se o indivíduo tem folha corrida, mas é um aliado, exige sentença transitada em julgado.
O senador Aloizio Mercadante recentemente deixou muito claro que, na visão dele, nem sempre o que o presidente diz expressa o que ele realmente pensa. Falava sobre a referência aos "bons pizzaiolos" do Senado e a intenção era amenizar a declaração de Lula.
Como ao presidente nem a ninguém da assessoria ocorreu vestir o colete salva-vidas oferecido pelo senador petista e dar um passo atrás, posto ficou que Mercadante foi mais realista que o rei.
Lula realmente falou sem trair seu pensamento. Por extensão, é possível concluir que o presidente da República não contrarie seus mais profundos sentimentos quando abraça toda sorte de malfeitorias, ora invocando a biografia do malfeitor, ora dando abrigo ao mau combatente por interesse específico ou mera questão de gosto.
Para que alçar José Sarney ao altar das divindades e obrigar um PT já de joelhos a rezar aos pés do senador? Poderia ter sido mais, digamos, político. Mas preferiu mostrar-se amigo.
Assim fez com toda gama de transeuntes daquela nebulosa via localizada à margem da lei.
Vai além do estrita e politicamente necessário ignorando mais um atributo indispensável à vida pública: a impessoalidade.
Na cerimônia de posse do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu cuidados especiais em relação aos investigados e também assegurou que jamais faria um "pedido pessoal" ao procurador nem colocaria "um alfinete" para atrapalhar qualquer investigação.
Aqui cometeu um ato falho. Deixou transparecer o seguinte pensamento: se quisesse, poderia fazer pedidos pessoais ou interferir em investigações. Se não o faz é por decisão magnânima, não por sentido natural de submissão à legalidade.
Chega a ofender de maneira velada o procurador ao "aconselhar" Roberto Gurgel a enquadrar seus eventuais radicais, sob pena de amanhã ou depois "alguém" no Congresso propor restrições às atividades do Ministério Público.
Proposta esta já em tramitação no Parlamento com o apoio dissimulado do governo.
Mais adequado na abordagem do tema o presidente da República seria se cuidasse de dar o exemplo, evitando os excessos na sua área de influência. A começar por reduzir suas defesas apaixonadas de exorbitâncias transgressoras.
Um caminho que de quando em vez sua assessoria espalha, por meio de notas na imprensa, que estaria disposto a tomar. No caso mesmo do presidente do Senado. Logo após a desastrada declaração segundo a qual José Sarney dispõe de uma biografia que o faz merecedor de tratamento especial no tocante a desvios de conduta, surgiram versões dando conta da decisão do presidente de abdicar do comando da tropa de choque.
Seria, de fato, o mais prudente. Pragmaticamente falando, até. Evitaria entrar numa briga perdida com o eleitorado.
Lula, porém, parece gostar desse papel e, se não se lixa, pelo menos pensa ser ilimitado seu poder de dominar a opinião pública. O presidente não apenas continuou na defesa explícita, como dobrou a aposta.
Como diz o presidente, nem tudo é crime de morte. Mas, tem gente que é, como se dizia antigamente, de morte.
Mesmo com notícias de que as pesquisas já apontam desgaste e a prova cabal registrada na voz do próprio acusado, Lula finge não compreender do que se trata. Quer uma investigação "correta" (nos moldes da que não se fez até hoje no caso Waldomiro Diniz?) e é adepto da permanência de Sarney na presidência do Senado.
Não sendo ignorância a respeito dos fatos, só pode ser um caso incurável de má-fé para com o Parlamento.
Vício insanável
Em se tratando de José Sarney e suas tão antigas quanto firmes ligações no Poder Judiciário, o ativismo de tribunais superiores está mais para passivo.
Se ali chegar o vendaval que (quase) tudo revela, terá sido completado o circuito dos três Poderes percorrido por Sarney em seus proclamados mais de 50 anos de vida pública. Em larga medida, dedicados à obtenção de vantagens privadas.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Formalmente, o raciocínio do presidente Luiz Inácio da Silva não está errado. Pede que investigadores tenham cuidado com a biografia de investigados decerto no intuito de ponderar que o vedetismo de certos profissionais da área faz mal ao Estado de Direito e às garantias individuais dos cidadãos.
O argumento, contudo, soa fora do esquadro na voz de Lula. Um presidente que em seus quase sete anos de mandato jamais usou do microfone para fazer a defesa dos bons costumes, do respeito aos preceitos constitucionais relativos à probidade, dos princípios e valores gerais de civilidade ética.
Nunca condenou a transgressão, sempre passou a mão na cabeça dos transgressores. Ao contrário. Se o dono da boa biografia é seu adversário, o julgamento é imediato. Agiu assim na oposição e também age na Presidência. Agora, se o indivíduo tem folha corrida, mas é um aliado, exige sentença transitada em julgado.
O senador Aloizio Mercadante recentemente deixou muito claro que, na visão dele, nem sempre o que o presidente diz expressa o que ele realmente pensa. Falava sobre a referência aos "bons pizzaiolos" do Senado e a intenção era amenizar a declaração de Lula.
Como ao presidente nem a ninguém da assessoria ocorreu vestir o colete salva-vidas oferecido pelo senador petista e dar um passo atrás, posto ficou que Mercadante foi mais realista que o rei.
Lula realmente falou sem trair seu pensamento. Por extensão, é possível concluir que o presidente da República não contrarie seus mais profundos sentimentos quando abraça toda sorte de malfeitorias, ora invocando a biografia do malfeitor, ora dando abrigo ao mau combatente por interesse específico ou mera questão de gosto.
Para que alçar José Sarney ao altar das divindades e obrigar um PT já de joelhos a rezar aos pés do senador? Poderia ter sido mais, digamos, político. Mas preferiu mostrar-se amigo.
Assim fez com toda gama de transeuntes daquela nebulosa via localizada à margem da lei.
Vai além do estrita e politicamente necessário ignorando mais um atributo indispensável à vida pública: a impessoalidade.
Na cerimônia de posse do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu cuidados especiais em relação aos investigados e também assegurou que jamais faria um "pedido pessoal" ao procurador nem colocaria "um alfinete" para atrapalhar qualquer investigação.
Aqui cometeu um ato falho. Deixou transparecer o seguinte pensamento: se quisesse, poderia fazer pedidos pessoais ou interferir em investigações. Se não o faz é por decisão magnânima, não por sentido natural de submissão à legalidade.
Chega a ofender de maneira velada o procurador ao "aconselhar" Roberto Gurgel a enquadrar seus eventuais radicais, sob pena de amanhã ou depois "alguém" no Congresso propor restrições às atividades do Ministério Público.
Proposta esta já em tramitação no Parlamento com o apoio dissimulado do governo.
Mais adequado na abordagem do tema o presidente da República seria se cuidasse de dar o exemplo, evitando os excessos na sua área de influência. A começar por reduzir suas defesas apaixonadas de exorbitâncias transgressoras.
Um caminho que de quando em vez sua assessoria espalha, por meio de notas na imprensa, que estaria disposto a tomar. No caso mesmo do presidente do Senado. Logo após a desastrada declaração segundo a qual José Sarney dispõe de uma biografia que o faz merecedor de tratamento especial no tocante a desvios de conduta, surgiram versões dando conta da decisão do presidente de abdicar do comando da tropa de choque.
Seria, de fato, o mais prudente. Pragmaticamente falando, até. Evitaria entrar numa briga perdida com o eleitorado.
Lula, porém, parece gostar desse papel e, se não se lixa, pelo menos pensa ser ilimitado seu poder de dominar a opinião pública. O presidente não apenas continuou na defesa explícita, como dobrou a aposta.
Como diz o presidente, nem tudo é crime de morte. Mas, tem gente que é, como se dizia antigamente, de morte.
Mesmo com notícias de que as pesquisas já apontam desgaste e a prova cabal registrada na voz do próprio acusado, Lula finge não compreender do que se trata. Quer uma investigação "correta" (nos moldes da que não se fez até hoje no caso Waldomiro Diniz?) e é adepto da permanência de Sarney na presidência do Senado.
Não sendo ignorância a respeito dos fatos, só pode ser um caso incurável de má-fé para com o Parlamento.
