sábado, 10 de dezembro de 2022

Opinião do dia - Jürgen Habermas* (Direitos Humanos)

“Os direitos humanos formam uma utopia realista na medida em que não mais projetam a imagem decalcada da utopia social de uma felicidade coletiva; antes, eles ancoram o próprio objetivo ideal de uma sociedade justa nas instituições de um Estado constitucional.

Naturalmente, essa ideia transcendente de justiça introduz uma tensão problemática no interior de uma sociedade política e social. Independentemente da força meramente simbólica dos direitos fundamentais em muitas das democracias de fachada da América do Sul e de outros lugares, na política dos direitos humanos das Nações Unidas revela-se a contradição entre a ampliação da retórica dos direitos humanos , de um lado, e seu mau uso como meio de legitimação para as políticas de poder usuais, de outro.”

*Jürgen Habermas (Düsseldorf, 1929) é um filósofo e sociólogo alemão, ‘Sobre a Constituição da Europa’ (2011), pp. 31-2, Editora Unesp, 2012

Ascânio Seleme - Muda muito, muda pouco, muda tudo

O Globo

Não se via mudança mais aguda de governo desde 1985, quando José Sarney assumiu o lugar de João Figueiredo no Palácio do Planalto. Deixava então o poder o último general e assumia o primeiro civil desde o golpe de 1964. A troca agora, de Bolsonaro por Lula, tem uma dimensão ainda maior. Sai um extremista de direita e entra um político de esquerda. Mas o que parece à primeira vista um cavalo de pau de 180 graus, pode não ser bem assim. O que acontece é que muda tudo para não mudar muito. Ou para mudar pouco.Começando pela base que o novo governo está montando no Congresso, o que se enxerga é um amálgama multipartidário que pode se chamar de Centrão ampliado. Lula negocia com os mesmos parlamentares e partidos que emprestaram apoio a Bolsonaro nos últimos dois anos, ampliando sua sustentação pelos partidos de esquerda que formaram sua chapa vitoriosa. O presidente eleito governará com uma ampla maioria, mas ainda assim volúvel. Lula estará sujeito aos mesmos humores que Arthur Lira e sua turma demonstraram com Bolsonaro desde a posse do deputado na presidência da Câmara.

Pablo Ortellado - A democracia militante que inspira a luta contra o golpismo

O Globo

No curto prazo, o golpismo dos grupos antidemocráticos acampados nos quartéis será derrotado — não há dúvida disso. Mas, no médio prazo, a aspiração revolucionária dos grupos de extrema direita é um perigo que não deve ser subestimado. Se não agirmos para criar instrumentos capazes de defender a democracia com firmeza, eles se aproveitarão das liberdades constitucionais para derrubá-la na primeira oportunidade. Por isso a estratégia adotada pela Justiça de criar mecanismos defensivos inspirados na teoria da “democracia militante” precisa ser adotada também pelos outros Poderes.

O enfrentamento do movimento golpista é feito hoje praticamente apenas pela Justiça: Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com base nos inquéritos dos atos antidemocráticos e numa resolução normativa do TSE, a Justiça tem investigado e prendido suspeitos de arquitetar ações para desafiar o resultado das eleições e derrubar o regime democrático, bloqueado grupos de Telegram e WhatsApp e contas nas mídias sociais que também têm pregado a derrubada do regime.

Eduardo Affonso - Toda virtude será ostentada

O Globo

O que conta é trombetear a justiça. Dar esmola com a mão esquerda fazendo selfie com a direita

Nada mais fora de moda que a modéstia, quando se trata de pôr em ação os valores morais. Praticar a justiça é o de menos: o que conta é trombeteá-la. Dar esmola com a mão esquerda fazendo selfie com a direita, para pegar o melhor ângulo. Jejuar em público — de preferência em cenário instagramável — e deixar para se empanturrar no privado. Mateus 6: 1-6, 16-18 errou: a recompensa não será dada pelo Pai, mas pela plateia.

