domingo, 20 de maio de 2018

* Luiz Sérgio Henriques: Karl Marx e o nosso tempo

- O Estado de S.Paulo

O filósofo agora parece readquirir o poder de inspirar uma visão do ‘presente como história’

Benedetto Croce, de quem se dizia ser o “papa laico” da cultura italiana e o líder intelectual do liberalismo europeu na primeira metade do século 20, costumava afirmar, apesar de seu proclamado laicismo, que “depois de Cristo todos somos cristãos”. Tratava-se de uma forma refinada de admitir o que havia de efetivamente universal no cristianismo do Novo Testamento, que interpelava a consciência de todos os homens, mais além dos círculos de proximidade tribal ou territorial. Segundo Croce, querendo ou não, a partir de então passamos a ver o mundo como cristãos, como de resto ainda o vemos, independentemente de fé ou adesão a qualquer visão transcendental do mundo.

Essa percepção não vale só para um fenômeno tão extraordinário quanto a vinda de um Deus. Pensadores notáveis, radicalmente terrenos em sua busca de explicações para os fatos da vida, à sua maneira também deixaram uma marca da qual nem sempre nos damos conta, mas que está presente no espírito do tempo, moldando juízos e modos de ver até do homem comum. Karl Marx, por exemplo, cujo bicentenário ora se celebra, é um desses homens notáveis, cuja obra múltipla, fragmentada e contraditória, nascida no calor da revolução industrial movida pela máquina a vapor, parece ter sobrevivido a regimes políticos despóticos que, ainda por cima, não raro o trataram como uma espécie de oráculo infalível ou moderna divindade, capaz de resolver de uma vez por todas o enigma da História.

Inscreve-se nessa tradição desafortunada o discurso de Xi Jinping, o líder máximo chinês, por ocasião da solenidade em Beijing. O marxismo – ou melhor, uma de suas inúmeras versões burocraticamente definidas – aparece como o recurso de legitimação possível num país cujo ritmo espantoso de crescimento tem definido em grande parte a globalização, ao mesmo tempo que deixa em seu rastro índices não menos consideráveis de desigualdade. Para os que apreciam medidas objetivas, a desigualdade chinesa hoje se situa em nível comparável ao dos Estados Unidos, o que repõe como atual o pensamento de Marx nas duas circunstâncias, desde que tomado criticamente e, portanto, afastado de qualquer ideia grosseiramente igualitária da vida social.

*Celso Lafer: Corrupção, confiança e democracia

- O Estado de S.Paulo

Palavra dos candidatos não pode ser a banalidade que não indica rumos e oculta os desafios

Norberto Bobbio, em artigo de 1993, sublinhou que a democracia necessita de confiança – “a confiança recíproca entre os cidadãos e dos cidadãos nas instituições”. Essa confiança se esvai em diversos países, por diversificados motivos. Por isso a questão da democracia hoje é “a da reconstituição dos laços de confiança entre governos e governados”, como aponta Fernando Henrique Cardoso em seu recente Crise e Reinvenção da Política no Brasil.

Uma das causas da perda de confiança é a corrupção. Com efeito, a transparência (que traduz a exigência democrática do exercício em público do poder comum, como ensina Bobbio) tem revelado, em função da Lava Jato, uma sistêmica e ilícita associação entre o poder e o dinheiro, e a existência de uma surpreendente corrupção em larga escala. E a corrupção, para evocar a clássica lição de Políbio, é um tenaz agente da decomposição e cupinização das instituições públicas.

A corrupção mina o espírito público, como aponta Raymond Aron em Democracia e Totalitarismo. Afeta a confiança da cidadania, que passa a duvidar de tudo. A corrupção, como pontua Bobbio no artigo acima mencionado, escrito no momento em que a Itália vivia o impacto da Mãos Limpas – que comporta analogia com a Lava Jato –, é um ingrediente da realidade política que leva à dúvida sistemática e à semente da desconfiança.

A semente da desconfiança no âmbito da sociedade brasileira vem se transformando num ovo de serpente. Está comprometendo valores que são inerentes ao bom funcionamento das regras do jogo democrático. Entre eles, a tolerância, que postula a confiança no diálogo da convivência, ou seja, no reconhecimento do Outro como adversário, e não como inimigo. Daí, no cenário político brasileiro, uma convulsão de sectarismos e a exacerbação da divisão da vida política num intolerante e desqualificador nós/eles.

Samuel Pessôa: Populismo de Pochmann

- Folha de S. Paulo

Não adianta negar as restrições do mundo, pois a conta sempre chega

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Marcio Pochmann, responsável pelo programa do candidato do PT, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 29 de abril, afirmou: "O fundamental no início do governo é um programa de emergência, que permita ao país sair da crise e voltar a crescer. Nós entendemos que a questão fiscal se resolve com volta do crescimento".

Certa feita, o presidente da Argentina Juan Perón escreveu em carta ao então presidente do Chile, Carlos Ibáñez: "Meu caro amigo: dê ao povo tudo o que for possível. Quando lhe parecer que você está dando muito, dê mais. Você verá os resultados. Todos irão lhe apavorar com o espectro de um colapso econômico. Mas tudo isso é uma mentira. Não há nada mais elástico do que a economia, que todos temem tanto porque ninguém a entende".

Para os populistas, a economia é elástica e a crise fiscal se resolve apertando o pé no acelerador e colocando a economia para crescer. Na América Latina o populismo produziu décadas de inflação e estagnação. A Argentina regride há sete décadas.

