quarta-feira, 24 de junho de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

• IHU On-Line – O seu diagnóstico é o de que a democracia está em risco não somente por causa do governo, mas porque a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma. Desde quando estamos doentes política e socialmente?

Luiz Werneck Vianna – Tudo que acontece hoje só foi possível porque a sociedade adoeceu antes e permitiu a vitória dos que estão aí. Eles não chegaram ao poder pelo golpe, mas pelo voto. Como os anos dos governos petistas não favoreceram a organização da vida popular, não favoreceram a organização da cidadania, a política ficou desamparada de sustentação cidadã. Se acumulou, na sociedade, por força disso, um tipo de comportamento em setores sociais bem determinados – que chamo de ralé de camadas médias -, dirigido inteiramente ao consumo, ao culto idiota às personalidades midiáticas independentemente dos seus valores. Criou-se uma personalidade em torno da Sara Giromini, que usa o codinome Sara Winter, nome de uma espiã inglesa em favor do nazismo. Não importa, para eles, a história; importa a exibição, o espetáculo e eles tiveram uma votação impressionante nas últimas eleições. Quantos deles estão nas casas parlamentares? Pessoas que vieram de lugares inexpressivos da vida social conquistaram posições e estão aí hoje, emperrando a resistência democrática no Congresso.

Nada do que nos ocorreu foi fruto de um acaso; não havia nenhuma fatalidade que nos empurrasse para essa situação. Nós criamos este abismo diante dos nossos pés com o tipo de política que praticamos nos últimos tempos. Não quero arrumar culpados, mas fomos todos que perdemos uma herança importantíssima; deixamos que se dilapidasse diante dos nossos olhos a Carta de 88, que é de inspiração social-democrata – é débil, mas é uma social-democracia e tinha possibilidade de desenvolvimento futuro. Para que isso ocorresse, precisávamos ter entendido que democracia política e democracia social deveriam andar juntas. No entanto, a partir de determinado momento, a esquerda hegemônica, no caso o PT, conduziu o tema do social sem política, sem amparar o social em instituições democráticas e sem fortalecer a democracia.

Luiz Werneck Vianna, sociólogo PUC- Rio. Entrevista IHU On-Line, 23/6/2020

Merval Pereira - Descarbonários

- O Globo

O próprio setor agropecuário terá que certificar a produção, assumir um compromisso de moratória de queimadas

O que o governo Bolsonaro acusava de “ecoterrorismo” acabou se concretizando. O aumento do desmatamento e a política de direitos humanos em relação aos povos indígenas provocaram carta de um grupo de investidores internacionais, que gere US$3,75 trilhões, a seis embaixadas brasileiras na Europa, além de Estados Unidos e Japão.

Nela, advertem que o que classificam de “desmantelamento” de políticas ambientais e de direitos humanos poderá levar empresas expostas a eventual desmatamento em suas operações no Brasil e cadeias de fornecedores a enfrentar dificuldade crescente para acessar os mercados internacionais.

Essa preocupação não é por desinformação, como quer o presidente Bolsonaro, mas pelo excesso de informações, pois como diz a presidente do partido Rede Sustentabilidade, Marina Silva, a mais importante líder ambientalista do país, “os satélites não mentem”.

Ela teme que a situação se agrave com a União Europeia se juntando aos Estados Unidos na questão ambiental com o democrata Joe Biden derrotando Trump nas próximas eleições presidenciais. Há poucos dias, Marina participou de um webinar organizado em parceria com a Climate Alliance, a Rainforest Foundation Norway e a Society for Threatened Peoples, com deputados do parlamento europeu Kathleen Van Brempt e Anna Cavazzini, representantes de povos indígenas e de ONGs dedicadas aos direitos humanos e ao clima, intitulado “Como a Europa pode apoiar o Brasil na atual crise humanitária e ambiental?”