Vício insanável
Em se tratando de José Sarney e suas tão antigas quanto firmes ligações no Poder Judiciário, o ativismo de tribunais superiores está mais para passivo.
Se ali chegar o vendaval que (quase) tudo revela, terá sido completado o circuito dos três Poderes percorrido por Sarney em seus proclamados mais de 50 anos de vida pública. Em larga medida, dedicados à obtenção de vantagens privadas.
Senadores criticam declarações do presidente
Rosa Costa, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) atacaram ontem a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em desmerecer as investigações de um órgão do Estado como a Polícia Federal (PF) e em defender o senador José Sarney (PMDB-AP). Simon disse que Lula está sendo "infeliz" nos comentários e pediu que o presidente "feche a boca e pare de falar".
Cristovam ficou particularmente incomodado com a recomendação de Lula para que as investigações do Ministério Público levem em conta a "biografia dos investigados". Segundo ele, "a biografia é para os livros, a Justiça é para ações deste momento, uma coisa é a história, outra é a política".
"Feche a boca, Lula", disse Simon. "Ele (Lula) está sendo infeliz porque entrou numa situação que não precisaria ter entrado da maneira que está entrando." Simon lembrou que foi a operação Boi Barrica, da PF, que obteve as gravações autorizadas pela Justiça, divulgadas pelo Estado, nas quais Sarney e seu filho Fernando Sarney tratam de nomeações para cargos de confiança de parentes e até de um namorado da neta.
Simon considerou "infeliz" a intervenção de Lula por dois motivos: primeiro, porque ao tomar partido de Sarney ele ignora a autonomia do Senado na busca de solução para seus problemas; segundo, porque avalia que o apoio a quem foi investigado pela Polícia Federal desmerece o trabalho do órgão.
Simon e Cristovam estão convencidos de que a resistência de Sarney em permanecer no comando do Senado se deve ao apoio do presidente. É ele, na avaliação de Cristovam, a "base mais sólida da sua continuação na cargo, além da teimosia dele (Sarney) e da blindagem que o PT e seus aliados estão fazendo". "Lula vem cometendo um grave erro porque, como presidente, ele é um educador e o que ele diz a população ouve", avaliou.
Cristovam disse ainda que Lula tira proveito da crise do Senado, passando a ideia de que a instituição é ruim e ele é o bom. "Isso tudo é muito negativo para o processo democrático."
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Cristovam Buarque (PDT-DF) atacaram ontem a insistência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em desmerecer as investigações de um órgão do Estado como a Polícia Federal (PF) e em defender o senador José Sarney (PMDB-AP). Simon disse que Lula está sendo "infeliz" nos comentários e pediu que o presidente "feche a boca e pare de falar".
Cristovam ficou particularmente incomodado com a recomendação de Lula para que as investigações do Ministério Público levem em conta a "biografia dos investigados". Segundo ele, "a biografia é para os livros, a Justiça é para ações deste momento, uma coisa é a história, outra é a política".
"Feche a boca, Lula", disse Simon. "Ele (Lula) está sendo infeliz porque entrou numa situação que não precisaria ter entrado da maneira que está entrando." Simon lembrou que foi a operação Boi Barrica, da PF, que obteve as gravações autorizadas pela Justiça, divulgadas pelo Estado, nas quais Sarney e seu filho Fernando Sarney tratam de nomeações para cargos de confiança de parentes e até de um namorado da neta.
Simon considerou "infeliz" a intervenção de Lula por dois motivos: primeiro, porque ao tomar partido de Sarney ele ignora a autonomia do Senado na busca de solução para seus problemas; segundo, porque avalia que o apoio a quem foi investigado pela Polícia Federal desmerece o trabalho do órgão.
Simon e Cristovam estão convencidos de que a resistência de Sarney em permanecer no comando do Senado se deve ao apoio do presidente. É ele, na avaliação de Cristovam, a "base mais sólida da sua continuação na cargo, além da teimosia dele (Sarney) e da blindagem que o PT e seus aliados estão fazendo". "Lula vem cometendo um grave erro porque, como presidente, ele é um educador e o que ele diz a população ouve", avaliou.
Cristovam disse ainda que Lula tira proveito da crise do Senado, passando a ideia de que a instituição é ruim e ele é o bom. "Isso tudo é muito negativo para o processo democrático."
Lula relativiza crimes para reforçar a defesa de Sarney
DEU EM O GLOBO
"Uma coisa é matar, outra é roubar, outra é pedir um emprego, outra é relação de influências e outra é lobby’
"Uma coisa é matar, outra é roubar, outra é pedir um emprego, outra é relação de influências e outra é lobby’
Depois de afirmar que o senador José Sarney não pode ser tratado como uma pessoa comum e pedir a procuradores cuidado com a biografia dos investigados, o presidente Lula reforçou ontem a defesa do presidente do Senado, minimizando as acusações que pesam contra o aliado.
Alegando que nem todo julgamento é de pena de morte, Lula disse que, antes de punir, é preciso saber o tamanho do crime. "Uma coisa é você matar, outra coisa é roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby”, declarou Lula, defendendo que o Senado tem condições de investigar Sarney sem que ele deixe o cargo. Com as gravações que provam sua ligação com atos secretos, o senador começa a perder apoio. Até então sua ferrenha defensora, Ideli Salvatti (SC), líder do governo no Congresso, já admite que a situação se agravou e pode levar o PT a rever sua posição.
"Uma coisa é matar, outra coisa é o lobby"
Para defender Sarney, Lula agora relativiza crimes e diz que nem todos são "de pena de morte"
Segundo o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), um dos titulares do Conselho de Ética, o partido está juntando munição para blindar Sarney. Ele admitiu ter feito um levantamento de todos os atos aprovados pelas Mesas Diretoras da Casa nos últimos dez anos, e ameaça divulgar essas informações toda vez que algum colega decidir atacar o presidente do Senado.
— Quase tudo nesta Casa é decisão de colegiado. Quando o presidente Sarney foi eleito, os partidos que não o apoiaram invocaram o critério da proporcionalidade para o preenchimento dos demais cargos da Mesa. Não dá, agora, para ninguém se esquivar dessa responsabilidade proporcional.
O aumento do tom das ameaças começa a incomodar um número cada vez maior de parlamentares.
— Se o senador Wellington Salgado sabe de alguma coisa errada, tem obrigação de dizer. Não dá é para ele ficar fazendo acusações genéricas — reagiu o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
— Podem entrar com 50 representações no Conselho de Ética, mas a primeira que tem de ser analisada é a do Sarney — emendou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).
"Uma coisa é matar, outra coisa é o lobby"
Para defender Sarney, Lula agora relativiza crimes e diz que nem todos são "de pena de morte"
Segundo o senador Wellington Salgado (PMDB-MG), um dos titulares do Conselho de Ética, o partido está juntando munição para blindar Sarney. Ele admitiu ter feito um levantamento de todos os atos aprovados pelas Mesas Diretoras da Casa nos últimos dez anos, e ameaça divulgar essas informações toda vez que algum colega decidir atacar o presidente do Senado.
— Quase tudo nesta Casa é decisão de colegiado. Quando o presidente Sarney foi eleito, os partidos que não o apoiaram invocaram o critério da proporcionalidade para o preenchimento dos demais cargos da Mesa. Não dá, agora, para ninguém se esquivar dessa responsabilidade proporcional.
O aumento do tom das ameaças começa a incomodar um número cada vez maior de parlamentares.
— Se o senador Wellington Salgado sabe de alguma coisa errada, tem obrigação de dizer. Não dá é para ele ficar fazendo acusações genéricas — reagiu o senador Cristovam Buarque (PDT-DF).
— Podem entrar com 50 representações no Conselho de Ética, mas a primeira que tem de ser analisada é a do Sarney — emendou o senador Pedro Simon (PMDB-RS).
LETRA MORTA
EDITORIAL
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Quando contrastado com a prática rotineira da política do PT, código de ética do partido carece de credibilidade
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Quando contrastado com a prática rotineira da política do PT, código de ética do partido carece de credibilidade
A INICIATIVA do Partido dos Trabalhadores de lançar a público um detalhado código de ética, a entrar em vigor em 1º de agosto, pode ser encarada como resposta institucional -tardia o bastante para não dar na vista- à profunda crise de identidade que se abateu sobre o petismo a partir das primeiras revelações em torno do "mensalão".