E a temporada de ostentação de virtude promete. A tendência vem de longe, mas nos últimos dias houve uma escalada — talvez pelo clima de Copa do Mundo, o frisson de fim de ano e de mandato alheio, a perspectiva (enfim!) do crepúsculo do macho tosco e do alvorecer da pessoa desconstruída, sensível e solidária.

Cristina Serra - Lula bota seu time em campo

Folha de S. Paulo

Preocupação com a volta à normalidade institucional está expressa nas escolhas

Lula apresentou o coração de seu futuro governo com os nomes que irão ocupar Fazenda, Justiça, Defesa, Casa Civil e Relações Exteriores. Escolheu Fernando Haddad para tourear o jogo bruto do dito mercado e os poderosos lobbies de setores empresariais que não sabem fazer negócios sem uma benesse do Estado aqui e ali.

Haddad tem couro duro para administrar pressões. Fortaleceu-se e amadureceu nas três últimas eleições que disputou e perdeu. Em 2016 e em 2018, concorreu no pós-golpe contra Dilma, no auge da perseguição lava-jatista a Lula e ao PT e em meio à ascensão da insânia bolsonarista.

Em tais circunstâncias, ajudou o partido a manter a cabeça fora d’água e a recuperar o fôlego para 2022. Mesmo perdendo, agora, na campanha para governador, Haddad reforçou a votação de Lula no pedregoso território paulista. Grandes realizações nos cargos que ocupou, convicções e lealdade o trazem ao posto que poderá credenciá-lo para 2026.

Bolsonaro quebra o silêncio e defende atos antidemocrático

Presidente fez um discurso de 15 minutos em que reclamou de críticas e disse que período de reclusão 'dói na alma'

Por Jussara Soares e Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA - Após 37 dias sem se manifestar publicamente, o presidente Jair Bolsonaro (PL) rompeu o silêncio nesta sexta-feira e se dirigiu a apoiadores que se aglomeraram diante do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Por cerca de 15 minutos, fez um discurso em que reclamou de críticas, disse se responsabilizar pelos seus erros e que o período de reclusão "dói na alma".

— Estou praticamente há quarenta dias calado, não é fácil. Dói, dói na alma. Sempre fui uma pessoa feliz no meio de vocês, mesmo arriscando minha vida no meio do povo, como arrisquei em Juiz de Fora em setembro de 2018 — afirmou.

Desde a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro adotou uma rotina de reclusão. Diminuiu as publicações nas redes sociais e interrompeu as lives que eram transmitidas às quintas-feiras. A última vez que o atual presidente havia se dirigido aos apoiadores foi em 2 de novembro, quando gravou um vídeo pedindo que manifestantes desocupassem as rodovias.

João Gabriel de Lima* - A democracia contra os extremistas

O Estado de S. Paulo

Cabe a cada país nomear seus bois, agarrá-los pelos chifres e submetê-los aos rigores da Justiça

A polícia alemã desbaratou, na quarta-feira, dia 7, uma organização que planejava um atentado contra o Parlamento do país. Foram presos 25 integrantes do Reichsburger, um grupo que armazenava armas e treinava militantes com o intuito de realizar atos terroristas. Investigam-se ainda 27 suspeitos de manter laços com a quadrilha ou apoiá-la financeiramente. Seu líder é o autodenominado príncipe Henrique XIII, descendente de nobres e renegado pela própria família.

“Foi entre os constitucionalistas alemães de 1945 que surgiu a distinção entre extremistas e radicais. Radicais são os que querem mudanças drásticas, mas dentro da Constituição. Extremistas são os que atuam de forma violenta contra a democracia”, diz o cientista político italiano Riccardo Marchi, estudioso do assunto, no minipodcast da semana. Segundo ele, a Alemanha tem um histórico de identificação e detenção de extremistas, talvez pela marca do passado nazista.

Adriana Fernandes - O ‘cercadinho’ para as mulheres

O Estado de S. Paulo

Lula só escolheu homens para os primeiros postos confirmados do seu novo governo

Só homens, panela! Essa é a impressão que fica da foto do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no anúncio dos cinco primeiros ministros para alguns dos postos mais cobiçados da Esplanada.

