sexta-feira, 27 de outubro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Reforma tributária cheia de exceções trará alíquota maior

O Globo

A realidade aritmética é inescapável: se uns pagarem menos imposto, os outros precisarão pagar mais

Não há dúvida de que a reforma tributária em tramitação no Congresso representará um enorme avanço para a economia brasileira. Ela acaba com a cobrança cumulativa dos impostos sobre serviços e consumo, põe fim à guerra fiscal entre os estados, aproxima o sistema tributário brasileiro dos melhores e contribui para aumentar a competitividade do país. Ao analisá-la, porém, os parlamentares precisam compreender que há uma contradição intrínseca no parecer apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM).

O texto amplia as exceções à alíquota de referência adotada nos novos impostos criados — a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal) — em substituição a outros cinco. Ao mesmo tempo, quer manter intacta a arrecadação. Isso significará necessariamente uma alíquota maior, em prejuízo das empresas não enquadradas nas exceções.

Fernando Abrucio* - As dificuldades de inovação no governo Lula III

Valor Econômico

Se não houver políticas eficientes em áreas como segurança pública e educação da primeira infância, o presidente corre o risco de não obter um crescimento de aprovação

A tarefa mais urgente colocada ao governo Lula III é reconstruir o que foi desmontado pelo bolsonarismo. Não só a democracia esteve em risco, mas as políticas públicas foram, em quase sua totalidade, desmanteladas, causando uma piora na vida da população mais vulnerável e problemas para o desenvolvimento sustentável do país.

O lulismo sabe como voltar ao modelo dos programas que tiveram, no geral, bom desempenho no seu período áureo. Todavia, há questões novas e outras que não foram equacionadas no passado que esperam por soluções ainda não inventadas. E aqui estão as maiores fragilidades da gestão atual.

Se Bolsonaro tivesse um plano consistente de reeleição, não teria optado pela descontinuidade da maior parte das políticas sociais criadas por Fernando Henrique Cardoso e aperfeiçoadas durante os governos petistas, especialmente quando Lula esteve no poder. Mas o bolsonarismo segue uma ideologia fechada, pouco pragmática, que se alimenta das ideias da extrema direita internacional, que se somam ainda a temáticas conservadoras locais. É uma agenda majoritariamente de guerra cultural, e não de políticas públicas, o que garante aos bolsonaristas um apoio consistente de um terço dos eleitores, mas que os impede de ter os votos da maioria do eleitorado.

José de Souza Martins* - Uma democracia inegociável

Valor Econômico

Relatório da CPMI do 8 de janeiro revela a nova convicção institucional de que o regime democrático é componente inquestionável da República

O relatório da CPMI sobre a intentona de 8 de janeiro, da senadora Eliziane Gama, foi aprovado por 69% dos membros. A lista dos 61 indiciados inclui o ex-presidente da República, ex-ministros, oito generais, outros militares, milícias digitais, financiadores. É um documento revelador de mudanças significativas na orientação das instituições em relação à democracia como componente inquestionável do regime republicano.

Desde a Proclamação da República, temos o mau costume da condescendência contra os autores de golpes de Estado e tentativas de golpes. Nesta República tudo tem sido negociável. As robustas 1.332 páginas do relatório, porém, indicam que as instituições estão funcionando e que a democracia é inegociável.

Não se trata de uma questão de esquerda e direita, mas significativamente de democracia contra a barbárie. Os apoiadores do documento filiam-se a distintas orientações partidárias, o que indica que há no Congresso um partido pluripartidário, o da democracia.

César Felício - Tributação das offshores surpreende pela demora

Valor Econômico

Vantagens do mecanismo para quem tem bolso para usá-lo não desaparecem com o tributo

A aprovação do projeto de taxação das empresas offshore na noite de quarta-feira na Câmara deu vazão a narrativas duvidosas sobre esse refúgio patrimonial acessível a poucos afortunados. Essas empresas não irão acabar porque o rendimento de seus cotistas passará a ser taxado anualmente, e não apenas na retirada. Pelo menos não enquanto o modelo da taxação for o proposto, de 15%, equivalente a um investimento dentro do Brasil. As vantagens do mecanismo para quem tem bolso para usá-lo não desaparecem com o tributo.

