segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Ministros sob investigação, tesoureiros e ex-ministro presos, polícia batendo na porta pelo Petrolão e verbas de campanha, profunda crise econômica, diante de tudo isso Dilma admite que é possível ter havido um erro. Houve mais que erros. A polícia não se interessa por erros. Houve crimes. Mas os processos legais têm um ritmo e um curso autônomos. O momento de mudar tem de ser decidido pela sociedade em sintonia com alguns políticos que ainda a ouvem.

Com todo o respeito pela minoria que prefere afundar com Dilma, o país precisa redefinir seu caminho com rapidez. Não por temor ao apocalipse que não virá. Simplesmente para poupar a todos, inclusive as novas gerações, de anos de retrocesso.
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Fernando Gabeira é jornalista. ‘A loucura dos últimos dias’. O Globo / Segundo Caderno, 13 de setembro de 2015.

Dilma determina corte de R$ 20 bi nas despesas

• Fazenda e Planejamento divergem sobre congelamento de salários de servidores

Proposta de reajuste zero, que economizaria R$ 15 bi, é uma das dez sugestões do Ministério da Fazenda para reduzir gastos

Após um fim de semana de reuniões com ministros para discutir formas de cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento de 2016, a presidente Dilma determinou uma redução de R$ 20 bilhões nas contas do governo, preservando os programas sociais de novos cortes. Há, porém, divergência quanto a uma das 10 propostas apresentadas pelo ministro da Fazenda. Joaquim Levy defende reajuste zero para os servidores, o que geraria economia de R$ 15 bilhões, mas o Ministério do Planejamento é contra. Entre outras sugestões, estão a volta da CPMF e mudanças na cobrança de outros impostos.

Corte de R$ 20 bi nos gastos

• Dilma acerta valor com ministros; Levy e Barbosa divergem sobre reajustes de servidores

Gabriela Valente, Júnia Gama e Martha Beck - O Globo

- BRASÍLIA- Depois de passar o fim de semana em reuniões para tentar cobrir o deficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento, a presidente Dilma Rousseff acertou ontem com sua equipe econômica um corte de R$ 20 bilhões nas contas do governo, preservando programas sociais. No encontro com ministros da Junta Orçamentária e secretários da área econômica no Palácio da Alvorada, Joaquim Levy ( Fazenda) apresentou a sugestão de não conceder aumento algum aos servidores públicos federais em 2016. Somente com essa medida, o governo deixaria de gastar R$ 15 bilhões, que é o valor previsto no Orçamento de 2016 para pagar os aumentos salariais. Esse número pode ser superior se o governo também decidir congelar, total ou parcialmente, as novas contratações no próximo ano, que têm valor previsto de R$ 12 bilhões.

A expectativa de ministros envolvidos nessas discussões é que as iniciativas para cortes das despesas da máquina governamental sirvam como “um marco para a austeridade orçamentária”. Após sofrer duras críticas do Congresso sobre a condução das respostas ao deficit orçamentário, Dilma decidiu que as propostas de cortes e de aumento de impostos serão apresentadas antes aos presidentes do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), e da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), e também ao vice- presidente Michel Temer, que está em viagem oficial à Rússia e só volta a Brasília no fim desta semana.

— O governo assume a responsabilidade de formular uma proposta de melhoria da receita, mas essa construção será feita em conjunto com o Congresso — afirmou um ministro de Dilma.

Há, no entanto, uma divergência entre os ministérios da Fazenda e do Planejamento em relação ao corte no reajuste de servidores. Segundo parlamentares que discutem com o ministro Nelson Barbosa ( Planejamento) saídas para cobrir o deficit, ele tem se mostrado refratário à ideia de “reajuste zero”. O ministro estaria negociando acordos com as diferentes categorias para oferecer um reajuste mínimo. A avaliação de Barbosa, segundo interlocutores, é que seria “politicamente inviável” não dar aumento algum aos servidores.

Fazenda insiste na volta da CPMF
Diversos cenários foram apresentados à presidente na reunião de ontem no Alvorada, que durou cerca de três horas. Apesar das exposições da cada ministro, há clareza de que a palavra final sobre a forma como se darão esses cortes, inclusive o reajuste dos servidores, será de Dilma.

Antes da reunião, o Ministério da Fazenda preparou uma lista com dez itens para levar a Dilma propondo novas ações para ampliar a arrecadação do governo e reduzir os gastos. Entre as medidas, estão insistir na recriação da CMPF, o chamado imposto do cheque, além de não conceder aumento aos servidores federais em 2016.

A proposta de recriar a CMPF já foi duramente criticada por integrantes da base do governo e teria dificuldade de aprovação no Congresso. Já a ideia de reavaliar o reajuste para o funcionalismo surgiu na Comissão Mista de Orçamento. O relator da comissão, deputado Ricardo Barros ( PP- RS), passou a defender a proposta diante do deficit no orçamento do ano que vem.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Leonardo Picciani ( RJ), defende que a decisão sobre o reajuste seja linear para todos os servidores, a exemplo do que pretende Joaquim Levy.

— Não sei se reajuste zero, mas vai ter que ter muito bom senso na concessão de reajuste. Na iniciativa privada, as pessoas estão perdendo seus empregos. Os servidores já têm estabilidade, então não se pode, quando a maioria está perdendo emprego, querer reajustar seu salário. O ideal é definir um caminho único — afirmou Picciani.

O líder da Minoria na Câmara, deputado Bruno Araújo ( PSDB- PE), afirmou que lideranças da oposição se reunirão amanhã para discutir as propostas do governo para cobrir o deficit, mas aponta a necessidade de convergência entre as soluções apresentadas por Levy e Barbosa.

— Fica claro que continua a haver pontos de vista diferentes na condução econômica entre Levy e Barbosa — diz o tucano.

Também estão na lista de ações apresentadas pela equipe econômica alteração na cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras ( IOF), mudanças no imposto de renda de pessoa jurídica, na contribuição sobre a folha e ainda no recolhimento do FGTS. Essas medidas fazem parte do arrocho nas contas que a Fazenda defende para reequilibrar as contas do governo. Já o Planejamento prepara cortes no orçamento dos demais ministérios e a redução nos gastos com empresas terceirizadas.

No sábado, ministros de diversas áreas se reuniram com a presidente no Alvorada para discutir cortes em suas respectivas pastas. Segundo participantes da reunião, a tônica foi a apresentação das prioridades de cada ministério e das áreas e programas passíveis de corte de gastos. A ideia é anunciar em breve os cortes para dar um sinal de “austeridade” com as contas públicas.

‘ Financial Times’ diz que a economia do Brasil ‘ está uma bagunça’

• Para jornal britânico, sistema político brasileiro é ‘ podre’, e possíveis sucessores de Dilma são ‘ medíocres’

Levy tem sido minado por outros que acreditam que o Brasil pode voltar a gastar para resolver seus problemas, diz FT

O Globo

O jornal britânico “Financial Times” publicou ontem em seu site um editorial em que diz que “a economia do Brasil está uma bagunça”, que o país vive “a pior recessão desde a Grande Depressão”, ocorrida na década de 1930, e que a eventual saída da presidente Dilma Rousseff do cargo “só resultaria num político medíocre ( sendo) substituído por outro”.

No texto que foi ao ar no meio da tarde, a publicação destaca que a economia brasileira encolherá em até 3% neste ano e 2% em 2016. Sinal de que as finanças públicas do Brasil “estão em desordem”. O jornal lembra que e o endividamento público voltou a crescer e que a agência Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do país na semana passada para a categoria especulativa.

Olhando para um cenário externo também conturbado — com a desaceleração da China, o colapso dos preços das commodities e a expectativa de alta de juros nos Estados Unidos —, o jornal afirma que “o Brasil está no início de um extremo estresse econômico”. Mas diz que não foram os problemas econômicos e, sim, a crise política que embasou, de forma mais ampla, a decisão da Standard & Poor’s.

“Dilma Rousseff, a presidente, não é querida pelo seu próprio partido e é profundamente repudiada por muitos: é a presidente com menos popularidade na história do Brasil”, ressaltou o “FT”. É isso, frisa o jornal, que faz com que seja impossível a ela responder com propriedade à turbulência econômica. Mas o Congresso também é alvo de críticas da publicação: “está mais focado em salvar sua própria pele da investigação sobre corrupção bilionária envolvendo a Petrobras”.

Para o “FT”, uma ampla renovação política seria uma solução, mas “há pouca chances de que isso ocorra antes das eleições de 2018”. O “FT” diz que o sistema político brasileiro “é notadamente podre” e agora “não está funcionando”.

A publicação enxerga um risco sério no horizonte. “Se outra agência de rating seguir a decisão da S& P, muitos investidores estrangeiros terão de vender suas aplicações no Brasil, tornando as coisas piores”. O texto pontua que cerca de um quinto da dívida do Brasil é de propriedade de estrangeiros.