Luiz Carlos Azedo - A praga e a peste

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A pandemia da covid-19 atingiu 57 mortes por hora, quase uma por minuto. O relaxamento do isolamento social e a imunização de rebanho caminham de mãos dadas

Uma nuvem de gafanhotos ronda a fronteira do Brasil com a Argentina, ameaçando as lavouras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, depois de atacar as do Paraguai, onde os insetos destruíram plantações de milho. As principais regiões atingidas na Argentina são as províncias de Santa Fé, Formosa e Chaco, onde existe produção de cana-de-açúcar e mandioca e a condição climática é favorável. Uma nuvem de gafanhotos, em um quilômetro quadrado, pode ter até 40 milhões de insetos, que consomem, em um dia, pastagens equivalentes ao que 2 mil vacas ou 350 mil pessoas consumiriam.

Na Bíblia, nuvens de gafanhotos são uma das 10 pragas do Egito (Êxodus), lançadas por Deus para obrigar o faraó a libertar os hebreus. Moisés foi o portador da mensagem divina: “Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: ‘Até quando você se recusará a humilhar-se perante mim? Deixe ir o meu povo, para que me preste culto. Se você não quiser deixá-lo ir, farei vir gafanhotos sobre o seu território amanhã. Eles cobrirão a face da terra até não se poder enxergar o solo. Devorarão o pouco que ainda lhes restou da tempestade de granizo e todas as árvores que estiverem brotando nos campos. Encherão os seus palácios e as casas de todos os seus conselheiros e de todos os egípcios: algo que os seus pais e os seus antepassados jamais viram (…)”.

Mas o Senhor disse a Moisés: “Estenda a mão sobre o Egito para que os gafanhotos venham sobre a terra e devorem toda a vegetação, tudo o que foi deixado pelo granizo”. Moisés estendeu a vara sobre o Egito, e o Senhor fez soprar sobre a terra um vento oriental durante todo aquele dia e toda aquela noite. Pela manhã, o vento havia trazido os gafanhotos, os quais invadiram todo o Egito e desceram em grande número sobre toda a sua extensão. Nunca antes houve tantos gafanhotos, nem jamais haverá. Eles cobriram toda a face da terra de tal forma que ela escureceu. Devoraram tudo o que o granizo tinha deixado: toda a vegetação e todos os frutos das árvores. Não restou nada verde nas árvores nem nas plantas do campo, em toda a terra do Egito.

Míriam Leitão - Uma visão de dentro do governo

- O Globo

Ministros admitem que o presidente comete erros, mas discordam mais da forma do que do conteúdo. Ecoa no governo previsão feita por Mandetta

A visão de dentro do governo Bolsonaro é de que o ex-ministro Abraham Weintraub prejudicava muito. O presidente o defendia, mas a maioria dos ministros civis e militares o define com palavras como “doido” ou “idiota”. Esse último ato teria dado a impressão de que o presidente arquitetou um plano contra uma lei americana, me disse um ministro. Bolsonaro é criticado por suas declarações, mesmo por pessoas que estão próximas, mas ao mesmo tempo o presidente convenceu a equipe de boa parte das suas teses, como a de que o Supremo estaria invadindo prerrogativas do Executivo.

Mais um ruído está marcado para acontecer com o pedido, ontem, feito pela Polícia Federal ao decano Celso de Mello para ouvir o presidente no inquérito que investiga a suspeita de interferência na PF. Há uma expectativa de que Bolsonaro responda por escrito. Mas o ministro Celso de Mello, em decisão recente, conforme escrevi aqui no dia 7 de maio, registrou seu entendimento de que o presidente, o vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado têm essa prerrogativa, pelo artigo 221 do Código de Processo Penal, mas apenas quando são testemunhas. O decano escreveu: “Caso estejam na condição de pessoas investigadas ou acusadas não terão acesso a tal favor legal.” Sendo assim, Bolsonaro seria ouvido presencialmente.

Bernardo Mello Franco - Unidos contra a saúde

- O Globo

Jair Bolsonaro e Wilson Witzel eram aliados, viraram concorrentes e hoje são inimigos. Mas há algo que ainda os une: o descaso com a saúde pública.

O presidente já forçou a saída de dois ministros na pandemia. Sem encontrar outro médico disposto a rasgar o diploma, entregou a pasta da Saúde a um general paraquedista. O interino tem fracassado no combate ao vírus. Até aqui, só se notabilizou pela tentativa de maquiar estatísticas e esconder mortes pela Covid.

