segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Marcus André Melo* - Política do fogo amigo

Folha de S. Paulo

Na Argentina, conflito é intrapartidário sobre o controle da Presidência; aqui, interpartidário

A derrota do governo nas primárias legislativas argentinas provocou um tsunami institucional. Quatro ministros associados à facção kirchnerista do gabinete do presidente Alberto Fernández pediram demissão. Cristina Kirchner, a vice-presidente, acionou sua artilharia e pediu a cabeça do poderoso chefe de gabinete, que foi também substituído, e do ministro da Economia.

A eleição ocorrerá daqui a dois meses, mas as primárias legislativas importam porque a Argentina é o único país em que elas são obrigatórias para o eleitor e para os partidos. Assim, espera-se que a foto de agora seja consistente com a de novembro. As eleições legislativas ocorrem no meio do mandato para renovar metade da Câmara dos Deputados e 1/3 das províncias no Senado; o governo deve perder a maioria nas duas casas.

Celso Rocha de Barros – A CPI provou tudo

Folha de S. Paulo

A CPI encontrou os documentos, fez a conta e descobriu o CPF dos culpados

A CPI da Pandemia, que se aproxima de seu fim, provou a ocorrência do maior crime da história republicana brasileira. Encontrou os documentos certos, fez as contas certas e descobriu o CPF dos culpados.

A CPI provou, com documentos, que Jair Bolsonaro se recusou a comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, e que só comprou metade da oferta do consórcio Covax Facility.

Tudo documentado.

Com esse número de vacinas não compradas e os documentos que provam as datas em que elas poderiam estar disponíveis, os cientistas foram trabalhar. Eles sabem o quanto o número de mortes costuma cair conforme a vacinação progride.

Mathias Alencastro - Três lições da Alemanha

Folha de S. Paulo

Sucessão de Merkel mostra caminhos para democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita

Terminou a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda e Bélgica, parece descartado.

popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.

Catarina Rochamonte - Merkel: 'Nós vamos conseguir'

Folha de S. Paulo

Com destemor, ela seguia o princípio humanitário cristão absorvido na tradição democrática

Angela Merkel está prestes a entregar o cargo de chanceler da Alemanha. É um acontecimento cuja importância vai além do seu país e da própria União Europeia: tendo sido a mais jovem personalidade a aceder a tal posto, Merkel, com seu estilo de governo racional e modesto, tornou-se, nos 16 anos em que esteve no poder, a mais forte e constante referência mundial para a liberdade, a democracia e a civilidade.

Seu protagonismo político solidificou-se na União Democrata Cristã (CDU), partido que representa, na Alemanha, o movimento político internacional da democracia cristã, surgido em meados do século 19 na Europa, a partir de associações de cristãos, trabalhadores e instituições de caridade. O partido de Merkel tem ainda forte referência em Konrad Adenauer, chanceler que foi o principal artífice do soerguimento da Alemanha no pós-Guerra.

Bruno Carazza* - Muita água a passar por debaixo da ponte

Valor Econômico

Pesquisas a um ano das eleições dizem muito pouco

Em 4/12/1988, Fernando Collor sequer aparecia nas pesquisas para as eleições presidenciais que iriam se realizar no ano seguinte. Nesse dia o Datafolha apontava Brizola na liderança, seguido de perto por Lula ou Silvio Santos, a depender do cenário.

A um ano da disputa de 1994, Lula ocupava confortavelmente a primeira colocação (31%), com quase o dobro das intenções de voto de José Sarney (16%). Fernando Henrique àquela altura amargava o quinto lugar, com 7%, atrás ainda de Maluf (12%) e Brizola (8%).

Com a emenda da reeleição aprovada, FHC surfava na onda do Plano Real e apareceu, em setembro de 1997, com ampla folga em relação a Lula: 37% a 22%. Maluf tinha 13%, Sarney 11% e o estreante Ciro Gomes apenas 5%.

Quatro anos depois Lula já surgia com chances de finalmente vencer uma eleição presidencial: com 30%, o petista estava bem à frente de Ciro (14%), Roseana (12%), Itamar (11%) e Garotinho (9%). Serra, que seria derrotado por Lula no segundo turno um ano depois, tinha apenas 7% da preferência dos entrevistados.

Alex Ribeiro - O Copom está muito otimista com a inflação?

Valor Econômico

Choques de preços podem persistir e avançar em 2022

Os analistas econômicos do mercado financeiro estão intrigados com a baixa projeção de inflação do Banco Central para 2022, de apenas 3,7%. Na realidade, o percentual estimado seria ainda menor, em cerca de 3,3%, caso a autoridade monetária adotasse a hipótese de bandeira vermelha 1 para energia elétrica, acompanhando a premissa da maioria dos economistas do setor privado.

O BC está basicamente sozinho na previsão de uma inflação tão pequena. O consenso do mercado é 4,1%. O mínimo estimado pelos 131 economistas consultados na pesquisa Focus de expectativas 3,4% para 2022. É grande a descrença de que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) possa cair a praticamente um terço até o fim do ano que vem, saindo de 9,7% no período de 12 meses encerrado em agosto. Inclusive porque, na prévia do IPCA de setembro, a inflação foi a 10,05% em 12 meses.