Citando um senador petista sem revelar seu nome, o jornal abriu seu editorial com uma imagem triste. “Se o Brasil fosse um paciente internado em um hospital, os médicos da UTI o diagnosticariam como um paciente terminal. O fígado não funciona mais, e o coração vai parar em breve”.

O jornal mantém, no entanto, posição contrária à saída da presidente, lembrando episódios recente da história do Brasil. “A impopularidade de Rousseff é razão insuficiente para tirá- la do cargo: se fosse suficiente, o ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu as bases da estabilidade econômica desperdiçada agora pelo Brasil, não teria durado em seu segundo mandato”.

O jornal britânico ainda disparou contra aqueles que constitucionalmente poderiam suceder Dilma. Para o “FT”, sua saída “só resultaria num político medíocre substituído por outro. Na linha sucessória há Michel Temer, o vicepresidente, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, ou Renan Calheiros, o presidente do Senado. Os dois últimos enfrentam acusações de corrupção”, lembrou a publicação em referência à Operação Lava- Jato.

O ministro da Fazenda Joaquim Levy também foi alvo de análise. O jornal diz que ele “tem liderado as tentativas de cortar o inchado setor público brasileiro”, mas que “tem sido minado por outros que acreditam erroneamente que o Brasil pode voltar a gastar para escapar de seus problemas”. O “FT” conclui, destacando que se Levy deixar o cargo, “os investidores adotarão uma visão sombria da capacidade do governo de endireitar as contas públicas”.

Dilma projeta corte superior a R$ 22 bilhões no Orçamento

Anúncio será feito hoje, e programas sociais também poderão ser atingidos

Dilma prepara corte superior a R$ 22 bi

• Redução de despesas do governo vai atingir programas sociais, Previdência e gastos com funcionalismo público

• Reforma ministerial pode ser adiada porque a presidente não falou com todos os cotados para deixar a Esplanada

Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff prepara um corte superior a R$ 22 bilhões nas despesas do governo como forma de evitar o agravamento da crise. O valor equivale a 1,54% do Orçamento de 2016. Programas sociais não devem ser poupados. O anúncio será feito nesta segunda (14).

Segundo a Folha apurou, o governo também vai propor aumento de impostos e redução de subsídios e isenções fiscais, componentes centrais da política econômica do primeiro mandato da petista.

Com as duas medidas, o governo espera zerar o deficit de R$ 30,5 bilhões projetado no Orçamento de 2016.

O segundo desafio do governo será tomar medidas adicionais para se aproximar o máximo possível da meta de economia de 0,7% do PIB (cerca de R$ 45 bilhões) para o ano que vem.

O anúncio, que foi objeto de reuniões no fim de semana e será amarrado após um encontro de ministros na manhã desta segunda, é a primeira resposta às cobranças do mercado por ter enviado um Orçamento com deficit, medida que levou a agência Standard & Poor's a tirar o selo de bom pagador do país no dia 9, agravando a crise.

"A linha é austeridade extrema, cortar até o osso", disse um ministro.

Ações
Este primeiro anúncio irá tratar da venda de terrenos e imóveis, de leilões de apartamentos funcionais, revisão de contratos, diminuição de secretarias e diretorias e redução de cargos comissionados.

Em outra ponta, falará sobre redução de despesas obrigatórias (90% do que o governo gasta), como gastos com a Previdência e funcionalismo, medidas que dependem de aprovação do Congresso, instituição hoje conflagrada.

Não por acaso, o pacote será mostrado para os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), antes do anúncio. O Planalto não quer correr o risco de ver as medidas serem bombardeadas no Legislativo.

Para cobrir o déficit e chegar aos 0,7% de superavit prometido, equivalentes a R$ 45 bilhões, essas medidas adicionais serão necessárias.

Conforme auxiliares presidenciais, o corte de gastos pode chegar a R$ 25 bilhões, dependendo do desenho que Dilma adotar. É o mesmo valor defendido pelo ministro Joaquim Levy (Fazenda) antes do envio do Orçamento.

Cortes em programas sociais deverão aumentar o fosso entre Dilma e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que é crítico do ajuste.

Na semana passada, Lula fez duras críticas ao corte de programas sociais como forma de responder à crise econômica e espezinhou a Standard & Poor's –a mesma empresa que havia dado o chamado grau de investimento ao Brasil em 2008, quando o então presidente Lula disse viver "um momento mágico".

A reforma ministerial, outra frente no esforço de Dilma para tentar debelar a crise, deve ficar para a semana que vem. Isso porque ela ainda não teve tempo para falar com todos os ministros cotados para deixar a Esplanada. A ideia é cortar dez das 39 pastas, mas algumas podem meramente perder o status de ministério.

PSDB discute seu papel em eventual governo Temer

Cúpula da sigla avalia que será obrigada a dar apoio no Congresso para não ser acusada de 'jogar contra o país'

PSDB discute apoio a Temer sem cargo em novo governo

• Aécio e Alckmin avisam aliados que são contra tucanos em eventual gestão do PMDB

• Cúpula da sigla avalia que será obrigada a dar apoio no Congresso para não ser acusada de 'jogar contra o país'

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O agravamento da crise no governo Dilma Rousseff intensificou o contato de membros do PMDB aliados ao vice-presidente, Michel Temer, com integrantes da oposição e levou o PSDB a discutir, internamente, que papel a sigla deve exercer caso a petista deixe a Presidência e o peemedebista assuma.

Nesse cenário, é consenso entre os tucanos que o partido será obrigado a participar de um "acordo para dar sustentação política" à nova gestão no Congresso. Em contrapartida, há uma expectativa de que Temer se comprometa a não disputar a reeleição.

Há divergências, no entanto, se devem integrar ministérios num eventual mandato de Temer. Segundo a Folha apurou, dois dos principais nomes da sigla, o senador Aécio Neves (MG), presidente do partido, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, avaliam que o PSDB não deve indicar quadros.

Em reuniões com aliados ao longo da última semana, Aécio deixou claro que, ainda que seja inevitável a sigla pactuar um acordo em torno de um programa de governo de Temer no Congresso, não quer que o partido endosse indicações na Esplanada.

Alckmin também defendeu a auxiliares que o PSDB não participe de uma eventual gestão Temer. Publicamente, o governador deu pistas de sua posição sobre o assunto.

No último dia 7, questionado se o vice teria condições de "reagrupar" as forças políticas, elogiou Temer. Mas ressaltou que a crise que dragou Dilma Rousseff é "governista", estendendo-a aos demais integrantes da gestão.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso participa dessas discussões. Ele esteve com Temer recentemente, num encontro privado. Em artigo publicado no último dia 6, avaliou que a queda de Dilma por si só não cessaria a instabilidade no país e defendeu a formação de "um novo bloco de poder".

A aliados, FHC disse que, caso Dilma caia, "o PSDB poderá se ver obrigado" a participar de um acordo com Temer "para não parecer que joga contra o país". O ex-presidente avaliou que "chega uma hora que você não faz o que quer, faz o que é preciso".

O quarto elemento na discussão é o senador José Serra (SP), tucano que tem mais contato com Temer. Ele foi o primeiro a declarar que o partido deveria ajudar um novo governo. "Como foi com o Itamar [Franco]", lembrou, em agosto, em entrevista ao programa de TV "Roda Viva".

Serra já vem conversando com Temer e aliados do peemedebista sobre a situação da economia e saídas para equilibrar o Orçamento.

Dentro do PSDB, é visto como o nome que seria cobiçado para ocupar um ministério, pela boa relação com Temer e a proximidade com outros integrantes da sigla, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL).

Temor
A ideia de que Serra possa vir a integrar uma possível administração peemedebista é vista com reservas por seus colegas. Se ocorrer, afirmam, terá de ficar claro que se trata de uma adesão individual e não partidária.

Os tucanos temem que o envolvimento com o PMDB possa ter um alto custo eleitoral. Ponderam que, se estiverem dentro do governo, também passarão a ser cobrados pela eficácia da nova gestão, que, nas palavras de um cardeal do partido, "não sabemos se vai dar certo e nem quanto tempo dura".

Há outro fator: a Lava Jato. Nomes do PMDB foram citados como beneficiários de propina, caso de Renan e do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ). Ambos negam.

Os tucanos avaliam que o desfecho da operação é imprevisível e pode acabar com o PMDB tão comprometido quanto o PT no escândalo.

Esses fatores fazem com que, embora o debate interno esteja acelerado, as conversas dos principais nomes da sigla com o Temer ainda estejam engatinhando.

Procurado por aliados do vice, Aécio disse que "ainda não era o momento" de falar sobre o desenrolar da crise.

Afastamento
As conversas se intensificaram à medida que o vice se afastou da presidente e começou a expressar sua discordância com algumas propostas do governo. Temer nega que esteja movendo "uma palha sequer" para agravar a situação de Dilma, mas o distanciamento foi tão visível que até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva procurou o vice para falar sobre o assunto e mostrar preocupação.

O encontro, que ocorreu no último dia 5, foi revelado domingo (13) pelo jornal "O Estado de S.Paulo".