O governador do Rio também perdeu dois secretários em plena crise. O primeiro, Edmar Santos, caiu num escândalo de corrupção. O segundo, Fernando Ferry, pediu demissão para não “sujar o CPF”. Ameaçado de impeachment, Witzel imitou Bolsonaro e foi buscar o substituto no quartel. Seu terceiro secretário de Saúde é Alex Bousquet, coronel do Corpo de Bombeiros.

Zuenir Ventura - Vale tudo. Ou quase

- O Globo

Por via das dúvidas, a mulher de Queiroz escondeu-se

Nesse escândalo protagonizado pelo senador Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor Fabrício Queiroz, há desvio de recursos públicos, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, depósito na conta da primeira-dama, conexão com as milícias, mas o que chamou mais a atenção foi a rápida aparição de uma figura que roubou a cena por seu confuso desempenho. Trata-se do histriônico Frederick Wassef, vulgo Anjo, advogado do presidente e do seu primogênito e dono do imóvel onde foi preso Queiroz, que aí se escondeu por cerca de um ano.

Como na entrevista a Andréia Sadi ele insistisse em negar o óbvio, isto é, que conhecia o hóspede, ela lançou mão de uma bem-humorada pergunta que desconcertou o cinismo do interlocutor e viralizou na internet: “O Queiroz apareceu voando na casa do senhor?”

A saída de cena do advogado foi também ruidosa. Ele alega que deixou a causa para que “não me usem para atacar criminosamente” o presidente e o senador. Já este exaltou no Twitter “a lealdade e a competência do advogado, ímpares e insubstituíveis”. A versão mais confiável, porém, é a da colunista Mônica Bergamo, a quem interlocutores do presidente confessaram que ele estava de “saco cheio de Wassef”, por falar demais.

Ricardo Noblat - Governo Bolsonaro desce a escada saltando degraus

- Blog do Noblat | Veja

Mourão e o terno da posse
Ensinou o ex-presidente José Sarney quando há muitos anos lhe perguntei a respeito: “O primeiro compromisso de quem assume a presidência da República no Brasil é o de assegurar condições para completar seu mandato”. Cito a resposta de memória.

Leitor voraz de livros de história, com uma longa carreira como político, Sarney sabia que não seria fácil completar o mandato que herdara de Tancredo Neves, o presidente eleito em 1985 que morreu sem tomar posse depois de ser operado sete vezes.

Assistira de longe a ascensão de Getúlio Vargas em 1930, sua queda em 1945, a volta em 1950 e o suicídio em 1954; de perto, as rebeliões militares que ameaçaram o governo de Juscelino; a renúncia de Jânio em 1961; e a deposição de Goulart em 1964.

Era para Sarney ter governado por seis anos. A Constituinte de 1988 subtraiu-lhe um ano de mandato. Governaria só por quatro, não fosse o apoio que recebeu dos militares para que governasse cinco anos. Foi sucedido por Fernando Collor, deposto em 1992.

Aos 90 anos de idade, lúcido e em boa forma, acompanha a agonia do presidente Jair Bolsonaro que, a essa altura, se dará por feliz se conseguir governar pelo menos até 2022. Sarney, mas não só ele, acha que Bolsonaro já deu adeus ao sonho de se reeleger.

Rosângela Bittar - Caça acuada, caçadores em vigília

- O Estado de S.Paulo

Os fatores que sustentam a mudança de rumo estão em plena ebulição

Aparentemente, há fatos e indícios demais que justificam o afastamento do presidente Jair Bolsonaro. O consenso na política, porém, é de que o cenário ainda exige cautela. A caça foi avistada, está acuada, mas ainda não pode ser alcançada.

Os fatores que sustentam a mudança de rumo estão em plena ebulição. Apenas a reeleição, que Bolsonaro sempre considerou favas contadas, está fora de cogitação. Sucumbiu junto com os milhões de vítimas da covid-19 e dos desempregados por ela. Ainda há quem acredite na reabilitação do candidato nesses próximos dois anos e pouco, mas estes são raros.

Ninguém mais discute, porém, se o presidente resistirá até o fim do mandato. A dúvida é sobre como vai sair, se pela impugnação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou pela deposição via Congresso, o impeachment. Para os dois desfechos ainda não existem as condições necessárias, em provas, perdas de apoio, enfraquecimento político.