É compreensível que políticos escolham a estratégia populista. Dá resultados eleitorais. É péssimo para o país e para a sociedade e, principalmente, para os pobres --populismo sempre leva à crise e ao desemprego--, mas traz bônus eleitorais no curto prazo.

Quando técnicos ou intelectuais prometem o Paraíso, eles escondem dos cidadãos as reais limitações da economia e os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Vera Magalhães: A receita de Alckmin

- O Estado de S. Paulo

Doze anos depois, tucano parece ainda não ter aprendido diferença entre São Paulo e o Brasil

A campanha de 2006 deveria ter funcionado como um alerta para Geraldo Alckmin: uma eleição nacional não segue, nem de longe, os parâmetros de São Paulo. Simplesmente porque poucos lugares no mundo podem ser mais distantes do Brasil que São Paulo.

O início da segunda jornada presidencial do tucano, no entanto, parece mostrar que algumas coisas permanecem inalteradas. É verdade que, agora, ele adotou as balizas de um programa econômico caro logo de saída. Isso traz nitidez ao debate, o situa no campo dos que defendem reformas, rigor fiscal e privatizações e evita que ele repita o mico da jaqueta com emblemas de bancos públicos e estatais.

Mas na política e, sobretudo, na forma como se apresenta Alckmin continua sendo o mesmo de sempre. Seus aliados constataram, chocados, que o grupo de Michel Temer vazou em minutos o fato de o tucano ter procurado o presidente para iniciar conversas para uma possível união. Isso porque, em São Paulo, Alckmin se acostumou por muito tempo a ser o governador, aquele ao redor de quem as articulações se davam e que ditava o ritmo das conversas.

Eliane Cantanhêde: Fundo do poço

- O Estado de S.Paulo

Alguém precisa dizer a PT e PSDB que um não é mais o pior inimigo do outro

Como a política brasileira chegou a esse fundo de poço? Uma das origens está em 1994, quando o PT e o PSDB ficaram muito próximos e, depois, não apenas se separaram como passaram a se odiar. E a se destruir, abrindo espaço para legendas oportunistas, conchavos escandalosos no Congresso, toda sorte de desmandos e corrupção. O resultado é o esfacelamento do PT, o imenso desgaste do PSDB, uma indefinição preocupante para outubro e um exército de “coxinhas” e “mortadelas” se atacando irracionalmente pela internet, incapazes de entender que estão entregando o campeonato de bandeja para os reais inimigos.

O grande líder e candidato do PT está preso, o mais poderoso ex-presidente do partido acaba de voltar para a prisão com uma nova condenação, de 30 anos, a atual presidente é alvo da PF e tem horizontes nebulosos no Supremo. Sem candidato e sem comando, fica difícil fechar alianças e traçar estratégias. E o tempo está correndo.

No PSDB, o único candidato de “centro” com alguma viabilidade não sai do lugar, os ex-candidatos enfrentam processos graves na Justiça e na próxima terça-feira um de seus ex-presidentes pode estar a caminho da prisão. E o partido se contorce no eterno dilema de ser ou não ser qualquer coisa. Uma ala pragmática defende alianças. Seu maior líder lança manifesto por alianças restritas.

A cada petista enroscado na Lava Jato, o PT reage com o mesmo refrão: “Mas o PSDB....” A cada tucano enrolado, o PSDB reclama: “Não somos iguais ao PT...”. O PT só pensa no PSDB, o PSDB só pensa no PT. Enquanto isso, o inimigo comum Jair Bolsonaro é o segundo nas pesquisas, o ex-PDS Ciro Gomes se lança como esquerda e cisca à direita e a ex-PT Marina Silva atrai os perplexos.

Bruno Boghossian: Temer e os militares

- Folha de S. Paulo

Presidente se alinha aos quartéis e amplia influência das Forças Armadas

Michel Temer procurou o comandante do Exército, general Villas Bôas, para uma conversa reservada nos primeiros meses de 2016. O vice-presidente ouvira que Dilma Rousseff buscava garantias dos militares diante do processo de impeachment que corria contra ela. Temer queria paridade de armas.

Até então, a relação entre o vice-presidente e Villas Bôas era protocolar. Quando Temer pedia uma audiência, o comandante notificava o ministro da Defesa e, depois do encontro, relatava a ele o teor da conversa.

Dessa vez, Temer foi discretamente à casa de Villas Bôas para um jantar intermediado pelo general Sérgio Etchegoyen (amigo do comandante). O vice queria saber como os militares se comportariam se o Congresso votasse pela saída de Dilma.

Segundo um auxiliar de Temer, Villas Bôas foi comedido: sinalizou apenas que decisões tomadas com base na Constituição seriam respeitadas. O futuro presidente ficou satisfeito.

O grupo de Temer buscou respaldo constante na caserna durante a articulação do impeachment. “Estou conversando com generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir”, disse Romero Jucá (MDB) na famosa conversa com Sérgio Machado.

Luiz Carlos Azedo: A desesperança

- Correio Braziliense

Até agora, ninguém se apresentou com um programa exequível que enfrente de forma combinada a crise fiscal e o combate às desigualdades

A cinco meses das eleições para a Presidência da República, a única certeza até agora é a mais importante de todas: o calendário eleitoral está mantido. Não é pouca coisa, num país cuja história é marcada por golpes de Estado como saída para crises. O que preocupa, entretanto, são os vetores de crise que perturbam a economia e a ausência de um projeto novo para um país que se atrasou na globalização.