Fossem outros os tempos, seria o caso talvez de saudar o extenso documento preparado por uma comissão partidária exclusivamente nomeada para a tarefa. Em 73 artigos, preveem-se punições severas, por exemplo, ao filiado que explorar politicamente "aspectos da vida íntima de adversários", em disputas internas ou em campanhas eleitorais. Antes de assumir qualquer cargo público, o militante deverá apresentar a lista circunstanciada de seus bens, para acompanhamento de sua evolução patrimonial ao longo do tempo.
Mais algumas páginas do "Código de Ética e Disciplina do Partido dos Trabalhadores", e um sorriso sem dúvida haverá de despontar no rosto de seu eventual leitor. Espera-se dos petistas eleitos a um cargo no Executivo ou no Legislativo o compromisso de "negar e combater o nepotismo, em todas as suas formas". E que tampouco venham a incorrer na "defesa de privilégios parlamentares ou corporativos imorais ou injustificados".
Não menos importante, o artigo 42 do documento estabelece que "é terminantemente vedada a arrecadação de recursos de qualquer natureza sem a respectiva e obrigatória contabilização do arrecadado".
A fraseologia rememora, por certo, as inverossímeis explicações prestadas por dirigentes petistas no auge do mensalão. Quanto ao combate ao nepotismo, torna-se difícil conciliar as marmóreas estipulações do novo código com a prática, incomparavelmente mais flexível, adotada pela bancada petista na defesa de seus aliados no Senado. Talvez porque, como observou o presidente Lula recentemente, nem todos devem ser tratados como cidadãos comuns no universo político de Brasília.
Comprometido até a medula com o que há de mais atrasado na política brasileira, envolvido numa rede inextricável de favorecimentos e gestões entre a máquina pública e os interesses privados, o governo Lula e seu partido não mais apresentam condições de dar credibilidade ao código agora lançado com tanta pompa.
Pode-se entendê-lo, na verdade, como uma espécie de satisfação formal àqueles setores da militância ainda remanescentes de um período em que, afastado das realidades do poder, o Partido dos Trabalhadores se dedicava a alardear seu rigor no combate à corrupção e a suposta pureza de seus princípios.
Nada disso se sustenta hoje em dia; e não é excessivamente pessimista o prognóstico de que o código de ética, a que não faltam primores de elaboração, venha a constar como letra morta, já na data de seu lançamento.
O PRESIDENTE SEM AUTOCENSURA
EDITORIAL
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Seis anos e meio deveriam, talvez, ser mais do que suficientes para o País já não ficar perplexo com as impropriedades que ornamentam os discursos de cada dia do seu primeiro mandatário.
Desde que chegou ao Palácio do Planalto, não houve, com efeito, ocasião ou circunstância que o presidente Lula considerasse imprópria para dizer o que lhe viesse à cabeça. Em linguagem corrente, o homem simplesmente não se toca. Mas o efeito cumulativo de seus disparates, no ambiente e no momento que for - desde uma entrevista de passagem, em meio ao atropelo dos jornalistas, até uma solenidade formal de governo -, antes aviva do que anestesia o pasmo provocado pela absoluta falta de autocensura que sustenta tais enormidades.
O presidente, definitivamente, não possui o que o público chama de desconfiômetro. Quando lhe faltam argumentos racionais para defender suas teses, desanda a afirmar coisas de que em geral as pessoas, que dirá um chefe de Estado, poupam os que as ouvem, quanto mais não seja para resguardar a própria dignidade. De toda maneira, o que parece contar para Lula e o que o empurra para longe de qualquer vestígio de decoro é o intento de dar o seu recado, quantas vezes julgar necessário - e o resto que se lixe. O exemplo da hora, naturalmente, são as suas demonstrações públicas de alinhamento incondicional com o presidente do Senado, José Sarney, imerso em evidências irrefutáveis de malfeitos que o despojaram das condições mínimas para continuar no cargo e conservar o mandato.
Lula parece acreditar que as suas ações em socorro do seu principal aliado no Congresso, de quem se converteu no mais vistoso guarda-costas, não apenas haverão de garantir a sua invulnerabilidade, como ainda o farão se lançar com entusiasmo na duvidosa empreitada de unir o PMDB ao redor da candidatura Dilma Rousseff em 2010. Além de agir, enquadrando, por exemplo, a bancada petista no Senado, ansiosa por se dissociar do oligarca - se não em nome da ética, pelos cálculos eleitorais da maioria dos seus membros -, Lula acha que precisa mostrar a Sarney, por palavras, que se identifica plenamente com o núcleo da sua autodefesa, que ele externou no discurso de 16 de junho: a sua biografia o torna inimputável. (O que a opinião pública pensa disso não vem ao caso.)
Dois dias depois, no que o presidente-torcedor poderia chamar de jogada ensaiada, Lula declarou, para assombro dos repórteres que o acompanhavam ao Casaquistão, que Sarney não pode ser tratado como "pessoa comum". E foi isso, numa versão verdadeiramente escandalosa, que ele reiterou anteontem na solenidade de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Envergonhando o emblema da República que adornava a tribuna de onde discursava, Lula advertiu o Ministério Público (MP) a não atuar "pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação" - por si só, uma insinuação próxima do insulto -, mas "pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado". Ou seja, o MP não pode esquecer que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.
Aqui já se trata de teatro do absurdo.
Antes, Lula aconselhara o MP a "investigar fatos, tirar as suas conclusões e tomar as providências coerentes com elas", como se não fosse exatamente isso o que fez o então procurador-geral Antonio Fernando Souza, no caso do mensalão, indiciando 40 suspeitos, de variadas biografias, como membros de uma "sofisticada organização criminosa" interessada em "garantir a permanência do partido (o PT) no poder". A vida pregressa de um réu somente pesa - como circunstância atenuante ou agravante - na hora do julgamento. Não se ofenderá a inteligência do presidente da República sugerindo que possa ter confundido as condutas apropriadas aos agentes públicos em cada etapa do devido processo legal.
Lula não é um néscio: o seu problema, ou melhor, o problema do País, sob a sua liderança, é a sem-cerimônia com que dá ao povo que o admira um exemplo perverso de como tratar as instituições. Elas têm sido a primeira vítima de sua obstinação em conseguir o que pretende - controlar o processo político e fazer a sua sucessora. Ele deve imaginar que a sua excepcional biografia a tudo o autoriza. Tanto pior.
Correção - No editorial Linhas ocupadas, publicado ontem, onde se lê "Passados oito dias, Agaciel Maia assina o ato - secreto - de nomeação do namorado da filha do senador", leia-se "da neta do senador".
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Seis anos e meio deveriam, talvez, ser mais do que suficientes para o País já não ficar perplexo com as impropriedades que ornamentam os discursos de cada dia do seu primeiro mandatário.
Desde que chegou ao Palácio do Planalto, não houve, com efeito, ocasião ou circunstância que o presidente Lula considerasse imprópria para dizer o que lhe viesse à cabeça. Em linguagem corrente, o homem simplesmente não se toca. Mas o efeito cumulativo de seus disparates, no ambiente e no momento que for - desde uma entrevista de passagem, em meio ao atropelo dos jornalistas, até uma solenidade formal de governo -, antes aviva do que anestesia o pasmo provocado pela absoluta falta de autocensura que sustenta tais enormidades.
O presidente, definitivamente, não possui o que o público chama de desconfiômetro. Quando lhe faltam argumentos racionais para defender suas teses, desanda a afirmar coisas de que em geral as pessoas, que dirá um chefe de Estado, poupam os que as ouvem, quanto mais não seja para resguardar a própria dignidade. De toda maneira, o que parece contar para Lula e o que o empurra para longe de qualquer vestígio de decoro é o intento de dar o seu recado, quantas vezes julgar necessário - e o resto que se lixe. O exemplo da hora, naturalmente, são as suas demonstrações públicas de alinhamento incondicional com o presidente do Senado, José Sarney, imerso em evidências irrefutáveis de malfeitos que o despojaram das condições mínimas para continuar no cargo e conservar o mandato.