Dilma amplia corte, mas só vai zerar déficit com imposto

Dilma amplia previsão de cortes, mas resiste a vetar reajuste de servidores

• Presidente decide elevar de R$ 15 bilhões para até R$ 20 bilhões a meta de redução de gastos públicos; proposta de congelar salários do funcionalismo por enquanto está descartada

Rachel Gamarski, Adriano Ceolin e Sandra Manfrin - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Em nova rodada de reuniões no Palácio da Alvorada, a presidente Dilma Rousseff decidiu no domingo, 13, elevar de R$ 15 bilhões para até R$ 20 bilhões a meta de redução de gastos públicos. Durante as discussões, a equipe econômica chegou a sugerir o congelamento de salários do funcionalismo. Por ora, a ideia não será levada adiante.

Dilma reuniu-se com 12 ministros durante o fim de semana. No sábado, 12, ela encontrou-se pela manhã com a junta orçamentária, grupo integrado por Casa Civil, Planejamento e Fazenda. No fim da tarde, ela convocou outros nove ministros – um de cada partido da base no Congresso - para dar diretrizes sobre cortes na máquina administrativa. A ideia é apresentar as propostas aos presidentes do Senado e da Câmara.

Até a noite de sábado, o corte deveria ficar em R$ 15 bilhões, conforme antecipou oEstado. No domingo, Dilma voltou a se reunir com os ministros Joaquim Levy (Fazenda), Nelson Barbosa (Planejamento) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) e ampliou o tamanho dos cortes de despesas para tentar zerar o déficit de R$ 30,5 bilhões previstos no Orçamento de 2016.

Contudo, tal medida é vista como pouco factível sem o aumento de tributos. “Não podemos parar a máquina administrativa. É impossível chegar aos R$ 30 bilhões sem receitas novas”, disse ao Estado um auxiliar palaciano. Desse modo, a equipe econômica insistirá no reajuste e na recriação de impostos, como a volta da CPMF.

Dilma mudou sua estratégia após o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Em princípio, queria forçar o Congresso a aprovar o aumento de impostos. A cúpula do PMDB da Câmara e do Senado se negou a assumir o desgaste e exigiu que o governo promovesse cortes nas despesas.

“Inicialmente a volta da CPMF não foi bem articulada, mas o Congresso tem consciência do momento do País estará disposto a discutir aumento de tributos após o governo tomar medidas estruturantes”, admitiu o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS).

Há uma expectativa de que os cortes comecem a ser divulgados no início da semana. Hoje a presidente volta a se reunir com a equipe de coordenação de governo. A primeira leva de medidas gira em torno da revisão de contratos, reavaliação dos investimentos, demissão de funcionários comissionados e até venda de imóveis da União.

Também está em estudo a aglutinação e o corte de ministérios. A ideia é promover a extinção de dez pastas. Isso, no entanto, não deve ocorrer nesta semana, já que o vice-presidente Michel Temer e os ministros do PMDB encontram-se em viagem oficial à Rússia.

Congelamento de salários. Correndo contra o tempo para anunciar o quanto antes respostas à decisão da agência de risco Standard & Poor’s de rebaixar a nota a nota de crédito do Brasil, Dilma não se mostra favorável a acabar com o reajuste dos servidores públicos. Segundo auxiliares da presidente, essa medida é uma das mais impopulares e aumentaria o desgaste da presidente. No início do mês, o Ministério do Planejamento chegou a propor um reajuste de 10,8% escalonado entre 2016 e 2017.

Entre outras medidas em estudo, está a regulamentação da Medida Provisória 691, que autoriza a União a vender imóveis de sua propriedade. O aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina, e sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) também estão no radar. Há uma discussão sobre os efeitos na elevação do IOF, que incide sobre operações de financiamento. Uma possível alteração no Imposto de Renda também foi colocada à disposição da presidente.

Tarso Genro admite que está preocupado com o risco de impeachment

• 'Esses processos dependem muito mais de política do que de direito', disse o petista histórico em programa de TV

O Estado de S. Paulo

O petista histórico Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul e três vezes ministro nos dois governos Lula, admitiu publicamente preocupação com a possibilidade de a presidente Dilma Rousseff sofrer um processo de impeachment e não conseguir concluir o mandato até 2018.

Em entrevista ao programa "Preto no Branco" deste domingo à noite, no Canal Brasil, Tarso Genro declarou que está preocupado com o risco de impeachment porque, "evidentemente, tem processos legais que podem ser levados a isso". Acrescentou que "esses processos dependem muito mais de política do que de direito".

Um complicador, segundo Genro, é que o principal partido da base aliada à presidente já está, na prática, numa linha de independência: "acho que essa aliança (do PMDB como PT) já acabou". Para ele, o PMDB, desde o início do governo Dilma, tem a destinação de ter uma candidatura própria ou de migrar para um acordo com a centro-direita".

Na entrevista, Tarso Genro previu que "para afastar a criação de um bloco social e de um bloco parlamentar capazes de dar sustentação para o impedimento, o governo teria de mudar a política econômica e monetária". E concluiu: "Teria que fazer um ajuste, sim, que não se debruçasse sobre as costas dos mais pobres".

Cunha rejeita analisar pedido de impeachment

• Oposição pressiona presidente da Câmara para iniciar amanhã trâmite das ações contra Dilma

Adriano Ceolin Sandra Manfrini - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As dificuldades econômicas aceleraram o processo de desgaste da presidente Dilma Rousseff, mas a oposição e setores rebelados do PMDB ainda não têm segurança se há votos suficientes para abrir um processo de impeachment contra ela na Câmara.

Mesmo rompido com o Planalto, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastou ontem a hipótese de avaliar, nesta semana, um pedido de afastamento de Dilma.“Decidirei no tempo da técnica e da responsabilidade. Não no tempo da especulação”, disse.

Caberá a Cunha, como presidente da Câmara, arquivar ou dar continuidade aos requerimentos de impeachment que chegaram à Casa, avaliando se têm consistência. Para que o processo siga adiante, sendo enviado ao Senado (que avalia a cassação), é necessária a aprovação de dois terços dos deputados (342).

Nos bastidores, governistas e oposicionistas aumentaram seus esforços para angariar votos de um lado e de outro. Com a ajuda da bancada do PT, a Casa Civil mapeia os setores mais sensíveis da base aliada no Congresso. Conferem os cargos ofertados a cada deputado e senador e cobram fidelidade.

A oposição não definiu qual texto de pedido de impeachment adotará como principal. Desde o começo do ano, já foram apresentados 17 requerimentos para afastar Dilma. Segundo o líder da minoria na Câmara, Bruno Araújo (PSDBPE),uma decisão deve ser tomada até quinta-feira.

A tendência, segundo Araújo, é utilizar o pedido de impeachment do jurista Hélio Bicudo, fundador do PT. “É uma peça carregada de uma simbologia, além do fato de que as informações preliminares são de que é uma peça politicamente muito bem elaborada”, disse.

Apesar de estar na linha de frente pelo impeachment, a oposição permanece na dependência do aumento da adesão do PMDB. A ala rebelada do PMDB também avalia como improvável qualquer avanço do impeachment nesta semana, já que Temer e a maioria dos ministros peemedebistas encontra-se em viagem ao exterior.

Em meio à crise, Temer chega a Moscou em turnê pela Europa

• Além do vice-presidente, delegação conta com seis ministros, a maioria do PMDB, e passará, além da Rússia, também pela Polônia

Andrei Netto - Correspondente em Paris - O Estado de S. Paulo

PARIS - Em meio à crise política e econômica no Brasil, o vice-presidente Michel Temer chegou no início da tarde deste domingo, 13, a Moscou, na Rússia, primeira etapa de uma viagem de cinco dias pela Europa. Na delegação estão ainda seis ministros, dentre os quais quatro do PMDB. Na agenda, acordos de cooperação econômica e comercial, de energia, agricultura e defesa.

A viagem já estava programada, mas cai em um momento crítico para os dois governos, membros do grupo BRICS, que reúne grandes emergentes - Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul. Envolvido pela grave crise política e pela desaceleração econômica que colocou o País em recessão técnica e resultou no rebaixamento da nota de risco e na perda do grau de investimento pela agência de ratings Standard & Poors, o Brasil busca ampliar o comércio exterior com a Rússia.

Por sua vez, Moscou ainda procura parceiros internacionais que possam suprir a demanda de produtos importados, em especial alimentos, em razão do embargo econômico causado pela crise na Ucrânia. Além de enfrentar a recessão aproximando-se de parceiros dos BRICS, o governo de Vladimir Putin vê no Brasil uma alternativa para escapar do isolamento internacional ao qual foi submetido pela Europa e pelos EUA.

Em Moscou, a delegação brasileira tem, além de Temer - que na chegada não falou aos jornalistas -, os ministros da Defesa, Jacques Wagner, da Agricultura, Katia Abreu, de Minas e Energia, Eduardo Braga, do Desenvolvimento, Armando Monteiro, do Turismo, Henrique Eduardo Alves, e o de Pesca, Helder Barbalho. De todos os ministros da comitiva, quatro integram o PMDB e um o PTB - apenas Wagner é do PT.