O primeiro vetor é um cenário internacional em mudança, em razão da política econômica de Donald Trump, cumprindo à risca promessas de campanha que pareciam apenas peças de retórica, entre as quais a guerra comercial com a China. A expectativa de elevação dos juros nos Estados Unidos inverte a direção dos fluxos de investimentos no mundo, que deixam os países emergentes em busca de negócios naquela que ainda é a maior economia do mundo, e agora funciona como uma força centrípeta em relação à periferia. O Brasil já está sentindo o peso dessa variável, agravada por problemas em relação às nossas exportações, principalmente de frango e carne bovina, inclusive em relação ao outro polo da economia mundial, a China. A alta do dólar tem muito a ver com isso.

O segundo vetor é a nossa atividade econômica abaixo da expectativa, com redução das previsões oficiais de crescimento de 3% para cerca de 2,3%. O mercado já trabalha com um PIB de 1,5% a 2,5%, previsão corroborada pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que teve queda de 0,13% no primeiro trimestre deste ano em relação ao último trimestre de 2017. Com isso, o PIB do primeiro trimestre deve ficar na casa de 0,2% em comparação com igual período do ano anterior.

Não por acaso, porém, o BC interrompeu a redução dos juros, que haviam baixado de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para os atuais 6,5%. O dólar fechou a semana a R$ 3,74, mesmo com o governo intervindo no câmbio, o que eleva as projeções de inflação para R$ 3,5%. Para quem viajar, o dólar já está quase a R$ 3,95. As expectativas de inflação para este ano, segundo a pesquisa Focus do BC, continuam em torno de 3,5%. O comunicado do Copom ressaltou que no cenário com juros constantes a 6,5% ao ano e a taxa de câmbio constante a R$ 3,60 por dólar, porém, as projeções de inflação sobem para cerca de 4% neste ano e em 2019. A meta de inflação deste ano é um IPCA de 4,5% com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual, ou seja, piso de 3% e teto de 6%. no país. Havia expectativa de que se mantivesse em torno do piso; agora, o cenário já é outro.

Elio Gaspari: O MP entrou na defesa dos maganos

- O Globo

O Supremo abriu a brecha, e a história do fim do foro arrisca se transformar em conversa para boi dormir

O Ministério Público precisa se olhar no espelho. No Supremo Tribunal Federal ele defendeu o fim do foro especial para deputados e senadores. Essa decisão pontual foi festejada como uma conquista genérica. Engano. Menos de um mês depois, no Superior Tribunal de Justiça, o MP sustenta exatamente o contrário, defendendo a manutenção do foro na parte que lhe cabe do latifúndio.

Com o apoio da Procuradoria-Geral da República, deputados e senadores que cometam crimes fora do período de seus mandatos serão julgados na primeira instância. No STJ, contudo, o Ministério Público pediu que se preserve o foro especial para governadores, desembargadores, conselheiros do Tribunal de Contas e procuradores que atuam junto à corte. Em poucas palavras, diante da brecha aberta pelo Supremo, o "Tribunal da Cidadania" defende a jurisprudência do "quem manda aqui sou eu". Aceita, ela haverá de se propagar pelos estados.

O pedido do MP foi endossado pelo ministro Mauro Campbell e estava sendo julgado pela corte especial do STJ, composta pelos 15 ministros mais antigos. Como o ministro Luis Felipe Salomão pediu vistas, o caso será apreciado em junho. (Salomão remeteu à primeira instância um processo em que é réu o governador da Paraíba.)

Num exemplo hipotético, que poderá ocorrer em alguns estados:

Se um senador e um vereador (ou procurador) forem casados com duas irmãs e ambos matarem as mulheres, o senador será julgado na primeira instância e o vereador (ou o procurador) irá para o Tribunal de Justiça do seu estado. O senador não tem foro especial, mas os outros dois têm.

Expandida, a festa preservará o foro de todos os desembargadores, juízes de tribunais federais regionais, conselheiros de contas estaduais e municipais. E mais, bingo: dos membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais.

O foro especial favorece 58 mil maganos com funções em 40 tipos de cargos. A decisão do Supremo Tribunal, restrita a parlamentares, alcança algo como mil pessoas, levando-se em conta que há casos de cidadãos cujo mandato acabou. Na ponta do lápis, o Supremo livrou-se de mais de 60 processos.

A corte especial do STJ deverá decidir a questão no dia 6 de junho. Aberta a brecha, ficará a lição do "poetinha" Vinicius de Moraes:

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do Carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira.

Míriam Leitão: Dois em um

- O Globo

Neste maio o presidente Michel Temer completou dois anos de governo e um ano desde que sua administração perdeu o rumo. Tem sido, desde o começo, um governo com dois lados e dois momentos, partido ao meio. Ele acertou em alguns pontos na economia e errou em várias outras áreas. Em certos casos, uma decisão anulou o benefício de outra e minou o próprio sucesso. Um caso para os psicólogos.

Logo ao assumir, ele suspendeu a construção da hidrelétrica de Tapajós. Parecia ter entendido que as usinas agressivas ao meio ambiente na Amazônia, como Belo Monte, exigem precaução. Em seguida, reduziu a área de proteção da preciosa floresta de Jamanxin. Quis acabar com a Renca. Agora tenta emplacar um ruralista no ICMBio. Não houve naquela primeira decisão sobre Tapajós um pingo de consciência ambiental, era apenas oportunismo político porque a ex-presidente Dilma estava muito vinculada aos polêmicos projetos das hidrelétricas.

