O presidente Lula está preparando uma armadilha para a oposição, que tem tudo para dar certo, ao anunciar que enviará ao Congresso ainda este ano uma espécie de "consolidação das leis sociais", para institucionalizar os avanços alcançados nos programas como o Bolsa Família e a política de aumentos reais para o salário mínimo. Na entrevista que deu ao jornal "Valor", o presidente ainda se deu ao direito de deixar no ar uma ironia ameaçadora: disse que não pedirá urgência na discussão dessa legislação pois "é ótimo que dê debate no ano eleitoral".
A oposição pode ficar na difícil situação de tornar permanente a decisão de dar aumentos reais ao salário mínimo sem que sua relação com o déficit da Previdência seja alterada. Ou de transformar o Bolsa Família num programa eterno, sem que as condicionalidades sejam observadas com o devido rigor.
Quem quiser colocar limites a esses gastos, ou promover programas de inclusão social para reduzir os beneficiados pelos programas assistencialistas, será tachado de antipovo, com as consequências eleitorais previsíveis.
Ao responder a uma pergunta sobre a sustentabilidade dos gastos do governo, que vêm aumentando mais do que o crescimento do PIB, o presidente Lula faz uma pergunta cuja resposta todo mundo sabe: "Você acha que o Estado brasileiro paga bem?" (aos funcionários públicos).
Ou então faz um raciocínio que é correto no conceito, mas fora da realidade: "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas obrigações de bem tratar a população".
São respostas que têm um claro apelo eleitoral, mas que estão longe de corresponder à preocupação com o equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação, que o presidente Lula também defende como conquistas da sociedade brasileira nos últimos anos que não podem ser revogadas.
O fato é que até o momento o presidente tem razão em sentir-se imune às críticas que apontam uma verdadeira bomba-relógio de longo prazo nos gastos do governo, pois a inflação está sob controle e a economia dá sinais de que está retomando o crescimento, depois de um semestre de recessão.
Os governistas comemoram os números, que indicam que o país será menos afetado do que a maioria dos demais, inclusive Europa e Estados Unidos, pela crise econômica internacional.
Numa mudança de posição muito própria de quem está permanentemente fazendo política, alegam que a comparação com o mundo nos mostra em vantagem, pois se podemos ter um PIB apenas levemente negativo, ou até mesmo um pequeno crescimento da economia ainda este ano, a maioria dos países do chamado Primeiro Mundo terá um crescimento econômico fortemente negativo.
Anteriormente, quando o Brasil crescia abaixo da média mundial, o governo alegava que não se devia comparar o país com outros, mas com sua própria performance em anos anteriores.
A possibilidade de que a crise brasileira não seja tão forte está sendo reconhecida internacionalmente, e uma recente reportagem do jornal "Le Monde", por exemplo, diz que "ao prever com ironia um ano atrás que "o tsunami" da crise provocaria em seu país uma simples "marola", o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, acertou: a recessão só duraria um semestre".
Esse reconhecimento está sendo comemorado como se os críticos do governo devessem pedir desculpas pelo que teria sido um erro de avaliação, quando na verdade a performance da economia brasileira será, sob qualquer ângulo, muito ruim.
E, se comparada com a performance dos BRICs ( Brasil, Russia, Índia e China), continuaremos na rabeira, talvez superando apenas a Rússia, e sendo superados largamente por China e Índia.
O jornal francês dá crédito ao comentário do presidente Lula de que a crise foi superada "graças aos mais pobres". Na entrevista ao "Valor", Lula foi mais longe, ao acrescentar o papel do governo como fundamental na superação da crise, no que está absolutamente correto.
O que está errado é o papel permanente do Estado forte que o presidente Lula vê como imprescindível para o crescimento do país.
Na entrevista, ele dá diversos exemplos de como vê o papel do Estado: diz textualmente que, se dependesse da Petrobras, não haveria uma refinaria em Pernambuco porque a demanda já está atendida.
Mas houve uma decisão política, para provocar o desenvolvimento do Estado, mesmo sem justificativa econômica, e cumprir um acordo com a PDVSA de Chávez, e Lula diz que esse é o papel do governante.
Mas não é apenas em uma empresa como a Petrobras, em que o governo tem o controle, que Lula vê necessidade de intervir. Ele dá o exemplo da Vale, uma empresa privada, que ele vem pressionando publicamente, criticando a decisão de reduzir os investimentos devido à crise internacional, e também para que compre navios feitos no Brasil, em vez da China.
Esse papel ativista do governo será um dos temas mais importantes da futura campanha eleitoral, e a oposição já está tendo dificuldades de lidar com o tema. Recentemente Lula disse que prefere ser chamado de "estatizante" do que de "entreguista" no debate sobre o petróleo do pré-sal.
E a oposição ficou paralisada, aceitando a mudança do sistema de concessão para o de partilha na exploração das jazidas do pré-sal ainda não licitadas.
O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, anunciou que era "estatizante". O provável candidato tucano à sucessão de Lula, o governador José Serra, acatou o novo modelo apresentado pelo governo e somente ontem o PSDB apresentou uma proposta no Congresso em que mistura os dois sistemas.
Lula está no comando das ações até o momento.