Questionado pelo Estado sobre se a viagem não representa para Temer uma oportunidade a mais para se apresentar à comunidade internacional, depois de viajar a Portugal no primeiro semestre, um diplomata do Itamaraty com passagem pela presidência disse não ver oportunismo da parte do vice-presidente. "Temer tem sido fiel à presidente Dilma", garantiu.

Entre os compromissos da deleção em Moscou, estão o encontro com Sergei Naryshkin, presidente da Câmara de Deputados da Rússia, a Duma, nesta segunda, e a 7ª Reunião da Comissão de Alto Nível (CAN) de Brasil e Rússia, quando o vice-presidente terá encontro com o primeiro-ministro e ex-presidente russo Dmitri Medvedev, na quarta-feira. Na terça o destaque é o Fórum Empresaria Brasil-Rússia.

Depois de Moscou, a delegação segue para Varsóvia, na quarta-feira, onde Temer terá reunião com a primeira-ministra da Polônia, Ewa Kopacz, e com o presidente polonês, Andrzeij Duda.

Dilma deve mudar ministério para garantir base contra impeachment

Por Raymundo Costa - Valor Econômico

BRASÍLIA - Já estão nas mãos da presidente Dilma Rousseff os estudos para a reforma administrativa do Palácio do Planalto. A presidente ainda não bateu o martelo, mas a tendência atual é pela extinção da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) - que faz a articulação política do governo com os Estados e o Congresso - e sua incorporação à Casa Civil, alçada à condição de superministério, nos moldes da pasta chefiada pelo ex-ministro José Dirceu no início do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Tecnicamente, a extinção e incorporação da SRI à Casa Civil não constitui problema e pode ser concretizada com uma simples medida provisória. O desafio da presidente é escolher o titular da nova pasta. Dilma tem sido aconselhada pelo PT e outros partidos aliados a não manter no cargo o atual chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o ministro mais poderoso do governo, mas também aquele com mais áreas de atrito. A presidente Dilma não gostaria de afastar Mercadante do Palácio do Planalto, mas pode ser levada a isso por pragmatismo político.

Com dez ministérios a menos, Dilma precisa desenhar um novo gabinete que lhe assegure uma base fiel de pelo menos 171 deputados, ou seja, um terço da Câmara. Este é o número de votos que a presidente precisa para barrar um eventual pedido de autorização para a abertura do processo de impeachment de seu mandato. Nominalmente, a atual base parlamentar de apoio é bem maior que isso, mas na prática Dilma precisa discutir maioria a cada votação. O número de 171 seria uma espécie de bancada à prova de bala.

Até agora, a presidente nem mesmo conseguiu montar uma "tropa de choque" para lhe defender no Congresso, como teve o atual senador Fernando Collor de Mello, presidente que sofreu o impeachment em 1992, e mesmo Lula na crise do mensalão. Os problemas da presidente na Câmara ajudam também a explicar a surpreendente aproximação de Dilma com o presidente da Casa, Eduardo Cunha, feita por meio dos pemedebistas do Rio de Janeiro. Cunha, denunciado na Operação Lava-Jato, também pode precisar dos votos do PT para barrar um eventual processo de cassação de seu mandato.

Dilma está sendo aconselhada a aproveitar a reforma para tirar Mercadante, cujas áreas de atrito vão além dos partidos da base aliada - no próprio gabinete há ministros que consideram indevida a interferência do chefe da Casa Civil em suas pastas. O problema da presidente é quem nomear para o novo ministério. Há várias hipóteses em discussão. Uma delas seria a nomeação da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, nome que enfrenta resistências no PT e no PMDB. Segundo líderes pemedebistas, seria a volta do "gabinete de mulheres" que Dilma teve quando a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) ocupava o cargo.

Outros nomes citados são os dos ministros Jaques Wagner (Defesa) e Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia). O fato de ser do PT e eventual candidato a presidente da República pesa contra o nome de Wagner. Rebelo é de um partido pequeno, o PCdoB, e a presidente tem pouca margem de manobra para atender às demandas partidárias. O ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), que está no comando provisório da SRI, tem dito a interlocutores que prefere voltar a tratar dos assuntos da aviação.

Segundo líderes do governo, a presidente também avalia a possibilidade de chamar um nome de fora da área política para a Casa Civil. Os principais aliados da presidente, no entanto, desaconselharam essa decisão, por entenderem que o governo precisa estabelecer uma forte conexão com o Congresso não apenas para a discussão de cargos e emendas parlamentares, mas também dos projetos como o pré-sal e concessões, entre outros. Na hipótese de a presidente não abrir mão de Mercadante no Palácio do Planalto, petistas e aliados defendem que a SRI seja mantida.

Entre as opções apresentadas à presidente estão também a extinção do Gabinete de Segurança Institucional, que perderia o status de ministério e passaria a cuidar apenas da segurança presidencial. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), principal órgão vinculado ao GSI seria absorvida pelo Ministério da Defesa, muito embora essa hipótese seja considerada um retrocesso por alguns técnicos do governo, pois significaria a militarização da inteligência brasileira. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) poderia ser o destino da Abin, mas até à noite de sexta-feira a possibilidade mais forte era a de sua extinção.

A Secretaria Geral da Presidência da República deve ser mantida como um órgão de articulação com os movimentos sociais. A presidente da República ainda não recebeu os estudos referentes aos demais ministérios. Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a presidente não demonstra entusiasmo algum na extinção dos ministérios da Mulher, da Igualdade Racial e Direitos Humanos.

Dilma passou o fim de semana reunida com ministros no Alvorada, pressionada a reagir após o rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela agência Standard&Poors. O objetivo é garimpar espaços para um corte de dezenas de bilhões de reais nos gastos previstos para 2016. Segundo um ministro que participou dos encontros, ainda não há um valor definido, mas algumas soluções pedidas pela presidente devem ser debatidas hoje pela manhã. (Colaborou Murillo Camarotto, de Brasília)

Planalto quer Lula para recompor relação com PMDB

Por Andrea Jubé - Valor Econômico

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto e o PT querem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais presente em Brasília para evitar que o PMDB deixe o governo. Petistas temem o desembarque do principal aliado, o que pode ser decidido no congresso do partido convocado para novembro. Lula tem atuado como bombeiro na relação entre a presidente Dilma Rousseff e o vice-presidente Michel Temer. No último encontro, há dez dias, Lula recomendou a Dilma que se reaproximasse do PMDB.

Lula e Temer se reuniram em São Paulo, no dia 5, na residência do vice-presidente. O encontro ocorreu dois dias depois da declaração do pemedebista que gerou perplexidade no palácio. Lula queria ouvir pessoalmente do vice as explicações sobre sua manifestação de que seria "muito difícil" para Dilma, com 7% de popularidade, completar o mandato. "Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo", declarou a empresários.

Lula disse ao vice-presidente que Dilma errou ao se afastar dele e do PMDB, relataram ao Valor PRO interlocutores de ambos. Por sua vez, Temer retrucou que está do lado do governo, disposto a ajudar, tanto que aceitou assumir a articulação política em abril. Mas relatou ao ex-presidente os boicotes que sofreu do palácio em sua atuação.

A presidente Dilma foi consultada e concorda com a estratégia. Além de assessores próximos, um dos defensores de que Lula passe mais tempo em Brasília é o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que após discutir o tema com Dilma, levou o assunto a Lula. Pimentel e o ex-presidente se encontraram em Montes Claros, no norte de Minas, há 15 dias.

Contudo, o próprio Lula é refratário à ideia. Primeiro, porque Dilma ouve, mas não executa boa parte de seus conselhos, o que o deixa irritado. Em segundo lugar, porque ele próprio tenta se resguardar em meio aos desdobramentos da Operação Lava-Jato. Na sua edição desta semana, a revista "Época" divulgou que a Polícia Federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o ex-presidente seja ouvido nas investigações. Nesse cenário, uma ofensiva em Brasília para mergulhar na crise de um governo náufrago aprofundará o desgaste de sua biografia que ele se empenha em preservar. Mesmo assim, Lula disse a interlocutores que cogita voltar a Brasília este mês.

"Eu tenho sentido o Lula distante e desanimado, duvido que ele se disponha a vir mais a Brasília", afirma um petista com trânsito no Planalto e no Instituto Lula. Ele atesta que Lula tem razão quando afirma que apesar das centenas de recomendações, Dilma não se dispõe a colocá-las em prática.

Um dos exemplos mais recorrentes de que Dilma não ouve o antecessor é a recomendação para substituir o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Lula queria o titular da Defesa, Jaques Wagner, em seu lugar. Ao ouvir reclamações sobre a falta de habilidade política do ministro, Lula costuma responder que Mercadante transformou-se no que Dilma foi para ele no segundo mandato, um braço-direito essencial na gestão da máquina. Diz que Dilma deveria fazer como ele, oferecer o ombro para os ministros contrariados com o chefe da Casa Civil deitarem as cabeças.