Especialistas na constituição de offshore destacam que esse mecanismo não é usado apenas para se pagar menos imposto do que se pagaria no Brasil. Muito menos pode ser vista como sinônimo de dinheiro sujo, duto de propinas ou coisas do gênero, embora isso exista também.

Claudia Safatle - Problema da arrecadação vai além de petróleo e câmbio

Valor Econômico

Situação só não está pior porque houve uma retomada da formalização no mercado de trabalho

A arrecadação das receitas federais chegou em setembro a R$ 174,3 bilhões, valor que representou uma queda real de 0,34% em relação a setembro de 2022 e, de janeiro a setembro, houve uma retração de 0,78%, quando a arrecadação atingiu R$ 1,69 trilhão. Embora o período coincida com o de uma muito provável desaceleração da economia, a Receita Federal do Brasil ainda não atribui a contração da arrecadação de impostos à baixa do nível da atividade.

Como as receitas administradas pela RFB apresentaram crescimento real de 0,19% em setembro e de 0,64% entre janeiro e setembro, deflacionados pelo IPCA, no conceito das receitas federais, a retração se explicaria mais pelas condições externas, seja pela taxa de câmbio, seja pelo preço do barril de petróleo. Destaca-se que a RFB não analisa essas receitas por não serem administradas por ela, explicam os técnicos.

Eliane Cantanhêde - Exército vai entrar na guerra contra o crime

O Estado de S. Paulo

Exército participa do esforço contra o crime no Rio, mas sem GLO, tanques na rua e operações nos morros

O Exército vai entrar na guerra contra o crime no Rio, mas, até aqui, sem Garantia da Lei e da Ordem (GLO), sem tanque nas ruas e sem tropas subindo os morros e trocando tiros com o “inimigo”, leia-se o crime organizado e as milícias, embolados numa coisa só, desafiando o Estado e aterrorizando a sociedade.

A intenção é usar a Força Terrestre na fronteiras, sobretudo nas fronteiras de Paraná e Mato Grosso, estratégicas para esse “inimigo”. Mas com limites: a responsabilidade (e culpas) continuará com o governo do Estado e a solução é de todos os poderes e órgãos.

O que está em estudo é a aplicação da GLO, prevista na Constituição, para a Marinha agir nos portos e a Aeronáutica nos aeroportos, também pontos nevrálgicos para o crime. Já o Exército, que lambe as feridas e tenta superar os traumas da era Bolsonaro, basta usar a Lei Complementar 97, de 1999, depois atualizada como 136.

Fernando Gabeira - Crianças não declaram guerra

O Estado de S. Paulo

Quando o Brasil deixar de presidir o CS da ONU, o que podemos fazer, dentro dos nossos limites, é uma campanha por todas as crianças que vivem em área de guerra

Nas duas primeiras semanas de guerra no Oriente Médio, 20 jornalistas foram mortos. Merecem nosso reconhecimento por terem dado a vida fornecendo a matéria-prima para que possamos saber do que se passa no front e tentar entender o futuro deste conflito. Temos mais perguntas do que certezas. Creio que será assim por muito tempo. Não adianta colar nos aparelhos de tevê, ler os principais jornais do mundo, comprar livros – tudo o que conseguimos é uma visão parcial. Mesmo os especialistas que não vivem a realidade cotidiana da região têm dificuldades para interpretá-la fielmente.

Meus avôs vieram do Líbano, no princípio do século passado. Já tinham memória de conflitos religiosos. Minha avó tinha uma cruz tatuada no braço e nem sempre a vida foi fácil para os cristãos libaneses. Uma região de antigos conflitos.

Bernardo Mello Franco – A ONU na mira

O Globo

Governo Netanyahu pede renúncia de Guterres para minar legitimidade das Nações Unidas na crise

O governo de Israel elegeu um novo alvo de guerra: a Organização das Nações Unidas. Em meio aos ataques a Gaza, o embaixador israelense cobrou a renúncia do secretário-geral António Guterres. Alegou que ele não estaria “apto a liderar” a entidade.