Na Petrobras, o centro do escândalo de corrupção, o presidente Temer escolheu um administrador que nenhum headhunter colocaria defeito. Pedro Parente nomeou sua própria diretoria. A estatal tem constituído de forma independente e técnica seu conselho de administração. O resultado positivo disso está em vários indicadores da empresa, que havia sido jogada no fundo do poço. Seu governo aprovou o projeto de nova lei das estatais que impede a nomeação política. Estaria ele querendo modernizar a gestão das estatais? Não. Aí entrou o outro lado de Temer. Ele próprio fez nomeações políticas, que feriam a lei que aprovara, para algumas empresas públicas e órgãos reguladores.

*Mario Vargas Llosa: A Caixa de Pandora

- O Estado de S.Paulo

A decisão de mudar a embaixada para Jerusalém criou confusão e uma matança estúpida

Enquanto Ivanka Trump, usando um vaporoso vestido que deu o que falar aos presentes, descerrava a placa inaugurando a vistosa Embaixada dos EUA em Jerusalém, o Exército israelense matava a tiros 60 palestinos e feria 1.700 que, lançando pedras, tentavam se aproximar do alambrado que separa a Faixa de Gaza do território de Israel. Os dois acontecimentos não coincidiram por acaso, o último foi consequência do primeiro.

A decisão do presidente Donald Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, medida que já anunciara durante sua campanha eleitoral, põe um fim a 70 anos de neutralidade dos EUA. O país e seus aliados no Ocidente até agora sustentavam que o estatuto de Jerusalém, como capital reivindicada por palestinos e israelenses, deveria ser decidido com base em um acordo entre ambas as partes que contemplasse a criação de dois Estados coexistindo na região.

Embora a tese de dois Estados seja verbalizada, às vezes, por dirigentes dos dois países, ninguém acredita que a fórmula ainda seja viável, dada a política expansionista israelense cujos assentamentos na Cisjordânia continuam devorando territórios e a cada dia que passa isolando povoados e cidades que formariam o Estado Palestino. Se existir, um Estado Palestino, na verdade, será pouco menos do que uma caricatura dos bantustões da África do Sul à época do apartheid.

Trump afirmou que sua decisão de reconhecer Jerusalém como capital de Israel era “realista” e ela não se tornaria um obstáculo ao acordo, mas o facilitaria. É possível que ele não só afirmou isso, mas, diante da sua formidável ignorância dos assuntos internacionais sobre os quais opina diariamente de maneira tão irresponsável, acredite no que disse. Mas duvido que mais alguém acredite nisso, além dele e do punhado de fanáticos que aplaudiu muito quando Ivanka descerrou a placa e Bibi Netanyahu, com lágrimas nos olhos, exclamou: “Que dia glorioso!”.

Na verdade, Trump abriu a Caixa de Pandora com essa medida e, além da confusão e do transtorno causado entre seus aliados, foi responsável, em grande parte, pela cruel e estúpida matança que veio se acrescentar ao suplício em que há muito tempo vivem os desventurados habitantes de Gaza.

Roberto Dutra: A questão nacional: o desafio maior dos progressistas

- El País

A esquerda tem de produzir uma identificação coletiva que não dependa, como na alternativa da extrema-direita, da exclusão do estrangeiro

A questão nacional é o maior desafio dos progressistas. Nos Estados Unidos e na Europa, a extrema-direita, com todos os seus limites, conseguiu recolocar a questão na agenda, obrigando parte dos progressistas a buscar novas estratégias para responder “pela esquerda” aos anseios dos “perdedores da globalização” por estados nacionais capazes de assegurar inclusão política e social. O grande desafio é produzir uma identificação coletiva que não dependa, como na alternativa da extrema-direita, da exclusão do estrangeiro, mas que seja capaz de produzir um sentimento coletivo abrangente e forte o bastante para legitimar, nas eleições e na opinião pública, políticas públicas capazes de incluir indivíduos de diferentes classes, gêneros e identidades étnicas nas esferas da economia, da educação, do direito efetivo e na própria vida política. Goste-se ou não, a modernidade política não produziu identificação coletiva mais universalista e forte que a ideia de nação. A imaginação e a construção de pertencimentos nacionais mais abrangente que classes, gêneros e identidades étnicas é um requisito indispensável para qualquer alternava melhor que o Estado-nação.

No Brasil, a extrema-direita (Bolsonaro) não assume contornos nacionalistas como no passado (Plínio Salgado, Eneas), e deixa um espaço importante para os progressistas, já que a direita tradicional não dá a menor importância à questão nacional.

Um problema complexo
A questão nacional é um problema complexo. Não se trata apenas de desenvolvimento e afirmação na esfera da economia. Envolve uma demanda de soberania política que, em termos realistas, só se concretiza com um Estado nacional forte, política e tecnicamente capacitado para induzir processos de desenvolvimento em esferas como educação, direito e ciência. Nenhum país conseguiu aumentar sua importância econômica, e nem incluir mais pessoas com qualidade na economia, sem que determinadas transformações e desenvolvimentos estruturais ocorressem nas esferas da educação, do direito e da ciência.