A novidade atual é a troca de posição das probabilidades. A impugnação no TSE, que até há duas semanas era vista como a hipótese mais fácil, perdeu favoritismo. A equação se inverteu.

Vera Magalhães - Um ano perdido

- O Estado de S.Paulo

Fuga de Weintraub é símbolo final de desastre da Educação na pandemia

A fuga canhestra de Abraham Weintraub do País e seu desembarque caricato em Miami foram o apogeu de uma gestão daninha na Educação.

O pior ministro da Educação que o Brasil já teve se despediu com um bilhete em papel de pão, um abracinho no presidente e uma banana para o País. Para poder entrar nos Estados Unidos, se valeu de uma fraude ao Diário Oficial, mais um expediente que vai se tornando rotina no governo coalhado de ilegalidades de Jair Bolsonaro.

Antes de mais essas cenas de pastelão, no entanto, o dono da cachorrinha Capitu entregou um ano perdido, em que os alunos não foram apenas expostos aos riscos para a saúde física e mental decorrentes da pandemia, mas à completa falta de perspectiva para seu futuro escolar graças à inépcia do Ministério da Educação.

Depois de, por pura birra, tentar obrigar alunos do Ensino Médio a fazer o Enem sem ter aulas, ou tendo sido jogados de paraquedas num ensino à distância com mais buracos que a superfície da Lua, e ser forçado a recuar pela Justiça e pelo Congresso, Weintraub simplesmente desligou as operações.

Monica De Bolle* - O maior dos descasos

- O Estado de S.Paulo

Enquanto o País quer a volta da normalidade perdida, o governo anuncia o fim do auxílio emergencial

O Brasil ultrapassou os 50 mil óbitos causados pelo SARS-CoV-2, o vírus responsável pela síndrome denominada covid-19, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com os modelos epidemiológicos mais apurados, é provável que o Brasil alcance a terrível marca dos 100 mil óbitos até meados de julho. Em meio a tantas mortes, tantas pessoas sofrendo nos hospitais, tantas famílias destroçadas, testemunhamos a indiferença de boa parte da população brasileira. Com a “reabertura”, festeja-se o retorno aos shopping centers, aos restaurantes, às academias. Festeja-se as aglomerações, os churrascos, a volta da “vida normal”. Espanta a falta de percepção de que a vida está e seguirá longe do normal.

A vida não está, nem deveria estar normal, em primeiro lugar, porque os mortos pela covid-19 se somam dia após dia. A comoção que o País sentiu pelos italianos e pelos espanhóis parece passar longe dos olhos e do coração de muitos brasileiros, agora que morrem seus concidadãos.

Em segundo, há um vírus letal e altamente imprevisível em circulação. Esse vírus pode não causar sintoma algum, pode causar sintomas leves, pode levar o paciente a ser entubado, pode levar à morte. Esse vírus, como mostram estudos, pode se alojar nos pulmões, no sistema vascular, nas articulações, no sistema neurológico. Pode deixar sequelas severas. Mas, no Brasil atual, é como se ele não existisse. A vida segue como se as pessoas por ele vitimadas fossem apenas números que se computam todos os dias: sua morte não modifica o presente, nem se nota no governo federal ou em parte da sociedade brasileira qualquer intenção de responder à crise humanitária que assola o País.

Fernando Exman - Militares, política e o caso de Cincinnatus

- Valor Econômico

Congresso debate relação entre Forças Armadas e governo

Pode sair do Congresso Nacional uma solução para o problema que, ao lado dos esforços de combate ao novo coronavírus, muito tem preocupado o oficialato. Pelo menos duas propostas de emenda constitucional podem amenizar os danos causados à imagem das Forças Armadas pela correlação feita, na opinião pública, entre os militares e o governo.

A ideia, ainda em fase inicial de tramitação e que pode ganhar impulso se for objeto de acordo entre os líderes partidários, é resguardar o caráter de instituições de Estado das Forças Armadas. Em uma eventual brecha na agenda legislativa voltada à retomada econômica no pós-pandemia, esse pode ser um debate positivo a ser levado adiante pelo Parlamento. O país ganhará, se demonstrar ter maturidade civilizatória para discutir esse tema sem enfrentar novas turbulências institucionais. Perderá quem quer trocar a farda pelo terno e a gravata, sem enfrentar uma transição profissional em definitivo.

