quinta-feira, 16 de abril de 2020

Ricardo Noblat - De fritado, Mandetta passa à condição de fritador

- Blog do Noblat | Veja

Na frigideira, o presidente da República

Sabia-se que este seria um governo imprevisível dada à trajetória de quem o encabeça e ao que ele tem feito desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto para ali permanecer pelos próximos quatro anos. Mas um presidente ser fritado publicamente por um ministro de Estado? Parecia impossível.

Não é mais. Durante quase duas horas, ao vivo para todo o país via canais de rádio e de televisão e a pretexto de despedir-se do cargo que deixará em breve, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, deitou e rolou sobre o presidente Jair Bolsonaro. Foi duro, mas sem perder os bons modos jamais. Salvo uma vez.

“O presidente quer outra posição do Ministério da Saúde que não posso dar porque trabalho com base na Ciência”, disse Mandetta logo de saída. Sugeriu, portanto, que seu sucessor se orientará por outros critérios, embora não tenha especificado quais. Mandetta citou a Ciência como seu guia pelo menos meia dúzia de vezes.

Em uma delas, para contrastar sua forma de atuação com a de Bolsonaro, afirmou: “Sabem como escolhi minha equipe? Por currículo, olho no olho. É assim que se faz. Quantas vezes não me pressionaram para que demitisse uns e outros? Mas somos uma grande família. Trabalhamos com a Ciência”.

Revelou que nomes cogitados para seu lugar o tem consultado a respeito, e que ele tem dito, generoso: “Venha, venha”. Quer dizer: possíveis substitutos dele, embora sondados por emissários do presidente, querem ouvir antes Mandetta para só depois responderem se estariam ou não dispostos a encarar a tarefa.

Uma pitada de intriga e uma dose elevada de humilhação servida a Bolsonaro que a tudo assistia a poucos metros do local onde Mandetta pontificava. “O importante é que o nome tenha a confiança do presidente e que tenha condições de trabalhar com base na Ciência”, provocou Mandetta mais um pouco.

O ministro não perdeu a chance de fazer ressalvas ao uso das cloroquina para o tratamento do coronavírus, remédio que Bolsonaro mandou que o Exército produzisse em larga escala e recomenda a toda gente. Por fim, Mandetta voltou a defender o isolamento social que Bolsonaro quer acabar.

A crítica mais direta e ferina a Bolsonaro, Mandetta reservou para fazer em entrevista a repórter Roberta Paduan, da VEJA:

– Sessenta dias tendo de medir palavras. Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, depois muda de ideia e fala tudo diferente. Você vai, conversa, parece que está tudo acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo. Já chega, né? Já ajudamos bastante.

Nunca antes na história deste país um ministro saiu do governo chamando o presidente da República de “o camarada” e expondo-o dessa maneira. Na verdade, poucos ousam sair atirando. Mandetta não se limitou a tentar ferir Bolsonaro de raspão Pretendeu feri-lo gravemente.

Merval Pereira - Uma disputa prejudicial

- O Globo

Garantir o arrecadado no ano passado a cada estado e município seria um princípio mais coerente

A decisão sobre a ajuda financeira da União a estados e municípios está sendo postergada devido a uma disputa política que de um lado opõe a Câmara ao ministério da Economia, e de outro o governo federal aos estados que mais fazem oposição ao governo, como os do sudeste, entre eles São Paulo e Rio de Janeiro.

A aprovação ampla da proposta da Câmara dificultará o trabalho do governo junto ao Senado para que a proposta seja modificada, mas uma negociação da equipe econômica com o presidente do Senado David Alcolumbre pode resultar em ganho para o governo, já que os senadores se recusam a apenas carimbar a proposta vinda da Câmara.

O relator do projeto da Câmara, deputado Pedro Paulo, diz que o fundamental para ele é prevalecer o conceito do seguro-receita, e não o valor em si. Ele lembra que os estados e municípios têm um papel capital no combate ao coronavírus, porque comandam um sistema de postos de saúde, de UPAs 24 horas, de hospitais estaduais e municipais.

Bernardo Mello Franco – O espetáculo da demissão

- O Globo

O país assistiu a um espetáculo inédito. Prestes a ser demitido em meio a uma pandemia, o ministro da Saúde foi ao Planalto e escancarou suas divergências com o presidente

Em Brasília, uma demissão mal executada pode promover o demitido. Em 2008, Marina Silva fez da saída do governo Lula uma queda para cima. Pressionada a afrouxar a política ambiental, ela avisou que perderia o pescoço, mas não perderia o juízo. Antes de ser chutada, entregou o cargo e garantiu uma vaga na sucessão presidencial.

Luiz Henrique Mandetta não pediu para sair, mas também deixará o governo maior do que entrou. Torpedeado por Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde se recusou a entregar a cabeça numa bandeja. Preferiu denunciar a sabotagem e transferir ao presidente o ônus da degola.

Ontem o país assistiu a cenas inéditas. Prestes a ser descartado, o ministro usou uma entrevista coletiva para escancarar as divergências com Bolsonaro. A demissão anunciada virou espetáculo midiático. Ele expôs as razões da queda no Palácio do Planalto, com transmissão ao vivo na TV.

Ascânio Seleme - Um perigoso ex-médico

- O Globo

Talvez fosse o caso de denunciar Osmar Terra ao Conselho Federal de Medicina

O deputado Osmar Terra é um oportunista perigoso. Mensagem enviada na terça-feira a um filho do presidente Bolsonaro foi de uma irresponsabilidade absurda e criminosa. Claro que ele queria que o Zero Dois levasse ao presidente o áudio de sua mensagem depositada via WhatsApp. Óbvio que ele sabia que o seu conteúdo seria vazado. Nem isso o impediu de inventar descaradamente uma história que não se sustentaria nem um dia. Terra disse a Eduardo que o pico da epidemia de coronavírus já tinha passado e que devia ser comemorado. Citou São Paulo, justamente São Paulo, que no mesmo dia batia novo recorde de casos e de mortes pela Covid-19.

