Valor Econômico
Como a tortura do irmão, o desemprego
pós-golpe e o enquadramento na LSN fizeram o presidente Lula migrar, da torcida
pelo sucesso dos militares, há 60 anos, para o engajamento na abertura política
Em 1978, Luís Eulálio de Bueno Vidigal,
presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Autopeças, foi até o
comandante do II Exército, Dilermando Gomes Monteiro, para falar sobre a greve
dos metalúrgicos. O presidente do sindicato dos peões em São Bernardo, que
caíra nas graças do empresariado três anos antes ao se eleger por 98% dos votos
quebrando uma tradição comunista, não deixou por menos.
“Peguei o telefone, liguei para o Dilermando
e disse - eu também quero conversar. Aí eu fui lá falar com ele, porque ele
tinha ouvido a versão do empresariado e eu fui mostrar a versão dos
trabalhadores. Ele me tratou bem, foram quase três horas de conversa. Foi uma
conversa muito interessante para mim, muito interessante”, disse o atual
presidente da República a Denise Paraná (“Lula, o filho do Brasil”, editora da
Fundação Perseu Abramo, 2002), 15 anos depois daquela greve.
O general havia sido mandado para São Paulo
depois que o então comandante, Ednardo D’Ávila Melo, instado por Ernesto Geisel
a controlar mais de perto a atuação do aparelho de repressão do DOI-Codi
(Centro de Operações para a Defesa Interna do Departamento de Operações
Internas), permitiu que, dois meses depois da morte do jornalista Vladimir
Herzog, o operário Manoel Fiel Filho também fosse morto nas dependências do II
Exército.
Dilermando foi o primeiro general com quem,
aos 33 anos, Luiz Inácio da Silva, ainda sem o Lula do registro eleitoral, teve
contato. O comandante havia sido incumbido pelo Alto Comando do Exército de
preparar um relatório sobre as reivindicações dos grevistas. As mudanças no
sindicalismo do ABC passaram a ser acompanhadas de perto por Geisel desde que o
então governador, Paulo Egydio Martins, compareceu à posse do jovem
sindicalista.
No seu livro de memórias (“Paulo Egydio
conta”, Imprensa Oficial, 2007), o ex-governador conta o telefonema que recebeu
de Geisel no dia seguinte à posse: “Paulo, o que deu na sua cabeça de ir à
posse de um operário no Sindicato dos Metalúrgicos?”. Dadas as explicações,
Geisel retrucou dizendo não saber que o novo dirigente havia derrotado os
comunistas do sindicato, ao que Paulo Egydio respondeu: “Então peça para o
pessoal da sua informação se atualizar um pouco mais a respeito do que está lhe
entregando”. Foi isso que Dilermando fez ao longo de três horas com Lula.