Escolha do senador para 'primeiro-ministro'
representa a maior inflexão até hoje em método, imagem e, principalmente,
estratégia eleitoral
Por Daniel Pereira / Revista Veja
Ao tomar posse no Palácio do
Planalto, Jair
Bolsonaro montou o governo sobre três pilares: os
radicais, os militares e os superministros Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça).
Essa arquitetura era coerente com o que o ele prometeu na campanha de 2018,
quando se apresentou como candidato da extrema direita, enalteceu as Forças Armadas e defendeu
a agenda liberal na economia e o combate à corrupção. Apesar dos quase trinta
anos de experiência no Congresso e de seus sete mandatos de deputado federal, o
ex-capitão, mesmo após vestir a faixa presidencial, insistiu na estratégia de
atacar a “velha política” e na promessa de não negociar com os partidos,
especialmente com os líderes do Centrão,
considerados por ele a essência do fisiologismo. Sectário, Bolsonaro apostou
desde o início no confronto, na tensão e até na intimidação. Jamais na
moderação e no diálogo. Deu no que deu. Acossado por uma CPI e mais de uma centena
de pedidos de impeachment, em desvantagem nas pesquisas eleitorais e com sua
administração reprovada por metade da população, o presidente se viu obrigado a
redesenhar completamente o seu governo — em nome, claro, de manter o poder.
Com a minirreforma ministerial, Bolsonaro
entregou a “alma do governo”, como ele mesmo definiu numa entrevista, ao
Centrão, com a nomeação do senador Ciro
Nogueira (PI) para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil. O grupo político do
parlamentar, antes demonizado pelo mandatário, transformou-se em solução e, de
quebra, protagonista quase solitário da nova administração, já que dos três
pilares iniciais do governo restou apenas o núcleo militar, mesmo assim
desidratado. Os radicais ficaram pelo caminho, e a figura dos superministros
deixou de existir até como mera peça de ficção (veja o quadro). A aproximação com o Centrão começou em
meados do ano passado e sempre foi regida pela seguinte equação: quanto mais o
presidente se enfraquecia, mais ele estreitava laços com a “velha política”. Em
março, as partes noivaram, com a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) para
a Secretaria de Governo. Agora, casaram de vez. Um casamento de conveniência,
daqueles em que os noivos superam sérias diferenças do passado. Um dos
principais auxiliares do presidente, o general
Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional,
associou o Centrão a um grupo de ladrões. Já Ciro Nogueira chamou Bolsonaro de
fascista. O dote político envolvido no enlace facilitou o perdão.
Em seu pior momento desde o início do
mandato, Bolsonaro aposta no Centrão para aprovar projetos prioritários no
Congresso, garantir alguma estabilidade política, afastar o fantasma da perda
da Presidência e conseguir uma estrutura de ponta para disputar a reeleição. Já
os partidos do Centrão, como o PP de Ciro Nogueira, o PL e o Republicanos, que
cresceram nas eleições municipais pegando carona em programas do governo federal,
acham que com a aliança podem aumentar suas bancadas na Câmara dos Deputados,
que são a fonte de seu poder de negociação. Se o candidato à reeleição for
derrotado, nada impede essas legendas de aderir ao presidente eleito. Ou seja:
o grupo não tem nada a perder — e pode ganhar ainda mais até a eleição. O
próprio Ciro Nogueira apoiou Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel
Temer. “Diferentemente de Sarney, de FHC, de Lula e até do primeiro mandato de
Dilma Rousseff, Bolsonaro não tem nem de longe uma base organizada e tão
articulada quanto a dos governos anteriores. Faltavam articuladores. Agora, com
o Ciro Nogueira, os profissionais estão entrando em campo”, diz o cientista
político Paulo Kramer, que ajudou a formular o plano de governo de Bolsonaro em
2018.