A fome de poder não tem limites para homens como Terra. Esse tipo de gente é capaz de qualquer coisa para obter uma fatia da torta, de preferência a maior fatia, ou para do bolo não ser afastado. Você deve ter ouvido o áudio ou lido sobre ele. Mas não custa repetir aqui as aspas que compõem a sua essência. O bolsonarista de oportunidade disse, entre outras mentiras, essa: “a epidemia não está caindo, está desabando”. E ainda lançou um desafio, não a Eduardo, de quem morre de medo, mas aos que o vazamento do áudio alcançaria: “Podem escrever isso e me cobrem”.

Terra ainda atacou a quarentena, o que é música de ninar aos ouvidos do presidente. Dizer que as pessoas podem sair às ruas num momento como este, que nada muda no comportamento do contágio, choca mesmo quando um ignorante defende a tese. Mas é inadmissível quando se ouve a besteira de um homem graduado em Medicina. É até mais grave do que um médico dizer que foi curado da Covid-19 pela cloroquina. Terra disse que “não há um doente a menos, uma morte a menos porque estão fazendo aquela quarentena radical”.

Carlos Alberto Sardenberg - Ignorância atrevida

- O Globo

Presidente emperra as políticas nacionais de combate ao coronavírus

A crise, qualquer crise, pode ser favorável aos governantes de plantão. E um problema para as oposições. Neste momento, mundo afora, todo dia a gente vê as autoridades na televisão anunciando medidas, recomendando comportamentos, pedindo apoio para o sacrifício necessário. Já as lideranças de oposição quase desaparecem da mídia. Ficam até constrangidas: criticar neste momento?

Mas dada essa regra geral — o governante sai em vantagem no momento crítico —, surgem as diferenças. Alguns crescem, como o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte. Ele chegou ao posto em junho de 2018, numa daquelas situações típicas da política italiana: um arranjo provisório diante de um impasse entre partidos.

Nunca tinha sido político, estava como que tomando conta do posto.

Cresceu na crise do coronavírus. Os governantes regionais do norte da Itália fracassaram, mas Conte foi o primeiro na Europa a decretar o confinamento, assumindo os riscos com um discurso firme. Tornou-se uma liderança europeia, ao propor medidas de combate às crises sanitária e econômica.

E nem precisamos ir longe. O médico Luiz Henrique Mandetta é ortopedista, não infectologista ou epidemiologista. Não passava de um político regional. Hoje, tem mais de 75% de aprovação popular e talvez até mais nos meios políticos.

Agiu como manda o manual: assumiu a liderança e os riscos, soube encontrar especialistas aos quais deu autonomia e nos quais confiou.

Fernando Henrique Cardoso, num livro sobre sua carreira, chamou-se “presidente acidental”. O Ministério da Fazenda caiu nas suas mãos como um limão azedo e dali ele tirou a limonada do Plano Real, sem ter qualquer especialidade em economia.

Luis Fernando Veríssimo - Balé das baleias

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Nós todos merecemos outro governo

‘Em compensação” não pode ser o começo de nenhuma frase sobre a pandemia que nos assola. Nada compensa, mitiga, inocenta, redime, atenua, suaviza ou absolve o vírus assassino, por respeito aos que ele já matou e continua matando. Portanto, não veja como simpatia pelo demônio a simples constatação, noticiada pela imprensa internacional, de que um efeito da pandemia e das medidas tomadas para controlá-la tem sido a queda dos índices da poluição em todo o planeta. Triste ironia: o ar se torna respirável pela diminuição da atividade industrial e a ausência de gente nas ruas justamente onde ele é mais venenoso. O demônio tem suas astúcias.

Li que os habitantes de Marselha, no sul da França, estão vendo, diariamente, um espetáculo raro. Baleias se aproximam da costa e se exibem, certamente surpreendidas pela sua própria, súbita ascensão ao estrelato. O porto de Marselha é o mais importante da França, e seu movimento incessante mantém as baleias longe. Ou mantinha. Com as limitações impostas pelo coronavírus, abriu-se o espaço para o balé das baleias, que, não demora, estarão integradas à vida social de Marselha, provando a bouillabaisse do Vieux-Port e dando autógrafos.

Luiz Carlos Azedo - A troca do virabrequim

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde sem paralisá-lo”

É jogo jogado: o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, será demitido pelo presidente Jair Bolsonaro tão logo tenha quem o substitua. Político hábil, ontem, o ministro assumiu as divergências com o presidente da República e disse que está pronto para passar o cargo, quando seu substituto for anunciado, sem prejuízo para o funcionamento do SUS durante a troca de equipe. Jogou água na “fritura” a que vinha sendo submetido no Palácio do Planalto e pôs uma saia justa em Bolsonaro, que será responsabilizado por tudo o que der errado se a política de isolamento social for abandonada pelo governo.

A decisão de afastar Mandetta já está tomada, o problema de Bolsonaro é montar uma nova equipe para tocar o Ministério da Saúde. Alguns nomes já foram sondados e não aceitaram o cargo. Chegou-se a especular com a possibilidade de o secretário-executivo da pasta, João Gabbardo, assumir o comando da Saúde, mas essa hipótese foi rechaçada por ele próprio. Gabbardo anunciou que sairá junto com Mandetta, pois não pretende “jogar no lixo” 40 anos de trabalho como funcionário do Ministério da Saúde. Gaúcho, Gabbardo foi secretário de Saúde de Osmar Terra na Prefeitura de Santa Rosa (RS), são amigos de longa data.

Quem quase deixou a equipe foi o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, que chegou a pedir demissão do cargo, mas foi demovido por Mandetta. A crise na equipe se instalou depois da entrevista de terça-feira, quando o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, fez um discurso duro, sinalizando alinhamento absoluto da equipe ministerial com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de flexibilizar o distanciamento social e focar a atenção do governo na retomada da economia.

Mandetta não confrontou Onyx, o que foi interpretado como um recuo por sua equipe, principalmente Wanderson, que é o principal estrategista do combate à epidemia. Também houve muito assédio ao secretário-executivo. Gabbardo é uma espécie de “virabrequim” da engrenagem do Sistema Unificado de Saúde. No motor de um automóvel, o virabrequim é responsável por receber as forças dos pistões e transformá-las em torque. Por ser muito exigido e estar em contato com partes muito quentes do veículo, ele precisa ser forte e robusto. Se não estiver em bom estado, o carro enguiça.

