domingo, 16 de outubro de 2022

Luiz Sérgio Henriques* - O espírito dos navegadores

O Estado de S. Paulo

Há evidente mal-estar nas democracias e, com a perda do centro, os sistemas políticos e a própria vida social parecem à deriva – e em mar aberto.

Efeitos de perda de referência política – de descentramento – estão à mostra por toda parte, comprovando que este não é um tempo de cabotagem, quando se pode navegar olhando para a costa e consultando os mapas de sempre. O fenômeno, espantoso à primeira vista, atinge realidades diferentes, mas emblemáticas, como Suécia, Itália ou Estados Unidos, e obviamente não nos poupa. Sua generalidade requer algum tipo de explicação para além das particularidades de cada caso. É que há um evidente mal-estar nas democracias e, com a perda do centro, os sistemas políticos e a própria vida social parecem à deriva – e em mar aberto.

Situação arriscada, como se sabe, e propiciadora de excentricidades e patologias. Não por acaso, retorna o paralelo com tragédias que aconteceram há cem anos, com a irrupção dos totalitarismos e a desconfiança quase universal que rodeava as poucas e frágeis democracias de então. Algumas experiências social-democráticas engatinhavam em âmbito nacional restrito, antes de se espalharem no segundo pós-guerra, especialmente na Europa Ocidental. E nos Estados Unidos as reformas do New Deal começavam a redesenhar o capitalismo depois da catastrófica depressão que aparentemente decretara o colapso daquele tipo de sociedade.

Processos, todos eles, lentos e contraditórios, à moda das revoluções passivas, mas de sinal positivo. Neles, ao fim e ao cabo, a mudança abria brechas significativas no muro do passado e as sociedades abertas se projetavam à frente, mais além do horror nazifascista e da distopia stalinista. Foi um movimento tão forte que durou por décadas a fio, parecendo domesticar os instintos animais dos mercados, até que o economicismo bruto das políticas de Reagan e Thatcher lançasse ao mar como carga inútil o compromisso alcançado. E não por coincidência os projetos iniciais do presidente Joe Biden aludiram explicitamente a Roosevelt, tentando recuperar a audácia reformista do ícone democrata por excelência.

Celso Lafer* - A agenda de Bobbio e o momento brasileiro

O Estado de S. Paulo

A temperança se contrapõe à violência. É a virtude que se exige para conter a onipresença atual doânimo dos extremos.

É relevante a ressonância da obra de Bobbio entre nós. Amplamente acessível em português, ocupa espaço próprio na lúcida clarificação da Política e do Direito. Conjuga-se com o papel de Bobbio, que transcende a Itália, de intelectual público voltado para a afirmação da democracia, dos direitos humanos e da paz.

Acaba de ser publicada a edição brasileira de Norberto Bobbio – uma biografia cultural, de Mario Losano, eminente professor emérito italiano de Filosofia e Direito. São características de Losano o admirável escrúpulo da pesquisa e a medida no julgar e apreciar a complexidade das coisas. Foi o que norteou a elaboração desta biografia cultural na qual traçou com precisão cartográfica o mapa de sua abrangente obra e os significativos caminhos de sua vida.

Instigado pelo livro de Losano e pela minha conhecida dedicação a Bobbio, vou elencar alguns dos temas recorrentes de sua agenda que são um pano de fundo relevante para o Brasil nesta antevéspera de segundo turno das eleições presidenciais. Começo pelo fascismo.

Cristovam Buarque* - Eleitores x Povo

Blog do Noblat / Metrópoles

Um busca voto pela solidariedade com quem passa fome, o outro propõe vingança contra criminosos

O jornal Correio Braziliense de ontem, 14 de outubro, trouxe na primeira página, fotos dos dois candidatos à Presidência da República. Embaixo do Lula, a manchete “Promessa de combate à fome”, embaixo do Bolsonaro, a manchete “Pela redução da maioridade penal”. Estas duas posturas demonstram a diferença moral entre as propostas dos dois candidatos: o primeiro, preocupado com o povo, especialmente sua parcela pobre; o segundo, sua preocupação com o eleitor que se sente ameaçado pela violência e a impunidade de menores de idade. O primeiro busca voto pela solidariedade com quem passa fome, o segundo propõe vingança contra criminosos.