Por isso a proposta de autoria da deputada federal Perpétua Almeida (AC), líder do PCdoB na Câmara, chama a atenção. Ex-assessora especial e ex-secretária de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa, a deputada mantém contato com seus antigos interlocutores na caserna, enquanto coleta as assinaturas necessárias para protocolar a PEC. Antes um gesto trivial no cotidiano do parlamentar, agora a subscrição de projetos é eletrônica e enfrenta novas complexidades por causa do trabalho remoto e da pandemia.

Cristiano Romero - Brasil: o destino de nunca ser liberal

- Valor Econômico

Aqui, liberalismo e liberal são palavras demonizadas

Uma das palavras mais demonizadas do nosso vocabulário é "liberalismo". Sim, o vocábulo, porque, no fundo, não importa discutir seu significado real, a ideia, a doutrina ou o modelo de funcionamento de uma economia. Na Ilha de Vera Cruz, mesmo nas universidades, lócus por definição do debate de ideias, não se vai muito longe na discussão do tema. Ora, por quê? Porque o liberalismo econômico, nos ensinam os livros didáticos desde a tenra infância, é coisa de capitalista selvagem, empresário malvado e banqueiro usurpador, assim como de duas categorias cuja existência, para os anti-liberais, dispensa adjetivos: os investidores da bolsa de valores e os investidores estrangeiros.

A história nos conta por que somos assim, desde as capitanias hereditárias, a forma encontrada pelo já decadente reino de Portugal de ocupar esta imensa "ilha", antes que alguém o fizesse.

"Descoberta" em 1500, Cabrália só começou a ser realmente colonizada 34 anos depois, quando D. João III dividiu o território à régua _ sem levar em consideração os acidentes geográficos que costumam demarcar cidades, Estados e até países _ em 15 capitanias. Como o reino estava falido, cada área foi concedida a um donatário que tivesse recursos para ocupar e administrar a sua área, que não lhe pertencia, mas a Portugal.

A ocupação era urgente porque franceses vieram aos baldes, nas três primeiras décadas de existência da América Portuguesa, depenar a vasta Mata Atlântica para extração de pau-brasil, madeira resistente usada na fabricação de móveis, instrumentos musicais e, ainda, no tingimento (vermelho) de tecidos. Antes das capitanias, funcionaram as feitorias, um monopólio concedido pelo reino português aos exploradores e comercializadores de pau-brasil. Mais adiante, em 1550, os franceses tentaram tomar a pulso parte da Ilha de Vera Cruz do domínio português...

Roberto DaMatta - Ataque, violência, destruição

- O Estado de S. Paulo / O Globo

Foi com essas palavras que me informaram do gigantesco ataque de cupins e brocas à minha casa. “Como o de Pearl Harbor?”, perguntei ao Sr. Olem — o dono da firma descupinizadora que contratei. “Seria tão poderoso”, prossegui, “quanto o dos japoneses que iniciou a contraofensiva americana no Pacífico?” “Sim, senhor! Cupins e brocas são insetos desaforados, mas o nosso ataque será violento!”, completou o Sr. Olem, debaixo dos olhares confiantes de Tinho e Tonho, seus ajudantes-soldados, que usavam avançadas armas químicas para liquidar a praga.

“Dentro em breve a casa vai estar livre!”, reiterou o Sr. Olem quando me mostrava uma parede arruinada pelos insetos coletivistas.

Eu moro nesta casa desde 1974. Ela concretiza uma vida devotada exclusivamente ao trabalho intelectual. Por meio dele, exerço o magistério e a crônica jornalística, atividades resultantes de pesquisas e livros escritos no figurino professoral classificado por tio Marcelino (que foi fiscal de rendas — um belo emprego, conforme dizia) como “um sacerdócio”. Uma qualificação precisa porque, como agora constato, professor que sou por mais de 60 anos, dar aulas não pode ser um emprego porque o ensino requer “trabalho”: vocação e amor. Algo estigmatizado num sistema até anteontem sustentado por escravidão negra. Ademais, tenho convivido com a pecha delinquente segundo a qual “quem sabe faz, quem não sabe ensina!”. Eis uma “inocente” barbaridade explicativa do porquê somos governados por ladrões e loucos; e como o chamado “campo político” virou uma sentina.