William Waack - O vírus vai decidir

- O Estado de S.Paulo

Ninguém lidera em qualquer direção no principal cisma da política

O grande racha no governo e fora dele ocorre entre os que acreditam que a crise do coronavírus já está passando e os que acreditam que mal está começando. Não é simplesmente uma questão de opinião de quem confia possuir os melhores dados ou a melhor avaliação de riscos.

O conflito entre as duas linhas é de ampla natureza política e já tem severas implicações no relacionamento entre entes da Federação (presidente versus governadores, por exemplo), no sistema de governo (Executivo versus Legislativo) e no arcabouço jurídico mais abrangente (quais os poderes constitucionais do chefe de Estado, por exemplo). Além de ter profundo impacto nas medidas emergenciais para enfrentar a recessão trazida pela crise do coronavírus.

O presidente da República tem fé na versão de que o impacto econômico poderia ter sido bem menor não fosse o interesse de adversários políticos (governadores, a esquerda, “elites políticas” nebulosas, o “sistema”) em criar caos social para tirá-lo do poder. Está convencido de que a cloroquina não deixará o custo em vidas humanas ser tão alto como, por exemplo, nos Estados Unidos do ídolo Trump, que imita até nos erros.

Eliane Cantanhêde - Troca de Mandetta é questão de tempo. Ou de nome

- O Estado de S.Paulo

Mandetta sabe que o presidente busca um substituto para ele e Bolsonaro sabe que Mandetta e sua equipe estão com um pé fora

Ao dizer na estreia do Estadão Live Talks, na quarta-feira, 14, que o ministro Luiz Henrique Mandetta “fez uma falta, merecia cartão”, quando cobrou uma “fala única” do governo sobre isolamento social, o vice-presidente Hamilton Mourão não estava manifestando uma posição apenas pessoal, mas dos generais, como ele, que têm gabinete no Palácio do Planalto e compõem hoje o núcleo de bom senso do governo. (Quem diria?, a turma da guerra virou a turma do deixa-disso.)

Depois de defender Mandetta e convencer o presidente Jair Bolsonaro a moderar o tom, esse núcleo não gostou – como disse Mourão com todas as letras – de o ministro manter as provocações contra o chefe nos balanços diários da pandemia e, sobretudo, na entrevista à Globo no domingo, quando admitiu que os brasileiros ficam confusos porque o presidente fala uma coisa e o ministro, outra.

Além de reproduzir a posição comum dos generais, Mourão, de certa forma, também abriu caminho para Bolsonaro demitir o ministro e essa discussão esquentou ontem, quando vários nomes já pululavam na mídia e redes sociais para a Saúde e a pergunta não era mais se Mandetta seria substituído, mas quando e por quem. Um paulista, possivelmente.

Assim, o espanto foi geral quando Mandetta surgiu no fim da tarde para a entrevista diária com os fiéis escudeiros João Gabbardo e Wanderson de Oliveira, demissionário. É, no entanto, só questão de tempo. Mandetta sabe que o presidente busca um substituto para ele e Bolsonaro sabe que Mandetta e sua equipe estão com um pé fora. O coronavírus deve estar morrendo de rir.

Roberto Dias – Um mundo de perguntas

- Folha de S. Paulo

As pessoas cuidarão melhor de sua saúde? Vão se abraçar e se beijar como antes?

Viveremos em distanciamento social por mais dois anos, como estima estudo publicado na revista Science? Sendo assim, o impacto do coronavírus será ainda maior do que imaginado? O que isso significa?

As pessoas cuidarão melhor de sua saúde? Vão se abraçar e se beijar como antes?

Alguém voltará a ir ao cinema? O teatro sobreviverá? E os shows de música: todo mundo se sentirá confortável em se apertar diante dos palcos? Os esportes em estádios vão perder espaço para os e-sports?

As pessoas passarão mais tempo em casa? Se sim, vão procurar imóveis maiores? Cozinharão mais e pedirão mais comida pronta? Os restaurantes vão ficar mais vazios? Os shoppings algum dia receberão de novo todos aqueles visitantes? Ou o comércio online tomará de vez a preferência dos compradores?

E, se o acima acontecer: o trânsito nas metrópoles vai diminuir?

Bruno Boghossian – Aviso Prévio

- Folha de S. Paulo

Dentro do Planalto, ministro demissionário submete presidente a uma humilhação pública

Nos salões de mármore do Planalto, a algumas dezenas de passos do gabinete presidencial e com transmissão ao vivo pela TV oficial do governo, Luiz Henrique Mandetta submeteu Jair Bolsonaro a uma humilhação pública. Até o último minuto, o ministro demissionário decidiu pintar o chefe como inimigo do esforço de combate ao coronavírus.

Naquela que pode ter sido sua última entrevista no cargo, Mandetta reconheceu haver “um descompasso” entre sua equipe e o presidente.

Mediu o peso da palavra, mas deixou claro o contraste. “Nossa bússola é a ciência”, disse, mostrando o que espera do outro lado: “Ou você se baseia na ciência, ou fica no ‘eu acho’”.

O ministro ironizou os planos de substituir medidas de distanciamento por um isolamento vertical (“não sei de onde vêm essas angulações”), negou recomendação ao uso indiscriminado de cloroquina e criticou veladamente os palpiteiros que cercam o governo.

“Não somos astrólogos, não fazemos previsões. Pegamos as informações”, declarou.

A missão de Mandetta foi expor os riscos do comportamento do presidente. “Baseado em ciência, tenho esse caminho pra oferecer”, resumiu.

Mariliz Pereira Jorge - A burrice saiu do armário

- Folha de S. Paulo

Num país tão desigual, vemos burrice em todas as classes sociais

Depois de resolvermos a crise de saúde que vivemos, o país precisa correr atrás de um remédio para erradicar um outro problema gravíssimo: o da burrice. Ao chamar Jair Bolsonaro de burro, meu colega Hélio Schwartsman disse com todas as letras algo que tive pudores em outras ocasiões. Contive minhas críticas em ignorante, obtuso, ignóbil. Mas o presidente é isso mesmo, burro.

