Capital antiterror do mundo
• Maiores manifestações da história da França levam 4,5 milhões às ruas; 60 líderes vão a Paris
Fernando Eichenberg - O Globo
PARIS - Por um dia, Paris se tornou a capital mundial da luta contra o terrorismo e palco da maior mobilização da História da França. Mais de 1,5 milhão de manifestantes participaram na capital da "Marcha Republicana" contra a violência e pela liberdade de expressão. Nas demais cidades da França, mais de três milhões saíram às ruas em protesto contra os atentados que causaram 17 mortes na semana passada, entre elas parte da redação do jornal satírico "Charlie Hebdo". Em sua abertura, o cortejo exibiu uma cena de forte simbolismo: no centro, o presidente François Hollande comandava a fileira de quase 60 chefes de Estado, todos caminhando de braços dados e vestidos de preto. Houve manifestações de solidariedade em dezenas de cidades do mundo.
A emoção era visível, palpável, audível e silenciosa no percurso da marcha parisiense. Aplausos surgiam espontaneamente, ecoando como uma onda em meio à maré humana espremida no bulevar. De repente, um pequeno grupo entoava a "Marselhesa", o Hino Nacional francês, cujos versos terminavam por ecoar num enorme e entusiasmado coro. Logo depois, um ruidoso silêncio se impunha na multidão, em homenagem às vítimas dos ataques. Policiais e atiradores de elite postados nos telhados dos prédios, como parte da segurança, eram ovacionados pelos passantes.
- Paris é hoje a capital do mundo. O país inteiro vai se erguer com o que tem de melhor - disse Hollande antes da marcha.
Participantes viajaram a paris para marcha
"Histórico" foi o adjetivo mais utilizado para definir o domingo francês, no qual até o sol colaborou para atenuar o frio deste janeiro de inverno europeu. A multidão tomou conta também da Praça da Bastilha, tradicional local de manifestações em Paris, mesmo que não estivesse incluída no trajeto oficial. Ao final do dia, luzes de velas, acendidas e espalhadas pela cidade, iluminaram a noite parisiense.
Apesar da emoção, Philippe Lalik, que mora a cem quilômetros de Paris e viajou expressamente para participar da manifestação, nutria dúvidas sobre o futuro francês. Na sua opinião, o clima no país pode se radicalizar:
- É preciso repensar a política exterior da França. Não podemos cometer o mesmo erro dos americanos em 2001. Devemos nos perguntar por que há tantas pessoas que nos odeiam. Também temos parte de responsabilidade no que se passa.
A franco-portuguesa Fernanda, 46 anos, nascida no Porto, mas na França há 27 anos, preferiu não dar o sobrenome e receava falar o que pensava porque estava "com muita raiva":
- Acho que a situação vai piorar, e muito. As pessoas vieram aqui hoje para acalmar as coisas, mas muitas delas não são sinceras. A França confiou em muita gente que não deveria.
Já a holandesa Lies Vanderdpol, 33, engenheira e há dois anos em Paris, não hesitou em sair da casa para se juntar à marcha:
- Estou grávida de três meses, tenho medo, mas também esperança. Todo mundo que acredita na liberdade está aqui hoje. Não é pela bandeira francesa, estamos aqui contra a violência no mundo.
Desfilaram líderes da Europa, da América do Norte, do Oriente Médio e da África. Hollande escolheu ter ao seu lado, à esquerda, a chanceler alemã Angela Merkel, e à direita, o presidente Ibrahim Boubacar Keïta, do Mali, país no qual a França interveio militarmente em operações contra o terrorismo islâmico. O premier de Israel, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, marcharam os 200 metros do trecho da comitiva oficial separados apenas por quatro líderes e escassos metros. Também compareceram os presidentes da Comissão Europeia, da União Europeia e o secretário-geral da Otan.
- Nada justifica responder a um insulto com um assassinato. Não em nome da religião, não em nome do islã - acusou a rainha Rania da Jordânia, presente no cortejo.
Para o premier italiano, Matteo Renzi, "a Europa vencerá seu combate contra o terrorismo". Uma ameaça, segundo o primeiro-ministro britânico, David Cameron, que ainda estará presente "por muitos anos". O Brasil esteve representado pelo embaixador na França, José Maurício Bustani, que antes da manifestação repassou pessoalmente a Hollande a mensagem da presidente Dilma Rousseff de solidariedade ao povo francês em prol da defesa da democracia e da liberdade.
- Infelizmente, a rapidez com que tudo aconteceu não permitiu que a presidente se deslocasse até Paris - disse Bustani.
Hollande abandonou por um momento seus convidados estrangeiros para cumprimentar familiares das vítimas do atentado e sobreviventes da equipe do jornal "Charlie Hebdo". Com Patrick Pelloux, um dos colaboradores da publicação, protagonizou um demorado e afetivo abraço.
Após a manifestação, Hollande e Netanyahu foram recebidos com aplausos numa simbólica visita à Grande Sinagoga de Paris. Já o premier Manuel Valls e o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, fizeram questão de ir até o QG de polícia responsável pela segurança num dia de presença recorde de chefes de Estado na capital francesa, que terminou sem grandes incidentes. Mais de 5.500 policiais e militares foram mobilizados, sendo 2.200 apenas para a vigilância da "Marcha Republicana".