Voltemos, porém, ao ataque dos cupins que comeram paredes e várias obras de Marx, Engels, Morgan e outros mestres e, de sobremesa, tornaram pó suas estantes. Já as brocas, menos intelectuais, atacaram um armário de roupas. Resultado: uns cem livros devorados por cupins e estragos sérios e irreparáveis na minha obsoleta aparelhagem de som.

Na medida em que Tinho e Tonho suavam removendo quilos de cupins ainda vivos como um político corrupto nacional, o Sr. Olem me perguntou se eu conhecia a história de um padre que havia decifrado a língua das aranhas e com elas trocado ideias e até mesmo a elas sugerido um regime político capaz de organizá-las — o regime republicano de governo...

Elio Gaspari - A quitanda está abandonada

- Folha de S. Paulo / O Globo

É necessário que o presidente se associe à administração

Hoje completam-se dois meses da saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça. Parece que foram dois anos. De lá para cá, no meio de uma epidemia, caíram dois ministros da Saúde e escafedeu-se o da Educassão. Isso, esquecendo-se da novela de Regina Duarte. O czar da Economia está atordoado, prestes a abandonar a emenda constitucional que aliviaria as finanças de estados e municípios. Do outro lado do balcão há mais de um milhão de pessoas infectadas pelo coronavírus e 12 milhões de desempregados.

Desde o dia em que assumiu a Presidência, Jair Bolsonaro sabe que precisa respeitar a primeira Lei de Delfim Netto: “Tem que abrir a quitanda às nove da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para atender à freguesia.”

Entra-se na quitanda e lá discutem-se as prerrogativas do Judiciário, o silêncio de Fabrício Queiroz, o paradeiro de sua mulher, a fidelidade de Frederick Wassef e as virtudes da cloroquina. Berinjelas? Só quando se souber o que será colocado no lugar do PróBrasil, aquele ex-Plano Marshall. Troco? Só quando o gerente e o caixa chegarem a um acordo a respeito do valor do auxílio para os “invisíveis”. O secretário do Tesouro está de malas prontas.

Hélio Schwartsman - Liberdade na rede

- Folha de S. Paulo

Pretendo discutir hoje a regulação das redes sociais. O tema ganhou proeminência com o inquérito das “fake news” e a decisão de algumas empresas de apagar ou marcar como duvidosos posts dos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump.

As redes sociais não realizaram o sonho de alguns visionários de tornar o mundo um lugar mais democrático e igualitário, mas também não me parece justo atribuir a elas a culpa por todos os males de nosso tempo. Mentiras e polarização são um problema, mas já existiam muito antes da internet. Os computadores apenas amplificaram seu alcance.

Os dilemas com os quais lidamos quando nos propomos a regular as redes não são, portanto, novidade. De um lado, temos a liberdade de expressão, que está no DNA do liberalismo democrático, e, de outro, os danos concretos que inverdades estrategicamente plantadas podem ocasionar, para indivíduos, empresas e para o próprio ambiente institucional.

Cristina Serra - 'I can't breathe' no Brasil

- Folha de S. Paulo

Até quando a cor da pele será uma sentença de morte neste país?

É imperioso voltar ao tema, tratado por esta colunista, quase um mês atrás.

A cena gravada por um celular ecoa o martírio de George Floyd: "I can't breathe". Desta vez, aconteceu em Carapicuíba, São Paulo. Um policial militar aperta o joelho sobre o pescoço do rapaz negro, Gabriel, de 19 anos, imobilizado no chão. Gabriel agita as pernas em desespero. Desmaia duas vezes. Felizmente, o jovem sobreviveu. Os policiais responsáveis pela "abordagem" ficarão "afastados das ruas" até a conclusão das apurações.

Outro Gabriel, 22 anos, em Salvador, saía do banco quando foi preso por policiais militares. Seu crime? É negro, tem tatuagens e o cabelo pintado de loiro. Foi confundido com um assaltante. Uma mobilização pelas redes sociais conseguiu libertá-lo. Os dois rapazes com nome de anjo sobreviveram. Outros não tiveram a mesma sorte.

