sábado, 17 de dezembro de 2022

Oscar Vilhena Vieira* - Democracia combatente

Folha de S. Paulo

Grupos reunidos em frente a quartéis não parecem conscientes de que estão cometendo um crime

A democracia liberal é um regime político que se caracteriza pelo pluralismo e pela ampla esfera de proteção à liberdade de expressão e manifestação. Isso não significa, porém, que a democracia deva ser indiferente àqueles que contra ela conspiram.

Da perspectiva jurídica, o maior desafio é estabelecer fronteiras objetivas entre as formas de manifestação protegidas pela Constituição e aquelas que podem ser legitimamente coibidas, especialmente quando estamos nos referindo a manifestações discursivas.

A nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (lei 14.197/2021) inseriu no Código Penal brasileiro, em substituição à velha Lei de Segurança Nacional, diversas categorias jurídicas que impõem às instituições de aplicação da lei a defesa vigorosa da democracia em face de seus inimigos.

Foram tipificadas a tentativa de "abolir o Estado democrático de Direito", o "golpe de Estado", caracterizado como tentativa de "depor... o governo legitimamente constituído", assim como a tentativa de "impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado". Nos três casos, não é necessário que o resultado seja consumado. A conduta criminosa só se concretizará, no entanto, se envolver emprego de "violência ou grave ameaça". Trata-se de uma exigência rigorosa por parte do legislador.

Ascânio Seleme - Não culpem Mercadante

O Globo

Lula pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança

Não culpem Aloizio Mercadante pelos solavancos do mercado. Muito menos Fernando Haddad. Este, aliás, só tem feito apaziguar ânimos e injetar otimismo e confiança nos mais reticentes quanto à responsabilidade que quer empregar na condução da economia. O problema é outro, maior, mais complexo e atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente eleito pode até governar em outra direção, e é razoável acreditar nessa hipótese, mas quando fala aponta um caminho que gera insegurança. Talvez porque se empolgue demais com a plateia ou com os acontecimentos prévios.

O anúncio de Mercadante para o BNDES teve estes dois componentes. Primeiro, Lula estava irritado com a baderna terrorista da véspera em Brasília e abriu aquele discurso atacando Bolsonaro, parecia ainda em campanha. Depois, reagiu empolgado. Disse que ouviu críticas ao companheiro e boatos de que ele iria para o banco. E, então, num rompante, anunciou: “Não é mais boato, Mercadante será presidente do BNDES”. Não precisava desse tom, que pareceu um desafio. E ainda avisou que não haverá privatizações no seu governo (veja nota ao lado), uma permanente expectativa do mercado brasileiro. Claro que haveria solavancos.

Pablo Ortellado - Bolsonaristas perderam ilusão de falar pelo povo

O Globo

Grupo será obrigado a se reinventar, não apenas como oposição, mas também com a amarga suspeita de ser uma minoria

As mobilizações bolsonaristas têm mostrado resiliência, com ações de protesto sustentadas por um período bastante estendido, mas também vêm perdendo apoio. Isso não apenas deixa os bolsonaristas radicais isolados, como tem consequências políticas para a estratégia populista do grupo.

Quando analisamos a evolução do levante antipetista, na sua duração mais longa, chama a atenção como a identidade política vai mudando de uma rejeição a rótulos, nas primeiras mobilizações contra Dilma Rousseff em 2015-2016, para uma afirmação entusiasmada das identidades de “direita” e de “conservador”, que surgem com força na campanha de 2018.

Eduardo Affonso - O jogo de cassa-palavras

O Globo

A Comissão de Promoção de Igualdade Racial do TSE elegeu uma série de expressões pretensamente racistas

Na série de filmes “Sexta-feira 13”, quando se pensava que o vilão já era — depois de ter sido decapitado, esquartejado, triturado —, ei-lo que ressurgia no episódio seguinte, todo pimpão, como se nada tivesse acontecido. Mais resilientes, só as listas de “palavras e expressões racistas” que você TEM de banir de seu vocabulário, sob pena de ser um monstro escravagista.