Seria trágico o bastante que um sujeito tão limitado tivesse chegado à Presidência, não fosse o agravante de ser assessorado por gente do mesmo naipe. Quem acompanha as declarações de alguns de seus ministros, como Weintraub e Ernesto Araújo, do Mister Fim do Isolamento, Osmar Terra, do filho aspirante a embaixador e de mais uma dúzia de parlamentares do PSL, não tem a menor dúvida. São todos burros.

Maria Hermínia Tavares* - Pior será depois

- Folha de S. Paulo

Brasil estará mais triste, mais pobre e certamente mais desigual

O coronavírus não escolhe suas vítimas: ataca sem distinção todos quantos acha no caminho. Mas a chance de topar com ele depende apenas em parte do acaso. Fatores sociais fora do controle individual influem no risco de se contrair a doença e no alcance dos seus efeitos.

Em edição recente, a revista americana The Atlantic discute como desníveis sociais de classe, raça ou local de moradia, anteriores à pandemia, alteram radicalmente a probabilidade de cada qual ser atingido por ela, sobreviver-lhe e seguir adiante. Nisso, o que vale para os Estados Unidos vale ainda mais para o Brasil.

Aqui, agudas diferenças de riqueza e renda formam o alicerce sobre o qual se assentam outras formas de desigualdade —todas se realimentando. Na crise atual, manifestam-se sobretudo nos meios de se proteger da moléstia; nas chances de contraí-la e a ela sucumbir; e no grau em que ditarão as condições de vida no futuro.

Fernando Schüler* - Segurança e liberdade

- Folha de S. Paulo

A crise pode nos ajudar a reencontrar um equilíbrio entre os valores da segurança e da liberdade

Ainda me lembro da conversa com Zigmunt Bauman, junto com o amigo Mário Mazzilli, em sua velha casa de Leeds, na Inglaterra, alguns anos atrás. Os tempos eram outros, havia certo otimismo com a recuperação da crise, e o velho professor nos lembrou da dicotomia posta por Freud, em “O Mal-Estar na Civilização”, entre liberdade e segurança.

Nunca se descobriu o equilíbrio perfeito entre os dois valores, disse ele, acrescentando desconfiar que o pêndulo havia girado em demasia na direção da liberdade. E que logo as pessoas demandariam (e já haviam sinais) mais segurança.

O momento parece ter chegado, professor Bauman, em circunstâncias que ninguém poderia prever ou desejar.

Demandas por segurança implicam, em graus variados, o apelo ao Estado. É natural. O Estado está aí para nos proteger precisamente em situações como a que vivemos. O risco é percebermos, no fim do dia, que novamente deixamos o pêndulo flutuar demais, dessa vez para o lado contrário.

Míriam Leitão - O caso gaúcho e a proposta oficial

- O Globo

Caso do Rio Grande do Sul é exemplar: fez forte ajuste fiscal, mas receberá fração do que precisa pela ideia do governo de compensação

O Rio Grande do Sul deve perder este mês de abril R$ 850 milhões de arrecadação. Pela proposta do governo, ele receberia de compensação de ICMS R$ 300 milhões e pelo Fundo de Participação dos Estados (FPE) ele recebe R$ 30 milhões. O caso gaúcho põe em xeque a proposta do Ministério da Economia. É um estado que tem feito ajuste fiscal e aprovou mais reformas do que o governo federal. No FPE, ele recebe apenas 1,6% do rateio, por ser um dos estados mais ricos, na divisão pela população ele fica com um valor pequeno porque tem apenas 5% da população.

– O valor é extremamente insuficiente, não vai chegar nem a um terço da perda que a gente terá. Mas independentemente do valor, eu acho que o rateio pela população não faz sentido – diz o secretário de Fazenda, Marco Aurélio Cardoso.

O debate agora será travado no Senado entre a proposta da Câmara, de compensação da perda de ICMS por seis meses, e a ideia do Ministério da Economia, de dar R$ 40 bilhões (R$ 19 bilhões para os estados e R$ 21 bilhões para os municípios) ao longo de três meses. A Câmara aprovou a distribuição pelo critério de arrecadação, o governo quer que a divisão seja pelo tamanho da população.

O secretário Bruno Funchal, do Ministério da Economia, diz que o maior problema do projeto da Câmara é o artigo segundo, que estabelece esse “seguro total”. Ou seja, o Tesouro cobriria tudo o que o estado e a cidade perdessem nesses dois impostos, ICMS e ISS.

– Ele abre um espaço grande de incerteza e de incentivo à má gestão tributária quando faz um seguro total – diz Funchal.

O secretário gaúcho discorda e acha que não se respeitou a lógica.

Zeina Latif* - Cuidado com os desejos

- O Estado de S.Paulo

O BC não tem autonomia formal, deixando a instituição vulnerável a pressões

Mais uma crise sem precedentes. Dessa vez, com uma combinação terrível de elementos de crises passadas, alguns agravados: colapso dos mercados externos, como em 2008-09; falta de liderança e ação efetiva do governo, como em 2015; paralisia do setor produtivo, como na greve dos caminhoneiros de 2018; e perspectiva de recuperação muito lenta, como no pós-recessão de 2015-2016.

A fragilidade fiscal, a difícil situação financeira de empresas e indivíduos, o espaço exíguo para políticas de estímulo e as possíveis idas e vindas nas políticas sanitárias até a imunização da população são fatores que dificultarão a recuperação.

Nesse contexto, discute-se a necessidade de evitar uma crise ainda mais grave por conta da insuficiência de crédito ao setor produtivo. Para tanto, o Congresso avança na aprovação de uma proposta de emenda à Constituição que amplia o poder de ação do Banco Central durante períodos de calamidade pública, autorizando a compra de papéis da dívida do governo e do setor privado no mercado secundário (papéis em carteiras do mercado), algo feito em economias avançadas. A intenção é aumentar a liquidez nos mercados e reduzir o custo do dinheiro.

O princípio pode parecer correto, mas requer ponderações.

Vinicius Torres Freire - No fundo do inferno, vendas sobem degraus

- Folha de S. Paulo

País também precisa de monitor da economia na UTI, para planejar guerra e reconstrução

Imagine-se que, um dia vivendo sobre a terra de um país estagnado, descemos subitamente 52 degraus, para perto do que parece ser o fundo do buraco do inferno. Ressalte-se: parece ser, talvez, por ora. Suponha-se então que um mês depois subimos uns 10 degraus.