Mirtes Cordeiro* - Basta de violência contra a mulher!

Falou e Disse

A sociedade está gravemente doente, pelo vírus e pela violência…

Descontrolada! O grito proferido na CPI da Covid-19, no Senado da República, ecoou nos ouvidos da sociedade brasileira.

A mulher atacada, agredida pelo adjetivo sempre usado para desmoralizar as mulheres, era a senadora pelo estado de Mato Grosso do Sul, Simone Tebet, que durante a semana que passou insistia, com muita competência, em apresentar documentos com provas inequívocas que indicam corrupção na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.

A agressão veio de uma autoridade do alto escalão do governo federal, quando viu que eram vãs as suas argumentações diante de uma mulher detentora de sólido saber jurídico fazendo jus à suas responsabilidades pelo cargo que ocupa.

A agressão atingiu todas as mulheres no país. O agressor, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário.

De todas as desigualdades, a mais assombrosa, a desigualdade entre homens e mulheres.

Na mesma semana, em Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife (RMR), noticia a morte de uma mulher com um tiro na cabeça, ao ser assaltada na loja em que trabalhava como caixa, apesar de ter entregue o dinheiro, o celular e o relógio. Em outro caso, uma jovem foi libertada após passar seis dias sendo mantida em cárcere privado, sob ameaças, pelo namorado, na zona sul do Rio de Janeiro.

Informações da Operação Maria da Penha, promovida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal, entre 20 de agosto e 20 de setembro, indicam que “mais de 5,1 mil boletins de ocorrências relacionados à violência contra a mulher foram registrados no período de um mês em Santa Catarina. É como se 170 mulheres sofressem agressões por dia e denunciassem no Estado”.

Denis Lerrer Rosenfield* - Marco temporal

O Estado de S. Paulo

Trata-se de uma questão constitucional, que já deveria estar resolvida segundo a Carta de 1988.

A atual rediscussão sobre o marco temporal de demarcação de terras indígenas sofre de um viés ideológico incontestável que nada tem que ver com uma suposta injustiça originária que estaria sendo, assim, reparada. Tal como está sendo apresentada, é como se estivéssemos diante de um novo conflito entre bolsonarismo e anti-bolsonarismo, atraso versus progresso, quando se trata, na verdade, de uma questão constitucional, que já deveria estar resolvida segundo a Constituição de 1988. O politicamente correto se regozija, trazendo imensa insegurança jurídica ao País. Há, aqui, uma infeliz sobreposição temporal que termina obscurecendo a questão central.

Preliminarmente, observe-se que nossa atual Constituição, em seu artigo 231, estabeleceu claramente o marco temporal como sendo aquele quando de sua promulgação, reconhecendo territórios indígenas às tribos que, no presente, então ocupavam aquelas terras. Não se trata de qualquer ocupação passada segundo uma autoatribuição. Quando do julgamento posterior do caso da Raposa Serra do Sol, em 2009, tal posição foi referendada com um justo acréscimo, a saber, que seriam também reconhecidos como territórios indígenas os que estariam, naquela época, em conflito ou contencioso, o que configuraria um esbulho persistente. A intenção foi a de evitar que expulsões recentes destituindo os indígenas de suas terras dessem origem a um direito. Dito isso, o assunto deveria estar resolvido e pacificado, não fosse o descontentamento dos perdedores, que, desde então, lutam contra a própria Constituição. É a velha história jurídica brasileira: os perdedores abusam de recursos até serem atendidos.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Baile de escolhas: fusão na direita, campanha na esquerda, hora H no centro

A maioria das pesquisas está indicando que se a eleição fosse hoje, Lula ganharia no primeiro turno. Portanto, Bolsonaro estaria fora e ninguém da chamada terceira via decolaria. Esse é o retrato atual da realidade. Em resposta a interpretações fatalistas sobre o sentido dessa informação real, o pré-candidato Ciro Gomes lembrou que pesquisa é retrato, a vida é filme. Esta coluna tem argumentado na mesma linha há algum tempo e cheguei a usar essa mesma imagem a que o pedetista recorreu agora. Porém, as fotografias do momento têm sua relevância e vão se tornando cada vez mais persuasivas, à medida que vai ficando menor o tempo que nos separa da eleição. Daí não poderem ser ignoradas.

