sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Após um ano de pandemia, situação só piora – Opinião / O Globo

Imaginava-se que as cenas dantescas vividas no Brasil ano passado, durante o auge da pandemia do novo coronavírus, eram a materialização do inferno. Câmeras frigoríficas instaladas junto a hospitais para receber mais e mais cadáveres; engarrafamentos de carros funerários à porta dos cemitérios; profissionais de saúde obrigados a fazer a escolha cruel sobre que paciente levar ao respirador. Um ano depois do primeiro caso de Covid-19 confirmado no país, percebe-se que estávamos apenas na antessala — o inferno mesmo ainda estava por vir.

Depois de uma trégua ilusória, a pandemia voltou a se agravar no fim do ano passado. Foi no início de 2021, depois das aglomerações de fim de ano, que o número de casos explodiu, dando origem à temida — e previsível — segunda onda. Manaus, que se tornara exemplo dos momentos mais dramáticos em 2020, mostrou que, no Brasil de Bolsonaro & Pazuello, o horror não tem limite. Aos efeitos perversos já conhecidos do colapso nas redes pública e privada de saúde, acrescentou-se mais um, altamente letal: pacientes morreram asfixiados porque as autoridades não providenciaram o insumo mais básico numa pandemia de doença respiratória: oxigênio. O ministro-general Eduardo Pazuello foi alertado sobre a escassez, mas não agiu a tempo. Em apenas dois meses de 2021, o número de mortes no Amazonas supera o total de 2020.

Vera Magalhães - Sem luto nem luta

- O Globo

O Brasil atingiu a inimaginável marca dos 250 mil mortos por Covid-19 sem que seu presidente tenha tido a decência mínima de decretar luto oficial, de determinar medidas enérgicas para conter uma curva que só empina ou de se empenhar para garantir vacina e auxílio emergencial a um país entregue à pandemia sem perspectiva de saída.

Assim como outras marcas tenebrosas em um ano de circulação do novo coronavírus em terras brasileiras, essa também passou em branco pelo Palácio do Planalto e pela Esplanada dos Ministérios. Vamos enterrando pessoas aos milhares todos os dias, sem que o governo federal reconheça a gravidade da crise sem precedentes que atravessamos.

Diante de uma tragédia que nenhum de nós, crianças ou velhos, viveu antes, Jair Bolsonaro está fazendo planos de mandar buscar em Israel não vacinas, mas spray nasal experimental.

Eduardo Pazuello está enviando doses escassas de imunizantes não para o Amazonas, epicentro das mortes, da falta de oxigênio e da nova cepa do vírus, mas para o vizinho Amapá, de população e urgência infinitamente menores.

O presidente não está se ocupando de exigir providências do general que enfiou na Saúde, mas do presidente da Petrobras. Não está empenhado em trocar o responsável pelo fracassado Plano Nacional de Imunização, mas sim o encarregado da publicidade oficial.

Bernardo Mello Franco - Tragédia na tragédia

- O Globo

Em meados de dezembro, Jair Bolsonaro disse que o Brasil vivia “um finalzinho de pandemia”. Os números indicavam outra coisa, mas o presidente insistia em subestimar a Covid. Dois meses e meio depois, a crise sanitária atinge seu pior momento. Ontem o país registrou 1.582 mortes em 24 horas, um recorde desde a chegada do vírus.

Em um ano, já morreram mais de 250 mil brasileiros. Agora a nova explosão de casos se soma à escassez de vacinas. O país amarga uma tragédia dentro da tragédia: o desgoverno do Capitão Corona aumenta o poder de destruição da doença.

Bolsonaro conspirou abertamente contra a saúde pública. Estimulou aglomerações, fez campanha contra o uso de máscaras, travou a negociação de vacinas e ejetou dois médicos do ministério. Entregou a pasta a um paraquedista trapalhão, escolhido por não contestar as ordens do chefe.

Eliane Cantanhêde – Tão diferentes, tão iguais

-  O Estado de S. Paulo

Bolsonarismo e PT, tudo a ver na Lava-Jato, Moro, MP, mídia, Petrobrás, reformas e mercados 

Em nome de um “nacionalismo” anacrônico e de uma “visão social” puramente populista, vale tudo, até o PT apoiar a clara intervenção que derrubou as ações da Petrobrás e a credibilidade do Brasil mundo afora. O resultado é uma curiosa situação: o presidente Jair Bolsonaro corre para jurar que é o que não é, liberal, privatizante e respeitador das estatais, enquanto petistas defendem o que Bolsonaro realmente é, corporativista, estatizante e intervencionista. Coisas do Brasil. Coisas da polarização. 