Lula parece acreditar que as suas ações em socorro do seu principal aliado no Congresso, de quem se converteu no mais vistoso guarda-costas, não apenas haverão de garantir a sua invulnerabilidade, como ainda o farão se lançar com entusiasmo na duvidosa empreitada de unir o PMDB ao redor da candidatura Dilma Rousseff em 2010. Além de agir, enquadrando, por exemplo, a bancada petista no Senado, ansiosa por se dissociar do oligarca - se não em nome da ética, pelos cálculos eleitorais da maioria dos seus membros -, Lula acha que precisa mostrar a Sarney, por palavras, que se identifica plenamente com o núcleo da sua autodefesa, que ele externou no discurso de 16 de junho: a sua biografia o torna inimputável. (O que a opinião pública pensa disso não vem ao caso.)
Dois dias depois, no que o presidente-torcedor poderia chamar de jogada ensaiada, Lula declarou, para assombro dos repórteres que o acompanhavam ao Casaquistão, que Sarney não pode ser tratado como "pessoa comum". E foi isso, numa versão verdadeiramente escandalosa, que ele reiterou anteontem na solenidade de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Envergonhando o emblema da República que adornava a tribuna de onde discursava, Lula advertiu o Ministério Público (MP) a não atuar "pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação" - por si só, uma insinuação próxima do insulto -, mas "pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado". Ou seja, o MP não pode esquecer que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.
Aqui já se trata de teatro do absurdo.
Antes, Lula aconselhara o MP a "investigar fatos, tirar as suas conclusões e tomar as providências coerentes com elas", como se não fosse exatamente isso o que fez o então procurador-geral Antonio Fernando Souza, no caso do mensalão, indiciando 40 suspeitos, de variadas biografias, como membros de uma "sofisticada organização criminosa" interessada em "garantir a permanência do partido (o PT) no poder". A vida pregressa de um réu somente pesa - como circunstância atenuante ou agravante - na hora do julgamento. Não se ofenderá a inteligência do presidente da República sugerindo que possa ter confundido as condutas apropriadas aos agentes públicos em cada etapa do devido processo legal.
Lula não é um néscio: o seu problema, ou melhor, o problema do País, sob a sua liderança, é a sem-cerimônia com que dá ao povo que o admira um exemplo perverso de como tratar as instituições. Elas têm sido a primeira vítima de sua obstinação em conseguir o que pretende - controlar o processo político e fazer a sua sucessora. Ele deve imaginar que a sua excepcional biografia a tudo o autoriza. Tanto pior.
Correção - No editorial Linhas ocupadas, publicado ontem, onde se lê "Passados oito dias, Agaciel Maia assina o ato - secreto - de nomeação do namorado da filha do senador", leia-se "da neta do senador".
SITUAÇÃO PRECÁRIA
EDITORIAL
DEU EM O GLOBO
O recesso parlamentar tem sido ingrato com o presidente do Senado, José Sarney, recolhido à Ilha de Curupu, no Maranhão.
Quando ele, a tropa de choque do PMDB e o Planalto esperavam por pelo menos um arrefecimento na sucessão de denúncias sobre as mazelas administrativas da Casa, a publicação pelo jornal “O Estado de S. Paulo” de trechos de gravações de conversas telefônicas mantidas entre o senador, o filho Fernando Sarney e a neta Maria Beatriz, filha de Fernando, produziu um curtocircuito na estratégia de defesa do presidente do Senado.
Diálogos normais entre um pai extremoso, um avô compreensivo e uma neta necessitada de emprego para o namorado fizeram, no caso do clã Sarney, juntar fios desencapados que relacionam o presidente do Senado ao nepotismo exercitado por atos secretos. Os telefonemas estabelecem ligações entre Fernando Sarney, o pai e Agaciel Maia, o poderoso diretor-geral da Casa, nomeado pelo senador em 1995, e sobre quem vinha desabando até agora quase todo o peso da responsabilidade pelas malfeitorias descobertas. Maia já havia alertado que não poderia ter rasgado os códigos comezinhos de ética se não recebesse ordens de cima, da Mesa do Senado.
DEU EM O GLOBO
O recesso parlamentar tem sido ingrato com o presidente do Senado, José Sarney, recolhido à Ilha de Curupu, no Maranhão.
Quando ele, a tropa de choque do PMDB e o Planalto esperavam por pelo menos um arrefecimento na sucessão de denúncias sobre as mazelas administrativas da Casa, a publicação pelo jornal “O Estado de S. Paulo” de trechos de gravações de conversas telefônicas mantidas entre o senador, o filho Fernando Sarney e a neta Maria Beatriz, filha de Fernando, produziu um curtocircuito na estratégia de defesa do presidente do Senado.
Diálogos normais entre um pai extremoso, um avô compreensivo e uma neta necessitada de emprego para o namorado fizeram, no caso do clã Sarney, juntar fios desencapados que relacionam o presidente do Senado ao nepotismo exercitado por atos secretos. Os telefonemas estabelecem ligações entre Fernando Sarney, o pai e Agaciel Maia, o poderoso diretor-geral da Casa, nomeado pelo senador em 1995, e sobre quem vinha desabando até agora quase todo o peso da responsabilidade pelas malfeitorias descobertas. Maia já havia alertado que não poderia ter rasgado os códigos comezinhos de ética se não recebesse ordens de cima, da Mesa do Senado.
As gravações lhe dão razão. Agaciel disse a Fernando que não poderia guardar a tal vaga — sintomaticamente deixada por um irmão de Bia — para o namorado da filha, a não ser que recebesse uma determinação do senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), então presidente da Casa.
O sinal verde foi conseguido, e Henrique Dias Bernardes, o namorado, ganhou o emprego — secretamente. A tropa de choque reunida pelo Planalto e comandada por Renan Calheiros (PMDB-AL) para defender José Sarney terá trabalho redobrado. Fica mais difícil encenar a farsa do Conselho de Ética presidido pelo senador sem votos Paulo Duque (PMDBRJ), uma marionete controlada por Renan e grupo. Afinal, as gravações publicadas quarta-feira apontam para a falta de decoro de Sarney, que dissera desconhecer práticas das quais ele se utilizou a fim de nomear o namorado da neta. O próprio Duque já era passível de pedido de afastamento da presidência do Conselho por ter antecipado a inocência de Sarney, sem avaliar qualquer prova.
A situação de Sarney ficou precária, mesmo que o presidente Lula tenha aproveitado a posse do novo procurador-geral da República para defender a tese antirrepublicana, elitista, aristocrática de que uma pessoa, a depender da biografia, pode passar a ser alguém acima de qualquer suspeita. Até quando Lula sustentará a crise no Senado, em nome da “governabilidade” do seu plano eleitoral de 2010?
A situação de Sarney ficou precária, mesmo que o presidente Lula tenha aproveitado a posse do novo procurador-geral da República para defender a tese antirrepublicana, elitista, aristocrática de que uma pessoa, a depender da biografia, pode passar a ser alguém acima de qualquer suspeita. Até quando Lula sustentará a crise no Senado, em nome da “governabilidade” do seu plano eleitoral de 2010?
'É preciso elevar o padrão ético'
ENTREVISTA: Gilberto Velho
Cláudia Lamego
DEU EM O GLOBO
Gilberto Velho critica Lula por defender aliados suspeitos de atos ilícitos
Ao defender aliados envolvidos em escândalos e investigados por crimes, o presidente Lula legitima um padrão ético e moral discutível no país. A opinião é do antropólogo Gilberto Velho, que criticou ontem Lula por relativizar supostos crimes praticados na República. Para ele, é preocupante, num “país que vive uma crise de valores”, que Lula minimize a prática de atos ilícitos. Segundo o antropólogo, as declarações de Lula são movidas por seus interesses políticos.
“Tudo em nome de um projeto político e pessoal”, lamenta.
O GLOBO: Depois de pedir ao Ministério Público que tenha cuidado com a biografia dos investigados, o presidente Lula disse ontem que é preciso relativizar os crimes. O que o senhor achou dessa declaração?
GILBERTO VELHO: Para começar, não cabe ao chefe do Executivo orientar os outros poderes sobre como eles devem proceder. Isso é preocupante com relação à distribuição do poder no país.