O ex-presidente está inconformado com a repetição de erros do Planalto. O exemplo mais recente é a reforma administrativa e ministerial, que Dilma conduz a seis mãos com os ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e do Planejamento, Nelson Barbosa. Assim como fez na montagem do segundo mandato, no final do ano passado, e no debate interno sobre a CPMF, Dilma ainda não chamou Temer ou representantes do PMDB para discutir as mudanças no primeiro escalão, embora a iniciativa tenha sido anunciada há 20 dias.

Apesar da pouca disposição de Lula, um ministro petista disse ao Valor PRO que a aposta principal do governo para sair da crise continua sendo o ex-presidente. "Ele investe todas as fichas no PMDB", diz o auxiliar presidencial. Para a atuação no chamado "varejo" político - negociação de cargos e liberação de emendas parlamentares -, a que Temer renunciou, Dilma quer chamar de volta o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, que é do PT e tem bom trânsito com o PMDB.

Desde o começo do ano, Lula já participou de três encontros com a cúpula do PMDB, sendo que Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL) e o ex-presidente José Sarney são os interlocutores preferenciais. Mas o PMDB divide-se quanto à eficácia da estratégia. Um ministro da sigla disse ao Valor PRO que o partido prefere Lula como interlocutor, mesmo que ele não seja integralmente ouvido no governo. "Se você tem Dilma e Lula para dialogar, preferimos Lula", afirmou. Outro cacique do PMDB, contudo, pondera que o antecessor de Dilma não influi mais no governo. "Não sei se poderá ajudar", questiona.

Reforma política oficializa doação oculta

• Nesse tipo de repasse, não é possível saber que empresas doaram para quais políticos

Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

Graças à reforma política aprovada na Câmara dos Deputados, as próximas eleições serão as primeiras em que 100% do financiamento empresarial de campanhas será feito por meio de doações ocultas – aquelas em que é impossível detectar o vínculo entre empresas financiadoras e políticos financiados.

A reforma votada na última terça-feira pelos deputados sepulta a transparência nas relações entre doadores e candidatos, que atingiu seu ápice nas eleições de 2014, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) encontrou uma brecha para banir as doações ocultas.

Até o ano passado, uma empresa que não queria ter seu nomes vinculado a determinado candidato fazias doações não diretamente a ele, mas a seu partido. Depois, o partido repassava os recursos ao candidato. Este, ao prestar contas de sua campanha, registrava ter recebido recursos não da empresa, mas do partido. Assim, ocultava a identidade de seus financiadores.

Em 2014, porém, o TSE editou uma resolução que obrigou os candidatos a registrar em sua contabilidade o “doador original” do dinheiro que transitou pelo partido – ou seja, mesmo nos casos em que o partido atuou como intermediário, foi possível detectar quais empresas doaram recursos para cada campanha.

A partir de 2016, as empresas estarão proibidas de doar diretamente aos candidatos, mesmo que quiserem – os recursos obrigatoriamente terão de ir para os partidos, que depois os distribuirão entre as campanhas. E o TSE não poderá mais determinar a identificação dos doadores originários, porque isso estará vetado pela legislação. A reforma política estabelece que “os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores”.

O fim da transparência nas doações impedirá o mapeamento dos interesses empresariais nos governos e no Congresso. Também atrapalhará determinadas investigações sobre corrupção. Se essa regra já estivesse valendo nas eleições passadas, por exemplo, não seria possível identificar os políticos que tiveram suas campanhas financiadas por empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato.

Aprovada tanto na Câmara como no Senado, a reforma seguiu para a sanção da presidente Dilma Rousseff. Em tese, ela pode vetar o artigo que trata das doações ocultas, mas é improvável que o faça, para evitar mais desgastes políticos. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o principal articulador do acordo que resultou no texto aprovado pelos deputados.

Reação. A institucionalização das doações ocultas foi apenas uma das dezenas de alterações promovidas pelo relator da reforma política na Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no projeto aprovado na semana anterior pelos senadores. O texto que saiu do Senado, por exemplo, nem sequer admitia a participação de empresas no financiamento de campanhas.

Os senadores aprovaram uma proposta de reforma com vários dispositivos que tendiam a reduzir a fragmentação partidária no Congresso e a fortalecer os maiores partidos. Esses aspectos foram quase todos eliminados quando os deputados votaram a reforma, na terça-feira passada.

A Câmara impediu, por exemplo, que 23 partidos médios e pequenos perdessem acesso aos recursos públicos do Fundo Partidário. Somadas, essas legendas teriam deixado de receber R$ 350 milhões por ano se os deputados não tivessem eliminado uma regra, aprovada pelos senadores, que reservava os recursos do Fundo Partidário apenas aos partidos com diretórios permanentes em pelo menos 10% dos municípios brasileiros até 2016, e em 20% até 2018. Atualmente, apenas 9 dos 32 partidos atendem a essa exigência (PT, PMDB, PSDB, PDT, PC do B, PP, PPS, DEM e PSB).

Os deputados também contrariaram o Senado ao revalidar as coligações na eleição para a Câmara. Os senadores haviam tornado inócuas essas coligações ao determinar que as vagas de deputados fossem distribuídas de acordo com o desempenho de cada partido, independentemente de sua participação em aliança ou não.

A medida prejudicaria as legendas menores. Se não houvesse coligações nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 22 partidos conquistariam cadeiras na Câmara, em vez dos 28 que hoje estão lá representados. Além disso, haveria ampliação do peso dos maiores partidos: juntos, PT, PMDB e PSDB ganhariam 84 cadeiras.

Pioram previsões para inflação e queda do PIB

• Mercado prevê queda de 2,55% para o PIB este ano e de 0,60% em 2016; no caso da inflação, expectativa é de que o índice oficial feche 2015 em 9,28% e fique em 5,64% no ano que vem

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois da retirada do grau de investimento do Brasil pela agência Standard & Poors na semana passada, a expectativa para a atividade econômica no País azedou ainda mais. Analistas consultados pelo Banco Central para o Relatório de Mercado Focus agora preveem retração de 2,55% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e queda de 0,60% em 2016. Na semana passada, essas projeções eram de recuo de 2,44% em 2015 e retração de 0,50% em 2016.

Também para a inflação as previsões pioraram. A mediana das projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA, que mede a inflação oficial) em 2016, justamente onde está o foco da atuação do BC neste momento, apresentou elevação pela sexta semana consecutiva, passando de 5,58% para 5,64% - há um mês, estava em 5,44%. Para este ano, a mediana das projeções ficou em 9,28%, uma queda em relação à previsão de 9,29% da semana passada.

No Top 5 de médio prazo, grupo dos economistas que mais acertam as estimativas, o movimento foi ainda maior: a previsão saiu de 5,28% para 5,98%. Quatro semanas antes estava em 5,38%. Pesou aqui a mudança dos participantes do grupo depois da divulgação do IPCA de agosto, mas, de qualquer forma, é possível perceber a deterioração das expectativas.

O BC promete levar a inflação para a meta de 4,5% no fim do ano que vem, mas recentemente, a autarquia vem chamando a atenção para "novos riscos" que surgiram para o comportamento dos preços. Pelos cálculos da instituição revelados no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de junho, o IPCA ficará em 4,8% em 2016 no cenário de referência e em 5,1% no de mercado. Uma nova edição desse documento será divulgada no fim deste mês.

Os economistas consultados na pesquisa mantiveram as previsões para a taxa de juros este ano e no próximo. A expectativa é de que a Selic encerre 2015 no patamar atual, de 14,25% ao ano. Para 2016, a projeção é de que ela fique em 12% ao ano - há quatro semanas, a mediana das projeções estava em 11,88%.

Indústria. A constatação de recessão econômica com a divulgação do PIB do segundo trimestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) também levou à piora das projeções para a produção industrial no País.

No boletim de hoje, a projeção saiu de uma baixa de 6,00% para um recuo de 6,20% em 2015. Já para 2016, a mediana das estimativas foi reduzida de uma alta de 0,72% para um avanço de 0,50%. Há quatro semanas, as medianas destas previsões eram de, respectivamente, -5,00% e +1,00%.

Segundo o IBGE, o PIB brasileiro caiu 2,6% no segundo trimestre deste ano na comparação com o primeiro e 1,9% ante o mesmo período de 2014. O BC, apesar de também ter revisado para pior sua projeção para este ano, de queda de 0,6% para retração de 1,1%, segue mais otimista que o mercado.

No Relatório Trimestral de Inflação de junho, a instituição informou que a mudança ocorreu em função de piora nas perspectivas para a indústria, cuja expectativa de PIB recuou de -2,3% para -3,0%. Uma nova edição do documento será apresentada no fim deste mês.

Aécio Neves - Na contramão

- Folha de S. Paulo

Na semana passada, o Brasil perdeu o grau de investimento, pelos sucessivos erros de política econômica dos governos Lula e Dilma.