A ideia de complexidade exige reconhecer que o estado e a política não podem ser soberanos no sentido de controlar o que acontece e o que se desenvolve em todas estas esferas. Mas mesmo assim é possível diferenciar soberania de subordinação. Soberania significa a capacidade estatal de construir decisões coletivamente vinculantes em um determinado território, e isto envolve criar a própria identificação coletiva que vai apoiar estas decisões. A ideia democrática de soberania popular não faz sentido sem esta soberania do Estado nacional. Capacidades estatais são condição necessária, mas não suficiente, para induzir processos de transformação e desenvolvimento em várias esferas da sociedade.

Neste contexto de “crise multidimensional” a questão nacional é reconstruir as capacidades estatais necessárias para uma nova identificação coletiva forte e abrangente em torno de estratégias de desenvolvimento que nos permitem reconstruir a economia, o direito, a educação e a própria política democrática. Precisamos de um projeto político empenhado em refazer e reforçar as capacidades estatais para construir e implementar políticas públicas em diferentes setores, respondendo ao que é urgente com soluções que apontam para o que é prioritário.

A reconquista de nossas capacidades estatais é urgente porque o Estado brasileiro tem se mostrado crescentemente incapaz de responder às demandas sociais imediatas. Refazer as capacidades de resposta do Estado para o que é imediato é condição necessária, mas não suficiente, para qualquer projeto nacional de desenvolvimento. Para recolocar o futuro na agenda coletiva é preciso antes recuperar as capacidades estatais de responder estas demandas mínimas mais imediatas, como a calamitosa situação de violência e insegurança pública.

É preciso articular o urgente com o prioritário e assim tornar o Estado capaz de ganhar legitimidade fazendo políticas públicas que combinem o enfrentamento do que é “para ontem” com um projeto de futuro forte e abrangente. Por isso, a recuperação da autoridade pública no controle da própria violência estatal, hoje capturada por organizações policiais e desafiada crescentemente pelo controle territorial paralelo das milícias, deve ser objetivo central dos progressistas nas eleições de 2018. A ordem pública não pode ser abandona à direita, pois sem ela não há Estado capacitado, legítimo e transformador. Não há, a rigor, a própria validade do Estado. A questão nacional ameaça assumir contornos maquiavélicos entre nós. É preciso quebrar o processo de fragmentação dos centros decisórios que produz inflação de decisões de pouco alcance, deslegitimação da política e das decisões coletivas de maior alcance.

Cacá Diegues: As aventuras de Osho

- O Globo

"One of the most interesting words in the english language is the word fuck”. Assim começa a surpreendente e impagável conferência do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, conhecido por Osho. Uma conferência que se encontra na internet, com aparente e provável distribuição da própria empresa que foi do líder religioso, a Osho International.

Bhagwan foi mais que um líder religioso. Seu discurso não promete apenas um paraíso depois de nossa vida atual, mas nossa própria vida atual tornada um paraíso por aqui mesmo. A fonte desse paraíso anunciado é o sexo. Ou a vida sexual livre que formos capazes de construir e praticar, com nossos amigos e amigas, durante o tempo de nossa existência, com humor e criatividade.

Em sua conferência, o guru brinca com os diferentes usos e significados da palavra inglesa “fuck”, nos dando ideias que tornam essa palavra, muitas vezes desmoralizada por sua vulgaridade, uma preciosa chave para compreensão e relacionamento. De vulgar, “fuck” se torna, segundo sua utilidade, uma palavra mágica que faz as pessoas se sentirem bem. Uma vitória do sexo, até sobre a gramática. Concentrados no rosto e nos gestos da caricatura professoral de Bhagwan, não vemos seus ouvintes. Mas ouvimos os risos dos “fiéis”, vitoriosamente superiores nessa dessacralização agressiva do sexo. E finalmente o guru sugere que, a cada manhã, nos concentremos numa “meditação transcendental”, repetindo cinco vezes o mantra “fuck you”.

Mobilização pela democracia: Editorial | O Estado de S. Paulo

A indefinição da campanha eleitoral dá margem a todo tipo de especulação sobre o próximo governo, mas uma coisa é certa: será desastroso para o País se o presidente eleito for um dos que hoje protagonizam a polarização raivosa entre esquerda e direita – e não só em razão das ideologias deletérias que os caracterizam, mas principalmente pelo fato de que fundamentalistas em geral não têm a menor disposição de entabular qualquer forma de diálogo no Congresso. E, sem decidido apoio no Congresso, presidente algum conduzirá o País pelo caminho das reformas e da austeridade.

Por se imaginarem dotados de qualidades messiânicas, acima de considerações políticas triviais, esses candidatos se julgam dispensados de se submeter ao convívio democrático com quem não integra sua camarilha. Ao contrário: em seus discursos, reservam às negociações parlamentares o mais absoluto desdém, para regozijo de parcela do eleitorado que, enfastiada da política tradicional, os segue como a divindades.

É claro que coisa boa disso não sai, e é por essa razão que, diante das pesquisas de intenção de voto que mostram a boa colocação de candidatos que tão bem representam essa truculência, começa felizmente a tomar corpo a ideia de que é preciso haver uma mobilização para que a boa prática democrática prevaleça sobre a ameaça de barbárie.

Um manifesto a ser lançado no final deste mês pretende ser a expressão de urgência que caracteriza este momento político nacional. Tendo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como um de seus primeiros signatários, o texto, obtido antecipadamente pelo Estado, demanda uma “urgente unidade política nas eleições”, para constituir um “polo democrático e reformista”.