Na terça-feira, Guterres reforçou o apelo por um cessar-fogo humanitário. Ele criticou as “claras violações” do Direito Internacional e pediu que as operações militares parem de sacrificar civis inocentes.

O português condenou os “atos de terror” do Hamas e afirmou que “nada justifica” o assassinato e o sequestro de israelenses. Em seguida, disse que os atentados “não aconteceram no vácuo” e lembrou a “ocupação sufocante” de territórios palestinos há 56 anos.

Flávia Oliveira - Precarização nua e crua

O Globo

Sob a ilusão da autonomia, profissionais estão expostos a jornada maior e remuneração menor

Foi a pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Unicamp, no início de 2022, que o IBGE pôs de pé o módulo da Pnad Contínua que investigou o mercado de trabalho em plataformas digitais e aplicativos de serviços. A pesquisa ganhou as ruas no último trimestre do ano passado. Nesta semana, tornou-se o mais sólido diagnóstico já feito no Brasil sobre perfil e condições de ocupação de motoristas e entregadores uberizados. São profissionais que, sob a ilusão da autonomia, estão expostos a jornada maior, remuneração menor e altíssima informalidade, não contam com benefícios trabalhistas nem previdenciários. Homens adultos, de média escolaridade, que circulam em carros, motos e bicicletas para basicamente sobreviver.

Vera Magalhães - Governo, Lira e a lógica do 'quem não faz, leva'

O Globo

O que a dinâmica da 'lirodependência' no Congresso diz a respeito da incapacidade do Executivo de propor um projeto ao país?

O governo capitulou, uma vez mais, à lista dos desejos de Arthur Lira. Mais rápido que a Amazon, o presidente da Câmara entregou o projeto dos fundos em tempo recorde depois de assegurar a presidência da Caixa e negociar as vice-presidências. Como, diga-se, estava acertado desde a reforma ministerial.

O que isso diz a respeito do apetite do Centrão, muito temos analisado. Mas o que a dinâmica da lirodependência mostra a respeito da capacidade do Executivo de ter um projeto para o país? A resposta é em tudo mais preocupante para Lula que ter de fazer um Pix para o Congresso com mais frequência do que a aprovação tranquila da PEC da Transição permitia antever.

Preocupante porque mostra que Lula e seus muitos ministros não têm sido capazes de envolver a sociedade — e o Parlamento, que, mesmo famélico, de qualquer maneira espelha essa sociedade — na discussão de um conjunto de propostas para o país.

Luiz Carlos Azedo -Derrota do governo na votação da DPU é recado

Correio Braziliense

Indicado pelo presidente da República teve o nome rejeitado por 38 x 35. “No comando da poderosa CCJ, Alcolumbre promete jogar mais pesado com Lula do que Lira jogou

Mais importante escritor brasileiro, Machado de Assis orgulhava-se de ter iniciado suas atividades profissionais como jornalista, aos 20 anos, fazendo a cobertura das sessões do Senado do Império, a partir de 1860. Começou no liberal Diário do Rio de Janeiro, sob a direção de Saldanha Marinho. O chefe de redação era Quintino Bocaiuva, de quem se tornou um grande amigo. Sua missão era fazer a resenha dos debates do Senado, além de eventuais críticas teatrais. Essa experiência foi decisiva para o escritor, obrigado a escrever diariamente e enfrentar o grande público, tendo de relatar e refletir sobre os fatos políticos da época.

Vinicius Torres Freire - O preço que Lula ainda terá de pagar

Folha de S. Paulo

Custo de apoio político está sem limite e há até risco de Petrobras voltar à barganha

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregou a Caixa Econômica Federal ao centrão a fim de conseguir aprovar sua pauta parlamentar do segundo semestre e evitar mais fritura de parte de seus ministros.

Interessa saber agora é quantos anéis, braços e rins Lula terá de entregar; se prêmios da ordem de grandeza da Petrobras estão no horizonte do comércio político; se o governo assim vai conseguir uma bancada estável —não parece, pois o jogo mudou.