Uma a uma, essas cartilhas são refutadas por linguistas, etimólogos, historiadores. Mas, qual Jasons, elas renascem, incólumes e implacáveis, cada vez que uma instituição pública resolve extrapolar sua função e incorporar um Torquemada ou um puritano de Salem. Que, na falta de hereges e bruxas, sai caçando — e cassando — palavras.

Carlos Alberto Sardenberg - O marketing da riqueza na Copa

O Globo

A monarquia absolutista do Catar quis se apresentar ao mundo. Do modo como vimos: ostentação

Camarotes e acomodações especiais para os VIPs não são novidade nos eventos da Fifa ou em qualquer outro grande jogo de futebol. Pessoas importantes — chefes de Estado, governantes, artistas, ex-jogadores, membros da família real do Catar ou simplesmente caras muito ricos — esperavam essas, digamos, facilidades na Copa. Tiveram muito mais. Instalações espetaculares, com um detalhe especial: essas pessoas especiais receberam autorização para não respeitar uma das regras sagradas do islã, o veto às bebidas alcoólicas.

Por dinheiro.

Quem chegava de carro ao estádio Al Bayt topava com um placa indicando os caminhos: “spectators”, ou seja, os comuns, deveriam dirigir-se à direita para os bolsões mais distantes. Pessoas com ingressos ou credenciais das categorias hospitality, VIP e VVIP (sim, very, very important people) seguiam em frente.

Hélio Schwartsman - Um julgamento político

Folha de S. Paulo

Num mundo melhor, eu fecharia com Rosa Weber

Num mundo em que as palavras correspondessem às coisas, a missão de uma corte constitucional, quando aprecia um diploma legal ou hábito político, seria decidir se ele se conforma ou não aos ditames da Carta. Em caso positivo, deveria apor seu "nihil obstat"; em caso negativo, deveria invalidá-lo. Vivemos, porém, num mundo menos inequívoco, em que grande parte das realizações humanas é intermediada pela política. E é aí que a porca torce o rabo.

O voto da ministra Rosa Weber sobre o chamado orçamento secreto é tecnicamente irreparável. Ela mostrou as muitas dimensões em que as emendas parlamentares a cargo do relator do Orçamento violam princípios constitucionais, notadamente os da separação dos Poderes, impessoalidade, publicidade e eficácia da administração pública. Se a maioria da corte optar por aniquilar as emendas RP9, o nome oficial do arranjo, terá razões jurídicas de sobra para fazê-lo. Essa análise, vale observar, vai ao encontro do que dizia Lula na campanha sobre o orçamento secreto, o qual qualificou como maior "bandidagem" já feita em 200 anos.

Cristina Serra - Janio, jornalismo e democracia

Folha de S. Paulo

Sua longevidade no front é um símbolo poderoso de que é possível atuar na profissão com dignidade

Poucos jornalistas brasileiros podem ser alçados à categoria de lenda. Janio de Freitas está nesse panteão com honra e glória. Muitos de nós decidiram ser jornalistas por causa dele, inspirados por ele. Querendo ser como ele. Muitos de nós ficaram (e ficam) pelo caminho: porque as dificuldades da profissão são imensas, porque os salários são baixos e as pressões, às vezes, insuportáveis.

A longevidade de Janio no front é um símbolo poderoso de que é possível atuar na profissão com dignidade e altivez. Ele atravessou o século 20 e já adentra a terceira década do 21, tendo inscrito seu nome na história do jornalismo brasileiro ainda muito jovem.

Como contou Ruy Castro, por ocasião dos 90 anos do mestre, em junho, Janio foi a mente ousada e criativa no comando da reforma gráfica do Jornal do Brasil, que desencadeou uma revolução na imprensa nacional, forçada a tentar imitar a modernidade do concorrente. Janio não tinha chegado aos 30.

Demétrio Magnoli - Não imite Biden, Lula!