Grosso modo, é o que parece ter acontecido com as vendas no varejo desde que começou o fechamento da economia, o pânico, a descida ao fundo das profundas.

As vendas com cartão caíam a mais de 50% na semana final de março (em relação a fevereiro). Em abril, a baixa está em torno de 40%.

Certamente ainda estamos no inferno. Tampouco se pode dizer que a situação despiorou, nem de longe, nem sendo desvairadamente otimista. O próprio fato de as vendas e a produção terem despencado de modo desesperador ainda vai ter consequências em cascata, ora impossíveis de estimar.

No entanto, talvez agora se possa ter uma primeira medida do impacto do meteoro viral. Neste caso, os dados são da Cielo, empresa de cartões, para o varejo. O valor das vendas com cartões equivale a cerca de 40% do “consumo das famílias”. Equivale a uns 25% do PIB.

Os economistas do departamento de pesquisa macroeconômica do Itaú têm números que também indicam uma subida dos degraus nas profundezas do desastre econômico. Criaram índices diários de atividade econômica a fim de verificar como cada país está se saindo na crise da epidemia. Os dados oficiais demoram e algumas medidas estão até suspensas, na epidemia.

O que dizem?

Martin Wolf* - Durante uma pandemia, nenhum país é uma ilha

- Folha de S. Paulo

Um micróbio anulou nossa arrogância e atirou a produção global em queda livre

Em seu mais recente Panorama Econômico Mundial, o FMI chama o que está acontecendo agora de o "Grande Bloqueio". Eu prefiro o "Grande Desligamento": essa expressão capta a realidade de que a economia global entraria em colapso mesmo que os formuladores de políticas não estivessem impondo bloqueios, e poderá continuar em colapso após o fim dos bloqueios.

No entanto, como quer que a chamemos, uma coisa é clara: é a maior crise que o mundo enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial e o maior desastre econômico desde a Depressão da década de 1930. O mundo chegou a este momento com divisões entre suas grandes potências e incompetência de proporções aterradoras nos mais altos níveis de governo. Vamos passar por isso, mas para o quê?

Em janeiro, o FMI não tinha ideia do que estava prestes a nos atingir, em parte porque as autoridades chinesas não haviam se informado entre si, e muito menos ao resto do mundo. Agora estamos no meio de uma pandemia com vastas consequências. Mas muito permanece incerto. Uma incerteza importante é como os líderes míopes responderão a essa ameaça global.

Segundo qualquer previsão, o FMI sugere agora que a produção global per capita se contrairá 4,2% neste ano, muito mais que o 1,6% registrado em 2009, durante a crise financeira global. Noventa por cento de todos os países experimentarão um crescimento negativo do Produto Interno Bruto real per capita neste ano, contra 62% em 2009, quando a robusta expansão da China ajudou a amortecer o golpe.

Em janeiro, o FMI previu crescimento suave neste ano. Agora prevê uma queda de 12% entre o último trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020 nas economias avançadas, e queda de 5% nos países emergentes e em desenvolvimento. Mas, de modo otimista, está previsto que o segundo trimestre será o ponto mais baixo. Posteriormente, o FMI espera uma recuperação, apesar de previsões de que a produção nas economias avançadas fique abaixo dos níveis do quarto trimestre de 2019 até 2022.

Projeto obriga União a bancar renúncia fiscal de governadores e de prefeitos

Socorro aprovado na Câmara prevê compensação a estados e municípios por perda de receita

Thiago Resende/Danielle Brant | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O plano de socorro aos estados na crise do coronavírus aprovado pela Câmara permite que governadores e prefeitos adiem o pagamento de impostos ou até mesmo isentem as empresas. A conta fica com o governo federal.

Aprovado na segunda (13), o projeto dos deputados prevê que a União irá compensar estados e municípios pela perda de arrecadação de ICMS (estadual) e ISS (municipal).

O cálculo é com base no que foi recolhido em 2019, quando a atividade econômica não havia sido afetada pelas medidas restritivas diante da Covid-19.

Governadores e prefeitos afirmam que precisam de repasse de dinheiro para a manutenção da máquina pública, como pagamento de salários na crise, e ações de combate ao coronavírus.

Diversos estados já registram uma queda de 30% na receita —taxa usada pela Câmara para estimar o custo do pacote aos cofres públicos neste ano (R$ 89,6 bilhões).

FHC vê geopolítica sem liderança e se preocupa com disputa EUAxChina

O ex-presidente afirmou ainda que o Brasil está “vivendo uma febre mental” e que nesta hora de emergência mundial é melhor “ficar longe dos dois principais competidores”

Por Daniela Chiaretti | Valor Econômico

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o Brasil esteja “vivendo uma febre mental” e que nesta hora de emergência mundial é melhor “ficar longe dos dois principais competidores”, referindo-se ao embate entre Estados Unidos e à China.

Para FHC, a crise do coronavírus levará a uma “retração monumental, a economia irá cair muito e isso irá afetar o Brasil também. Iremos sofrer com o encolhimento da economia mundial”.

O ex-presidente participou do webinar “O coronavírus como game changer: perspectivas da política externa brasileira” ao lado do diplomata Marcos Azambuja, que foi embaixador do Brasil na França e Argentina e coordenou a conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento em 1992, no Rio de Janeiro, mais conhecida como Rio 92.

O debate online foi promovido pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e registrou 1.500 pessoas conectadas.

O ex-presidente acredita que, neste momento, os Estados Unidos estão “se ressentindo do fato de a China estar assumindo a liderança do mundo”. A geopolítica atual, em sua visão, é de ausência de liderança clara. “Passado o coronavírus, quem terá hegemonia no mundo? A Europa capotou”, disse, referindo-se ao Brexit e à indefinição de quem irá liderar a Alemanha depois da saída da chanceler Angela Merkel.

“O que está em jogo é um desenvolvimento tecnológico brutal e nós, aqui no Brasil, estamos à margem”, considerou. O confronto entre EUA e China “é uma briga de gigantes”. Segundo ele, a política externa brasileira tem que trabalhar para recuperar o prestígio que o país tinha na América do Sul. “Vizinhos são importantes”, disse.