Lula deu a Caixa ao condomínio parlamentar sob o comando de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Não causou muita sensação, se por mais não fosse porque um noticiário exuberante de horrores de guerras, crime, fofocas de celebridades e o fastio do público com economia e política ajudam a distrair.

Marcos Augusto Gonçalves - O cinismo dos EUA e o vale-tudo

Folha de S. Paulo

Quando discutimos quem matou mais crianças e civis é que já estamos no inferno

Um ato de barbárie não transforma uma revanche bárbara em resposta moralmente defensável. O terrorismo não se define pela precedência da iniciativa, como se um primeiro gesto de horror merecesse condenação e absolvesse os que porventura viessem a ocorrer em sentido contrário. Sendo assim, não são sustentáveis os argumentos que procuram justificar o inominável ataque do Hamas sob a alegação de que Israel promove hostilidades que poderiam ser caracterizadas como terrorismo de Estado.

Do mesmo modo, são uma afronta à ética humanitária os bombardeios indiscriminados contra civis em Gaza e a supressão de alimentos, energia e água da população confinada. A ideia de que os palestinos devem ser tratados como animais é fundamentalmente terrorista.

Hélio Schwartsman – Degeneração

Folha de S. Paulo

Tomada do Rio de Janeiro por milícias inverte a ordem do processo civilizatório

As milícias parecem exercer mais controle sobre o território fluminense do que o governador do estado. Há algo de particularmente inquietante nesse fenômeno.

Intelectuais debatem desde sempre as condições que levaram ao surgimento do Estado. Uma ideia particularmente prolífica é a de contrato social, a noção de que as pessoas racionalmente aceitam abrir mão de determinadas liberdades em troca de objetivos comuns, fundando assim a moralidade e as instituições políticas. O contrato social está na base de obras de autores tão diversos como Hobbes, Locke, Rousseau e, mais modernamente, Rawls e Scanlon. Embora filosoficamente produtiva, a ideia de contrato social é historicamente falsa. Sabemos que os bons selvagens de Rousseau nunca se reuniram em grandes assembleias para criar países, sistemas éticos ou a própria política.

Bruno Boghossian - Intriga e inteligência

Folha de S. Paulo

Briga envolve órgãos sensíveis, sob o comando de delegados que disputam influência no círculo de Lula

Polícia Federal fez uma batida na sede da Abin na semana passada. A ação mirou agentes que operavam um sistema secreto de monitoramento de celulares no governo Jair Bolsonaro. O que deveria ser só uma investigação sobre a bisbilhotagem feita pelo órgão de inteligência também virou uma intriga institucional.

A Abin reclama que a PF invadiu seu quintal. A agência argumenta que interrompeu o uso do sistema em 2021, abriu uma apuração interna e colaborou com investigadores. Alega ainda que a operação cria o risco de vazamento de dados sigilosos. Em outras palavras, o órgão sugere que não confia na Polícia Federal.

Ruy Castro - Vigiado por Bolsonaro

Folha de S. Paulo

A Abin tentou me espionar pelo celular. Mas, como não uso celular, teve de me seguir sapato a sapato

O fato de você ser paranoico não impede que esteja sendo seguido. Foi do que suspeitei durante quatro anos ao identificar, em vários lugares, sujeitos me espiando por trás de postes, fingindo ler jornal encostados em paredes ou caminhando às minhas costas e se voltando para trás quando eu me virava para encará-los. Décadas de filmes de gângsteres me fizeram achar que estavam me vigiando.

Agora aposto que sim. A revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), comandada pelo famigerado Alexandre Ramagem, foi usada pelo governo Bolsonaro para bisbilhotar a vida de seus adversários, confirma tudo. Por meio das antenas de telefonia, monitoraram os passos de 10 mil usuários de celulares para saber aonde iam, com quem se encontravam e quais sujeiras de Bolsonaro eles haviam descoberto. Especial atenção era dada a políticos, advogados, ministros do STF, ex-aliados e os suspeitos de sempre, nós, os jornalistas.

Poesia | Definição de Filho -José Saramago

 

Música | Malandro - Baby do Brasil (Sambabook Jorge Aragão)