O “novo” Congresso aproveita o ensejo. Primeiro, a Câmara pagou pedágio, confirmando a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) determinada pelo Supremo. Depois, escancarou as porteiras, não para as boiadas do ministro Ricardo Salles, mas para as suas próprias boiadas. Com o enterro da Lava Jato, sem choro da esquerda nem vela da direita, o ambiente é bem favorável. A hora é agora! 

A tal PEC da imunidade parlamentar, carimbada como PEC da impunidade, surgiu do nada, sem aviso prévio e sem passar por comissões e ritos antes de desabar direto no plenário. Seu efeito mais estridente é que deputados e senadores dificilmente poderão ser presos. Num resumo caricato, se Sua Excelência for pego, fotografado e filmado com a mão na botija, roubando dinheiro público, vai ter tempo para articular e se livrar. 

César Felício - Destino manifesto

- Valor Econômico

O presidente da Câmara, Arthur Lira, concentra poderes, e Bolsonaro desilude empresários com mexida na Petrobras

A depender do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), esta terra ainda vai se transformar em um imenso Paraguai, sem nenhum demérito com o país vizinho. Trata-se apenas de constatar características comuns entre o Brasil e a nação guarani que estão se acentuando este ano.

O paralelo não é com o Paraguai de hoje, com 99% de ocupação de leitos de UTI contra covid-19, que ainda não começou a vacinação (aguarda doses do consórcio Covax em março) e celebra a chegada em seu comércio do spray israelense que supostamente bloqueia a entrada de vírus no organismo por cinco horas.

Lira remete ao Paraguai de alguns anos atrás, marcado por uma hipertrofia do Legislativo frente ao Executivo. Na década passada, o Congresso paraguaio derrubava um veto presidencial por maioria simples, tinha amplo poder para fazer impeachment (em 2012 o ex-presidente Fernando Lugo foi afastado do cargo em 48 horas) e a faculdade de remanejar 100% do Orçamento aprovado. O verdadeiro eixo do poder no país estava em mãos parlamentares.

Hélio Schwartsman - A apoteose do centrão

- Folha de S. Paulo

O centrão opera como força de estabilização da política que nos amarra a padrão muito ruim de eficiência do Estado

Este ano não tivemos Carnaval, mas isso não impede o centrão de viver sua apoteose. O grupo agora tem o presidente Jair Bolsonaro em suas mãos e parece estar com a faca e o queijo na mão para aprovar pautas de seu interesse.

Os exemplos que me parecem mais significativos são a PEC que reforça a imunidade de parlamentares e a ideia de relativizar a cláusula de barreira a partidos que não conseguem um mínimo de votos.

No front do Judiciário, os ventos também estão a favor do grupo, que tem vários de seus membros enrolados em processos e inquéritos. Se no auge da Lava Jato a Justiça chancelava quase tudo o que vinha de procuradores, inclusive coisas com marcas fortes de abuso, agora nossos magistrados parecem dispostos a anular tudo por qualquer filigrana.

Bruno Boghossian – Pazuello busca uma rota de fuga

- Folha de S. Paulo

Ministro fala em 'nova etapa' e tenta reduzir responsabilidade por tragédia continuada

Eduardo Pazuello descobriu o tamanho da "gripezinha". Depois de uma reunião nesta quinta (25), o ministro da Saúde culpou as mutações do coronavírus pela situação crítica registrada em várias cidades do país. "Estamos enfrentando uma nova etapa dessa pandemia. O vírus mutado nos dá três vezes mais contaminação", declarou.

Apesar de ocupar o cargo há nove meses, o general falou como se tivesse acabado de chegar ao gabinete. O discurso da "nova etapa" parece um esforço para pintar a tragédia continuada como uma crise imprevista. O objetivo é buscar uma rota de fuga e apagar o comportamento desastroso do governo no último ano.