FHC e Azambuja concordaram que o mundo carece de líderes. Para o diplomata, o cenário atual é o de uma nova “Guerra Fria”. “Não me refiro à reedição de um conflito nuclear, mas do enfrentamento pelo poder. O poder chinês chegou a um ponto em que não é mais suscetível de ser escondido”, disse o diplomata.

Para ele, o país “não pode negligenciar nenhuma parte do mundo, porque todas nos interessam”. Comentando as recentes ofensas à China e a outros países, disse: “O Brasil está arranjando sarna para se coçar ofendendo dois terços da humanidade”.

Para o ex-presidente, o ponto mais importante da política externa brasileira seria resgatar os laços com a América Latina. “Nosso lugar no mundo depende de nossa capacidade de arrastarmos conosco os vizinhos. Se não for assim, ficaremos isolados e não teremos projeção nenhuma”.

Lembrou que a economia global está integrada e que o multilateralismo “está posto”. Azambuja, por seu turno, lembrou que o Brasil tem dez vizinhos e “é multilateral pela própria natureza”.

Pra FHC, “não adianta ficar pensando que este é o último vírus que vai nos atingir. Não é. Virão outros. O mundo de hoje transmite de tudo, o bom e o mal”. A resposta brasileira, disse, dependerá dos avanços em ciência e tecnologia.

O embaixador elogiou a resposta da sociedade à crise, mas criticou o governo atual. Citou a iminente demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em rota de colisão com Jair Bolsonaro. “O ministro da Saúde está sendo punido pela visibilidade de seu sucesso. Quando uma sociedade começa a punir os mais aptos está a caminho de algo ruim”.

FHC disse ainda que a crise do coronavírus evidenciou que “não dá mais para conviver com tanta desigualdade. O vírus não escolhe, pega todos.”

Grande recessão será inevitável e PIB pode cair até 8%, diz Arminio

Por Leila Souza Lima | Valor Econômico

SÃO PAULO - Ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, o economista Arminio Fraga disse nesta quarta-feira (15) que não há como o Brasil escapar de entrar em nova e profunda recessão. “Vamos ter uma recessão profunda, infelizmente. Contas preliminares que tenho feito com colegas sugerem que o PIB pode cair 6%, até 8% este ano. Isso é recorde, não há registro histórico de uma queda tão grande. A única esperança é que, na medida em que a saúde volte, a recuperação ocorra num espaço não muito longo de tempo”, afirmou.

Para Arminio, é impossível uma recuperação em “V”, na qual a retomada é tão rápida quanto a queda, pois o país vai conviver com muita incerteza durante bom tempo, o que deprime demanda e investimentos. Tal perspectiva exigirá que o governo gaste muito para manter de pé, principalmente, os segmentos mais vulneráveis, micro e pequenos empresários, além de trabalhadores informais, analisou o economista. São medidas importantes para se ver alguma luz ao fim do túnel quando a crise pandêmica começar a se suavizar.

As afirmações foram feitas por Arminio enquanto participava de live agora à noite – como representante do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), presidido por ele – sobre a pandemia do novo coronavírus.

Na visão do economista, as incertezas científicas quanto ao novo agente infeccioso, por exemplo em torno da imunização, indicam que a pandemia vai durar muito tempo no Brasil. “As chances de acontecerem outras ondas são muito grandes. Esse vírus infelizmente é muito eficiente, se espalha rapidamente.”

Maria Cristina Fernandes - Uma guerra sem vacina

- Valor Econômico

Nem o imperativo moral freia disputa de poder na pandemia

A demora de o dinheiro chegar à ponta mais frágil da pandemia revela uma intricada disputa de poder que nem mesmo o imperativo moral imposto pela tragédia social é capaz de relativizar. Três frentes desta disputa ganharam holofotes esta semana.

A primeira é aquela que passa pela ajuda para que Estados e municípios possam fazer frente aos gastos da pandemia em meio a uma queda generalizada de arrecadação. Depois de assistir ao projeto passar com folga na Câmara, o governo federal investe no Senado para mudar os critérios da distribuição.

Os deputados acolheram a perda de arrecadação como o crivo a guiar a alocação de recursos. O Ministério da Economia pressiona para que os critérios sejam os mesmos já adotados no Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM). Na Câmara, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, fez valer o argumento de que este critério não se adequa a um momento que tem na perda de arrecadação o principal imperativo das finanças públicas.

Por trás dessa tecnicalidade, está a pressão do governo para evitar que os governadores cuja defesa do isolamento social mais reverbera, João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), e que também são os mais afetados pela perda de arrecadação, acabem sendo ‘recompensados’ pela extensão da quarentena, posição que colide frontalmente com aquela defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

O governo conta com a existência, no Senado, de uma bancada de oposição aos atuais governadores para mudar os critérios. Ainda que custe a se provar eficaz, a pressão revela a convergência entre o ministro Paulo Guedes e o presidente.

Ribamar Oliveira - Em meio à pandemia, Rio aumenta salários

- Valor Econômico

Estimativas são de que Estados e municípios perderam 30% de receita com seus principais tributos, o ICMS e o ISS

Na terça-feira, o “Diário Oficial do Estado Rio de Janeiro” publicou a lei 8.793, sancionada pelo governador Wilson Witzel, que autoriza o governo a promover alterações no Orçamento de 2020 para permitir a revisão das remunerações dos servidores estaduais. Ainda não há informações sobre quanto vai custar o aumento salarial dos servidores do Rio. Mas ele introduz, sem dúvida, um ingrediente explosivo na discussão sobre a compensação de receitas de Estados e municípios, que está sendo pedida à União.

Se o Rio de Janeiro está em situação falimentar, como vai pagar o aumento? Se o governo federal aceitar compensar a queda da receita do ICMS dos Estados nos próximos seis meses, com um custo de R$ 80 bilhões, como está previsto no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, não será o Tesouro que vai pagar o aumento salarial dos servidores do Rio, justamente neste momento de crise econômica em que milhões de trabalhadores do setor privado estão sendo demitidos ou com contratos suspensos?