Como se sabe, de 2003 até 2008, o governo do PT se caracterizou pela continuidade da política econômica do governo FHC. Nesse período, o maior crescimento da economia mundial, o boom de commodities e a melhora da produtividade, fruto de reformas iniciadas no final de década de 1980, nos levaram a conquistar o grau de investimento no auge da crise financeira internacional em 2008.

A partir dali, o presidente Lula começou a implementar o programa econômico do PT, que partiu da premissa de que o governo é onipotente e decide quem serão os vencedores; que taxa de juros poderia ser fixada por decreto; que o aumento da dívida pública e a concessão exagerada de subsídios levariam a um maior crescimento; que o controle de tarifas públicas poderia conter a inflação e que o gigantismo do Estado era a única forma de aumentar oferta de serviços de educação e saúde.

O resultado foi que, a partir de 2011, a produtividade parou de crescer, o buraco das contas externas mais do que dobrou –um superavit primário que era de R$ 128 bilhões em 2011 transformou-se em um deficit de R$ 32,5 bilhões, em 2014 e a dívida bruta do Brasil cresceu em mais de R$ 500 bilhões decorrente de empréstimos para bancos públicos e da concessão indiscriminada de subsídios.

O Brasil, já neste ano, será o país emergente com maior endividamento bruto e com a maior conta de juros e, mesmo assim, a presidente Dilma mandou para o Congresso uma proposta orçamentária que prevê deficit primário de mais R$ 30 bilhões e um drástico crescimento da despesa.

Que ajuste fiscal é esse?

Ao final, a perda do grau de investimento não chegou a ser uma surpresa diante da avalanche de erros, agravada pelo maior escândalo de corrupção da história do Brasil, a Lava Jato, e a incapacidade política deste governo de planejar o futuro e de apresentar um caminho minimamente confiável para a superação da crise.

Recuperar o grau de investimento exige credibilidade para negociar com o Congresso e com a sociedade um ajuste fiscal estrutural e uma ampla agenda de reformas que aumente a produtividade e acelere o crescimento do país. Falta a este governo competência, credibilidade e apoio político para essa tarefa.

Em resumo: em 2008, no auge da crise, o Brasil recebe o selo de bom pagador, fruto das reformas do governo FHC e até ali mantidas em grande parte pelo governo Lula. Agora, enquanto o mundo se recupera e as principais economias voltam a crescer, o Brasil vê sua nota de crédito ser rebaixada. Obra de responsabilidade exclusiva do PT e seus governantes.
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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Nota de falecimento

- O Globo

“Renúncia é um gesto de grandeza e Fernando Henrique Cardoso não tem essa grandeza”. Lula, em 1999.

Já não está mais entre os vivos “a mulher de Lula”, a “gestora” mais competente do que ele, apta a dar continuidade à nobre tarefa de melhorar a vida dos pobres sem se esquecer de forrar os bolsos dos ricos. Descansa em paz desde a semana passada, quando o Brasil perdeu o título de país bom pagador. Ficam seus exemplos de fé, perseverança, dedicação e de certa dificuldade em se fazer entender.

O INFAUSTO acontecimento havia sido precedido de outro de igual natureza. Refiro- me ao passamento, depois de longa agonia, da “faxineira ética” que escolheu seguir convivendo com ministros investigados sob a suspeita de ferir a lei. Um por omitir da Justiça dinheiro recebido por fora para pagar despesas de campanha; outro por extorquir empresários com o mesmo objetivo.

“A FAXINEIRA ÉTICA” se tornara conhecida como tal ao demitir seis ministros de Estado no seu primeiro ano de governo. Nunca se viu nada parecido na história da República brasileira. Diante de reles indícios de que eles haviam aproveitado os cargos para roubar ou facilitar o roubo, ela não hesitou. Veloz como um raio, sacou da caneta e os fuzilou sem piedade. “Hasta la vista, baby”!

ESTREIA DIGNA de um Oscar de efeitos especiais. Pena que o resto do filme não tenha sido condizente com o seu início. Ministros demitidos indicaram seus substitutos ou foram contemplados com outras sinecuras. Ao mensalão, sucedeu a roubalheira apurada pela Lava- Jato. Lula jura que não sabia do mensalão. A “ex- faxineira” que tampouco sabia do saque à Petrobras. Triste fim!

O QUE RESTA dos atributos agregados pelo marketing à imagem pública da chefona de maus bofes, detestada pelos seus subordinados, centralizadora em excesso por se julgar uma sábia, quando, na verdade, é uma mulher insegura e solitária? Quis o destino, com a ajuda dela, que fosse assim. Quis Lula, com os votos que já teve, que ela se elegesse e se reelegesse.

É A CRIATURA que costuma se rebelar contra o criador. Lula merece o prêmio de melhor roteiro por se insurgir como criador contra sua criatura. Quer distância dela. E torce em silêncio pela sua possível desgraça. Assim poderá passar à oposição ao novo governo na esperança de voltar à presidência em 2018. “Aquela mulher”, ele repete, amargo, entre amigos.

CADA VEZ mais enfraquecida, ela se mantém no cargo graças ao fato de que foi eleita. Não é pouca coisa. Deveria bastar. Não é crime de responsabilidade governar de maneira desastrosa. Nem ter mentido à farta para se eleger. Também não é crime ser impopular, rejeitada por oito em dez brasileiros. Seis em dez querem seu impeachment. Se ocorrerá? E como? E em que data?

UM DIA, perguntaram a Louis Armstrong, cantor e trompetista, uma dos ícones da música negra americana: “O que é jazz?” Ele respondeu: “Quando ouvir você saberá”. Você saberá quando estiver madura a ocasião para se abrir o processo de impeachment. Impeachment não depende só de desejo, longe disso. Nem mesmo de maioria de votos no Congresso.

HAVERÁ DE acontecer se as circunstâncias o determinarem. E se as contas do governo de 2014 forem rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União? E se a Câmara entender que as “pedaladas fiscais” do governo violaram a lei? Sim, mas e se Fernando Baiano, ex- operador de propinas do PMDB na Petrobras, fizer revelações que alcancem os caciques do partido? Um fato novo revoga um fato consumado.

José Roberto de Toledo - Lavam-se doações

- O Estado de S. Paulo

Não foi só a nota de bom pagador do Brasil que sofreu downgrade na semana passada. O sistema eleitoral brasileiro também foi desvalorizado, também andou para trás – só que ninguém viu. Enquanto todos os olhares se voltavam à perda do grau de investimento do País, a Câmara dos Deputados aprovava na correria de sempre, no mesmo dia e na mesma hora, uma reforma eleitoral cujo texto e extensão só se conheceram depois de consumada a votação. Os deputados oficializaram o obscurantismo.

Graças à reportagem de Daniel Bramatti, sabe-se agora que a Câmara, entre outros retrocessos, tornou legal a lavagem das doações ocultas de campanha. Transformou em lei o que era um truque, um jeitinho. A partir das próximas eleições, não será mais possível saber, por exemplo, que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), elegeu-se com dinheiro da Ambev, da Rima Industrial e da Telemont Engenharia. Ou que o relator da reforma, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi apadrinhado pelo banco BMG.

A nova legislação proíbe a doação direta de empresas a candidatos. A partir de agora, a pessoa jurídica que quiser investir na política terá de, obrigatoriamente, pagar pedágio para o partido. Todo o dinheiro doado passará por seus comitês financeiros. De lá, seguirá lavadinho e anônimo para os políticos. Na prestação de contas do candidato só aparecerá que o dinheiro veio do seu partido. E, na do partido, que ele deu tanto para o candidato, sem declarar o nome do doador original.

A mudança está no 12.º parágrafo do artigo 28 da nova lei: “Os valores transferidos pelos partidos políticos oriundos de doações serão registrados na prestação de contas dos candidatos como transferência dos partidos e, na prestação de contas dos partidos, como transferência aos candidatos, sem individualização dos doadores”.

O efeito prático da reforma obscurantista aprovada com o voto de mais de 300 deputados é que: 1) a empresa saberá se a quantia que doou foi a mesma que o candidato que ela pretendia financiar recebeu, 2) o partido saberá de quem recebeu o dinheiro e para quem repassou essa grana, 3) o candidato saberá quanto recebeu do partido e poderá conferir com o empresário doador se o valor bate. Mas o eleitor e a Justiça eleitoral não saberão mais qual empresa financiou qual candidato. A sociedade ficará no escuro.

Essa mudança fundamental da legislação poupa os políticos do constrangimento de o público ficar sabendo que são financiados pela indústria de armas, ou que fazem parte da bancada do bife (financiada pelo frigorífico JBS), da cerveja, das mineradoras, das empreiteiras, dos bancos, das seguradoras – e por aí vai.

Para os financiadores, também é conveniente porque fica mais difícil de estabelecer uma ligação direta entre a empresa e um ou mais políticos. Assim, quando esse político assinar um contrato com aquela empresa, aprovar uma lei que a beneficie, barrar uma convocação de seu dono para depor em uma CPI, ninguém poderá afirmar com certeza que ele está retribuindo o favor pelo dinheiro que recebeu da empresa durante a campanha eleitoral.