Ruy Castro* - Vista grossa e continência

- Folha de S. Paulo

Para Bolsonaro, nós, paisanos, somos brasileiros de segunda classe

No domingo, 21, Jair Bolsonaro tomou um jato da FAB em Brasília e veio ao Rio para o velório de um paraquedista morto na véspera —preso na aeronave ao saltar; quando se soltou, o paraquedas não abriu e ele foi ao solo. Usando o infeliz soldado como pretexto, Bolsonaro, de pífia carreira militar, fez um discurso falando em nome das Forças Armadas e, mais uma vez, deu a entender que elas intervirão se o “povo” —seus apoiadores no chiqueirinho do Alvorada— for contrariado.

É reconfortante saber que Bolsonaro se comoveu com a morte de um cidadão brasileiro, a ponto de requisitar avião, gasolina e tripulação oficiais e voar 935 km para homenageá-lo. Já poderia ter feito o mesmo com pelo menos um dos 52 mil brasileiros mortos pela Covid-19 e sem deslocamento tão dispendioso. Bastaria acionar a equipe que filma suas lives em palácio. Mas não o fez, talvez porque tais mortos —de quem não se sabe quantos são homens ou mulheres, brancos ou pretos, velhos ou jovens— sejam, para ele, brasileiros de 2ª classe.

Prisão de Queiroz coloca em xeque estratégias de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

Recurso ao populismo econômico pode ser o complemento à aliança com o centrão

Tudo o que o presidente Jair Bolsonaro conseguiu com suas agressões às instituições e pregações golpistas foi limitar drasticamente sua própria margem de ação. A prisão do velho amigo Fabrício Queiroz, ligado a milícias e ao escândalo das rachadinhas que envolve o senador Flavio Bolsonaro, na casa do advogado do presidente, Frederick Wassef, tende a tornar Bolsonaro refém das investigações, imobilizar seu governo e, no limite, afastá-lo da Presidência. O passado voltou mais uma vez para assombrá-lo.

Arrogância e prepotência, mais manias de perseguição e espírito de clã, levaram sempre o presidente a proteger seus filhos de encrencas que podem expulsá-lo do Palácio do Planalto. Em tese, o presidente não tem nada a ver com as ilegalidades cometidas por eles, a menos que aja para atrapalhar a Justiça e os absolva a priori, como Bolsonaro tem feito o tempo todo.

A primeira reação de Flavio Bolsonaro, na mira da lei como provável chefe de organização criminosa, foi a de imediatamente atribuir a detenção de Queiroz à perseguição política contra o presidente, colocando o Planalto como parte de um enredo em que se misturam roubo de dinheiro público, lavagem de dinheiro com loja de chocolates, enriquecimento ilícito e milícias assassinas do Rio de Janeiro. Já o advogado de Bolsonaro e de Flavio, Frederick Wassef, optou pelo teatro do absurdo. Disse que não falava com seu hóspede, Queiroz, e que tudo tinha sido uma armação, depois de passar meses a fio negando seu paradeiro.

Chegam contas da destruição da Amazônia – Editorial | O Globo

Pedido de explicações a embaixadas é o primeiro passo rumo a boicotes a exportações brasileiras de alimentos

O conselho que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu na reunião ministerial de 22 de abril a seus colegas de governo, de aproveitarem que as atenções estavam voltadas à epidemia do coronavírus para derrubar regulações e fazer “a boiada passar”, piorou a já danificada imagem do Brasil perante empresas globais de comercialização de commodities alimentícias e grande fundos de investimento que atuam neste setor. Aquela participação de Salles na reunião não passou despercebida a grandes operadores no comércio internacional e a fundos de investimento que participam de empresas deste ramo. Mas mesmo sem a divulgação do vídeo a situação não estaria melhor.

Muito antes de 22 de abril, o avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, na fase inicial do governo do novo presidente, já confirmou ser alto o risco Bolsonaro para este segmento de gestão de grandes negócios com alimentos e matérias-primas em geral, cada vez mais pressionado por seus acionistas a ter um comportamento responsável do ponto de vista ambiental e de direitos humanos.

