- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“A dois anos do bicentenário da independência, as ideias de Oliveira Viana parecem renascer das cinzas, como fênix, diante da grande interrogação: que país seremos daqui a 100 anos?”
Há 100 anos, o livro de um autor até então desconhecido, com 37 anos, fez estrondoso sucesso literário e político: Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Viana. Escrito entre 1916 e 1918, levou dois anos para ser publicado, pela livraria José Olympio. Somente um intelectual da época ousou contestá-lo, Astrojildo Pereira, um dos grandes biógrafos de Machado de Assis, jornalista, crítico literário e anarquista, que se converteria ao marxismo e, dois anos depois, fundaria o Partido Comunista. O que dizia Viana? Ele definia três arquétipos para o povo brasileiro: o sertanejo, o matuto e o gaúcho, os quais pretendia analisar, desenvolvendo um projeto de pesquisa ambicioso, ao qual deu sequência com a publicação meteórica de mais quatro ensaios: O Idealismo da Constituição (1920), Pequenos Estudos da Psicologia Social (1921), Evolução do Povo Brasileiro (1923) e O Ocaso do Império (1924). O primeiro volume de Populações Meridionais do Brasil dedicou aos paulistas, fluminenses e mineiros; o segundo, ao campeador rio-grandense. Partia do homem para criticar as instituições da época.
“O sentimento das nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães gerais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes: há um século vivemos praticamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois da independência. O grande movimento democrático da Revolução Francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república americana, tudo isto exerceu e exerce sobre nossos dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europa, sorte de Cosmorama extravagante. Sobre o fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar, passam e repassam cenas e figuras tipicamente europeias.”
Oliveira Viana faz um ataque frontal aos liberais brasileiros, corroborado pela iniquidade social que havia sido desnudada por Euclides da Cunha, ao descrever a Guerra de Canudos, n’Os Sertões. Concluía que era preciso “coragem infinita” para “contravir ostensivamente às ideias de liberdade e construir um poderoso Estado centralizado, capaz de impor-se a todo o país pelo prestígio fascinante de uma grande missão nacional”. Ao dizer que era impossível reproduzir aqui no Brasil o parlamentarismo inglês, o liberalismo democrático à francesa, ou o federalismo e descentralização republicana ao estilo americano, como lembra o falecido jornalista e cientista político Gildo Marçal Brandão, em Linhagens do Pensamento Político Brasileiro (Hucitec), Oliveira Viana recomendava uma intervenção radical pelo Estado, destinado a promover a industrialização e criação de bases sociais aptas a sustentar governos liberais, o que alguns viram como uma espécie de “autoritarismo instrumental”.