Pazuello apontou as mutações como vilãs inesperadas, mas a microbiologista Natalia Pasternak explica que o surgimento delas era previsível. "Variantes aparecem em locais onde o vírus corre solto. Não fomos pegos de surpresa", diz. "Elas são preocupantes, mas isso não quer dizer que a situação estava sob controle. As variantes agravam o problema."

Luiz Carlos Azedo - Pazuello descobre a pólvora

- Correio Braziliense

O SUS pode entrar em colapso, como aconteceu em Manaus, em Santa Catarina, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Paraíba, Maranhão e Sergipe

Há um ano, bem no começo da pandemia da covid-19, se discutia se era uma “gripezinha”, como disse o presidente Jair Bolsonaro, ou uma grave crise sanitária. O então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, insistia que era preciso adotar a política de distanciamento social, para achatar a curva de contaminação e evitar o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto se esperava uma vacina eficaz contra o novo coronavírus. Acabou demitido por contrariar Bolsonaro. O oncologista Nelson Teich, que o substituiu, pediu demissão rapidinho. Bem-mandado, o general de divisão Henrique Pazuello foi nomeado para o cargo.

Naquela ocasião, já se sabia que a pandemia cresceria exponencialmente. Entretanto, incentivados por Bolsonaro, os negacionistas embarcaram na canoa furada da gripezinha, nem mesmo máscaras usavam, e colocavam em dúvida a eficácia das vacinas, que, finalmente, estão chegando, mas em quantidade menor do que a necessária para conter a expansão da doença. Desprezaram o conhecimento e a experiência de sanitaristas, infectologistas e cientistas. O primeiro escalão do Ministério da Saúde foi substituído por um grupo de militares neófitos em saúde pública.

Ricardo Noblat - No Brasil de Bolsonaro & Pazuello, o pior está sempre por vir

- Blog do Noblat / Veja

Às vésperas de uma megaepidemia

Sábia escolha, a do presidente Jair Bolsonaro. Na véspera de completar 1 ano do primeiro caso da Covid-19 no Brasil, e no dia em que o número de mortos foi de 1.582, o maior desde o início da pandemia, ele investiu novamente contra o uso de máscaras e zombou das medidas de isolamento social.

Não satisfeito, olhando para uma folha de papel, aproveitou sua live das quintas-feiras no Facebook para falar rapidamente sobre o estudo de “uma universidade alemã” que trata dos efeitos colaterais do uso de máscaras. Não deu o nome da universidade. Nem o nome do estudo. Não citou seus autores. Apenas disse:

“Pessoal, começam a aparecer estudos aqui, não vou entrar em detalhe, né?, sobre o uso de máscaras. Que, num primeiro momento aqui, uma universidade alemã fala que elas são prejudiciais a crianças. […] Então começam a aparecer aqui os efeitos colaterais das máscaras, tá ok?”

Para quem chamou o coronavírus de “gripezinha”, defendeu tratamento precoce inexistente, receitou drogas ineficazes, recomendou que se enfrentasse a doença de peito aberto, previu em dezembro último que a pandemia estava no seu “finalzinho” e desestimulou a vacinação, tá, tá ok. Esperar o quê dele?

Alon Feuerwerker - A montanha-russa da oposição

- Revista Veja

Daniel Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Dora Kramer - Vacilou, dançou

- Revista Veja

Os planos de Bolsonaro são nítidos, mas os da oposição a ele seguem obscuros

Conhecidos pela hesitação e dubiedade quando se trata de decidir qualquer coisa, os tucanos contrariaram essa escrita nestes tempos de preparativos pré-eleitorais apresentando dois pretendentes à Presidência da República nas figuras dos governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS).

O PT também foi nessa linha quando Luiz Inácio da Silva orientou Fernando Haddad a cair na estrada da sucessão de Jair Bolsonaro, mas o partido, além de se notabilizar pela obediência às ordens de cima (vale dizer, Lula) que sempre podem mudar, não sofre do processo (in)decisório crônico que assola o PSDB. Donde se vê como inédita e peculiar no atual cenário a atitude tucana de assumir desde já duas candidaturas.

O.k., não foi de caso bem pensado nem convenientemente medido. Ocorreu devido ao açodamento de Doria em se apossar do comando da legenda, o que provocou reação dos adversários internos. Seja como for, temos dois políticos que podem ser examinados pela população sob o prisma da eleição de 2022.