É bom lembrar que outros Estados concederam, recentemente, reajuste salarial a seus servidores, como foi o caso de Minas Gerais, que também está em situação falimentar, em busca de ajuda federal para pagar suas contas e ajustar suas dívidas. Outros Estados concederam também redução de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para alguns setores. Este é o pano de fundo que permeia e dificulta a discussão sobre o plano de compensação de receitas de Estados e municípios.

Pedro Cavalcanti Ferreira/ Renato Fragelli Cardoso* - Liderança fraca em momento chave

- Valor Econômico

É desejável que já se planeje o que fazer após o isolamento. O silêncio atual é um mau coordenador de expectativas

Em momentos de crise, espera-se um papel maior das lideranças, eleitas ou não, na reflexão sobre os melhores caminhos, sobre como minimizar os danos, e implementar possíveis soluções. Talvez mais importante, pensar e planejar as estratégias de saída e a vida pós-crise. No caso de nosso presidente isto não poderia estar mais longe da realidade. Mas também na área econômica parece haver insuficiência de liderança.

Bolsonaro, de modo recorrente e calculado, mas não menos catastrófico, tem se posicionado contra a ciência e a evidência empírica, uma estratégia que só aumenta o número de infectados. Ao criticar o isolamento social e outras medidas recomendadas por especialistas, incentiva seus seguidores a saírem à rua, qual gado se dirigindo ao matadouro.

A “gripezinha” já matou cerca de 130 mil pessoas no mundo todo, atingindo mais de dois milhões de casos. No Brasil não há sinal de recuo. A insistência do presidente contra medidas de isolamento, que já se mostraram eficazes pelo mundo afora, parte do cálculo político de que ele não tem nada a ganhar apoiando os governadores no isolamento, mas poderá culpá-los pela recessão que inevitavelmente virá. Contribui também para isso uma ideologia anti-ciência e imune a qualquer fato ou dado.

Essa atitude dificulta a ação governamental no presente e, mais importante, impede um projeto de saída futura do isolamento. Sendo impossível manter a população em casa para sempre, ou mesmo muitos meses, será necessário relaxar o “lockdown” em algum ponto. Mas como pensar o futuro de forma articulada, bem construída e planejada, se mesmo as mais óbvias medidas para evitar o contágio no presente encontram oposição de Bolsonaro e seus seguidores? Vai-se relaxar o isolamento pouco a pouco ou de uma vez só? Liberar esta ou aquela região? Esta ou aquela atividade? Enquanto o presidente estiver pensando só no seu futuro político, estimulado por sua claque, essas perguntas seguirão sem resposta. Sem um bom plano de saída, o fim do isolamento social se dará de forma certamente ineficaz, podendo levar a uma segunda onda de contágio.

A abundância e a escassez de recursos no setor público

Em um único ano, em São Paulo, a perda com a baixa execução foi de quase 60 vezes a perda com o mensalão!

Por Guilherme Lichand e Gustavo Fernandes* | Valor Econômico

É comum o argumento de que faltam recursos para que os governos ofereçam serviços públicos de qualidade para o cidadão. Se em tempos de pandemia a movimentação dos Estados e municípios por mais recursos torna ainda mais claro esse quadro de escassez, essa é uma realidade permanente brasileira; afinal, vivemos em um país em desenvolvimento, com recursos limitados e necessidades quase infinitas. Para ilustrar, o Brasil comprometeu 10,5% do PIB com ensino básico em 2016, acima da média da OCDE de 7,9%.No entanto, como o PIB brasileiro é muito menor do que a média dos países da organização, o gasto médio por aluno nos anos iniciais do ensino fundamental naquele ano ficou em menos da metade da média dos países da OCDE.

Não é então surpreendente que, ao mesmo tempo, sobre dinheiro para investir nessas necessidades mais básicas? Para ilustrar, em 2012, o Ministério da Justiça gastou apenas 28% do R$ 1 bilhão disponível para reduzir o déficit prisional - um problema gravíssimo que, à época, equivalia a cerca de 200 mil vagas. Nos três anos anteriores, a pasta tinha deixado de investir R$ 673 milhões do Fundo Penitenciário Nacional. Problemas similares são rotineiros em Estados e municípios.

Como pode faltar e sobrar dinheiro ao mesmo tempo? Embora as razões sejam diversas, destacamos neste artigo aquela que julgamos a mais importante e já noticiada neste jornal: o famoso “apagão das canetas”. Artigo publicado em 27/7/2018 já destacava que “o medo de sujar CPF paralisa a tomada de decisões no governo”.

De fato, no Brasil, ser acusado de corrupção é talvez a única maneira de um servidor não apenas perder o emprego, como ter que pagar multa do próprio bolso e acabar na cadeia. Acontece que há diferentes tons de cinza quando se trata do que os órgãos de controle brasileiros chamam de corrupção. Em um extremo do espectro, há o pedido de propina e o roubo flagrante, que aparecem nas manchetes. No outro extremo, porém, aparecem problemas diversos com o processo de contratação, em desacordo com as diretrizes dos Tribunais de Contas e Ministério Público, que não geram benefício para o político ou o gestor.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Após recessão, retomada do Brasil continuará lenta - Editorial | Valor Econômico

O mundo está entrando em sua pior recessão desde 1930, constata o Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional. E a situação pode ser ainda pior. Na hipótese mais otimista, a de que os confinamentos em massa cessem no segundo trimestre do ano, a economia global encolherá 3% e a dos países mais ricos, 6,1%. Se o recolhimento forçado se prolongar ao longo de 2020, com novas recaídas no ano que vem, a economia global prosseguirá em recessão, sem crescer 5,8%, como previsto.

Os cenários são funestos. Ao menos 90% dos países terão sua renda per capita reduzida e os gastos feitos para enfrentar a pandemia e apoiar famílias e empresas levarão a uma explosão de um endividamento anterior já elevado. O coronavírus levou o caos aos mercados financeiros em velocidade inédita. As ações no mercado americano (S&P 500) tiveram a queda mais rápida da história - bastaram 16 sessões para perderem 20% de seu valor.

