Única mulher no Superior Tribunal Militar é a voz divergente na maioria dos julgamentos da Corte
Por Luísa Martins | Valor Econômico
BRASÍLIA - O Superior Tribunal Militar (STM) estava a poucos dias de completar 199 anos quando rompeu a tradição de ter apenas homens em sua composição. A ministra Maria Elizabeth Rocha tomou posse em 2007 e, desde então, tem se notabilizado não só por ser a primeira (e, até hoje, única) mulher a integrar e a ter presidido a mais antiga Corte do país, mas também pelo teor de seus votos. Quase sempre, ela é a voz que diverge do entendimento adotado pela maioria dos colegas nas sessões de julgamento.
Foi assim no ano passado, por exemplo, quando foi a única a votar pela manutenção da prisão preventiva dos nove militares envolvidos na morte de um músico e de um catador em Guadalupe, no Rio de Janeiro. A conclusão do caso trouxe revolta aos familiares das vítimas e colocou o STM em evidência, especialmente pelas falas do presidente Jair Bolsonaro, que minimizou a tragédia.
"Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos e a credibilidade é comprometida”
Em entrevista exclusiva ao Valor, a ministra falou sobre o uso da imagem das Forças Armadas pelo governo e a presença de militares no Executivo, movimentos acentuados a partir da campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. Disse que “não é saudável para a democracia” o fato de haver militares da ativa no alto escalão político - casos do ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello. “Quando a política entra nos quartéis, a hierarquia e a disciplina sofrem abalos. O governo compromete a credibilidade dos militares”.
Apesar de ela compor a cota do STM destinada a civis, a convivência com militares no trabalho e em casa - é casada com um general -, a faz ter certeza de que entre eles não se desenha a hipótese de golpe. A ministra defendeu as investigações sobre atos antidemocráticos no Supremo Tribunal Federal (STF) e disse ser descabida a tese sobre o “poder moderador” das Forças Armadas em caso de crise entre os Poderes.
Maria Elizabeth também criticou a condução do governo frente à pandemia, a qual classificou como “um horror existencial imenso”, com “desfecho fúnebre”. Ela própria sentiu os efeitos da crise sanitária no início do mês, quando sua mãe, aos 97 anos, esteve sob suspeita de estar com covid-19. O diagnóstico, felizmente, acabou por não se confirmar.
"Sou a única do meu gênero no STM, portanto não faria sentido render-me à homogeneidade. Faço questão de firmar posições”
Natural de Belo Horizonte (MG) e doutora em direito constitucional, a ministra faz parte da terceira geração de juristas da família. Na década de 1980, passou em primeiro lugar em concurso da antiga Fundação Nacional de Serviços de Saúde Pública (hoje Funasa) e se tornou procuradora federal. Até ser nomeada para o STM, atuou como assessora jurídica de órgãos vinculados a cada um dos três Poderes, como a Câmara dos Deputados (Legislativo), a Casa Civil (Executivo) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista: