terça-feira, 31 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Globo

Democracia era o eixo da diplomacia de Jimmy Carter

Ele foi o presidente americano que mais contribuiu para derrubar a ditadura militar brasileira

Fora do Brasil, é provável que Jimmy Carter seja lembrado como artífice dos acordos históricos de Camp David, que resultaram na paz entre Israel e Egito, ou pelo fracasso de sua tentativa de reeleição diante da avalanche que Ronald Reagan representou em 1980 para um país consumido pela inflação e pela paralisia econômica. Aqui no Brasil, seu nome estará sempre associado à defesa da democracia. Carter, que morreu nesta semana aos 100 anos, foi o presidente dos Estados Unidos mais perturbador para a ditadura militar brasileira. Sua ascensão ao poder acabou com a vista grossa que a Casa Branca fazia para os desmandos dos generais no Cone Sul e representou uma guinada da política externa americana na direção da democracia e dos direitos humanos.

Drummond em seu escritório - Míriam Leitão

O Globo

Drummond escreveu um diário por 34 anos, mas destruiu em grande parte. O que restou virou um livro de deliciosa leitura

O título acima tem ambiguidade intencional. É dele, de Drummond, o escritório. Mas pode ser seu, de quem lê “O observador no escritório”, com as anotações feitas pelo poeta em seu diário, durante 34 anos, livro que acaba de ser relançado. A obra traz relatos dos seus encontros com amigos poetas e escritores, e notas sobre a política brasileira em intensa convulsão no tempo. A leitura traz a sensação de estar ouvindo confidências do poeta, como se fosse um amigo que chegou para uma visita ou mandou uma mensagem.

Hoje é o último dia de 2024. No último dia de 1952, Drummond anotou: “Escusa fazer o balanço do ano. O tempo é contínuo, e a divisão em meses, convencional. Por que ter esperanças no ano próximo e desacreditar o que passou? Eu é que passei não ele. Fiz cinquent’anos. Perdi um irmão discreto e simples. Tive ímpetos e descaídas. Não me sinto habilitado a julgar a vida, nem a mim mesmo.”

A conversa para 2025 – Pedro Doria

O Globo

O personagem político mais importante de 2024 foi Pablo Marçal. O mais provável é que ele tenha explodido neste ano e não mais apareça. Depois de divulgar um documento médico evidentemente falso, tudo indica que terminará com os direitos políticos cassados pelo TSE antes da próxima eleição. Se formos para além das fronteiras brasileiras, há outros dois personagens muito importantes: Donald Trump e Elon Musk. E os três, juntos, contam uma mesma história. Mudou, de novo, a maneira de fazer comunicação política. Sentimos o cheiro disso em 2024. Este ano de 2025 será o da consolidação dos profissionais para os pleitos do ano seguinte. Quem aprender as lições direito sai na frente.

Patos mancos? - Merval Pereira

O Globo

Lula e Bolsonaro desafiam a teoria do “pato manco”, pois mantêm expectativa de poder mesmo debilitados

A governabilidade do presidente Lula em seu terceiro mandato se degrada a cada demonstração de que não tem como resistir ao Congresso de centro-direita que o pressiona de todos os lados. A revelação de Malu Gaspar de que Lula mobilizou seu ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para liberar alguns recursos especiais aos deputados federais por meio de manobra usando o Ministério da Saúde como uma espécie de “laranja”, é vergonhosa para um governo eleito com, entre muitas outras promessas, a de acabar com o “orçamento secreto”.

Em busca do Brasil perdido - Felipe Pimentel

O Estado de S. Paulo

Se a esquerda não tiver um projeto de país, a direita terá um projeto de indivíduo para cada cidadão. Nisso estamos desamparados e o País, bastante perdido

Após realizadas as eleições municipais de 2024, como sempre, houve muitas tentativas de compreender o seu resultado. Parecem claros os seguintes pontos: 1) a polarização Lula-Bolsonaro não foi decisiva; 2) a esquerda enfraqueceu no âmbito executivo; 3) um tipo de centro, que chamaria de kassabismo, foi o grande vencedor; 4) o orçamento secreto teve força fundamental; 5) o grau de ideologia dos partidos declinou; 6) partidos dominantes na Nova República mantêm o seu eclipse – PT e PSDB minguaram ainda mais; e 7) uma alta taxa de abstenção em várias capitais. O elemento novo parece ter sido Pablo Marçal, que bagunçou o tabuleiro simplório da disputa lulismo-bolsonarismo.

‘Ápice da balbúrdia’. Será - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O “ápice” foi com os R$ 50 bilhões de 2024, ou a “balbúrdia” vai piorar em 2025?

O“ápice da balbúrdia” azedou as relações entre os três poderes e o humor da sociedade contra o Congresso Nacional em 2024 e tende a ficar ainda pior em 2025, caso Câmara e Senado não admitam a gravidade da situação e o quanto isso desgasta a já tão desgastada imagem da política no Brasil. Assim, a pergunta que está no ar é: o ápice foi na gestão de Arthur Lira, ou pode ser na de Hugo Motta, seu sucessor na presidência da Câmara a partir de fevereiro?

As emendas parlamentares são válidas, pois aproximam o deputado e o senador de suas bases e dos interesses dos seus municípios e Estados. O problema é que os valores se multiplicam desenfreadamente e são usados sem controle. O poder sobre o Orçamento sai do Executivo para o Legislativo, o governo fica na mão do Congresso e o resultado é o de sempre: compra de votos e corrupção.

2025, o ano da direita antissistema - Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de S. Paulo

Pode ser um fiasco, pode ser a oportunidade para reformas profundas

Contra um consenso tecnocrático, cosmopolita, globalizante, laico, progressista e —ao menos no discurso— ambientalista, ergue-se uma direita que é, ao contrário, próxima do homem comum, nacionalista, orgulhosa de suas raízes cristãs, conservadora e cética quanto às mudanças climáticas. Ela tem várias versões, algumas mais moderadas, outras mais extremistas, algumas mais intervencionistas, outras mais libertárias; mas todas com algo em comum: o sentimento antissistema. E, em 2025, essa direita chegará mais longe do que nunca.

Em 2017, Trump chegou ao poder cercado de assessores do establishment político republicano, que o contiveram de várias maneiras. Agora, esse próprio establishment se rendeu ao trumpismo e tem, portanto, menos capacidade e disposição de limitá-lo.

Governadores misturam politicagem e segurança pública – Alvaro Costa e Silva

Folha de S. Paulo

Argumento da autonomia não pode justificar abusos da força policial

Há no país duas certezas enraizadas: uma polícia violenta dá voto e a questão da segurança pública irá definir as eleições presidenciais de 2026.

A PEC de Ricardo Lewandowski propõe que a União tenha o poder de estabelecer as diretrizes da política de segurança, dividindo (ou diminuindo, de acordo com o ponto de vista) a responsabilidade dos estados. A proposta coleciona adversários dentro do próprio governo, a turma que acha melhor não mexer nesse vespeiro.

Diante do desespero da população –recente Datafolha mostrou que 51% dos brasileiros dizem ter mais medo da polícia do que confiança nela–, da exploração ideológica da crise e das cenas cotidianas de brutalidade, um decreto do Ministério da Justiça publicado na semana passada prevê uso da força e de armas de fogo apenas como último recurso.

Bancadas pessoais - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Teto de doações eleitorais deveria ter valor nominal máximo, não ser uma proporção da renda anual do doador

Reportagem da Folha mostrou que alguns empresários conseguiram, através de doações, eleger suas próprias bancadas de vereadores. Um caso eloquente é o do empresário Erasmo Batistella, que deu apoio financeiro a 14 dos 21 vereadores eleitos em Passo Fundo (RS), município com mais de 200 mil habitantes.

Em cidades menores, o efeito do dinheiro extra pode ser ainda mais decisivo. Rubens Ometto, de longe o maior doador individual de 2024, ajudou a eleger a maioria dos vereadores tanto de São José da Laje, município alagoano na área sob influência de Arthur Lira, quanto de Igreja Nova, na zona de Renan Calheiros.

Desacato à lei na casa das leis - Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O desrespeito do Congresso à lei no caso das emendas afronta a natureza da Casa

Na Constituição discutida, votada e aprovada pela Assembleia Constituinte eleita em 1986 e concluída em 1988, há um dispositivo claro no artigo 37 que demanda transparência aos atos da administração pública.

A esse preceito, pouco observado com seriedade, se refere o ministro Flávio Dino ao exigir, com apoio dos pares do Supremo Tribunal Federal, o cumprimento das regras de manejo das emendas parlamentares.

A olhares mais frouxos tal exigência pode parecer implicância do Judiciário ou mesmo soar como um quê de retaliação devido a certas iniciativas do Legislativo, mas não é. Trata-se da simples disciplina legal.

AGU orienta governo a não pagar R$ 4,2 bilhões em emendas

Pepita Ortega / O Estado de S. Paulo

Braço jurídico do governo considera ‘prudente’ que Planalto adote ‘interpretação mais segura’ da decisão do ministro do STF que liberou, neste domingo, 29, parte das emendas de comissão bloqueadas por falta de transparência; em jogo, está R$ 1,7 bilhão em emendas apadrinhadas por líderes que foram empenhadas antes do dia 23 de dezembro

Em meio à queda de braço entre o Congresso e o ministro Flávio Dino sobre a liberação do espólio do orçamento secreto, a Advocacia-Geral da União sugeriu cautela ao governo Lula e o não pagamento – pelo menos por hora - de R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares apadrinhadas por líderes partidários. O braço jurídico do Executivo diz que é prudente que o governo adote uma “interpretação mais segura” da decisão de Dino que liberou, neste domingo, 29, parte das emendas de comissão que estavam bloqueadas desde o dia 23.

Dino deu aval para a continuidade da execução de parte das emendas de comissão já empenhadas para “evitar insegurança jurídica para terceiros”, como Estados, municípios, empresas e trabalhadores. A AGU, no entanto, viu “dúvida razoável” sobre o alcance da ressalva de Dino e assim sugeriu que, ao menos até um “esclarecimento judicial”, o governo mantenha o bloqueio das mais de 5 mil emendas citadas em um ofício enviado por 17 líderes partidários ao governo, no início de dezembro, pedindo o pagamento dos valores.

Decreto de Lula dá mais credibilidade e transparência às ações policiais, dizem ex-ministros da Justiça e da Segurança

Por Filipe Matoso, g1 e GloboNews 

Texto do governo foi publicado em 24 de dezembro e prevê diretrizes para uso da força policial. Em manifesto, sete ex-ministros dizem que violência 'desmedida' não combate o crime.

Um manifesto divulgado nesta segunda-feira (30) por sete ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública afirma que o decreto editado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o uso da força policial dá mais credibilidade e transparência às ações policiais, acrescentando que a violência "desmedida" não combate o crime na prática.

decreto foi publicado no último dia 24 de dezembro no "Diário Oficial da União" (DOU). Em janeiro, deve ser publicado um outro texto com a regulamentação de trechos desse decreto.

Decreto do Governo regula usa da força por polícias

Entre outros pontos, o decreto do governo Lula diz que:

- arma de fogo não pode ser usada se a pessoa estiver desarmada (exceto em caso de risco ao profissional);

- o nível de força deve ser compatível com a ameaça;

- não pode haver discriminação (racial, por exemplo).

"Para além do discurso de caráter meramente ideológico, é difícil não perceber que o decreto representa uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica", diz trecho do manifesto.

O documento é assinado pelos ex-ministros José Eduardo Cardozo, Raul Jungmann, Aloysio Nunes Ferreira, Tarso Genro, Nelson Jobim, Miguel Reale Júnior e Luiz Paulo Barreto.

Manifesto dos ex-ministros da Justiça e Segurança*

"Nós, ex-ministros da Justiça e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de distintos governos, apresentamos manifestação favorável ao Decreto 12.341/2024, o qual, sem limitar a necessária e adequada atuação policial, foi editado para regulamentar uma lei publicada há uma década (Lei 13.060/2014), que disciplinou o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, representa um avanço civilizatório sem precedentes no Brasil.

Por certo, vivemos dias desafiadores no nosso País, que ensejam a atuação presente e constante do Estado brasileiro em busca de um ambiente de melhora na segurança pública. Inegavelmente, o tráfico de drogas, o crime organizado e a violência urbana cotidiana impactam negativamente a vida de cada cidadão e do Estado brasileiro.

Por outro lado, enquanto avança no combate à criminalidade nas suas mais diversas formas, o Estado não pode descuidar dos excepcionas desvios porventura cometidos por agentes estatais.

Miscelânea final - Pablo Spinelli*

Por ser fim de ano, época que nossos leitores ficam de férias e acabam por esquecer esse valoroso blog, fazemos aqui uma pequena miscelânea de sugestões;

1.    O livro O Jovem Maquiavel, de Newton Bignotto, merece uma leitura não só por parte dos já iniciados em Teoria Política ou História, como também serve como porta de entrada ou de complemento para aquele que começou a conhecer o pai da Ciência Política a partir da leitura de O Príncipe. Bignotto nos oferece um panorama histórico da Florença e dos conceitos que forjaram Maquiavel como homem da ação enquanto diplomata e mais tarde, como escritor de um dos livros mais importantes do Ocidente ou do Norte Global.

Poesia | Ano novo, de Fernando Pessoa

 

Música | Paulinho da Viola - Foi um Rio que passou em minha vida

 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Feliz Ano Novo!

 


O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Globo

Queda de ponte revela urgência de privatizar estradas

Governo só leiloou nove das 35 rodovias que pretende licitar. Resultado: manutenção deficiente — e tragédias

A sexagenária ponte Juscelino Kubitschek, ligando os municípios de Estreito (MA) e Aguiarnópolis (TO), dava sinais de que poderia cair a qualquer momento, mas eles foram ignorados. No dia 22, enquanto um vereador filmava os indícios de degradação, parte da estrutura que integra a BR-226 veio abaixo, arrastando veículos que passavam. A queda causou a morte de pelo menos dez pessoas — outras sete permanecem desaparecidas — e gerou preocupação sobre a contaminação da água do Rio Tocantins pelas cargas tóxicas nas carretas que se acidentaram.

Ninguém pode se dizer surpreso. Um documento do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), responsável pela administração da rodovia, apontou em 2020 problemas como inclinações nos pilares, rachaduras e fissuras. Os últimos reparos de vulto ocorreram entre 1998 e 2000. Em maio deste ano, o Dnit abriu licitação para reformar a estrutura, lhe dar “melhores condições de segurança e trafegabilidade”, além de “reabilitar e aumentar a sobrevida”. As empresas que se apresentaram não preencheram os requisitos exigidos. A tragédia foi mais rápida.

Cuidado: Ano-Novo à frente - Fernando Gabeira

O Globo

Investidores querem austeridade, muita austeridade. Mas já vimos, na Grécia, que essa fórmula tem limites

Tenho uma modesta bola de cristal. Às vezes ela embaça e perde o foco. Ainda assim, sugiro cuidado com o ano que entra.

Nos Estados Unidos, Trump promete deportação em massa e aumento das tarifas, além de uma pesada campanha contra a mídia. Dificilmente brasileiros escaparão da rede da deportação num bonde cheio de outras nacionalidades. O aumento de tarifas visa à China, mas Trump já mencionou outros países que estão na sua mira: Brasil e Índia.

Aqui dentro, o ano termina em sobressalto econômico. Há uma divergência entre as visões do governo e do mercado. Os investidores querem austeridade, muita austeridade. Mas já vimos, como na Grécia, que essa fórmula tem limites. O governo acha que a presença do Estado — gastando dinheiro, abrindo empregos, aumentando salários, aumentando consumo — faz rodar a máquina da economia. Lord Keynes aprovaria tudo isso, em certa conjuntura. O problema é que não estamos nela. Portanto, apesar de suas pretensões eleitorais, o governo tem limites.

Decisão não estrangula Congresso, mas o mantém nas cordas - César Felício

Valor Econômico

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino de manter suspensa a liberação de emendas parlamentares, com exceção das empenhadas até 23 de dezembro e das destinadas à Saúde, deve sedimentar na Câmara dos Deputados a convicção de que o magistrado é funcional ao Palácio do Planalto, mas tende a garantir às lideranças parlamentares o mínimo para a sobrevivência: preserva os acordos feitos na reta final da votação das propostas de ajuste fiscal apresentadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O ofício assinado pelos líderes da Câmara no dia 12 de dezembro pedia a liberação de recursos para pagamentos emendas de comissão, ou seja, não impositivos, em uma soma que atingia R$ 4,2 bilhões. Ocorre que essas emendas não eram "de comissão", mas sim ferramentas do desde 2021 proscrito orçamento secreto, manejadas por 17 líderes de bancada, coordenados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Companheiros de viagem – Miguel de Almeida

O Globo

Muitos permanecem, mesmo passadas décadas, como se fossem amigos queridos

Encontrei duas ou três vezes com Paul Auster, sempre nas ruas arborizadas do Brooklyn nova-iorquino. Com Mario Vargas Llosa, somente num regabofe paulistano — o conhecido pé de valsa peruano se aproximou sorrateiro e simpático enquanto eu conversava com Bruna Lombardi. Infelizmente, nunca esbarrei em Javier Marias ou Ismail Kadaré.

O que os une, além da indesejada das gentes (exceto o peruano, que vive na Espanha), é termos nos acostumado às suas obras, quase sempre seminais, levados num mergulho pelo afeto de suas criações; enquanto muitos permanecem, mesmo passadas décadas, como se fossem amigos queridos. De Vargas Llosa, difícil esquecer o enlouquecido novelista Pedro Camacho, de “Tia Júlia e o escrevinhador”, ou do início de “Conversa na Catedral” quando perguntam ao narrador, desolado com a história política do Peru (substitua por Brasil):

— Onde nos fodemos?

Vale lembrar que a “Catedral” do título é um boteco.

Narrativas econômicas podem iludir – Irapuã Santana

O Globo

Ano após ano, vemos um governo com uma política econômica desastrada, defendida por sua bolha

A economia do país sempre afeta as Festas e, desta vez, o fim de ano veio com a guerra de narrativas sobre a explicação para a alta do dólar. Para evitar vieses, examinemos os dados e os argumentos dos dois lados.

O PIB do Brasil cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2024, segundo o IBGE, chegando ao patamar de crescimento da China. Com isso, houve alta de 4% em relação ao mesmo período do ano passado. Nesse mesmo terceiro trimestre, o desemprego caiu para 6,1%, como aponta a Pnad Contínua.

Entretanto esses números positivos não refletem o sentimento da população. Em pesquisa Genial/Quaest, 40% dos brasileiros acham que a economia piorou nos últimos 12 meses. Em seguida, revelou-se que 68% das pessoas responderam que seu poder de compra está menor que há um ano.

O ano fiscal em retrospecto (parte 1) - Bruno Carazza

Valor Econômico

2024 foi o ano em que demos um salto para frente e muitos passos para trás e para o lado na agenda fiscal

Os dias se sucedem, e em meio ao sobe e desce do dólar e das bolsas, às crises no Congresso e às disputas eleitorais deste ano, perdemos a noção dos avanços e retrocessos do país. Aproveitando o clima de final de ano, e recorrendo ao caderninho de registros e ao arquivo de newsletters de notícias acumuladas na caixa de mensagens, vai abaixo a primeira parte de um apanhado de alguns dos principais fatos da agenda fiscal e tributária deste 2024.

Qual é o juro necessário para baixar a inflação? - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Tão importante quanto colocar os juros em nível restritivo o suficiente é ter sangue-frio para mantê-los elevados pelo período necessário

O futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, resumiu assim a sua estratégia de política monetária, na entrevista de divulgação do Relatório de Inflação: “Buscar a taxa de juros necessária, no patamar restritivo necessário, pelo tempo que for necessário, para atingir a meta de inflação”.

O Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que vai elevar a Selic dos atuais 12,25% ao ano a 14,25% ao ano até março. Segundo Galípolo, para saber “o que vai acontecer dali para a frente”, será preciso “aguardar para ver como é que tudo vai se desenrolar”.

Lula como pato manco - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Para garantir governabilidade o governo terá que garantir mais proporcionalidade partidária na distribuição dos ministérios

O malogro de Lula 3 estava escrito na pedra, como já examinei aqui. Aqui não há nenhuma surpresa, como veremos a seguir. Houve surpresas, mas de outra natureza: o 8/1 gerou onda de solidariedade nacional que beneficiou o governo. O mesmo vale, em grau menor, após as evidências que vieram à tona em 2024 de planos golpistas. Os ganhos políticos advindos destes eventos estão se dissipando.

Três fatores estavam presentes —alguns antes mesmo da posse— que prenunciavam claramente o que viria. O primeiro deles é o caráter hiperminoritário do Executivo, levando-o a formar coalizão frouxa de 18 partidos, mais do que o dobro dos seus mandatos anteriores (8 e 9 partidos, respectivamente). A coalizão mais heterogênea da série histórica implica elevado custo de gerenciamento.

Os dez passos da moderação - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

O antídoto para os radicalismos é a moderação política, não é ficar em cima do muro

O porre da polarização extrema de 2022 foi além das festas de fim de ano e avançou 2023 adentro, culminando nos atos de 8 de janeiro, que quase colocaram o País em coma político. A ressaca que se seguiu foi duradoura. Parecia que os brasileiros iam optar de vez pela abstinência dos radicalismos. Mas 2024 tinha outros planos. A violência política e o discurso maniqueísta reapareceram na eleição municipal, com direito a cadeiradas e troca de sopapos diante das câmeras. Em outra frente, os sentimentos que intoxicaram as mentes dos que participaram da quebradeira em Brasília voltaram a aflorar pouco a pouco, abastecidos pelas fake news de sempre e por arbitrariedades judiciais cometidas em nome do nobre fim de combatê-los.