Um modo vesgo, no entanto, de considerar as boas notícias que pesquisas têm dado a Lula é ver, ao lado delas, como face reversa de uma mesma moeda, o que seria a “surpreendente” resiliência dos índices de intenção de voto em Bolsonaro. Essa surpresa é desatenta ao fato de tratar-se de presidente no cargo, manejando, sem senso de limites, recursos que o cargo lhe disponibiliza, não poucas vezes avançando em direção à ilicitude.  Comparativamente, sua performance pré-eleitoral tem sido menos atípica do que as derrocadas abissais acontecidas, em contextos bem diversos, nos casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff. O argumento de que os crimes de responsabilidade do atual incumbente são incomparavelmente mais graves que os dos seus predecessores é veraz, mas não cancela a lógica do que está diante dos nossos olhos. É o exercício (o normal e o arbitrário) do poder a explicação para que, apesar dos seus crimes, Bolsonaro ainda conserve apoio político no Congresso e nível de aceitação popular para ir ficando no cargo, mesmo que a cada dia adicione, à sua maligna pobreza de espírito, a condição de alma penada. Vistas as coisas sob esse ângulo, boa parte da surpresa se dissolve. Entretanto, esse não é o ângulo político mais habitualmente adotado nas análises e sim o ângulo do espanto indignado.

Fernando Gabeira - Mostrando o dedo para o mundo

O Globo

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo.

Era uma alusão à posição negacionista de Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.

A primeira coisa que me ocorreu é que durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira “mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete de um dos principais jornais alemães.

Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.

Miguel de Almeida - Erro médico

O Globo

Na noite em que o cabo Queiroga baixou à enfermaria com Covid-19, uma frase de Honoré de Balzac por certo definiria o personagem bozofrênico:

— Quanto mais infame é a sua vida, mais o homem se importa com ela; ela se torna então um protesto, uma vingança de todos os instantes.

Queiroga (ele lembra o Sargento Garcia, do Zorro, o zonzo da história) acabara de ouvir na ONU o discurso histórico de seu capataz e, mesmo sendo um sabujo, notório escova-botas, deve ter ficado pasmado com aquela escandalosa ausência de coordenação verbal, mental e higiênica:

— Eu mesmo foi (sic) um desses que fez (sic) o tratamento inicial — leu o Bozo no teleprompter.

Ao que parece, tal trecho de defesa do tratamento precoce acabou inserido no discurso por seu filho, alcunhado Eduardo Bananinha, em aceno à base bozonazista (estimada em 11% do eleitorado). Evidencia-se aí um padrão de comando bastante rígido, qual seja, o Bozo só se cerca de gente mentalmente inferior ao seu nível.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Legislação eleitoral à la carte

O Estado de S. Paulo

Uma média de sete projetos de alteração da lei eleitoral por ano nada tem de razoável. Revela que as mudanças são um debate permanente

De 2010 a 2021, a Câmara dos Deputados aprovou nada menos do que 76 projetos que alteraram a legislação eleitoral do País, o que representa uma média de sete projetos aprovados por ano. O levantamento foi feito pelo Instituto Millenium, em parceria com a Neocortex, com base em dados da própria Casa. O mais recente desses projetos, que recebeu aval de 378 deputados há poucos dias e seguiu para o Senado, institui o novo Código Eleitoral, um calhamaço de quase 900 artigos que altera de uma só vez desde os critérios para uso dos recursos do Fundo Partidário, que se tornam bem mais flexíveis, até as regras para divulgação de pesquisas de intenção de voto, que beiram a censura e abrem perigoso espaço para disseminação de mentiras às vésperas das eleições (ver editorial A afoiteza da Câmara, publicado em 12/9/2021). Trata-se da mais profunda e perigosa alteração da legislação eleitoral e partidária em muito tempo.

Poesia | Ferreira Gullar - Homem Comum

Sou um homem comum
de carne e de memória
de osso e esquecimento

ando a pé, de ônibus, de táxi, de avião,
e a vida sopra dentro de mim
pânica, a vida sopra de mim de modo assustador,
feito a chama de um maçarico
e pode
subitamente
cessar.

Sou como você
feito de coisas lembradas
e esquecidas
rostos e
mãos, o quarda-sol vermelho ao meio-dia
em Pastos-Bons
defuntas alegrias flores passarinhos
facho de tarde luminosa
nomes que já nem sei
bandejas bandeiras bananeiras
tudo
misturado
essa lenha perfumada
que se acende
e me faz caminhar
Sou um homem comum
brasileiro, maior, casado, reservista,
e não vejo na vida, amigo,
nenhum sentido, senão
lutarmos juntos por um mundo melhor.
Poeta fui de rápido destino.
Mas a poesia é rara e não comove
nem move o pau-de-arara.
Quero, por isso, falar com você,
de homem para homem,
apoiar-me em você
oferecer-lhe o meu braço
que o tempo é pouco
e o latifúndio está aí, matando.

Que o tempo é pouco
e aí estão o Chase Bank,
a IT & T, a Bond and Share,
a Wilson, a Hanna, a Anderson Clayton,
e sabe-se lá quantos outros
braços do polvo a nos sugar a vida
e a bolsa
Homem comum, igual
a você,
cruzo a Avenida sob a pressão do imperialismo.
A sombra do latifúndio
mancha a paisagem
turva as águas do mar
e a infância nos volta
à boca, amarga,
suja de lama e de fome.

Mas somos muitos milhões de homens
comuns
e podemos formar uma muralha
com nossos corpos de sonho e margaridas.

Música | Paulinho da Viola e Marisa Monte - Carinhoso (Pixinguinha/Braguinha)