A urna não decide: Editorial | Folha de S. Paulo

Controle das instituições e risco de fraude põem processo nas mãos do chavismo

O chavismo deformou de tal maneira o sistema eleitoral da Venezuela que, nos últimos anos, o voto dos cidadãos não representa, por si só, a parte fundamental do processo. Tudo depende de quão favorável para o governo se mostra o cenário que advém das urnas.

Esse raciocínio vale para o pleito presidencial deste domingo (20), em que o ditador Nicolás Maduro tem como rival o ex-chavista Henri Falcón na tentativa de se reeleger para outro mandato de seis anos.

Pesquisa do instituto Datanálisis apontou vantagem para o desafiante (30% a 20%). Seria lógico apostar numa vitória da oposição; afinal, o país está em ruínas, com números catastróficos. Só para este ano, a previsão de inflação beira 13.000%, a mais alta do mundo, e se espera retração de 15% na economia, segundo o FMI.

Entretanto nenhum venezuelano se arrisca a confiar em sondagens ou mesmo na genuína vontade popular, posto que o Executivo controla o Conselho Nacional Eleitoral, que referenda os pleitos.

Desde que o antichavismo obteve surpreendente maioria na Assembleia Nacional na disputa legislativa de 2015, a interferência de Maduro sobre o CNE tem sido escancarada —coincidência ou não, de lá para cá não houve mais sufrágio com derrota governista.

Onda dos royalties volta com o mesmo risco de gastança: Editorial | O Globo

Os atuais administradores de estados e municípios que recebem royalties provenientes da exploração de petróleo e gás já estão sendo beneficiados pelo grande aumento de receita decorrente da elevação da cotação do barril no mundo e do crescimento da produção da Petrobras. A coincidência dos dois fatores tem irrigado cofres dessas unidades da Federação ainda em meio à crise. É uma dádiva numa fase de arrecadação tributária anêmica.

Os prognósticos para governadores e prefeitos a serem eleitos principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo são os melhores. A Petrobras, em 2017, aumentou a produção pelo quarto ano seguido, chegando a 2,65 milhões de barris diários, novo recorde. A programação de entrada em produção de plataformas garante novas quebras de marcas. E enquanto isso, por uma série de razões, inclusive geopolíticas (volta às sanções contra o Irã, por exemplo), a cotação do barril está em alta firme: subiu mais de 50% desde o ano passado e, na quinta, rompeu a barreira dos US$ 80, o que não acontecia há quatro anos.

O jornal “Valor” trouxe dados sobre esta nova onda de royalties e levantou casos de aplicação deste dinheiro. No ano passado, o conjunto dos beneficiários de royalties e participações especiais, a receita derivada de poços de elevada produção (União, estados e municípios), recebeu R$ 30,4 bilhões, quase o dobro do ano anterior. Os três grandes produtores têm sido bastante beneficiados.

O problema está, como já aconteceu no passado, no destino deste dinheiro. Por ser o petróleo um recurso finito, suas receitas precisam ser aplicadas de forma a permitir mudanças estruturais que garantam emprego e renda a essas regiões quando a exploração for encerrada. A Noruega se beneficiou bastante com o petróleo do Mar do Norte, porque seguiu esta estratégia.

Aliança competitiva em reduto eleitoral ainda é minoria

Nove dos 14 presidenciáveis citados em pesquisas têm candidatos a governador do mesmo partido nos seus Estados de origem

Adriana Ferraz, Felipe Siqueira, Talita Nascimento | O Estado de S. Paulo.

A cinco meses das eleições, a maioria dos presidenciáveis não tem asseguradas alianças competitivas que lhes proporcionem ampla visibilidade e expectativa de vitória em seus redutos, onde, em tese, a situação eleitoral de cada um deveria ser mais confortável. Levantamento feito pelo Estado mostra que as incertezas que rondam o cenário político nacional permitiram, por enquanto, que nove dos 14 pré-candidatos citados em pesquisas de intenção de voto contem com nomes de seus partidos para a disputa em seus Estados, mas com poucas chances de vitória.

Apesar de não ter conseguido unir o PSDB paulista em torno do nome do ex-prefeito João Doria, o presidenciável tucano, Geraldo Alckmin, é o único que tem um correligionário liderando as pesquisas de intenção de voto em seu reduto eleitoral. O ex-governador ainda tem o apoio formal de Márcio França (PSB), que lhe sucedeu no Palácio dos Bandeirantes. Se antes era visto como um problema, o palanque duplo de Alckmin em São Paulo figura agora como vantagem quando comparado à situação de seus adversários.

Além de Alckmin, os pré-candidatos que já asseguraram palanques eletrônicos em seus Estados são Guilherme Boulos (PSOL), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Marina Silva (Rede). PT e MDB também devem compor essa lista, já que podem lançar, respectivamente, o ex-prefeito Fernando Haddad – em substituição ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso pela Lava Jato – e o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles ou o próprio presidente Michel Temer.

Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT) são os que enfrentam as situações mais complexas em seus Estados. Em ambos os casos, os presidenciáveis terão de negociar alianças para ter suas imagens e nomes expostos no horário eleitoral reservado para os candidatos ao governo. Bolsonaro ainda não indicou quem pode apoiar no Rio, e Ciro deve fechar com o PT pela reeleição do atual governador cearense, Camilo Santana. Pelas regras atuais, no entanto, Santana somente poderá pedir votos para Ciro se o PT e o PDT fecharem uma aliança nacional.