Redesenho do Oriente Médio - Denis Lerrer

O Estado de S. Paulo

Derrota da agressão iraniana a Israel produziu uma reacomodação política e militar naquela região, exibindo a fragilidade da Síria

A agressão iraniana a Israel, visando à exterminação desse país – seja indiretamente, por via do Hamas, do Hezbollah, do regime do ex-ditador Bashar alAssad, dos Houthis e de milícias iraquianas xiitas, seja diretamente por ataques próprios –, terminou numa derrota acachapante. O colonialismo iraniano sofreu um duro golpe, ficando os seus líderes religiosos apenas com uma narrativa belicosa, sem força militar efetiva. Nesse contexto, Israel surge incontestavelmente como vitorioso. Ocorre que esse evento terminou por produzir uma reacomodação política e militar naquela região, exibindo a fragilidade da Síria.

O racha dentro da coalizão trumpista - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Grandes divergências ideológicas tornam o novo governo americano muito menos previsível

A vitória de Donald Trump no mês passado foi possível graças a uma ampla coalizão envolvendo atores com visões de mundo profundamente distintas – entre eles: bilionários libertários do Vale do Silício, nacionalistas econômicos que defendem políticas protecionistas, movimentos xenófobos de extrema direita e conservadores tradicionais do Partido Republicano dispostos a barrar numerosas propostas do presidente eleito.

Senadores republicanos como Lisa Murkowski, do Alasca, Susan Collins, do Maine, e Mitch McConnell, do Kentucky, por exemplo, representam a ala tradicional e defendem a continuação da política externa americana das últimas décadas, envolvendo uma ampla presença militar e política na Europa ena Ásia, enquanto o vice-presidente J.D. Vance representa a ala mais isolacionista.

Poesia | Receita de Ano Novo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Zé Ramalho - Frevo Mulher

 

domingo, 29 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O Globo

Produtividade é maior fraqueza da economia brasileira

Mercado de trabalho aquecido não deve trazer ilusão. Sem aumentar a eficiência, é inevitável o retrocesso

À primeira vista, o mercado de trabalho parece estar em situação próxima do ideal. O desemprego caiu a 6,1%, menor taxa da série histórica iniciada em 2012. O rendimento médio mensal cresceu na comparação com o ano passado, tendência idêntica à observada nos empregos com carteira assinada. A informalidade e a proporção dos que desistiram de procurar trabalho registram quedas. Na superfície, o quadro é positivo. Um olhar mais atento, porém, mostra que todos esses avanços correm o risco de retrocesso.

O problema é a baixa produtividade por hora trabalhada, que cresceu mero 0,1% no terceiro trimestre, na comparação com mesmo período de 2023, segundo dados do Observatório da Produtividade Regis Bonelli. Com o impulso da agropecuária, o ano passado registrara crescimento de 2,3%. Mas o setor perdeu força neste ano, e a produtividade passou a depender mais do setor de serviços, notório no Brasil pela baixa eficiência. “Observando o crescimento desde o último trimestre de 2019 até o terceiro trimestre deste ano, a produtividade está 2% acima do nível pré-pandemia. Mas o crescimento está perdendo vigor”, diz a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). Sem aumentar a produtividade do trabalho, a economia como um todo não tem como recuperar eficiência. Isso pode pôr a perder todas as conquistas registradas nos últimos anos.

Vale a pena ver de novo? - Merval Pereira

O Globo

Se o Congresso pudesse ou quisesse explicar a questão das emendas - quem aprovou, para onde foi o dinheiro, etc - já teria feito, diante das exigências do STF

Quando todos, especialmente os parlamentares, esperavam que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flavio Dino iria acatar as respostas nada esclarecedoras da Câmara a respeito da liberação das emendas, eis que ele se manteve firme na exigência de informações precisas. Não havia por que a manobra do presidente da Câmara, Arthur Lira, e os líderes, depois da reunião com o presidente Lula no Palácio da Alvorada, pudesse obrigar o governo a pagar as emendas que foram suspensas pelo ministro Dino. A não ser que ele estivesse realmente de conluio com o presidente, como parecem acreditar os parlamentares.