Gleisi Hoffmann, presidente do PT e ex-ministra da Casa Civil, está na foto, mas ela não participará da equipe do governo.

Na hora de tirar a fotografia final, Lula puxa Gleisi para o seu lado, pega no seu braço, mas o movimento não esconde o constrangimento com a ausência de mulheres e negros nos quadros mais relevantes. Só homens.

O próprio presidente já chega falando no assunto (percebe de antemão que a foto não estava legal) e se antecipa dizendo que nas próximas indicações haverá diversidade com mulheres, negros e indígenas.

Ricardo Henriques - Juventudes: superar o sem-sem/nem-nem

O Globo

Promover a geração de renda e contribuir para o engajamento nas escolas são caminhos para avançar nesse desafio

A situação dos jovens que não estudam nem trabalham não é nova, mas nem por isso podemos deixar de nos indignar com estatísticas como as divulgadas neste mês pelo IBGE: em 2021, 13 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos (26% do total) estavam nesta situação. É preciso ir além da indignação e agir na construção de uma política coesa, integrada e atrativa para as juventudes, focada nos mais vulneráveis, e que seja multissetorial e multinível, com os próprios jovens engajados em seu desenho.

Uma estratégia assim possui como principal eixo – não o único – a educação. Espera-se que a escola atenda crianças e jovens, de forma universal, durante 14 anos. Ela é o espaço de articulação entre os territórios físico e virtual com maior capilaridade para acolher as ofertas estatais que interagem com esse público. É preciso renovar esse espaço e torná-lo mais atrativo, produzindo sentido ao ato de estudar e aumentando o desejo de se concluir o ensino médio, num ambiente amigável e seguro para desenvolver todas as dimensões que o jovem desejar.

Carlos Alberto Sardenberg - Países pobres, uni-vos! Para continuar na pobreza

O Globo

Moeda única? Pergunte aos exportadores brasileiros se topam receber em pesos argentinos, bolívares venezuelanos

A proposta de criação de uma moeda comum para os países da América do Sul — o sur — é derivada de uma tese mais ampla, a diplomacia Sul-Sul, cuja base é a seguinte: o Norte rico e desenvolvido — basicamente Estados Unidos e União Europeia/Inglaterra — exerce dominação econômica e política sobre o Sul emergente e pobre. Logo, controla as finanças e o comércio — via dólar — e as políticas internacionais.

Como escapar disso? Unindo o Sul contra o Norte. Tem aí, claro, o antiamericanismo que molda o pensamento de esquerda, especialmente na América Latina. Unir o Sul significaria, portanto, montar uma área comercial e financeira, de tal modo que os sulistas fariam negócios entre si. E, quando se relacionassem com o Norte, o fariam unidos, na economia e na política.

Ora, nesse quadro, por que não ter uma moeda comum em que basear as relações Sul-Sul? E por que não começar pela América do Sul, já que Lula, um líder internacional, voltou ao poder?

Parece bom, não é mesmo? Mas, me desculpem, a ideia subjacente é de jerico: achar que juntando um pobre, dois pobres, três pobres... dá um rico. Não dá, né, pessoal? Dá um “pobrão”. E bem desestruturado.

Demétrio Magnoli - Cheque do Presidente

Folha de S. Paulo

Programas de transferência de renda aliviam temporariamente a pobreza

"Bolsa esmola" –era assim que, 20 anos atrás, Lula qualificava o programa Bolsa Escola de FHC. Depois, no poder, o tal "bolsa esmola" tornou-se o Bolsa Família, até Bolsonaro transformá-lo no Auxílio Brasil, que agora recupera o rótulo de identificação lulista. Sugiro, no lugar disso, um rebranding definitivo: Cheque do Presidente. A operação publicitária justifica-se duplamente: no campo do marketing, estabiliza a imagem de marca; no das políticas públicas, garante transparência de objetivos.