Só no dia 30 vamos saber o efeito destes comportamentos e suas bandeiras eleitorais. Mas já é possível perceber o dilema das forças progressistas, antes chamadas de esquerda, entre defender as propostas que interessam ao povo, no seu conjunto e longo prazo, ou falar para o eleitor e seu interesse específico do momento.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Votar para valer, não para ficar em paz com os próprios botões

Voto nulo é um voto legítimo, em qualquer situação. Mesmo em momentos de alto perigo, como esse que atravessamos, ninguém pode ser censurado moralmente por não se sentir à vontade com o cardápio que lhe foi oferecido nesta eleição, primeiro pelos partidos, depois pela maioria de eleitores que decidiu quem disputará o segundo turno. O direito à dieta eleitoral faz parte da democracia.

Posto isso, quero conversar com quem quer fazer dieta nessa eleição por rejeitar igualmente Lula e Bolsonaro. E com quem está admitindo votar em Bolsonaro tapando o nariz. É conversa política, democrática, de igual pra igual, não conversa moralista ou professoral. Sou brasileiro tanto quanto quem quer votar nulo ou de nariz tapado e não sou mais sábio ou mais ético do que quem fazer dieta.

A democracia precisa do seu voto válido em Lula. Ela - não Lula - é o endereço de um voto político nessa hora difícil. Sei que através de votos válidos em Lula é ele e não outra a pessoa que governará. E que o seu partido, o PT, terá papel importante no governo. Papel maior ou menor, a depender do tamanho da frente que apoiar o candidato. Como ela ficou ampla, temos razões para pensar que o PT não poderá, mesmo que queira, governar sozinho. E seja como for, numa democracia nada obriga quem votou num candidato a apoiar seu governo depois. A oposição é livre e necessária na democracia. O voto que defendo não é ideológico, nem de facção. No dia 30 vamos votar também pelo direito a haver oposição.

Merval Pereira - A guerra das rejeições

O Globo

Nunca uma eleição teve nível tão baixo, com agressões dos dois candidatos na tentativa de aumentar a rejeição do adversário

O debate de hoje entre Bolsonaro e Lula na Band, o primeiro cara a cara somente entre os dois candidatos, pode deslindar a incógnita que nos consome nessa campanha eleitoral, tão curta e que parece não terminar nunca. O que pode acontecer de novo para fazer com que a eleição se esclareça?

Nunca uma eleição nos tempos recentes teve uma campanha de rádio e televisão de tão baixo nível, mesmo se levarmos em conta que o então candidato Collor foi pioneiro em introduzir o aborto como tema político. Assim como o aborto, outros temas que nada têm a ver com nossos problemas imediatos, como satanismo e pedofilia, entraram na luta pelo aumento da rejeição dos candidatos.

Agora mesmo, uma declaração do presidente Bolsonaro está provocando reações indignadas. Relata ele em vídeo que, estando em uma periferia pobre de Brasília, viu meninas de uns 13, 14 anos “bonitinhas, arrumadinhas", e, segundo seu relato, “pintou um clima”. Pediu para ir à casa delas e constatou que lá estavam diversas outras crianças, todas venezuelanas, também arrumadinhas, para “ganhar a vida”.

Elio Gaspari - Os debates elegerão o presidente

O Globo

Estima-se que 17 milhões de eleitores poderão decidir seu voto na última semana. Disso resulta que o desempenho de Lula e Bolsonaro nos debates será decisivo.

Os estrategistas dos candidatos dizem que nas cartucheiras não há balas de prata. Tudo bem, mas se as tivessem, não avisariam.

Seja qual for a opinião que eleitores têm de Lula ou de Bolsonaro, as candidaturas estão demarcadas com uma clareza nunca vista. Ambos governaram o país e mostraram a que vieram.

O mínimo que se pede a ambos é que apareçam nos debates sem o espírito dos ringues de MMA.

Até hoje nenhum dos dois apresentou ideias ou projetos para um país que está andando de lado há quase uma década, com nove milhões de desempregados. O comissariado petista zanga-se quando Lula é cobrado por clareza nessa questão. Já o entorno de Bolsonaro oferece um tênue sinal de que, se Paulo Guedes quiser, irá embora. Ele não há de querer, mas se isso acontecer, coisa melhor não virá.

A falta de ideias embaralhou a disputa de tal forma que Bolsonaro acusa Lula de ter na Venezuela um farol, mas, olhando-se para os últimos meses de seu governo, ele ficou parecido com o finado Hugo Chávez. Noves fora sua cooptação de militares e PMs, basta lembrar sua generosidade fiscal, bem como a agressividade com que desafia o Judiciário.

Uma boa ideia seria pedir aos dois candidatos que, durante um debate, assinem compromissos de não mexer na estrutura e na competência do Supremo Tribunal Federal.