Tudo o que fizerem ou disserem terá como referência a perspectiva presidencial. Qualquer conversa com um ou com o outro inclui agora indagações sobre o que pensam em fazer diferente de Bolsonaro caso consigam desalojá-lo do Planalto.

José de Souza Martins* - Desafios da educação profissional no Brasil

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os ritmos cada vez mais desiguais do capitalismo contemporâneo produzem uma sociedade de fachada, de aparência: parece moderna, no trabalho, mas é retrógrada na mentalidade

Cada vez mais, as mudanças no processo de produção, seja na indústria, seja na agricultura, tornam obsoleta a mão de obra nelas empregada e pedem trabalhadores com novas qualificações profissionais. Não é coisa simples. Muitos dos descartados ou substituíveis não têm a formação básica que lhes permita a reeducação profissional adequada ao reingresso na produção nas novas condições tecnológicas.

Os que podem ser educados ou reeducados para a nova realidade da tecnologia da produção tendem a ser envolvidos por uma educação que os distancia da primeira socialização que lhes formou a base social da personalidade e do caráter. Essa base social de referência é decisiva para a consciência crítica e socialmente criativa em face das crescentes intervenções humanas no nosso modo de vida.

Na sociedade brasileira, a socialização das novas gerações é familista e comunitária, demarcada por valores afetivos, centrada na formação do sujeito como pessoa. E não como indivíduo, o sujeito de algum modo coisificado, que é em quem se pensa quando se fala em educação profissional.

Não é incomum que os preconizadores de novas orientações educacionais até mesmo as proponham como técnica social de revogação da mentalidade dos seus destinatários porque desencontrada com os novos requisitos de ajustamento profissional dos trabalhadores ao processo de produção.

Neste caso, porque é processo dominado por uma racionalidade conflitiva em relação aos componentes afetivos próprios de personalidades de sociedades fortemente marcadas por valores da sociedade tradicional que ainda somos em boa parte.

Pedro Doria - O trabalho de hoje, a política de ontem

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Na última sexta-feira, a Suprema Corte do Reino Unido decidiu que o Uber deve tratar seus motoristas como funcionários. Ou seja: direitos trabalhistas. A decisão abrange Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte. E é final, não cabe recurso. A Suprema Corte francesa já havia tomado decisão semelhante, assim como a da Espanha. Um processo do tipo está em curso no Canadá e em diversos estados americanos. Evidentemente que nova legislação pode reverter esse curso — mas esta é uma das mais relevantes discussões em curso no mundo atualmente. Uma discussão ausente no Brasil.

Este é um dos grandes custos que o bolsonarismo impõe ao Brasil. O país se perde em discussões irrelevantes a cada crise vazia — e crise nova há, muitas vezes parece, dia sim, dia não. O Brasil se perde, também, em debates que nem sequer deveriam existir — como o da defesa do meio ambiente, o do armamentismo desenfreado ou, pasme, até o da manutenção da democracia. Enquanto isso, lá fora, o século 21 corre solto impondo suas transformações.

A questão no centro da decisão da Justiça britânica não tem a ver com o Uber. Tem a ver com a reinvenção do trabalho. Não é um debate simples.

O Uber argumenta aquilo que a maioria dos aplicativos do tipo dizem. Ele oferece uma tecnologia que permite a pequenos empreendedores que encontrem com mais facilidade seus clientes. Une duas pontas. Isso é verdade. Assim como é verdade que, diferentemente de uma relação normal de trabalho, os motoristas trabalham quando querem.

Vinicius Torres Freire – Cidades e estados negociam vacinas

- Folha de S. Paulo

Prefeitura paulistana e governadores negociam doses para completar programa nacional

A prefeitura de São Paulo diz que tem recursos para comprar vacinas a fim de completar a vacinação da população maior de 65 anos da cidade, doses bastantes para cerca 1,3 milhão de pessoas. Nesta semana, o governo paulistano procurou a Pfizer e a Janssen a fim de comprar os imunizantes, mas as duas fabricantes disseram que estariam em negociações para fechar contratos de exclusividade com o governo federal. Assim, pelo menos por ora não poderiam negociar com a prefeitura, que nesta sexta-feira (26) vai conversar com os responsáveis pela produção da Sputnik, a vacina russa.