Sobre os países emergentes formou-se a “tempestade perfeita”, segundo o FMI. Eles assistiram à “maior reversão de fluxos de recursos em portfólio da história”, com US$ 100 bilhões batendo em retirada de 21 de janeiro até 9 de abril. Enquanto o dólar se valorizou 8,5% (até 3 de abril) em relação a uma cesta de divisas, as moedas emergentes caíram em uma espiral de desvalorizações, com África do Sul, México e Brasil à frente, com perdas de 25%. Os spreads dos títulos das dívidas emergentes pularam para 700 pontos-base, maior nível desde a crise financeira de 2008.

Rubem Fonseca, criador de livros precisos e brutais, morre aos 94 anos

Escritor publicou clássicos da literatura brasileira, como 'A Grande Arte' e 'Feliz Ano Novo'

Maurício Meireles – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O escritor Rubem Fonseca, autor de clássicos como "O Cobrador" e "A Grande Arte", morreu na tarde desta quarta-feira (15), no Rio de Janeiro, aos 94 anos. Ele teve uma parada cardíaca, informou o Hospital Samaritano, onde o autor foi atendido.

Conhecido por sua reclusão —e recusa a dar entrevistas—, a Rubem Fonseca normalmente é atribuída a fundação de uma nova era na ficção nacional, que se tornou mais urbana depois dele. Com os livros do autor, também chega ao país uma influência mais direta da literatura dos Estados Unidos, além da linguagem cinematográfica.

Com livros marcados pela linguagem afiada e pela violência, Zé Rubem, como era chamado pelos amigos, publicou principalmente histórias policiais, mas era um dos autores que levava gênero —muitas vezes associado ao mero entretenimento— à alta qualidade literária.

Sua histórias, nos contos ou romances, contavam muitas vezes com personagens do submundo, como prostitutas e cafetões. Seu senso de ironia conseguia torná-las ainda mais perturbadoras.

Quando estreou na literatura, nos anos 1960, com a coletânea de contos "Os Prisioneiros", sua literatura chegou a ser descrita como brutalista. O autor se tornou, por décadas, um dos poucos autores nacionais de ficção a ser um best-seller livro após livro.

Ele publicou outras obras seminais da literatura urbana brasileira, como os romances "O Caso Morel" e "A Grande Arte" ou os contos de "A Coleira do Cão" e "Lúcia McCartney".

Influenciado pela linguagem cinematográfica, o caminho natural foi que parte da sua obra ganhasse adaptações no cinema e na TV. Em 1991, Walter Salles verteu para a telona "A Grande Arte". Já "Mandrake - A Bíblia e a Bengala" virou primeiro um telefilme, em 1983, e depois uma série da HBO já em 2005, com Marcos Palmeira no papel principal. A adaptação era de seu filho, o cineasta José Henrique Fonseca, que fez também de "Lúcia McCartney" uma série no GNT.

A influência de Rubem Fonseca se projetou de forma sólida sobre a literatura brasileira. Em alguns casos, apadrinhou diretamente escritores que desenvolveram uma carreira de sucesso, caso de Patrícia Melo e Ana Miranda. Do outro lado, também gerou uma série de imitadores baratos de seu estilo.

Música | João Bosco - Corsário (Aldir Blanc e João Bosco)

Poesia | Vinicius de Moraes - A morte de madrugada

Muerto cayó Federico.
Antonio Machado

Uma certa madrugada
Eu por um caminho andava
Não sei bem se estava bêbado
Ou se tinha a morte n'alma
Não sei também se o caminho
Me perdia ou encaminhava
Só sei que a sede queimava-me
A boca desidratada.
Era uma terra estrangeira
Que me recordava algo
Com sua argila cor de sangue
E seu ar desesperado.
Lembro que havia uma estrela
Morrendo no céu vazio
De uma outra coisa me lembro:
... Un horizonte de perros
Ladra muy lejos del río...

De repente reconheço:
Eram campos de Granada!
Estava em terras de Espanha
Em sua terra ensangüentada
Por que estranha providência
Não sei... não sabia nada...
Só sei da nuvem de pó
Caminhando sobre a estrada
E um duro passo de marcha
Que em meu sentido avançava.

Como uma mancha de sangue
Abria-se a madrugada
Enquanto a estrela morria
Numa tremura de lágrima
Sobre as colinas vermelhas
Os galhos também choravam
Aumentando a fria angústia
Que de mim transverberava.

Era um grupo de soldados
Que pela estrada marchava
Trazendo fuzis ao ombro
E impiedade na cara
Entre eles andava um moço
De face morena e cálida
Cabelos soltos ao vento
Camisa desabotoada.
Diante de um velho muro
O tenente gritou: Alto!
E à frente conduz o moço
De fisionomia pálida.
Sem ser visto me aproximo
Daquela cena macabra
Ao tempo em que o pelotão
Se dispunha horizontal.

Súbito um raio de sol
Ao moço ilumina a face
E eu à boca levo as mãos
Para evitar que gritasse.
Era ele, era Federico
O poeta meu muito amado
A um muro de pedra seca
Colado, como um fantasma.
Chamei-o: Garcia Lorca!
Mas já não ouvia nada
O horror da morte imatura
Sobre a expressão estampada...
Mas que me via, me via
Porque em seus olhos havia
Uma luz mal-disfarçada.
Com o peito de dor rompido
Me quedei, paralisado
Enquanto os soldados miram
A cabeça delicada.

Assim vi a Federico
Entre dois canos de arma
A fitar-me estranhamente
Como querendo falar-me.
Hoje sei que teve medo
Diante do inesperado
E foi maior seu martírio
Do que a tortura da carne.
Hoje sei que teve medo
Mas sei que não foi covarde
Pela curiosa maneira
Com que de longe me olhava
Como quem me diz: a morte
É sempre desagradável
Mas antes morrer ciente
Do que viver enganado.

Atiraram-lhe na cara
Os vendilhões de sua pátria
Nos seus olhos andaluzes
Em sua boca de palavras.
Muerto cayó Federico
Sobre a terra de Granada
La tierra del inocente
No la tierra del culpable.
Nos olhos que tinha abertos
Numa infinita mirada
Em meio a flores de sangue
A expressão se conservava
Como a segredar-me: - A morte
É simples, de madrugada...

In Vinicius de Moraes, "O mergulhador,", 

Rio de Janeiro, Atelier de Arte, 1968