Cláudia Lamego
DEU EM O GLOBO
Gilberto Velho critica Lula por defender aliados suspeitos de atos ilícitos
Ao defender aliados envolvidos em escândalos e investigados por crimes, o presidente Lula legitima um padrão ético e moral discutível no país. A opinião é do antropólogo Gilberto Velho, que criticou ontem Lula por relativizar supostos crimes praticados na República. Para ele, é preocupante, num “país que vive uma crise de valores”, que Lula minimize a prática de atos ilícitos. Segundo o antropólogo, as declarações de Lula são movidas por seus interesses políticos.
“Tudo em nome de um projeto político e pessoal”, lamenta.
O GLOBO: Depois de pedir ao Ministério Público que tenha cuidado com a biografia dos investigados, o presidente Lula disse ontem que é preciso relativizar os crimes. O que o senhor achou dessa declaração?
GILBERTO VELHO: Para começar, não cabe ao chefe do Executivo orientar os outros poderes sobre como eles devem proceder. Isso é preocupante com relação à distribuição do poder no país.
Ele não pode ir à posse do procurador-geral e orientar o trabalho dos procuradores.
A outra questão é que, ao minimizar faltas graves dos aliados, ele está legitimando um padrão moral e ético que é no mínimo discutível. O que está se propondo é que tudo seja investigado, não está se condenando com antecedência. Agora, houve uma série de episódios nos quais não havia dúvida sobre faltas e ilegalidades, e ele, mesmo assim, defendeu. Qual é o padrão moral que está sendo sugerido pelo presidente? É de um pragmatismo... não sei como classificar isso. É algo como a ideia de que é possível minimizar meios ilícitos, que são condenáveis sob qualquer perspectiva ética mais séria e consequente.
O GLOBO: O presidente dá mau exemplo ao defender suspeitos de atos ilícitos?
GILBERTO VELHO: Sim. Não é isso o que se espera de um chefe de Estado, que tem força e popularidade grandes, num país que vive uma crise de valores imensa. É um pouco decepcionante que ele não esteja demonstrando preocupação com a corrupção, sobretudo quando seus interesses políticos são prejudicados. É lamentável que ele confunda seus interesses com os do país. Tudo em nome de um projeto político e pessoal.
O GLOBO: Num país com tanta impunidade, qual o impacto desse tipo de conduta do presidente?
GILBERTO VELHO: Há muito tempo venho chamando atenção sobre os deslizes, irregularidades, falta de responsabilidade e de compromisso com a verdade no nosso país. Aí, vem o presidente e minimiza tudo. Ele, como pessoa, pode ter suas opiniões, e podemos discordar delas. Mas, falando como chefe de Estado, é preciso elevar o padrão ético do país. A pergunta que temos que fazer é: é importante ou não que os governantes pautem seus comportamentos pela ética? No fundo, funciona aqui ainda a máxima de que os fins justificam os meios. Achar que vale tudo porque é melhor para seu grupo ou partido é muito assustador.
O GLOBO: E quando o presidente aparece ao lado de políticos que ele mesmo já condenou no passado, como o senador Fernando Collor?
GILBERTO VELHO: Como é possível ele aparecer abraçado com o Collor, com o Renan, com o Jader Barbalho? O país se mobilizou contra o Collor, que foi eleito agora pelo clientelismo.
E Lula se alia a esse clientelismo mais atrasado. Então, o presidente passa uma esponja sobre tudo o que aconteceu e toda aquela mobilização da população não tem mais valor? É muito triste.
Anormal profundo
Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO
Parece pequeno. Afinal, o que é um emprego no meio de tanto desvio? O que é mais um ato secreto no meio de tantos baixados por tanto tempo? O que é mais uma ajuda de Agaciel Maia, que ajudou tanto os senadores que o nomearam e o mantiveram na Casa? O que é uma filha pedindo um favor a seu pai, que transfere o pedido para o avô da jovem, que quer apenas um emprego para o namorado?
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: “Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?” A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências.
A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: — Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende.
Nem a filha, nem o país. “Podemos trabalhar isso sim”, diz ele. E mais adiante: “Vou falar com Agaciel.” Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: “Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele.” Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: — Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos.
Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: — O que é isso, minha neta? Isso não se faz! Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto.
Falasse antes para “eu agilizar”.
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: “O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa.” O país ficou sabendo assim que existem vagas “deles”, capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania.
Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado. O senador, seu chefe, o chamou.
“Eu pensei que era coisa séria.” E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho.
“Chamei para te ver”, disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney.
O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai.
José Sarney reclama de novo dos prazos: “Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão...” O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: “É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel).
Se tu der, resolve.” E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo “Estado de S. Paulo” está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular. Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso? Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: “Serei maior que eu mesmo.” E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades.
Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos.
Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: “Foram conversas de pai e filho.” São sempre assim então as conversas de pai e filho? O senador sem voto Wellington Salgado (PMDBMG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal.
É político ocupando “espaço disponível”. Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa.
“É diálogo de natureza política”, entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.
Com Alvaro Gribel
DEU EM O GLOBO
Parece pequeno. Afinal, o que é um emprego no meio de tanto desvio? O que é mais um ato secreto no meio de tantos baixados por tanto tempo? O que é mais uma ajuda de Agaciel Maia, que ajudou tanto os senadores que o nomearam e o mantiveram na Casa? O que é uma filha pedindo um favor a seu pai, que transfere o pedido para o avô da jovem, que quer apenas um emprego para o namorado?
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: “Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?” A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências.
A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: — Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende.
Nem a filha, nem o país. “Podemos trabalhar isso sim”, diz ele. E mais adiante: “Vou falar com Agaciel.” Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: “Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele.” Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: — Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos.
Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: — O que é isso, minha neta? Isso não se faz! Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto.
Falasse antes para “eu agilizar”.
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: “O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa.” O país ficou sabendo assim que existem vagas “deles”, capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania.
Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado. O senador, seu chefe, o chamou.
“Eu pensei que era coisa séria.” E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho.
“Chamei para te ver”, disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney.
O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai.
José Sarney reclama de novo dos prazos: “Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão...” O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: “É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel).
Se tu der, resolve.” E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo “Estado de S. Paulo” está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular. Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso? Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: “Serei maior que eu mesmo.” E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades.
Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos.
Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: “Foram conversas de pai e filho.” São sempre assim então as conversas de pai e filho? O senador sem voto Wellington Salgado (PMDBMG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal.
É político ocupando “espaço disponível”. Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa.
“É diálogo de natureza política”, entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.
Com Alvaro Gribel
Freire: Lula age como se fosse um comparsa de Sarney
Nadja Rocha
DEU NO PORTAL DO PPS
Para Freire, Lula não está preocupado com governabilidade
“Lula age como se fosse um comparsa de Sarney”, disse, nesta quinta-feira, o presidente nacional do PPS, ex-senador Roberto Freire, ao reagir duramente à declaração do presidente Lula em defesa de José Sarney (PMDB-AP), ontem, na cerimônia de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Durante discurso, Lula afirmou que o Ministério Público (MP) deveria agir com o máximo de seriedade, “não pensando apenas na biografia de quem está investigando, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado”.
Para Freire, a declaração dá o tom de como o presidente da República está se empenhando para salvar a pele de Sarney. “Temos que concordar com aqueles que dizem que Lula não é parceiro de Sarney. Ele é comparsa”, afirmou, para depois acrescentar: “Aí não adianta disser que está preocupado com a governabilidade. É se associar à prática criminosa”.
Apesar de Lula não ter citado nomes em sua declaração, o dirigente do PPS interpretou como uma referência às denúncias que envolvem o presidente do Senado Federal, flagrado em conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal que revelam negociação para nomear parentes na Casa. As gravações, feitas com autorização da Justiça, foram divulgadas ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Na avaliação de Roberto Freire, o alerta feito presidente para que o MP respeitasse a biografia do presidente do Senado Federal soa como um habeas-corpus preventivo. “Ele (Lula) age como se estivesse preparando uma futura defesa junto à procuradoria-geral da República. Isso é uma excrescência”, criticou.
Nova declaração
Sobre a declaração de Lula, nesta quinta-feira, de que os supostos atos ilícitos cometidos na gestão de Sarney não podem ser tipificados como “crime de pena de morte”, o presidente do PPS disse que o presidente age da mesma forma como agiu em defesa dos envolvidos nos escândalos do mensalão, dos sanguessugas e dos aloprados.