Míriam Leitão - O real no meio das dissonâncias

O Globo

O ultradireitismo é fabricado por Bolsonaro com falsas questões, e a economia melhora, porém não há alivio para os mais pobres do país

Há duas teses circulando: o brasileiro é mais conservador do que se imaginava e a economia está melhorando, o que levará a mais votos para Bolsonaro. Será? Minha convicção é que há um ultraconservadorismo fabricado pela extrema-direita que sempre cresceu inventando falsas questões. A economia tem sim indicadores melhores, mas a sensação de conforto econômico não é uniforme nem disseminada. A maioria dos eleitores de Lula e de Bolsonaro é contra a liberação do aborto e contra a facilidade na compra de armas, segundo a última pesquisa Quaest, e isso mostra que há menos diferença entre eles do que se imagina.

O brasileiro pode não ser majoritariamente liberal no comportamento, mas essa não é uma agenda pela qual ele estaria disposto a hipotecar o futuro do país e romper laços familiares, se não fosse a manipulação a que está submetido pelo governo Bolsonaro. É parte do jogo da extrema-direita criar falsos conflitos para mobilizar multidões. E isso se faz criando uma grande mentira e repetindo-a insistentemente. Por exemplo, a de que o adversário político teria um plano de, nas escolas, impor a sexualização precoce às crianças e induzi-las à troca de gênero. Chamaram a isso “ideologia de gênero” e criaram a mentira do “kit gay”. Isso foi parte da vitória de 2018 e foi reativada agora para socorrer o candidato que está perdendo as eleições. No QAnon americano foi criada a visão conspiratória de que os adversários de Trump faziam parte de uma organização de pedófilos. É isso que Damares tenta repetir aqui. É mentira criminosa para ter efeitos eleitorais.

Luiz Carlos Azedo - A “alma imoral” das mulheres rejeita o machismo de Bolsonaro

Correio Braziliense

A moralidade é oposta às forças transgressoras da alma, que vive do que a sociedade reconhece como imoral, diz o rabino. Em todas as famílias, a mulher ou a filha votam com a alma, em quem quiser

Simone Lucie-Ernestine-Marie-Bertrand de Beauvoir (1908-1986), como seu próprio nome sugere, nasceu em berço de ouro, foi educada por professores particulares e estudou filosofia na Sorbonne, onde conheceu o filósofo Jean-Paul Sartre (1905-1980), seu companheiro, com quem foi sepultada seis anos após a morte do “marido”. Viveram juntos, mas nunca se casaram. Considerada a “mãe do moderno movimento das mulheres”, quando escreveu O Segundo sexo, sua obra seminal, não se via como feminista. Sua motivação foi responder à pergunta “O que é uma mulher?”.

A primeira onda do feminismo foi a luta pelo sufrágio universal, desde o final do século XIX, porque as mulheres não tinham o direito de votar; a segunda, foi a luta contra a discriminação no lar, no trabalho e os preconceitos, que não podiam ser alterados apenas pela letra da lei. Simone de Beauvoir elevou o movimento feminista, do qual não fazia parte, a um novo patamar na década de 1960, ao trazer ao debate questões subjetivas que estavam associadas ao existencialismo. Ela diferenciava o ser fêmea do ser mulher.

Eliane Cantanhêde - Um passa, mas o outro vem para ficar

O Estado de S. Paulo

Lula é o passado que projeta um futuro melhor; Bolsonaro é um futuro que traz de volta o pior do passado

Lula é passado e Bolsonaro é futuro, certo? Depende... O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva traz a biografia de retirante nordestino e de líder sindical na ditadura, mais as credenciais de seus dois mandatos, e quer abrir horizontes, juntar os cacos dos vários desmanches do atual governo e construir um projeto, não só do PT, mas de transição.

Já o presidente Jair Bolsonaro carrega o fardo de ter sido um “mau militar’, como dizia o general Ernesto Geisel, e um político do baixo clero, como todo mundo sabe, para aprofundar os desmanches, moldar as instituições e edificar um projeto autoritário de 20 anos.

Beirando os 80 anos de idade e sem futuro na política, Lula não tem (ou não deveria ter) planos de reeleição e precisa consolidar um amplo leque de forças políticas, preparar-se para passar o bastão e enfrentar o desafio de identificar lideranças para além do PT e bem diferentes de Dilma Rousseff, José Dirceu e Antônio Palocci.

Antonio Corrêa de Lacerda* - Desafios e estratégias para o Brasil

O Estado de S. Paulo 

Sob o ponto de vista da política econômica, superar nossas mazelas implicará uma profunda mudança de rumos

A semiestagnação do crescimento econômico e o baixo nível de investimentos no Brasil geraram um passivo social imenso: 24,3 milhões de brasileiros estão fora do mercado de trabalho (subutilizados), o que corresponde a cerca de um quarto da população economicamente ativa; enquanto 125,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar e outros 33 milhões passam fome diariamente.