O Lula oposicionista de 2002 não criticava os valores do Bolsa Escola mas o conceito de transferência direta de renda, inspirado nas propostas de combate à pobreza do Banco Mundial. A conversão ideológica do Lula presidente assinalou, ao lado do abandono das ambições petistas de reforma econômica estrutural, a descoberta de uma mina de ouro eleitoral. De larva a borboleta: assinando o cheque, o líder dos trabalhadores metamorfoseava-se em pai dos pobres.

Vinicius Torres Freire - Entenda o que Haddad já pensou e pode pensar sobre economia

Folha de S. Paulo

Ex-ministro da Educação defendeu a PEC da Transição e tem dado ênfase à melhora da qualidade do gasto

O que pensa Fernando Haddad sobre economia? Difícil dizer, mesmo colando entrevistas e trechos de escritos dos últimos quatro anos, quando suas declarações e textos tiveram mais relevância para o assunto.

Além do mais, essa colcha de retalhos até um tanto injusta pode ser logo substituída por um tapete de trama organizada assim que o novo ministro nomear equipe, der suas diretrizes e respostas aos problemas mais urgentes, entre eles o do crescimento sem limite da dívida pública.

Um pouco de história. Causou alguma surpresa que Fernando Henrique Cardoso fosse nomeado ministro da Fazenda de Itamar Franco, em 1993, o quarto em sete meses de governo. Sobre economia, o que havia dito de mais sistemático era sociologia ou algo próximo de história econômica, trabalhos acadêmicos que haviam parado lá pelo começo dos anos 1970. FHC conduziu a criação do Plano Real.

Quem se dispusesse a pesquisar o que pensava o novo ministro, não acharia muito mais do que generalidades, para ser ameno. Mas suas amizades e proximidades com o que seria a equipe padrão de economistas tucanos dava pistas. Mas era só isso. FHC foi um político sagaz, com visão de história, para a frente também. Percebeu como desatar o nó gigante do problema econômico com o político, fazendo tudo isso ainda de modo a levar sua carreira ao topo.

Marcus Pestana - As goteiras crescentes e a inundação fiscal

De volta à polêmica envolvendo Teto de Gastos, despesas sociais e a PEC da Transição. Há uma percepção falsa de que os gastos governamentais podem ser quase ilimitados. E que a defesa da responsabilidade fiscal é uma maldade dos economistas, refletindo a falta de “vontade política” para resolver os problemas da sociedade. Ledo engano. A experiência internacional e brasileira demonstra que o descontrole fiscal crônico resulta em fortes efeitos perversos sobre a sociedade. Perde o Brasil como um todo, mas, principalmente, os segmentos mais pobres da população.

É evidente que num país com baixa qualidade na educação, gargalos enormes no SUS, metade da população sem coleta de esgoto, fome e miséria envolvendo milhões de brasileiros, demandas sociais de toda ordem, é muito mais sedutor falar em ampliação dos gastos públicos.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Isenções e subsídios no setor elétrico têm de ser suspensos

O Globo

Senado precisa rever projeto aprovado na Câmara mantendo benefícios a pequenas centrais e painéis solares

Com o fim de ano — e todas as atenções do mundo político voltadas para a tramitação da PEC da Transição e para a formação do próximo governo —, criou-se o ambiente ideal para o Congresso aprovar sem alarde projetos controversos. Foi o que aconteceu na última terça-feira, quando passou na Câmara a proposta que prorroga por mais seis meses subsídios à instalação de painéis de energia solar e ainda estende isenções a pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) construídas no Centro-Oeste.

Não sairá barato para a população. Pelos cálculos da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), a manobra custará R$ 118 bilhões até 2045, incluídos na conta de luz de cada consumidor de energia. A prorrogação das isenções foi embutida no Projeto de Lei relatado por Beto Pereira (PSDB-MS), que adia por seis meses a entrada em vigor do Marco Legal da Geração Distribuída, nome dado à geração feita pelo próprio consumidor, que oferece à rede o excedente que produz e recebe créditos em troca.

Poesia | Fernando Pessoa, por Ferreira Gullar

Música | Zeca Pagodinho - Vem chegando a madrugada / Está chegando a hora