“Só que eram amigos dele (Lula) e companheiros de muito tempo. Esse (Sarney) agora é o outro, aquele que até recentemente Lula considerava um ladrão. Veja a que ponto chegou a presidência da República nessa frouxidão moral”, lamentou Roberto Freire.
DEU NO PORTAL DO PPS
Para Freire, Lula não está preocupado com governabilidade
“Lula age como se fosse um comparsa de Sarney”, disse, nesta quinta-feira, o presidente nacional do PPS, ex-senador Roberto Freire, ao reagir duramente à declaração do presidente Lula em defesa de José Sarney (PMDB-AP), ontem, na cerimônia de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
Durante discurso, Lula afirmou que o Ministério Público (MP) deveria agir com o máximo de seriedade, “não pensando apenas na biografia de quem está investigando, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado”.
Para Freire, a declaração dá o tom de como o presidente da República está se empenhando para salvar a pele de Sarney. “Temos que concordar com aqueles que dizem que Lula não é parceiro de Sarney. Ele é comparsa”, afirmou, para depois acrescentar: “Aí não adianta disser que está preocupado com a governabilidade. É se associar à prática criminosa”.
Apesar de Lula não ter citado nomes em sua declaração, o dirigente do PPS interpretou como uma referência às denúncias que envolvem o presidente do Senado Federal, flagrado em conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal que revelam negociação para nomear parentes na Casa. As gravações, feitas com autorização da Justiça, foram divulgadas ontem pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Na avaliação de Roberto Freire, o alerta feito presidente para que o MP respeitasse a biografia do presidente do Senado Federal soa como um habeas-corpus preventivo. “Ele (Lula) age como se estivesse preparando uma futura defesa junto à procuradoria-geral da República. Isso é uma excrescência”, criticou.
Nova declaração
Sobre a declaração de Lula, nesta quinta-feira, de que os supostos atos ilícitos cometidos na gestão de Sarney não podem ser tipificados como “crime de pena de morte”, o presidente do PPS disse que o presidente age da mesma forma como agiu em defesa dos envolvidos nos escândalos do mensalão, dos sanguessugas e dos aloprados.
“Só que eram amigos dele (Lula) e companheiros de muito tempo. Esse (Sarney) agora é o outro, aquele que até recentemente Lula considerava um ladrão. Veja a que ponto chegou a presidência da República nessa frouxidão moral”, lamentou Roberto Freire.
José Serra critica política monetária do governo mas faz elogios ao BNDES
Soraya Aggege
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Governador usa tom de campanha eleitoral em evento ao qual Lula faltou
SÃO PAULO. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), fez ontem críticas e elogios à política econômica do governo federal, durante evento ao qual o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, faltaram por causa do mau tempo na cidade. O tucano usou tom de campanha eleitoral, posou para fotos e brincou sobre a derrota de seu time — o Palmeiras — para o Goiás, em evento de assinatura de contrato entre Alstom e BNDES.
— Eu tenho divergências com a política econômica do governo. De errado, a política monetária e a de câmbio, porque com ela o estrangeiro pode vender cada vez mais barato.
Mas também tem o lado certo dessa política. Um deles é o trabalho que o BNDES tem desenvolvido. Eu tenho que parabenizar. E não falo isso porque o Luciano Coutinho (presidente do BNDES) é meu amigo, não — disse Serra.
Coutinho: investigação não impede de financiar Alstom O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que estava no evento, afirmou que o fato de a multinacional Alstom estar sendo investigada tanto pela Justiça suíça quanto pela brasileira, por irregularidades em contratos assinados com o Metrô de São Paulo, não impede financiamentos à empresa, que ganhou a licitação para a expansão do Metrô de Brasília.
— Até que alguém seja declarado culpado por algo que a Justiça decida, não posso prejulgar.
O que estou verificando é a importância de manter empregos no momento em que a indústria perdeu empregos nos últimos meses — declarou Coutinho, após assinar, na sede da empresa em São Paulo, o contrato de financiamento entre Alstom e Distrito Federal para a expansão do Metrô de Brasília.
O contrato prevê a aquisição de 12 novos trens e a modernização do sistema de sinalização. A previsão é de que isso ocorra dentro de um ano e meio. O contrato é de R$ 325 milhões.
O presidente Lula também participaria do evento, mas o mau tempo na capital o impediu de chegar ao local de helicóptero.
Por meio de assessores, Lula afirmou que visitará a empresa Alstom em um outro momento, no prazo de um mês.
O presidente do BNDES também comentou sobre a linha para apoiar a cadeia de fornecedores da Embraer. Segundo ele, o banco está ampliando o programa Pró-Aeronáutica com o objetivo de “criar oportunidade de desenvolvimento de empresas e fornecedores competitivos”.
— É de grande interesse desenvolver uma cadeia fornecedora, forte e competitiva e que gere mais empregos — disse Coutinho.
Segundo ele, essa linha provavelmente usará a taxa de juros de longo prazo (TJLP), com “spread muito baixinho”. O spread é a diferença entre os juros pagos pelos bancos na captação e os que são cobrados de quem tomou o empréstimo.
Além dos números tradicionais
Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia
OS ANALISTAS contam com dados semanais para acompanhar a dinâmica da economia brasileira. O Brasil é o país das estatísticas econômicas. Em minhas conversas, sempre dou o exemplo das informações sobre o nosso comércio exterior, disponíveis todas as segundas-feiras.
Nos Estados Unidos, é preciso esperar dois meses para ter acesso aos números mensais de importação e de exportação.
Essa abundância de dados é uma herança de épocas passadas, quando olhávamos para os dados econômicos como quem acompanha os sinais vitais de um paciente preso a uma UTI sofisticada. Estou convencido de que informações em excesso atrapalham o trabalho dos economistas.
Afogados em uma floresta de dados, perdem a visão geral e não acompanham as evoluções de prazo mais longo do tecido econômico. Na Quest Investimentos, onde exerço minha profissão com gosto e empenho, procuro evitar essa armadilha reservando boa parte do meu tempo para acompanhar os movimentos de mais longo prazo, muitas vezes pouco visíveis. Com essa posição, consigo ler de forma diferente várias informações a que tenho acesso no dia a dia.
Na semana passada, ao acompanhar o noticiário diário de várias agências de notícias, deparei-me com a informação de que o volume de títulos privados de crédito em circulação no Brasil igualou o de títulos públicos. Confesso que levei um choque. Uma das características marcantes de nosso mercado financeiro sempre foi a insaciável absorção de recursos financeiros pelo governo federal, ficando o setor privado de lado. Os economistas chamam isso de "crowding out".
Com minha atenção voltada para essa informação, pedi a Marina Santos, que trabalha comigo, que consolidasse os dados. O resultado foi impressionante. Em dezembro de 2002, o volume de títulos de crédito de responsabilidade do Tesouro no mercado brasileiro -sem contar os emitidos no exterior- era sete vezes maior do que o emitido por empresas privadas.
Pois em maio deste ano essa relação tinha caído para 1,14 vez. Essa mesma comparação, usando como medida de crédito privado o total de crédito bancário mais os títulos negociados no mercado de capitais, nos mostra o mesmo comportamento: a relação caiu de 2,1 em dezembro de 2002 para apenas 0,8 em maio deste ano.
Outra forma de olhar esses números é considerar a taxa de crescimento de cada um. No caso da dívida pública, tivemos um crescimento anual de 5% nesse período; já a dívida privada (crédito bancário mais os papéis emitidos no mercado de capitais) aumentou à taxa de 24% ao ano, velocidade muito superior à do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nominal.
Esses números mostram um fenômeno pouco destacado no debate de hoje: o tamanho relativo do setor público reduziu-se de forma importante desde a época das privatizações. O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia brasileira. A guinada conservadora do governo Lula na economia e a bonança mundial permitiram ao setor privado crescer muito mais do que a área estatal.
Esse fenômeno seria ainda mais vibrante se o governo tivesse aproveitado esse bom momento para: 1) exigir do Estado brasileiro um aumento de sua produtividade; e 2) reformar as regras de funcionamento de setores importantes como estradas, ferrovias e portos. Mas, pelo menos, deixamos para trás o aleijão de muitas décadas que era o governo expulsando o setor privado dos mercados de crédito.
Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia
OS ANALISTAS contam com dados semanais para acompanhar a dinâmica da economia brasileira. O Brasil é o país das estatísticas econômicas. Em minhas conversas, sempre dou o exemplo das informações sobre o nosso comércio exterior, disponíveis todas as segundas-feiras.
Nos Estados Unidos, é preciso esperar dois meses para ter acesso aos números mensais de importação e de exportação.
Essa abundância de dados é uma herança de épocas passadas, quando olhávamos para os dados econômicos como quem acompanha os sinais vitais de um paciente preso a uma UTI sofisticada. Estou convencido de que informações em excesso atrapalham o trabalho dos economistas.
Afogados em uma floresta de dados, perdem a visão geral e não acompanham as evoluções de prazo mais longo do tecido econômico. Na Quest Investimentos, onde exerço minha profissão com gosto e empenho, procuro evitar essa armadilha reservando boa parte do meu tempo para acompanhar os movimentos de mais longo prazo, muitas vezes pouco visíveis. Com essa posição, consigo ler de forma diferente várias informações a que tenho acesso no dia a dia.
Na semana passada, ao acompanhar o noticiário diário de várias agências de notícias, deparei-me com a informação de que o volume de títulos privados de crédito em circulação no Brasil igualou o de títulos públicos. Confesso que levei um choque. Uma das características marcantes de nosso mercado financeiro sempre foi a insaciável absorção de recursos financeiros pelo governo federal, ficando o setor privado de lado. Os economistas chamam isso de "crowding out".
Com minha atenção voltada para essa informação, pedi a Marina Santos, que trabalha comigo, que consolidasse os dados. O resultado foi impressionante. Em dezembro de 2002, o volume de títulos de crédito de responsabilidade do Tesouro no mercado brasileiro -sem contar os emitidos no exterior- era sete vezes maior do que o emitido por empresas privadas.
Pois em maio deste ano essa relação tinha caído para 1,14 vez. Essa mesma comparação, usando como medida de crédito privado o total de crédito bancário mais os títulos negociados no mercado de capitais, nos mostra o mesmo comportamento: a relação caiu de 2,1 em dezembro de 2002 para apenas 0,8 em maio deste ano.
Outra forma de olhar esses números é considerar a taxa de crescimento de cada um. No caso da dívida pública, tivemos um crescimento anual de 5% nesse período; já a dívida privada (crédito bancário mais os papéis emitidos no mercado de capitais) aumentou à taxa de 24% ao ano, velocidade muito superior à do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nominal.
Esses números mostram um fenômeno pouco destacado no debate de hoje: o tamanho relativo do setor público reduziu-se de forma importante desde a época das privatizações. O aumento no volume de crédito ao setor privado mostra o extraordinário dinamismo da economia brasileira. A guinada conservadora do governo Lula na economia e a bonança mundial permitiram ao setor privado crescer muito mais do que a área estatal.
Esse fenômeno seria ainda mais vibrante se o governo tivesse aproveitado esse bom momento para: 1) exigir do Estado brasileiro um aumento de sua produtividade; e 2) reformar as regras de funcionamento de setores importantes como estradas, ferrovias e portos. Mas, pelo menos, deixamos para trás o aleijão de muitas décadas que era o governo expulsando o setor privado dos mercados de crédito.
Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).
Solução negociada
Luiz Gonzaga Belluzzo
DEU EM O GLOBO
Nos últimos dias os leitores dos jornais brasileiros foram abalroados por um verdadeiro frenesi de informações e desinformações acerca do Crédito Prêmio de IPI. O crédito não é um prêmio, senão um direito concedido por lei aos exportadores com o propósito de ressarci-los dos tributos indiretos pagos internamente ao longo das cadeias produtivas. Como deveria ser de conhecimento geral, sobretudo dos que se dedicam aos comentários e análises dos fatos da economia contemporânea, os países praticam o tax rebate, ou seja, não são tolos o suficiente para exportar impostos e destruir empregos e renda.
Escrevo esse artigo como consultor do grupo convidado para encaminhar uma solução negociada e saneadora de um problema gerado pela volubilidade dos tribunais brasileiros e pela fúria antiexportadora (e antinacional) que se abateu sobre as soi-disant elites nativas. Açoitadas pelo besteirol neoglobalitário, as burocracias econômicas brasileiras sucumbiram diante do que imaginam sejam as regras da OMC e as práticas do comércio internacional. Não por acaso, nos últimos 20 anos, enquanto a China, valendo-se de incentivos fiscais e creditícios de toda a ordem, transformouse no maior exportador mundial de manufaturados, o Brasil se delonga a passos de Rocinante, travado pelo câmbio valorizado e pela “exportação de impostos”.
Digo volubilidade dos tribunais porque os exportadores utilizaram os créditos até 2004 baseados em decisões transitadas em julgado que confirmavam a existência do benefício.
Essas decisões produziram uma dada composição de ativos e passivos. Assim, as exportações beneficiadas com o ressarcimento de impostos foram levadas a balanço e produziram efeitos econômicos, tais como valor do patrimônio líquido, lucros, dividendos e pagamento de imposto de renda.
Isso para não falar de novos investimentos e empregos. Revisões, com efeito retroativo no regime tributário, equivalem a mudanças bruscas nas condições de crédito, na medida em que interferem na avaliação das empresas efetuadas nos mercados de capitais e comprometem a liquidez e a solvabilidade das mesmas.
Chama a atenção particularmente a cornucópia de cifras absurdas apresentadas em editoriais e matérias editorializadas: R$ 288 bilhões — nem R$ 208, nem R$ 280, mas R$ 288 bilhões. A unanimidade em torno dos valores do Crédito Prêmio de IPI permaneceu inabalável nas manchetes e artigos que circularam nos últimos dias nas várias cidades brasileiras: R$ 288 bilhões. Diante de retumbante unanimidade, deveríamos, no mínimo, destinar um pouco de atenção — e curiosidade, por que não — para a fonte que alimentou nossos formadores de opinião: o terrorismo antiexportador e antinacional.
Em abril de 2007, a pedido de um grupo de exportadores, a Belluzzo e Associados Ltda e a LCA Consultores Associados realizaram estudo sobre os valores do Crédito Prêmio de IPI, chegando ao expressivo valor de R$ 69,7 bilhões. Tomando-se em conta uma margem de erro de 20% para cima ou para baixo, este valor pode oscilar entre R$ 55,8 bilhões e R$ 83,7 bilhões.
São números expressivos, mas, tomada a decisão pela solução negociada, esse valor será compensado com débitos fiscais inscritos na dívida ativa (cerca de R$ 600 bilhões atualmente), não havendo desembolso para o Erário. Os cálculos foram efetuados com base em pesquisas realizadas junto aos 300 maiores exportadores brasileiros, que representam 75% do valor total das exportações.
Cerca de 70% dos créditos adquiridos entre 1990-2002 (período reivindicado pelos exportadores para a vigência do crédito-prêmio) já foram compensados (conclusão baseada em planilhas com valores exportados e após auditoria de fiscais da Receita Federal). Finalmente, a aplicação de 15% de alíquota foi utilizada porque representa uma alíquota média (as alíquotas variavam entre 5% e 38% e, em determinado momento, foi adotado limite de 15%). Os estudos que realizei sobre alguns produtos selecionados mostram que, ainda assim, a alíquota de 15% não elimina totalmente os impostos incidentes na cadeia produtiva.
Para o bem de todos, felicidade do Erário e das exportações, esperamos o sucesso da solução negociada.
Luiz Gonzaga Belluzzo é professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas e foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
DEU EM O GLOBO
Nos últimos dias os leitores dos jornais brasileiros foram abalroados por um verdadeiro frenesi de informações e desinformações acerca do Crédito Prêmio de IPI. O crédito não é um prêmio, senão um direito concedido por lei aos exportadores com o propósito de ressarci-los dos tributos indiretos pagos internamente ao longo das cadeias produtivas. Como deveria ser de conhecimento geral, sobretudo dos que se dedicam aos comentários e análises dos fatos da economia contemporânea, os países praticam o tax rebate, ou seja, não são tolos o suficiente para exportar impostos e destruir empregos e renda.