Caso consiga comprar os imunizantes, a prefeitura ainda seguiria o cronograma de vacinação estabelecido pelo Ministério da Saúde, mas aplicaria vacinas por conta própria e dispensaria doses do programa nacional. Prefeitos e governadores pelo país procuram alternativas para acelerar ou complementar o claudicante plano nacional de vacinação contra a Covid-19.

A vacina russa, porém, não foi aprovada pela Anvisa ou por agências equivalentes de Estados Unidos, União Europeia, China e Japão, o que permitiria seu uso do produto no Brasil, de acordo com lei aprovada em 2020 (na Europa, apesar do registro, falta a autorização para uso emergencial).

Celso Ming - Privatização e falta de saída melhor

- O Estado de S. Paulo

Privatização sempre foi tema carregado de polêmica no Brasil e há pelo menos três grupos que se manifestam contra qualquer processo nessa linha

O presidente Jair Bolsonaro recorreu a um efeito especial para encaminhar o projeto de privatização dos Correios . De braço dado com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, encabeçou na noite de quarta-feira um cortejo pela Praça dos Três Poderes até o Congresso, onde apresentou pessoalmente à Câmara dos Deputados seu projeto de lei.

Não que o projeto de privatização dos Correios não merecesse especial atenção. É que outros anteprojetos, de muito maior importância política e macroeconômica, como os da reforma da Previdência e o da reforma tributária, não tiveram o mesmo aparato. Bolsonaro recorreu a essa circunstância para tentar compensar a lambança que fez na última sexta-feira por conta do anúncio tumultuado da troca do presidente da Petrobrás.

Privatização sempre foi tema carregado de polêmica no Brasil. Há pelo menos três grupos que se manifestam contra qualquer processo nessa linha. O grupo ideológico, por exemplo, entende que, nos casos de produtos ou serviços estratégicos, é melhor confiá-los a empresas estatais para que não sejam contaminados por capitais privados que, em matérias essenciais, podem trabalhar contra o interesse público.

Ruy Castro - O preço da liberdade

- Folha de S. Paulo

Ressurge uma frase usada no passado pelos avós dos que hoje tramam um autoassalto ao poder

Outro dia, num debate sobre política na TV, escutei alguém dizer: “Aqueles que não se lembram do passado estão condenados a repeti-lo”. Fiquei encantado —havia anos não ouvia essa frase do filósofo George Santayana. Não que ela tivesse deixado de valer. É que, pela quantidade de vezes em que foi citada no século 20, era como se entrasse e saísse por conta própria dos textos. Quando isso acontece, não há frase que aguente —o conteúdo se esgota e fica a frase pela frase. E ela já fora abandonada.

Várias outras frases clássicas da política correm o risco de ter de pedir aposentadoria: “A história se repete primeiro como tragédia, depois como farsa” (Karl Marx). “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas” (Samuel Johnson). “Não existe almoço grátis” (popularizada por Milton Friedman). “Tudo deve mudar para que tudo fique na mesma” (Giuseppe Tomasi di Lampedusa).

Ruth de Aquino - Daniel Silveira, o bode no paredão

- O Globo

Está preso o deputado federal que nada fez além do que manda, pensa e fala a família Bolsonaro. Quando o marombado ex-PM Daniel Silveira quebrou a placa de Marielle, estava “restaurando a ordem”, disse o senador Flávio Bolsonaro. Quando o truculento Daniel Silveira exigiu a destituição dos 11 juízes ministros do Supremo, ecoava o deputado Eduardo Bolsonaro, para quem “basta um soldado e um cabo para fechar o STF, não precisa nem de um jipe”. A questão não é ‘se’ haverá uma ruptura com o Supremo, mas ‘quando’. Esse último "flagrante" de Eduardo não faz um ano.

Quando o misógino Daniel Silveira se recusou a usar máscara, ofendendo uma policial civil “folgada pra c...alho”, imitava a família Bolsonaro. Imitava também a repugnante classe política que babou bacilos na posse de ministros, indiferente à morte de 250 mil brasileiros, ao agravamento recorde da Covid e ao colapso de hospitais. Bolsonaro era abraçado por puxa-sacos pegajosos, beijado por mulheres que queriam selfies. Era cercado por um batalhão de seguranças sem máscara. A porta de vidro de acesso à Câmara se estilhaçou com a passagem do cortejo brutamonte. Bolsonaro deu à luz os extremistas Daniel Silveira, Bia Kicis - e os 300 da Sara Giromini, que tentaram, com ameaças, tochas e granadas, incendiar a democracia.

Nelson Motta – Ô lôko, só!

- O Globo

Governantes bons ou entram e saem com as eleições, mas um presidente que age como insano é a primeira vez

Desculpem voltar ao tema, mas não dá para segurar. O cara queria revogar a lei da oferta e da procura! Achava que os laboratórios de vacina disputariam a tapa o mercado brasileiro. Pagou mais caro e ficou no fim da fila de entregas. Exige da Petrobras a previsibilidade do dólar e do preço do barril de petróleo, que nem Mãe Diná garante. Mesmo sabendo que seria uma bomba no mercado, fez a estatal perder 100 bilhões de reais de seu valor, ao colocar na presidência mais um general, que entende tanto de petróleo quanto Pazuello de saúde. Feliz de quem soube antes e vendeu na alta e recomprou na baixa.

O homem disse, sem rir, que sempre tratou a imprensa “com cortesia e lealdade”, só queria dar um soco na cara do repórter que perguntou sobre os 89 mil do Queiroz na conta de Michele. Por ele, fecharia os jornais. E o tal do “mercado” também. Ele ameaça mais o capitalismo do que um governo de esquerda. Deu mais prejuízo à Petrobras que todas as ladroeiras da era Lula/Dilma.

Ignácio de Loyola Brandão* - Dia feliz em plena tormenta

-  O Estado de S. Paulo

 ‘A fantasia nos ajuda a suportar a vida’, mantra que aprendi no primário e carreguei pela vida

Caro professor Cláudio César de Paiva. Na tarde de 28 de janeiro, na Reitoria da Unesp, em São Paulo, em sessão restrita por causa da pandemia, tive um momento de felicidade, quando mil imagens se misturaram naquele espaço. No momento em que Pasqual Barretti, reitor da Unesp, Maysa Furlan, vice-reitora, Erivaldo Antonio da Silva, secretário, e você, Cláudio, diretor da Faculdade de Ciências e Letras, estavam me conferindo o título de Doutor Honoris Causa – que sei, foi uma batalha sua –, olhei para a rua e dei com o bonde Avenida 3 vindo, e eu, magro, magro, dentro. Era 1957 e eu desceria no Mappin e seguiria a pé até a Última Hora, no Anhangabaú, meu primeiro emprego em São Paulo. Como fui feliz trabalhando com Samuel Wainer. Estava onde gostava, era sonho. Daquele bonde, cheguei a essa tarde máxima.

Naquela hora, revivi instantes marcantes, como o dia em que nasci. A parteira Rosa Stringhetti me contou um dia que demorei a respirar, ela ia desistir quando dei um grito. Aprendi a gritar para viver. Feliz foi o dia em que comprei o material para minha primeira aula, em 1942. O melhor da primeira comunhão foi o chocolate com bolachas oferecido pelos Masieros. Excitadíssimo, fui ao cine Paratodos, aos 8 anos, para assistir A Canção de Bernadette. Havia um mundo real e outro na tela. O deslumbramento de ser aluno do Progresso, o melhor da cidade, graças a uma bolsa dada por Emilia Albertini. Errei todos os passos ao dançar com minha prima Cecilia na formatura do ginásio, em 1948. Na manhã de 12 agosto de 1952, a Folha Ferroviária publicou minha crítica ao filme de Rodolfo Valentino, o começo de tudo. O primeiro seio que vi no cinema, o de Françoise Arnoul. A alegria no derradeiro exame de matemática em 1956, ao ver Ulisses Ribeiro dar – a mim campeão de zeros – um espantoso 10, aconselhando: “Vai, Ignácio, que o teu mundo é o da imaginação”. Antes, no curso primário, as professoras Lourdes Prado e Ruth Segnini repetiam: “A fantasia nos ajuda a suportar a vida”. Mantra que carreguei pela vida. Assim caminhei até esta tarde de 28 de janeiro. Momento excepcional, ao qual cheguei sem faculdades, doutorados. Não fiz, não tinha tempo, ou trabalhava ou estudava. Escrevi livros.

Música | Moacyr Luz e Chico Alves - Sonho Estranho

 

Poesia | Vinicius de Moraes - Pátria minha