Para os partidos e burocratas partidários, a nova legislação é um presente de Natal antecipado. Terão um poder ainda maior sobre quais candidatos serão eleitos ou não. Bastará controlar o fluxo financeiro de suas campanhas. Aos amigos, repasses fartos e rápidos das doações. Aos rebeldes, atrasos e desculpas – ou nem isso. Serão estrangulados pelo garrote do caixa partidário.

A democracia, tal qual o crédito, é baseada na crença em mitos. Assim como credores creem na nota dada por uma agência a um país, a sociedade precisa crer que o sistema eleitoral é limpo. Sem essa crença, a eleição não tem legitimidade. Sem legitimidade, não há democracia. Ao acabar com a transparência do sistema, a Câmara está exigindo muita fé do eleitor. Talvez demais.

Valdo Cruz - A mesma de sempre

- Folha de S. Paulo

Aliados, próximos e distantes, são unânimes em dizer que Dilma Rousseff precisa mudar, reinventar-se, para sair da encalacrada em que se meteu e superar a crise atual. Questão de sobrevivência.

Pois bem, um episódio ainda inédito mostra que ela até pode ter mudado em algumas coisas, mas não em certos tipos de comportamentos que causaram um belo estrago no seu governo e também no país.

No final de agosto, a Petrobras decidiu aumentar em 15% o gás de cozinha para as distribuidoras. A estatal não reajustava o produto desde dezembro de 2002. Isso mesmo. Passou todo governo Lula e o de Dilma também sem mexer neste preço.

Dois dias depois, Dilma pega o telefone, liga para o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, e lhe dá uma bela bronca, daquelas que adora aplicar em assessores desobedientes. Tudo porque a estatal fez o que devia e, por sinal, não recuou.

Ou seja, a história alardeada pelo governo de que a petroleira, sob nova direção, passou a ter liberdade para definir sua política de preços não é assunto bem resolvido na cabeça da presidente da República.

É bom lembrar que a crise da estatal não vem só da Operação Lava Jato, mas também do intervencionismo presidencial, que segurava o preço dos combustíveis para baixar a inflação na marra. Um fracasso.

Os números mostram o prejuízo que esta política deixou na empresa. No reinado de Dilma Rousseff, a estatal encolheu US$ 200 bilhões. Seu valor caiu de US$ 228,211 bilhões para US$ 28,032 bilhões.

Enfim, algo segue bem errado no Planalto. Aliados ameaçam abandonar o barco, a economia está em frangalhos e a presidente encontra tempo para dar uma bronca num assessor que cumpriu o seu dever.

Como diz um empresário amigo, mas que já começa a perder a paciência com a presidente, ela gasta muito tempo com detalhes e não foca no essencial. Mais do que isto, demora a enxergar o essencial.

Marcos Nobre - Política carcará

• Todos os holofotes estão voltados para a Câmara

- Valor Econômico

O colapso chegou e se instalou. A política entrou em modo bélico, estão suspensas suas regras habituais. Dos muitos barcos anti-Dilma que estavam no porto, o que conseguiu no final das contas zarpar foi o do vice-presidente Temer. Os dois lados se preparam agora para a guerra aberta. Reunir tropas e cavar trincheiras são providências que tomarão toda a segunda quinzena do mês de setembro. As primeiras batalhas campais estão marcadas para outubro.

É a política carcará. Pega, mata e come. Quando entra em cena, tudo o que normalmente serve de enquadramento para a política perde força. Não que a principal senhora da política, a economia, deixe por isso de operar. Pelo contrário, aliás. Com a política temporariamente em suspenso, o mercado ajusta nos seus próprios termos: taxas de juros, câmbio. Sem a tradução simultânea da política, o sofrimento social fala uma língua desconhecida da contabilidade. O que conta é que os números batam. Até que seja alcançada a estabilização que a política não consegue produzir. Ou até que o sofrimento social exploda e não possa mais ser ignorado pela contabilidade.

A guerra veio porque não se alcançou uma trégua provisória entre as principais forças para preservar a capacidade de ação do sistema político até que a Lava-Jato mostre quem está dentro e quem está fora do jogo. O estado de guerra foi enfim decretado com o fracasso de Dilma Rousseff em impedir a formação de um bloco unitário pró-impeachment e em manter Lula a prudente distância de posições de comando de seu governo. Para evitar que o barco do impeachment deixasse o porto, Dilma teve a seu favor a caneta presidencial, a tripartição irreconciliável do PSDB, as fraturas sem conta do PMDB, a incerteza trazida pela Operação Lava-Jato, movimentos sociais na rua, o medo de parte do alto empresariado e da alta finança de instabilidade ainda maior com seu afastamento. Apesar de tudo isso, permitiu que Michel Temer se impusesse como ponto de convergência das inconsistências do sistema para tirá-la do cargo.

Desde o início, a presidente cercou-se de pessoas no PT detestadas por Lula e refratárias a sua influência. Foi como tentou evitar que o ex-presidente controlasse seu governo. Já faz tempo que Lula exige que sua sucessora lhe entregue as rédeas. Foram muitos os sinais de que seu apoio à presidente não é automático, muito menos incondicional. Com a entrada da política em modo bélico, veio o ultimato: para contar com Lula em sua trincheira, Dilma terá de lhe entregar parte substancial do governo. Esse é o verdadeiro sentido da briga de faca para afastar Aloizio Mercadante e instalar Jaques Wagner na Casa Civil, por exemplo.

Para além do desfile de bestialidades de lado a lado, o objetivo racional de quem escolhe uma das duas trincheiras é restabelecer as condições normais da política. Quem acha que três meses de guerra podem afundar o país de maneira irremediável vai apoiar a permanência de Dilma, pelo menos por enquanto. Quem entende que a guerra do impeachment é o único caminho para alcançar a estabilização vai cerrar fileiras em torno de Temer. Foi o fiapo de racionalidade que restou. Mas já não há negociação possível, está suspensa a política.

Claro que ambas as posições parecem ter que ver com preferências partidárias ou ideológicas, com afinidades e rejeições políticas. Mas um petista convicto poderia perfeitamente entender que é melhor que Dilma se vá. Assim como um tucano histórico poderia achar que derrubar Dilma será ainda pior do que sua permanência. Só que não. Soou a ordem unida, não há mais espaço nem tempo para a reflexão. Para sustentar suas posições, ambos os lados vão apelar para o que há de mais regressivo na sociedade. Não vai ser bonito de ver.

O campo institucional da guerra exige jogar o xadrez da Câmara dos Deputados. É na Câmara que a denúncia será ou não aceita, é lá que o processo de impeachment será ou não aberto. Em caso de arquivamento e recurso ao plenário, são necessários 257 deputados. Para a abertura do processo, 342. Se o processo for aberto, a bola passa para o Senado e a presidente é afastada do cargo até o final do julgamento. Se o processo for aberto, dificilmente Dilma sobrevive.

A Câmara é a casa legislativa sobre a qual Michel Temer tem maior influência. Dilma Rousseff se apoiou largamente sobre o Senado para contrabalançar as investidas da Câmara, especialmente de seu presidente, Eduardo Cunha. Mas, embora a situação de Dilma na Câmara esteja longe de ser confortável, ela continua a ter nas mãos a caneta presidencial, o que pode acabar decidindo a guerra a seu favor.

Também por essa razão, o lado da trincheira comprometido com o impeachment só conseguirá arregimentar tropas se apelar para mobilizações de rua. Na situação atual, é um recurso que vem com pelo menos dois obstáculos consideráveis. Primeiro, o horror do mercado de que a coisa saia do controle e passe a expressar aquela insatisfação social que não cabe na contabilidade. E pode acabar saindo muita gente na rua para defender Dilma, produzindo uma guerra bem pouco institucional. Como se fosse pouco, a Lava-Jato resolveu colocar seus holofotes em Lula e em Temer, chamando-os diretamente para o embate.

Do lado de Dilma, a reforma ministerial prometida servirá como principal instrumento para reunir tropas contra o impeachment. As nomeações do governo de guerra virão com a exigência de disciplina férrea na defesa do mandato da presidente, incluindo apoio incondicional às novas medidas orçamentárias e nenhuma clemência em relação aos aliados de Temer. No mais, Dilma conta que, na divisão bestial da política carcará, os movimentos sociais não terão para onde correr senão para ela.