Escrevo esse artigo como consultor do grupo convidado para encaminhar uma solução negociada e saneadora de um problema gerado pela volubilidade dos tribunais brasileiros e pela fúria antiexportadora (e antinacional) que se abateu sobre as soi-disant elites nativas. Açoitadas pelo besteirol neoglobalitário, as burocracias econômicas brasileiras sucumbiram diante do que imaginam sejam as regras da OMC e as práticas do comércio internacional. Não por acaso, nos últimos 20 anos, enquanto a China, valendo-se de incentivos fiscais e creditícios de toda a ordem, transformouse no maior exportador mundial de manufaturados, o Brasil se delonga a passos de Rocinante, travado pelo câmbio valorizado e pela “exportação de impostos”.
Digo volubilidade dos tribunais porque os exportadores utilizaram os créditos até 2004 baseados em decisões transitadas em julgado que confirmavam a existência do benefício.
Essas decisões produziram uma dada composição de ativos e passivos. Assim, as exportações beneficiadas com o ressarcimento de impostos foram levadas a balanço e produziram efeitos econômicos, tais como valor do patrimônio líquido, lucros, dividendos e pagamento de imposto de renda.
Isso para não falar de novos investimentos e empregos. Revisões, com efeito retroativo no regime tributário, equivalem a mudanças bruscas nas condições de crédito, na medida em que interferem na avaliação das empresas efetuadas nos mercados de capitais e comprometem a liquidez e a solvabilidade das mesmas.
Chama a atenção particularmente a cornucópia de cifras absurdas apresentadas em editoriais e matérias editorializadas: R$ 288 bilhões — nem R$ 208, nem R$ 280, mas R$ 288 bilhões. A unanimidade em torno dos valores do Crédito Prêmio de IPI permaneceu inabalável nas manchetes e artigos que circularam nos últimos dias nas várias cidades brasileiras: R$ 288 bilhões. Diante de retumbante unanimidade, deveríamos, no mínimo, destinar um pouco de atenção — e curiosidade, por que não — para a fonte que alimentou nossos formadores de opinião: o terrorismo antiexportador e antinacional.
Em abril de 2007, a pedido de um grupo de exportadores, a Belluzzo e Associados Ltda e a LCA Consultores Associados realizaram estudo sobre os valores do Crédito Prêmio de IPI, chegando ao expressivo valor de R$ 69,7 bilhões. Tomando-se em conta uma margem de erro de 20% para cima ou para baixo, este valor pode oscilar entre R$ 55,8 bilhões e R$ 83,7 bilhões.
São números expressivos, mas, tomada a decisão pela solução negociada, esse valor será compensado com débitos fiscais inscritos na dívida ativa (cerca de R$ 600 bilhões atualmente), não havendo desembolso para o Erário. Os cálculos foram efetuados com base em pesquisas realizadas junto aos 300 maiores exportadores brasileiros, que representam 75% do valor total das exportações.
Cerca de 70% dos créditos adquiridos entre 1990-2002 (período reivindicado pelos exportadores para a vigência do crédito-prêmio) já foram compensados (conclusão baseada em planilhas com valores exportados e após auditoria de fiscais da Receita Federal). Finalmente, a aplicação de 15% de alíquota foi utilizada porque representa uma alíquota média (as alíquotas variavam entre 5% e 38% e, em determinado momento, foi adotado limite de 15%). Os estudos que realizei sobre alguns produtos selecionados mostram que, ainda assim, a alíquota de 15% não elimina totalmente os impostos incidentes na cadeia produtiva.
Para o bem de todos, felicidade do Erário e das exportações, esperamos o sucesso da solução negociada.
Luiz Gonzaga Belluzzo é professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas e foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
Caravana de Zelaya dá a partida
Tegucigalpa
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
Retorno de presidente deposto a Honduras agrava tensão com bloqueio de estradas e confrontos
A tensão se agravou ontem em Honduras depois que o presidente deposto José Manuel Zelaya, ignorando as ameaças do governo interino, iniciou sua volta ao país pela Nicarágua, numa caravana prevista para chegar à fronteira entre amanhã e domingo.
Zelaya, que conta com o apoio da comunidade internacional, convocou a população a recebê-lo na fronteira com a Nicarágua, país onde se encontra exilado, e partiu de Manágua dirigindo um jipe branco, depois de declarar fracassadas as três rodadas de negociações diplomáticas mediadas pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias.
— No sábado ou no domingo devemos chegar à fronteira, pois vamos devagar para chegar com um forte contingente de hondurenhos — disse Zelaya, de chapéu e botas de vaqueiro, ao lado do chanceler venezuelano, Nicolás Maduro.
Mesmo sem saber exatamente por onde Zelaya entraria no país, seguidores se concentraram em vários pontos da fronteira, bloqueando ruas e queimando pneus. Em alguns locais, enfrentaram bloqueios do Exército, que apoia o governo golpista. Na estrada que leva ao posto fronteiriço de Las Manos, cerca de 50 militares, portando armas de combate, formaram um triplo cordão de isolamento, impedindo a passagem dos manifestantes. Numa estrada ao norte de Tegucigalpa, cerca de mil pessoas protestaram e queimaram pneus sob o olhar atento de uma centena de soldados e policiais antimotim. Também ontem, centrais sindicais anunciaram uma greve de dois dias para pressionar o governo interino. Simpatizantes do presidente deposto disseram que vão mobilizar dezenas de milhares de pessoas na fronteira.
— Vamos estar lá e não vamos permitir que o detenham — disse Azucena Flores, uma professora de história de 48 anos.
Toque de recolher é ampliado
Já o governo interino de Roberto Micheletti pôs o Exército em alerta máximo e ampliou o toque de recolher das 18h de ontem às 6h de hoje.
— Se Zelaya insistir nisso (no retorno), acredito que não devesse envolver o povo hondurenho numa aventura bélica que poderia significar o derramamento de sangue inocente — disse o delegado do governo interino Mauricio Villeda.
Antes de partir, Zelaya revelou seu trajeto: de Manágua, passaria por Estelí e, de lá, faria planos para avançar, hoje, até Somoto ou Ocotal (municípios na fronteira com a Nicarágua), chegando à divisa não antes de sábado.
O presidente deposto reconheceu que há riscos, mas negou ter medo e, acompanhado pela família, por jornalistas e por sua comitiva, responsabilizou o presidente interino por sua segurança.
— Temor pela minha vida não tenho, mas responsabilizo Micheletti por qualquer dano que sofra — afirmou.
O secretário-geral da OEA, José Miguel Insulza — que anteontem apresentara uma proposta que contemplava a restituição de Zelaya — classificou o retorno como apressado.
Na noite de anteontem, o governo formado depois do golpe militar de 28 de junho aceitou consultar o Congresso e a Suprema Corte sobre uma nova proposta que foi apresentada pelo presidente da Costa Rica, Oscar Arias, e que inclui a restituição de Zelaya à Presidência. A iniciativa de destituí-lo partiu inicialmente da Suprema Corte, com aval do Congresso, sob a acusação de que ele ameaçou a Constituição ao tentar uma reforma da Carta para disputar a reeleição.
— Não acho que a Suprema Corte ou a Procuradoria Geral ou o Congresso vão alterar seus critérios — disse Mauricio Villeda.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, defendeu ontem que a comunidade internacional adote medidas mais rigorosas contra o governo golpista de Honduras.
— O Brasil fez o que poderia fazer, mas não é o país que tem nas mãos a capacidade de fazer mais pressão. Os EUA têm meios, assim como a União Europeia. Os países latino-americanos fizeram o que puderam — afirmou.
Segundo Amorim, os golpistas estão “se autocolocando contra a parede, numa situação insustentável, e quem sofrerá com isto é o povo de Honduras”. O ministro advertiu que a comunidade internacional não será leniente com o novo governo hondurenho, caso aconteça alguma coisa a Zelaya — que já avisou que tentará entrar de novo no país.
— Os golpistas não têm futuro. Não estou falando das pessoas individualmente, porque não sei o que vai ser resolvido em termos de anistias. Mas, como instituição, como regime, eles não têm futuro. A questão é que eles compreendam isso logo, para evitar uma situação mais grave — afirmou Amorim.
Colaborou Eliane Oliveira
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