Responsável pela articulação de Ciro no Nordeste, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) admitiu que o partido trabalha para assegurar alianças na região – na Bahia, no Piauí, no Ceará e no Acre, essa composição se dará com o PT. Mas essa estratégia, segundo ele, vale apenas para o segundo turno. “Na possibilidade de Lula ser candidato, nós teríamos, talvez, um problema maior. Caso contrário, esse problema será superado. No primeiro turno, consideramos essa possibilidade (de apoio do PT a Ciro) absolutamente remota. Esperamos que essa composição com PT e PDT seja efetivada no segundo turno”, disse.

Sem palanque para disputar o governo do Rio, o PSL aposta na candidatura de um dos filhos do presidenciável do partido ao Senado, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, como ponto de apoio relevante no Estado.

Regras do TSE para alianças não são claras

Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo.

As articulações entre os partidos políticos para montar alianças nas disputas estaduais esbarram na ausência de regras claras do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para normatizar a campanha de coligações no horário eleitoral gratuito no rádio e na TV – o chamado “palanque eletrônico”. A legislação em vigor veda apenas que candidatos majoritários (ao cargo de governador) “invadam” o horário reservado aos proporcionais (deputados federais e estaduais), mas não aborda a possibilidade de “traições”.

Segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estado, se um partido lançar nome próprio ao Palácio do Planalto ou fizer parte de em uma coligação presidencial, o candidato da sigla a governador pode ficar proibido de pedir voto ou exibir nome e número do postulante de outro legenda.

Por este entendimento, para o presidenciável do PSDB, Geraldo Alckmin, isso pode significar que o governador Márcio França (PSB), seu aliado, seja obrigado a ignorá-lo durante a campanha no horário eleitoral se o PSB decidir apoiar outro nome para presidente.

Como não há uma norma específica para regular o assunto, advogados dos partidos que se sentirem prejudicados podem fazer uma consulta formal ao TSE. Assim, o tema seria discutido no plenário do tribunal.

Confusão. O advogado Anderson Pomini, especialista em direito eleitoral, afirmou que a legislação prevê que qualquer propaganda que confunda o eleitor pode ser retirada do ar pelo TSE. Na mesma linha, Rubens Beçak, professor de direito da USP de Ribeirão Preto, disse que o argumento da “confusão do eleitor” é uma possibilidade a ser apresentada ao TSE.

Um eventual veto da Justiça Eleitoral às alianças estaduais entre partidos que são rivais no plano nacional pode prejudicar o Podemos de Álvaro Dias, o PSC de Paulo Rabello de Castro, o PRB de Flávio Rocha e o Solidariedade de Aldo Rebelo.

No Ceará, o PDT de Ciro Gomes pode apoiar Camilo Santana, governador do PT que concorre à reeleição. No entanto, se o PT lançar um “plano B”, Ciro fica sem palanque eletrônico no próprio Estado. Sem nenhum partido ao seu lado, Jair Bolsonaro, do PSL, tem pouco tempo de TV – 1 segundo. Pela regra do TSE, nenhum candidato de outra legenda poderá pedir voto para ele. O mesmo vale para Marina Silva, da Rede.

MDB explora era Dilma para defender Temer

Em tratado eleitoral, sigla cita risco de retrocesso, defende reformas e lembra que a petista foi popular até seu legado implodir

Daniela Lima | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com sua gestão rejeitada pela maioria da população, o MDB decidiu desenterrar os esqueletos do governo Dilma Rousseff (PT) no documento em que faz um balanço da presidência de Michel Temer e apresenta suas diretrizes para o debate eleitoral, num aceno à pré-candidatura de Henrique Meirelles.

Intitulada Encontro com o Futuro, a nova carta-compromisso da sigla defende o impopular legado do emedebista e aponta a continuidade de sua agenda como caminho para evitar um retrocesso.

"A opção para os eleitores pode ser radicalmente simplificada: continuar políticas que deram certo e que estão impulsionando a recuperação da economia, ou voltar às que causaram recessão, desemprego, inflação e aumento da pobreza", diz o texto a que a Folha teve acesso.

"Este tem que ser o cerne do debate eleitoral. Quem fugir dele estará claramente procurando enganar a população."

Elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, o Encontro gasta metade das 48 páginas intercalando diagnósticos sobre o cenário pré-impeachment com resultados dos 20 meses de governo Temer.

Há ainda linhas gerais de propostas para diversas áreas. "Em 2016, no auge da crise econômica, 24,8 milhões de brasileiros estavam vivendo em situação de pobreza extrema, (...) quase 9 milhões de novos pobres, aumento de 53% em comparação com 2014."

Em outro trecho, o partido explora dados negativos no mercado de trabalho. "Em 2015, 1.543.000 brasileiros perderam o emprego e, em 2016, 1.326.000 postos de trabalho foram eliminados."

O MDB admite que não conseguiu reverter o quadro por completo, mas relativiza: "Em 2017, mesmo com o início da retomada da atividade econômica, o saldo ainda permaneceu negativo. Só que, desta vez, por muito pouco: perdemos 21.000 empregos".