Folha de S. Paulo

Presidente eleito não precisa repetir os erros do americano que recolocaram a direita radical no jogo

Como Joe Biden, Lula derrotou nas urnas um presidente extremista –e, como Biden, enfrentou a contestação golpista do resultado eleitoral. Mas o brasileiro não precisa reproduzir os erros seguintes do americano, que recolocaram a direita radical no jogo do poder.

Biden venceu no voto popular por 4 pontos percentuais e os democratas conquistaram maiorias na Câmara e no Senado. Daí, concluíram erradamente que dispunham de um mandato político irrestrito.

De saída, o presidente articulou dois pacotes fiscais: um de infraestrutura, negociado com os republicanos, de US$ 1,2 trilhão, e outro social e ambiental, combatido pelos republicanos, de US$ 1,9 trilhão. Poderia aprovar logo o primeiro, selando um mega triunfo parlamentar, e fatiar o segundo, passando suas iniciativas mais relevantes.

A húbris não deixou. Contrariando o discurso de reconciliação nacional empregado na campanha presidencial, os democratas transformaram o pacote bipartidário em refém do pacote controverso, exigindo a aprovação simultânea de ambos. Previsivelmente, fracassaram: numa batalha de meses, que consumiu o capital político do presidente, o estímulo fiscal maior foi derrotado.

João Gabriel de Lima* - A mão que rabisca um mapa

O Estado de S. Paulo

Livro mostra grupos organizados que pavimentaram o caminho para o atual presidente

Um mapa de Brasília publicado no site do Estadão mostra os lugares onde extremistas que apoiam o presidente Jair Bolsonaro queimaram ônibus, explodiram carros e depredaram prédios – entre eles, a 5.ª delegacia da Polícia Civil. A navegação digital permite assistir aos vídeos que mostram os vândalos bolsonaristas em ação. São cenas de horror.

É inevitável lembrar de outro mapa – este do Rio de Janeiro, rabiscado há mais de 30 anos, à mão. Nele, um militar desenha o sistema de abastecimento hidráulico da cidade, com destaque para a adutora do Guandu. Diante de uma repórter incrédula, ameaça colocar uma bomba na adutora caso uma reivindicação de reajuste salarial não fosse atendida. A repercussão da reportagem, publicada na revista Veja, atrapalhou os planos do militar.

Adriana Fernandes - Corrida para salvar o orçamento secreto

O Estado de S. Paulo

A corrida para liberação das emendas de relator pode interferir na votação da PEC da Transição

Antes do veredicto do julgamento do STF, o governo Jair Bolsonaro correu para acelerar a liberação do saldo total de cerca de R$ 1,9 bilhão de emendas do orçamento secreto na área de Saúde. Essa liberação a jato ajuda o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), nos compromissos de distribuição das emendas de relator, antes da decisão do STF.

É uma verdadeira corrida para salvar as emendas de relator de 2022 do modo como elas funcionam hoje, sem transparência nenhuma.

O roteiro até chegar a esse desfecho teve os seguintes passos: o governo acelerou a concessão de benefícios previdenciários antes da eleição, motivo de seguidas queixas ao longo da semana do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Bolívar Lamounier* - A política de um país despolitizado

O Estado de S. Paulo

O desinteresse pelo conhecimento político é um inimigo sempre à espreita e empenhado em solapar nossas tentativas de estabelecer um convívio civilizado

“Sentir” que um candidato é melhor que outro ou que “parece” mais inclinado a governar segundo nossos desejos é um dom que todos possuímos.

Mas daí a compreender a política a ponto de poder influenciá-la, somar forças com a sociedade a fim de balizá-la da melhor maneira possível, vai uma grande distância. Essa capacidade de contribuir de forma positiva (ou negativa, no caso dos irrecuperavelmente perversos) é o que apropriadamente podemos designar como conhecimento político. Ou, dito de outro modo, como compreensão das engrenagens ou fundamentos sobre os quais se assenta a vida pública de um país.