A elevação do custo de vida e a deterioração fiscal também são aspectos importantes. Sob o ponto de vista da política econômica, superar nossas mazelas implicará uma profunda mudança de rumos. Os desafios da pandemia de covid-19, os reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia, com nova configuração geopolítica e implicações para as cadeias internacionais de suprimentos, representam também oportunidades.

Bernardo Mello Franco - A tática da guerra santa

O Globo

Sem argumentos para defender seu governo, presidente recorre a terrorismo religioso

O relato foi feito num templo da Assembleia de Deus em Goiânia. “Vou contar uma coisa para vocês que agora eu posso falar”, disse a pastora, com ar compungido. “Temos imagens de crianças nossas, brasileiras, com 4 e 3 anos”, prosseguiu. “Quando cruzam as fronteiras, sequestradas, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral”.

Damares Alves acrescentou outros detalhes cruéis ao testemunho, que envolveria menores da Ilha de Marajó. Em poucos dias, soube-se que a história não parava em pé. O Ministério Público, que combate a exploração de menores na região, informou que nunca soube de práticas parecidas. A polícia do Pará também disse ignorar as denúncias da senadora eleita.

Dorrit Hazarim - Alegria, ódio, medo

O Globo

A campanha por um Brasil mais democrático tem veio alegre, a do adversário tem o peso de uma cruzada messiânica

Um presidente da República em busca da reeleição, que precisa do socorro de um coach preferencialmente amoral, sinaliza o quê? Seu estado de pavor das urnas. Todas as pesquisas de opinião que Jair Bolsonaro gostaria de excomungar teimam em apontá-lo como provável/possível derrotado no segundo turno. Daí o recurso emergencial. Foi com semblante bastante desgrenhado que ele participou de uma live em que havia uma segunda estrela. Era Pablo Marçal, o deputado federal do PROS que obteve quase 250 mil votos no primeiro turno. Apresentado pelo presidente como seu coach particular, Marçal elencou uma série de instruções dirigidas a influenciadores e devotos, a ser seguidas até a reta final. Alguns trechos do que não deveria ter ido ao ar acabaram vazando.

Primeiro, o recurso ao medo de quem tem o que esconder:

—As pessoas vão bater em todos que se levantarem para defender o presidente. Vai ser um por um. Vão revirar a vida de todo mundo... — alertou o coach.

Marçal também engatou numa inevitável menção ao perigo de um apocalipse:

—Vocês estão sendo convocados por mim... É convocação. Pra gente um dia não precisar pegar em arma, pra um dia a gente não ficar louco, pra querer o país de volta...

E para a eventualidade de algum agitador bolsonarista alimentar resquícios de pruridos, garantiu absolvição prévia:

—Este não é o momento para ficar olhando para moral... Não é melhor nesses próximos 15 dias todo mundo suspender a própria reputação para defender esta nação? Colocar sua reputação um pouquinho de lado?

Vinicius Torres Freire - O desânimo dos bolsonarista

Folha de S. Paulo

Eleitor do presidente tem menos expectativa de que sua vida melhore sob Bolsonaro 2

Na eleição de 2018, Jair Bolsonaro, ora no PL, venceu Fernando Haddad (PT) por 55,1% a 44,9% dos votos válidos do segundo turno. A pesquisa Datafolha da véspera da votação daquele ano dava 55,7% dos votos para Bolsonaro e 44,3% para Haddad.

"Se a eleição fosse hoje", quais seriam as diferenças importantes entre o Datafolha desta semana e o da véspera da votação de 2018? A divergência de voto de maior relevo e até agora menos notada é a dos homens. A mudança das escolhas de quem fez até o ensino médio, dos moradores do Sudeste e, claro, dos mais pobres importa também.

Antes de continuar: não, a pesquisa divulgada nesta sexta-feira NÃO É UM PROGNÓSTICO do que vai acontecer na véspera do segundo turno deste ano ou na urna. Trata-se aqui apenas de indicar diferenças notáveis entre a pesquisa do voto à beira do segundo turno de 2018 e as intenções de voto desta semana.

Bruno Boghossian - Terrorismo eleitoral nas fábricas

Folha de S. Paulo

Bolsonarismo nunca escondeu que encara as relações de trabalho como uma arma política

Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro fez um giro por associações empresariais e prometeu que os patrões teriam um governo amigável. Nesses eventos, ele disse que os trabalhadores deveriam fazer uma escolha: preservar seus direitos e enfrentar o desemprego ou aceitar menos direitos para manter o emprego.