O problema não é com o governo, que está disposto a pagar para não se atritar com o Congresso. Aliás, já fez mais do que deveria, isto é, afirmar, através da Advocacia Geral da União (AGU) que está tudo normal na tramitação, quando todos sabem que ela transgrediu as normas mais elementares de transparência e pessoalidade, como aliás frisou o ministro Dino na resposta. Os líderes que estavam na reunião são os que aprovaram a liberação das emendas, mudando grande parte do que havia sido decidido nas comissões, desviando dinheiro para seus apoiadores.

A revolta das emendas - Bernardo Mello Franco

O Globo

O ministro Flávio Dino operou seu primeiro milagre: fez a cúpula do Congresso aparecer em Brasília entre o Natal e o réveillon. Na última semana do ano, parlamentares tiraram os paletós do armário e correram para Brasília. Foram discutir formas de pressionar o Supremo a revogar o bloqueio das emendas.

Dino suspendeu pagamentos de R$ 4,2 bilhões, que escorreriam dos cofres públicos no apagar das luzes de 2024. Na decisão, citou um quadro de “degradação institucional” e “inconstitucionalidades em série”.

Irritado, o deputado Arthur Lira convocou os líderes para uma reunião de emergência. Do encontro, partiram recados de que haverá retaliação se o dinheiro não for liberado.

As ameaças se repetem desde novembro de 2021, quando a ministra Rosa Weber determinou o primeiro bloqueio do orçamento secreto. Ela foi substituída por Dino, que herdou o processo e a disposição de impor limites à farra das emendas.

Boas surpresas e crises de 2024 – Míriam Leitão

O Globo

Marcado por bons indicadores econômicos, 2024 termina com ar de crise. O ano foi de embates políticos e fortes recados do clima

No começo do ano, falando para um grupo de pessoas que tinha me pedido uma avaliação do que aconteceria em 2024, eu disse: preparem-se para as surpresas positivas na conjuntura econômica. Elas foram ainda mais positivas do que eu pensava. O país cresceu mais e de maneira menos concentrada do que no ano anterior, houve aumento do consumo, da renda, do emprego e do investimento. A agricultura, que havia puxado 2023, recuou, mas os serviços e a indústria subiram gerando o crescimento não esperado por ninguém e que chegou a 3,5%. O desemprego caiu para 6,1%, o menor da série histórica.

Mesmo assim, o ano termina com o travo amargo da inflação fora da meta, um ambiente de crise no mercado financeiro, estresse político, o câmbio disparado, o Banco Central fazendo a maior operação de venda de dólares da história. As boas notícias se confirmaram e foram até melhores do que o previsto, mas inflação de 4,7% pelo IPCA-15, estourando o teto da meta, é um problema que ficou para ser resolvido em 2025.

No espaço – Dorrit Harazim

O Globo

Astronautas talvez nunca tenham pensado na condição humana como hoje, por estarem encalhados numa estação orbital

Em “Orbital”, obra que deu à escritora inglesa Samantha Harvey o prestigioso Booker Prize em 2024, seis astronautas ancorados na Estação Espacial Internacional orbitam a Terra e contemplam a vida cá embaixo. A missão do grupo (quatro mulheres e dois homens) é essencialmente científica — testar os limites do corpo humano, coletar dados meteorológicos, realizar experimentos. Contudo, durante esse orbitar que lhes permite observar, no espaço de um único dia, a dança dos continentes, o ciclo das quatro estações, a potência das geleiras, desertos, montanhas e oceanos, também a vida terrena os alcança, com suas pequenas grandes tragédias. Recebem a notícia da morte da mãe de um deles, acompanham a formação de um tufão que vai devastar uma ilha e pessoas queridas, sentem a concretude da fragilidade humana.

Coragem é dizer ‘não’ - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

O ‘todo mundo faz’ corrompe Congresso, polícias, Judiciário, Forças Armadas e até igrejas

A cultura do “todo mundo faz” na vida cotidiana, na corporativa, na institucional, é um dos maiores males nacionais. Se todo mundo ao meu redor faz errado, por que só eu tenho de fazer direito, cumprir as regras, seguir à risca a lei, não tirar vantagens indevidas, não fraudar um benefício daqui, outro dali? Enfim, não usar o ambiente para se autoconceder um salvoconduto para “se dar bem”, com o velho “jeitinho carioca”, naturalizado e nacionalizado.