Carta aberta enviada segunda-feira a embaixadas brasileiras em oito países — seis na Europa, Estados Unidos e Japão — manifestando preocupação com a velocidade do desmatamento no Brasil e com a desmontagem de políticas ambientais e de direitos humanos, leia-se, índios — pediu reuniões virtuais com os embaixadores para abordar o assunto. O grupo que subscreve a carta administra ativos de US$ 3,75 trilhões ou o equivalente a R$ 20 trilhões. A preocupação é com o risco de as empresas que controlam e que atuam na produção e/ou comercialização de alimentos brasileiros passem a ter dificuldades de acesso aos grandes mercados.

Da queda à esperança – Editorial | O Estado de S. Paulo

Esperança em alta é o indicador mais positivo da indústria, neste momento, depois da queda recorde em abril e de alguns sinais de recuperação em maio. Com menos operários nas fábricas e muitas máquinas ainda paradas, o setor trabalha com apenas dois terços - 66,2% - da capacidade instalada, segundo sondagem da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa ainda é uma prévia do Índice de Confiança da Indústria, mas os dados parecem confirmar uma retomada de fôlego. Com melhora em seus dois componentes, a avaliação do presente e a expectativa para os próximos três e seis meses, o índice geral subiu 15,7 pontos e chegou a 76,6. O salto de maio para junho foi um recorde. O humor, no entanto, continua longe de 100, a fronteira entre os territórios negativo e positivo.

Mas qualquer respiro depois do desastre recente é muito bem-vindo. A atividade econômica despencou 9,3% em abril, segundo o Monitor do PIB - FGV, e atingiu um nível 13,5% inferior ao de um ano atrás. No trimestre móvel encerrado em abril o Produto Interno Bruto (PIB) foi 6,1% menor que o dos três meses até março. Em relação ao trimestre correspondente de 2019 a perda foi de 4,9%. Apesar de alguns sinais positivos e do início de reabertura, depois da quarentena, as expectativas quanto ao resultado final do ano são sombrias.

Além do saneamento – Editorial | Folha de S. Paulo

Ajuste orçamentário e reforma do Estado seguem imperativos mesmo na pandemia

A bem-vinda iniciativa do Senado de votar o marco regulatório do saneamento básico indica que é possível, além de desejável, retomar a agenda de reformas econômicas sem prejuízo das medidas emergenciais de combate à pandemia.

Motivos para tanto não faltam, embora as atenções do mundo político ainda estejam, compreensivelmente, concentradas em providências de caráter temporário destinadas a mitigar os efeitos recessivos da crise do coronavírus.

A indiscutível necessidade de elevar os gastos públicos para socorrer famílias e empresas, por sua vez, não só pôs em suspenso o processo de ajuste orçamentário e redesenho do Estado como deu novo fôlego aos setores que a ele se opõem, por interesse ou convicção.

Com o segundo semestre do ano prestes a ter início e, espera-se, com o pior da recessão deixado para trás, cumpre planejar com realismo os próximos passos da gestão econômica —quando menos porque a proposta de Orçamento de 2021 precisa ser enviada ao Congresso até o final de agosto.

Se respeitar os preceitos básicos da responsabilidade fiscal, o texto sepultará ilusões acerca de algum plano grandioso de obras, como especulado nos meios militares do governo, ou de um programa de transferência de renda muito maior que o Bolsa Família, aventado pelo ministro Paulo Guedes.

A peça projetará, tudo indica, um setor público ainda mais endividado —o passivo de União, Estados e municípios deve ultrapassar a casa de 90% do Produto Interno Bruto— e uma recuperação econômica não mais que modesta.

Música | Ze Ramalho - O vento vai responder

Poesia | João Cabral de Melo Neto - O relógio

Ao redor da vida do homem
há certas caixas de vidro,
dentro das quais, como em jaula,
se ouve palpitar um bicho.

Se são jaulas não é certo;
mais perto estão das gaiolas
ao menos, pelo tamanho
e quadradiço de forma.

Umas vezes, tais gaiolas
vão penduradas nos muros;
outras vezes, mais privadas,
vão num bolso, num dos pulsos.

Mas onde esteja: a gaiola
será de pássaro ou pássara:
é alada a palpitação,
a saltação que ela guarda;

e de pássaro cantor,
não pássaro de plumagem:
pois delas se emite um canto
de uma tal continuidade.