“Não se pode ocultar que se vive tempo sombrio e que a atual corrida armamentista traz maus presságios. Mas há o outro lado da Lua, até mesmo aqui. O atual governo, em sua composição heteróclita, embora contenha em si um componente marcadamente ideológico, de raiz metafísica, exemplar no chanceler Ernesto Araújo, que desafia abertamente as tradições da política externa brasileira em suas concepções de soberania – vide notável artigo de Celso Lafer neste espaço –, admite outras presenças com distinta formatação histórica e diversas concepções do mundo, entre os quais os personagens do mercado e da corporação militar, esta quantitativamente a mais expressiva.
Essa mistura não dá boa química e será testada severamente, entre outras questões, na da Venezuela e das nossas relações com os países do Oriente Médio, clientes privilegiados do agronegócio, quando o mundo bruto dos interesses será confrontado com os da pura ideologia. Os impasses que daí surgirem vão nos defrontar com uma encruzilhada: uma via nos levará a uma ruptura radical com nossa História e nossas tradições de nação soberana, a outra, a retomar o seu leito, em novas circunstâncias, certamente mais complexas. O articulista aposta nesta última.”
*Sociólogo, PUC-Rio. “Impasses da hora presente”, O Estado de S. Paulo, 3/3/2019.