Enquanto todo esse esforço de guerra se desenrola, apartado do sofrimento social, da economia, ou da Lava-Jato, o mercado vai ajustando segundo sua contabilidade própria. Serão os despojos desse ajuste que caberão a quem vencer. A política carcará come até cobra queimada. É só o que vai sobrar depois que o mercado queimar a roça toda.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

Marcus Pestana - Migrantes e refugiados, humanismo e globalização

- O Tempo (MG)

O que fazia ali aquela criança com o rosto enfiado na areia de uma praia distante da Turquia? Não há castelos, pranchas ou sonhos ao redor naquela forte imagem que fez o mundo inteiro silenciar. O mal-estar se espalhou pelos quatro cantos da Terra. É como se a comunidade global estivesse diante do espelho e não se reconhecesse ou gostasse do que via. Imagens e palavras dizem mais que milhares de teses acadêmicas ou manifestos político-ideológicos. E a rede mundial de computadores tem essa capacidade inédita de difundir fotos e informações, despertando sentimentos globais. Aylan Kurdi e seus 3 anos estendidos no silêncio daquela praia fizeram ecoar o brado de milhões de migrantes e refugiados que vagam por terras estranhas às suas raízes. Aquela foto cortante e triste despertou uma onda de solidariedade e indignação.

Hoje, são milhões e milhões de pessoas que deixam para trás suas vidas e histórias na África e no Oriente Médio, fugindo da miséria ou da intolerância política e religiosa. Varam mares e oceanos como podem. Botes, canoas e barcos precários transportam o pouco que restou de esperança. Não há horizonte claro. O futuro é turvo e nebuloso. Não há visto, permissão ou diálogo. É uma tentativa desesperada que mais se assemelha a uma roleta russa. Famílias inteiras lançam a sorte ao mar e sonham com o éden no mundo desenvolvido. Milhares naufragam na travessia. Aylan nos abriu os olhos para aquilo que todos já viam.

Fugindo do Estado Islâmico ou da fome, aportam na Europa. Encontram cercas, muros, barricadas de arames. Repousam suas expectativas, ansiedades e seus sonhos em acampamentos improvisados.

O mundo desenvolvido, atônito e perplexo, não sabe bem o que fazer. Entre discursos xenófobos e gestos humanitários, oscilam na falta de clareza e estratégia. O terrorismo plantou as sementes da intolerância, e a colheita veio agora. Ultranacionalistas alertam contra a invasão muçulmana. Por incrível que pareça, a líder conservadora alemã é uma voz dissonante. Angela Merkel defende uma política planejada e racional de incorporação dos fluxos migratórios.

A globalização é a radicalização das tendências da economia capitalista. Traz a queda das fronteiras e a relativização da autonomia dos Estados nacionais. As forças produtivas devem avançar e, para isso, é preciso derrubar todas as barreiras. Abaixo o protecionismo! Fora o intervencionismo que inibe a integração global! As mercadorias devem circular livremente. Os capitais não têm fronteiras. A globalização potencializará a prosperidade. Mesmo que um espirro nas bolsas de Hong Kong ou Xangai possa se transformar em gripe global. Mesmo que a falência do Lehman Brothers leve pobreza a milhões que nunca tinham ouvido o nome do banco.

Mas se mercadorias e capitais devem circular livremente, por que não as pessoas? Esse é o “calcanhar de Aquiles”. A atual crise escancara essa contradição. O triste destino de Aylan Kurdi pôs o dedo na ferida.
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Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG))

Vinicius Mota - Ilusões tributárias

- Folha de S. Paulo

Abriu-se a fórceps o debate no Brasil acerca de níveis e distribuição da tributação e do endividamento do governo, de um lado, e de extensão e qualidade dos serviços públicos, do outro.

Diz-se que o Brasil cobra impostos como uma nação desenvolvida, mas oferece serviços públicos comparáveis aos dos países mais pobres do mundo. A fim de discutir a sério a questão, é melhor abandonar raciocínios superficiais como esse, que conduzem a conclusões falsas.

A cobrança de tributos é elevada por aqui como fatia da produção. A produção brasileira por habitante, contudo, fica muito distante da dos países ricos. O Brasil tributa mais que os EUA como proporção do PIB, mas ao final de um ano o governo americano recolhe em dinheiro o quíntuplo do obtido pelo brasileiro.

A taxação permite ao setor público dos EUA gastar US$ 18 mil por habitante ao ano. Os governos brasileiros têm à disposição menos de um terço disso. Não dá, objetivamente, para esperar que o Brasil ofereça serviços públicos de qualidade semelhante aos americanos.

É plausível que a ineficiência e a corrupção, sendo maiores aqui do que lá, contribuam para aumentar a distância entre os dois padrões de serviço público. Mesmo, no entanto, que esses dois fatores fossem hipoteticamente anulados, restaria a enorme e insuperável barreira da renda.

A parcela elevada que os impostos cobram da produção no Brasil e a contribuição crescente do dinheiro que o governo empresta da sociedade indicam, isso sim, o esgotamento das fontes de recurso para financiar o gasto público. O resultado imediato a esperar desse choque com a realidade é a redução dos serviços prestados e da renda transferida pelo Estado.

A nossa guerra neste século é por tornarmo-nos um país rico. Ofereceremos serviços públicos de alta qualidade apenas se, e quando, atingirmos esse objetivo.

Rebaixamento soberano poderia ter sido evitado – Editorial / Valor Econômico

O rebaixamento para grau especulativo da dívida externa soberana brasileira, pela agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P), poderia ter sido evitado ou pelo menos adiado. Foi um erro gravíssimo de política econômica o envio do projeto de Orçamento ao Congresso Nacional prevendo um déficit em 2016. O compromisso com o ajuste fiscal da presidente Dilma Rousseff, em entrevista concedida ao Valor, foi tardio.

Pode-se questionar se, apenas com base nos números da economia brasileira, o rebaixamento seria justificado. A S&P prevê aumento de 11 pontos percentuais na dívida bruta em dois anos, que chegaria a 70% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016. Mas o avanço perderia força em 2017 (a dívida iria para 72,2% do PIB) e a dívida bruta cairia já a partir de 2018 (para 71,3% do PIB).

Sem ignorar os desacertos fiscais de anos recentes e a trajetória preocupante de alta do gasto público, deve-se reconhecer que parte dos problemas atuais derivam do fraco crescimento cíclico da economia, causado pela queda da confiança, pelo escândalo da Lava-Jato e por medidas de correção de desequilíbrios, como a desvalorização cambial, o aperto monetário, o aumento de tarifas e o próprio ajuste fiscal.

Um governo com um grau mínimo de credibilidade poderia traçar uma estratégia gradual de ajuste. Como, aliás, foi anunciado em fins de 2014 pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o compromisso de um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e de não menos de 2% do PIB a partir de 2017.

A credibilidade que Levy emprestou ao governo, porém, foi consumida rapidamente. Em 28 de julho, a S&P colocou a dívida soberana sob perspectiva negativa. Na semana anterior, a taxa de câmbio, o risco Brasil e os juros dos títulos do Tesouro Nacional já haviam subido depois que o ministro da Fazenda foi derrotado nas discussões do governo que levaram à redução das metas de superávit primário de 2015 e de 2016.

Embora o quadro já fosse amplamente desfavorável, a S&P deu uma espécie de voto de confiança ao governo, evitando promover já naquele momento o rebaixamento da nota brasileira. Nas semanas seguintes, as conversas entre a agência e o governo brasileiro sobre a deterioração nas contas públicas se intensificaram. E a decisão do Palácio do Planalto, de enviar um Orçamento deficitário ao Congresso, piorou o cenário para o Brasil.

A proposta, que contempla um déficit primário de 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, foi mais uma derrota de Levy nas discussões internas e uma vitória dos ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Um dia depois, Barbosa concedeu entrevista ao Valor defendendo a tese de que o reequilíbrio fiscal exige crescimento.

"A proposta orçamentária de 2016 incorporou outra revisão nas metas fiscais num período curto de tempo", declarou a S&P na nota que comunicou o rebaixamento do Brasil. "Essa série de eventos que levaram à proposta orçamentária nos sugere reduzida coesão dentro do ministério da presidente Dilma Rousseff e contribui para nossa avaliação de um perfil de crédito mais fraco".

A presidente demorou a reagir à deterioração, na percepção dos mercados, sobre a política fiscal. Primeiro, declarou apoio ao ministro da Fazenda, negando que ele estivesse demissionário, mas deixou de se comprometer com o superávit primário de 0,7% do PIB que ele defendia. Só o fez na semana passada, em entrevista ao Valor, poucas horas antes de a S&P comunicar o rebaixamento do país.

Ninguém deve se iludir com o fato de que, após o rebaixamento, as cotações do dólar, juros e ações tenham sofrido impacto limitado - o mercado já havia antecipado nos preços esse desfecho. A perda do grau de investimento agora vai chegar a economia real de forma dolorosa. Significará menor disponibilidade de financiamento externo para o Brasil, menor taxa de investimento, queda no consumo interno e mais desemprego.

As agências Fitch e Moody's ainda mantém uma generosa paciência com o Brasil. A S&P colocou a nota brasileira sob perspectiva negativa e vê risco superior a um terço de nova baixa. Depois de declarar compromisso com a meta de superávit, cabe ao governo Dilma a execução de medidas para atingí-la, sobretudo de contenção do gasto público.

Não há mais espaço nem tempo para recuos.