Entendamo-nos, primeiro, sobre um equívoco corriqueiro. Não estou sugerindo que só exista uma política “correta”, uma única doutrina que possa alicerçar um consenso numa coletividade nacional. Isso nunca existiu e jamais existirá. Divergências e antagonismos sempre existirão, sobre as mais variadas questões, materiais ou ideais. E essa é a razão que nos obriga a compreender a política como a contínua busca de um convívio aceitável com o mínimo possível de violência.

Já toquei nesse assunto neste espaço algumas vezes, e peço desculpas ao leitor se o aborreço voltando uma vez mais a ele. Dentro de poucos dias, empossaremos um novo governo. Não um “novo governo” qualquer, mas um que terá como primeira incumbência desarmar os espíritos, diluir o mau humor que se formou nos últimos anos e criar um ambiente no qual possamos retomar o crescimento econômico, a criação de empregos e a busca do bem-estar para a maioria.

Marcus Pestana - A dinâmica política pós-2022

As eleições de 2022 determinaram uma nova correlação de forças. A eleição presidencial foi a mais apertada de todos os tempos, reforçando a polarização entre o petismo e seus aliados de esquerda e o bolsonarismo. Nas eleições parlamentares, a direita ampliou sua presença na Câmara e no Senado, mas não deverá ter comportamento monolítico.

A estabilidade política para governar e fazer avançar a agenda dos desafios nacionais depende de formação de maioria parlamentar. Embora a proibição das coligações proporcionais e a cláusula de desempenho tenham racionalizado o quadro de representação parlamentar, a fragmentação ainda é grande, dificultando a recuperação do chamado “presidencialismo de coalisão”.

Lula tem grande experiência e habilidade política, acumuladas em seus dois mandatos anteriores e durante toda sua trajetória. Acompanhou de perto a crise do governo Dilma Rousseff e sabe que não conseguirá êxito na superação da crise sem maioria parlamentar.

É natural que as forças que pretendem compor a base de sustentação parlamentar do novo governo queiram participar do Ministério e da administração. Lula, até a última quinta, havia anunciado apenas nomes ligados ao PT e seus aliados de esquerda. Aguarda o desenlace da votação da “PEC da Transição” e a definição sobre o “orçamento secreto”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula não deveria se associar à ditadura de Nicolás Maduro

O Globo

Quem se elegeu proclamando a defesa da democracia não pode tratar o venezuelano como parceiro

O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, não esconde querer se reaproximar do ditador Nicolás Maduro. Enviou carta ao venezuelano informando a intenção de reatar relações entre os dois governos e de repudiar o interino de Juan Guaidó. Encarregou o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, de garantir a presença de Maduro em sua posse, driblando a proibição de entrada no Brasil decretada pelo governo Jair Bolsonaro. Por fim, atribuiu ao embaixador Mauro Vieira a missão de reabrir a embaixada e os sete consulados brasileiros na Venezuela. “O governo que foi eleito é o governo do presidente Maduro”, disse Vieira em uma de suas primeiras declarações como futuro chanceler.

A eleição de Maduro e os demais pleitos venezuelanos têm sido sistematicamente condenados por observadores independentes. Seu poder ditatorial deriva da convocação, em 2017, da Assembleia Constituinte aparelhada por representantes biônicos para esvaziar o Legislativo controlado pela oposição, única instituição independente que restava na Venezuela depois de quase duas décadas de chavismo. Violações repugnantes de direitos humanos estão documentadas por entidades independentes e pela insuspeita relatora das Nações Unidas, a chilena Michelle Bachelet. A tragédia econômica chavista levou metade da população para a pobreza e afugentou 7 milhões dos 30 milhões de venezuelanos (maior população deslocada do mundo). Em vez de condenar a ditadura de Maduro, como faz até o governo esquerdista chileno, Lula tenta se reaproximar.

Poesia | Luís de Camões - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

 

Música | Caetano Veloso, Maria Gadú - Vaca Profana