O bolsonarismo nunca escondeu que encara as relações de trabalho como uma arma política. Segundo essa filosofia, a ameaça de fechamento de vagas (de forma velada ou explícita) pode ser usada tanto para reduzir os mecanismos de proteção aos empregados como para conseguir votos na eleição.

Janio de Freitas - O ataque de mudez

Folha de S Paulo

Ministério da Defesa deve aos eleitores conclusão sobre o sistema eleitoral

Desde que adotou como ministro o general e hoje político Braga Netto, em 2021, o Ministério da Defesa se coloca, ora como retaguarda, ora como parte ativa na desestabilização geral provocada por Bolsonaro. É o oposto da função que lhe cabe e da atribuída às Forças que deve coordenar. A impressão que oferece é a de um ministério de ação política, não política do Estado e nem mesmo de governo, mas de uma facção prisioneira de pré-ideias caóticas e propósitos retrógrados.

Vem dessa contingência a recusa silenciosa do Ministério da Defesa a tornar pública sua conclusão sobre a lisura ou deformação eleitoral. Dois motivos básicos, entre outros, tornam a providência um dever e mesmo um requisito de moralidade.

Um, é o fato sem precedente de que a Defesa assumiu a frente do ataque ao sistema de votação e apuração eleitoral. A Justiça Eleitoral ficou sob suspeitas oficiais e institucionais. O outro motivo é a dívida com a dignidade do país diante do mundo e com o direito de 156 milhões de eleitores. A Defesa deve-lhes conclusão e clareza sobre o sistema eleitoral acusado e investigado: questionada de fato pelas suspeitas foi a legitimidade dos poderes institucionais eleitos.

Muniz Sodré* - Indiferença canibal

Folha de S. Paulo

Questão séria é averiguar por que um homem público perpetra uma bazófia tão desrespeitosa

Numa das cenas da série sobre o canibal americano Jeffrey Dahmer, o serial killer sussurra candidamente à sua vítima iminente que gostaria de lhe comer o coração. Na entrevista ao The New York Times, o então deputado Bolsonaro admite que comeria "tranquilo" o indígena supostamente cozinhado em sua visita a uma aldeia em Roraima. Recuou porque os acompanhantes não referendaram a sua disposição de "submeter-se à cultura deles". Mas houve por bem dar um toque de master-chef do desconchavo: comeria com banana."

Credat Judeus Apella, non ego". No ginásio, meu padre-professor de latim arrematava com sátira de Horácio as histórias que embasbacavam a turma. "Acredite quem quiser, eu não", traduzia à boca pequena. É o dilema do ouvinte de relatos em princípio absurdos, mas com antecedentes realistas. Vale trazer à baila o nome de Jean Bédel Bokassa, segundo presidente da República Centro-Africana (1966-1976), autodeclarado imperador, notório por mortes extrajudiciais, torturas, estupros e canibalismo. Ao ser derrubado do poder, não conseguiu esconder a tempo as ossadas de todos os devorados.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Eleitor exige menos insultos e mais propostas

O Globo

Lula e Bolsonaro transformaram a campanha eleitoral numa guerra suja — e evitam assumir compromissos

Um desavisado que assista à propaganda eleitoral dos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) pode pensar que se trata de uma disputa de MMA, tamanha a quantidade de golpes, à esquerda e à direita, e a agressividade. Quem vai a nocaute nessa luta é o eleitor. E seu desejo de conhecer as propostas que o ex e o atual presidente têm — ou deveriam ter — para resolver os graves e urgentes problemas brasileiros.

Lamentavelmente, a disputa mais acirrada que emergiu do primeiro turno, a rejeição de ambos e o alto percentual de eleitores decididos têm levado as campanhas a lançar mão de insultos, golpes baixos, mentiras deslavadas ou frases fora de contexto para tentar vencer. A propaganda eleitoral foi tomada por uma guerra suja. No vale-tudo para atrair votos, o medo e o terrorismo eleitoral ganharam lugar de destaque.

A propaganda na TV geralmente tem começado pela artilharia pesada, para só depois abordar, de modo superficial, planos de governo. Os dois lados não economizam adjetivos. A propaganda de Lula chama Bolsonaro de mentiroso e desumano. A de Bolsonaro tacha Lula de ladrão e corrupto. A petista levou ao ar um vídeo em que Bolsonaro dizia, em 2017, que “comeria um índio sem problema nenhum” — a peça foi suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A bolsonarista divulgou imagens que associam Lula a ritos satânicos, também proibidas pelo TSE.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Alguns Toureiros

 

Música | Paulinho da Viola - Coração Leviano