A missão da polícia, por exemplo, é nobre e fundamental, mas, se um superior segue a linha do “bandido bom é bandido morto”, ele contamina a tropa e o, ou a, policial que veste a farda para combater a violência vira agente dela. Daí a pancadaria e tiros letais em pessoas desarmadas e rendidas, cidadãos jogados de pontes ou mortos com gás em porta-malas. O, ou a, jovem policial segue o exemplo de cima e vai servir de exemplo para quem vem depois.

Um 2024 aos tropeços... - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

“Al volver la vista atrás/ se vela senda que nunca/ se ha de volvera pisar ”, cantava o poeta Antonio Machado.

Voltar avista atrás para a economia de 2024 deixa um sentimento ambíguo. Que molha apenas para os resultados imediatos, tem um balanço positivo. Mas quem repara nos rastros deixados pelas pisadas nota certo desarranjo.

É a atividade econômica crescendo a ritmo invejável, de 3,5%; éo desemprego de 6,1%, menor nível da história; a inflação que não deverá passar dos 5,0%; e as contas externas – pesadelo dos anos 70 e 80 – continuam exuberantes.

O que houve de pior aqui no Brasil foram as enchentes nunca vistas no Rio Grande do Sul, que produziram prejuízos que o Banco Interamericano de Desenvolvimento avaliou em R$ 88 bilhões. Mas o desastre expôs um lado positivo: a enorme resiliência e a capacidade de recuperação do povo gaúcho, graças, em boa parte, às transferências de recursos de outros brasileiros e do governo federal.

Por um pacto nacional pelo equilíbrio fiscal - Ricardo Alban *

Correio Braziliense

O crescimento econômico de 2025 já ficou comprometido com a política monetária contracionista e o movimento exagerado do câmbio. Ainda assim, podemos ter um certo crescimento da indústria e do agronegócio

Até meados de 2024, a economia superou as expectativas, com forte crescimento do PIB, apesar da contração do agro. Havia motivos para comemorar: inflação sob controle; a nova política industrial dando resultados e a indústria puxando o crescimento e a criação de empregos; aumento da arrecadação; anúncios de investimentos; aprovação da reforma tributária.

Em agosto, uma chave virou e o Brasil caminha para o fim do ano com um cenário preocupante de incerteza econômica em 2025. Preocupam o setor produtivo, o caminho rumo à racionalidade dos gastos públicos, a trajetória de alta da taxa de juros e a escalada do dólar. São gatilhos para agravar o desequilíbrio fiscal e comprometer o desempenho dos setores que mais contribuem para o crescimento. As consequências serão sentidas pela parcela da sociedade que mais precisa de desenvolvimento social.

Haddad e a esquerda louca e ignara - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ministro fica amarrado entre a direita que não quer imposto e a esquerda que quer gasto

"Eu sei que esse discurso desagrada à esquerda e à direita... porque um lado não quer contenção de gastos e outro não quer pagar imposto. Aí, fica difícil, né. A direita não quer pagar os impostos que deve. A esquerda não quer conter gastos. Como é que fecha as contas?".

Com aspecto de exausto e em tom desconsolado, foi o que disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na entrevista coletiva que concedeu no dia 20 de dezembro.

O que o comando do PT e esquerda em geral pensam dessas frases de Haddad? O ministro teria sido abduzido pela direita, pela "Faria Lima"? Foi convertido à adoração do "deus mercado" (como escreve nas redes tanta gente de poucas letras e números)? Teria passado por lavagem cerebral em reuniões com donos do dinheiro grosso?

Livros de política de destaque em 2024 - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

'Extremos' é a obra do ano, ao conciliar tema urgente com estratégia expositiva genial

Foi mais um ano forte em obras sobre autoritarismos, democracia e desigualdades.

Duas reedições merecem menção: em "Lélia Gonzalez: Um Retrato", Sueli Carneiro apresenta ao grande público uma introdução à trajetória de uma grande intelectual e ativista brasileira. Por sua vez, o historiador português Rui Tavares procurou, em "Esquerda e Direita: Um Guia Histórico para o Século 21", reconstruir os pontos cardeais do debate público com notável sensibilidade histórica.

Entre os lançamentos, "Cachorros", de Marcelo Godoy, se destaca por narrar com riqueza de detalhes a operação de assassinato da direção do Partido Comunista Brasileiro pela ditadura militar brasileira. A matança foi possível graças a uma infiltração nos mais altos níveis do partido, aqui revelada pela primeira vez. O PCB não aderiu à luta armada.