MDB: na eleição, agenda reformista

Campanha do MDB vai apostar nas reformas

Documento ‘Encontro com o futuro’ defende mudança na Previdência e critica MP e Poder Judiciário

Marco Grillo| O Globo

O discurso que o MDB vai reproduzir durante a campanha presidencial reúne ações que o governo de Michel Temer conseguiu implementar, como o ajuste fiscal e a PEC do teto dos gastos, e fracassos políticos, a exemplo da reforma da Previdência. Ainda sem uma definição sobre o candidato à Presidência — o exministro da Fazenda Henrique Meirelles aparece como favorito —, o partido vai lançar, na terça-feira, o documento “Encontro com o futuro” e deve confirmar Meirelles como único pré-candidato da sigla. A peça, de 45 páginas, sustenta a importância do equilíbrio das contas públicas e propõe um aprofundamento na agenda reformista ao defender a redução das despesas obrigatórias da União.

O manual que servirá de base para a campanha foi elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, mantida pelo MDB e presidida pelo ministro de Minas e Energia, Moreira Franco. É o terceiro documento de uma série que começou com a “Ponte para o futuro”, em 2015, e teve “A travessia social”, no ano seguinte. Há uma série de críticas à gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), da qual os peemedebistas fizeram parte do início até momentos antes do impeachment. “Em 2016 (quando Temer assumiu a Presidência), começamos a agir em cima dos destroços que encontramos”, diz um trecho.

Há também diversos elogios para resultados surgidos após a mudança implementada por Temer na política econômica, como a redução da taxa de juros para 6,5% e a inflação, que terminou 2017 em 2,95%. Sobre o desemprego, que continua subindo, o texto ressalva que “a recuperação do emprego nas economias atuais, por uma série de razões, é mais lenta que a recuperação do PIB (Produto Interno Bruto)”.

Temer e Meirelles, que deve ser protagonista de encontro na terça. Sem recorrer a prazos, o documento afirma que, “em breve, o emprego começará a reagir de forma mais forte e os índices de pobreza começarão a recuar, encerrando este longo inverno recessivo”. O manual emedebista diz que a reforma trabalhista, outra vitória do governo Temer, vai ajudar na recuperação dos postos de trabalho.

O documento avança na discussão sobre a questão orçamentária e sugere mudanças na lei ao citar que as despesas obrigatórias do governo — como gastos previdenciários, com a folha de pagamento e abono e seguro desemprego — podem chegar a 105% da receita líquida do Governo Central (Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência Social).

Número de eleitores idosos supera o de jovens

Envelhecimento da população pode mudar os rumos da eleição

A nova face do eleitor: o envelhecimento chega às urnas

População com mais de 60 anos supera a de jovens entre 16 a 24 anos

Daiane Costa/Igor Mello | O Globo

RIO - Ainda que prevaleça a ideia de que o Brasil é um país de jovens, que são decisivos nos processos eleitorais, dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) compilados pelo demógrafo José Eustáquio Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, mostram que a democracia brasileira tem uma face cada vez mais madura. Os idosos já representam 18,6% do eleitorado, ou 27,3 milhões de votos, enquanto que os jovens, de 16 a 24 anos, somam cinco milhões a menos: são 22,4 milhões ou 15,3% dos aptos a votar em outubro. Essa diferença é capaz de definir uma eleição. A mudança demográfica do eleitorado vem sendo percebida desde 2014, quando os dois grupos praticamente ficaram empatados no peso que têm nas urnas. Naquele ano, jovens representaram 16%, enquanto eleitores com 60 anos ou mais somaram 17%.

Conservadores, mas democráticos
Essas novas proporções caminham juntas com a aceleração do envelhecimento da população, que ficará ainda mais evidente a cada eleição. O professor estima que o Brasil se tornará oficialmente um país envelhecido em 2031, quando o número total de idosos vai superar o de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Um ano antes, o eleitorado com 60 anos ou mais já terá dobrado em relação ao grupo que tem entre 16 e 24 anos.

— Em 2014, a vantagem dos idosos era muito pequena. Um empate técnico, estatisticamente. Essa é a primeira eleição com um aumento consistente de eleitores idosos, em que são maioria evidente. E, como vivemos cada vez mais, esse não é um eleitor que vai embora. Os candidatos terão de trabalhar questões próprias dos idosos e conhecer a realidade deles se quiserem conquistar e manter esse voto na eleição seguinte —observa o autor do estudo.

Na avaliação de cientistas políticos, ainda que idosos sejam mais conservadores em relação a valores e ao comportamento social, defendem o regime democrático e querem estabilidade econômica. Características que sugerem, nas urnas, a escolha de um candidato de centro por esse grupo.

— Nossas pesquisas indicam que indivíduos a partir dos 55 anos são os mais contrários à legalização do aborto, ao casamento de pessoas do mesmo sexo e à adoção de criança por casal gay. Mas também são os que mais apoiam o regime democrático como forma de organizar o sistema político, devido à experiência que tiveram nos anos de ditadura— complementa Rachel Meneguello, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp.

O fato de as mulheres serem maioria no eleitorado idoso (55%) também reforça a tendência ao voto no centro, avalia David Verge Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB).

— As mulheres tendem a ser mais ponderadas em seus votos do que os homens. Mas ainda não vejo um candidato (a presidente) com esse perfil. Do outro lado, as pesquisas de opinião têm mostrado que os jovens tendem a votar em um candidato como o (Jair) Bolsanaro, porque é um grupo que nunca ouviu falar em regime militar — observa o professor, em referência ao pré-candidato do PSL à Presidência da República, que por reiteradas vezes defendeu publicamente a ação dos militares naquele período.

Vanessa Da Mata - Gente Feliz

Carlos Drummond de Andrade: Entre o ser e as coisas

Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.

As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.

N'água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.

E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungindo,
uma fogueira a arder no dia findo.