domingo, 23 de agosto de 2020

Opinião do dia – Edgar Morin*

Os que projetam sua razão no universo tendem a considerar a irracionalidade uma ilusão dos ignorantes e, assim, se tornando eles próprios irracionais na ilusão racionalista, tendem a ficar cegos à irracionalidade do mundo. Quanto mais vemos o que existe de racional, mais é necessário ver também o que escapa à razão. A dificuldade está em dialetizar constantemente razão e paixão para evitar os dois delírios, o da razão congelada e o da loucura, não se deixar controlar pela técnica, mas controlá-la, ligar o eu a um nós.

*Edgar Morin, pensador francês, do livro “Conhecimento, Ignorância, Mistério” citado no artigo de Paulo Nogueira, O Estado de S. Paulo / Aliás, 23/8/2020.

Vera Magalhães - Democracia acima de tudo

- O Estado de S.Paulo

Firmeza dos democratas nos Estados Unidos deveria inspirar os brasileiros

“Este presidente e aqueles no poder estão contando com o seu cinismo. (…) E é assim que nossa democracia murcha, até não ser mais democracia. Não deixe isso acontecer. Não permita que nos tirem nossa democracia.”

O discurso, dito olhos nos olhos por um Barack Obama bem mais grisalho e com semblante muito mais grave que aquele que incendiou os Estados Unidos em 2008, já nasceu histórico.

Foi a primeira vez que um ex-presidente do país se referiu ao seu sucessor, ao presidente em exercício, com palavras tão duras e diretas. Obama chamou Donald Trump textualmente de incompetente, que encara a presidência “como outro reality show”.

No próprio discurso, o democrata deixou explícito por que resolveu romper a liturgia e chamar as coisas pelos nomes que têm: “O que nós fizermos nos próximos dias vai ecoar pelas gerações que virão”.

A mesma falta de meias-palavras esteve presente nas falas de Michelle Obama, Bill e Hillary Clinton e dos candidatos a presidente, Joe Biden, e a vice, Kamala Harris. Sim, são todos do mesmo partido, mas estão longe de ocupar as mesmas casas no tabuleiro ideológico, de ter as mesmas origens, de concordar em muitas políticas públicas.

A democracia emerge da convenção democrata como um bem inegociável. Porque ela é fundamental, e não um mero detalhe.

Eliane Cantanhêde - Guedes, o mágico

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro abre o cofre e está no seu melhor momento, mas tem muito o que explicar

Depois de calar a boca, mergulhar na campanha no Nordeste e subir nas pesquisas, o presidente-candidato Jair Bolsonaro dá aval ao ministro Paulo Guedes para assumir o governo e atuar em duas direções conflitantes: manter formalmente o teto de gastos, tão caro ao mercado, e jorrar dinheiro em alvos específicos, fundamentais para a reeleição em 2022.

Encontrar o ponto de equilíbrio entre economia e política passa por uma terceira área: a jurídica. É preciso desbravar as brechas da legislação para estourar o teto sem dar na cara e despejar recursos no Nordeste, nos desempregados, nas faixas de menos escolaridade e renda, nas pequenas e médias empresas. A atração de investimentos privados é uma das chaves nesse processo. O corte de gastos públicos é outra.

A inteligência disso tudo é ficar imune a críticas. Quem pode ir contra o auxílio a pessoas, empresas, empregos? A oposição não tem como atacar. Nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é crítico de Bolsonaro, mas aliado da política liberal de Guedes. E não pode condenar investimentos justos e neste momento absolutamente essenciais.

Com isso, Guedes promete a mágica de manter o teto, mas soltando a grana, e ganha a guerra interna no governo. Lança um pacote de renda e obras nesta semana, com um anúncio de grande repercussão política na terça-feira: o Renda Brasil, confirmando que, também em política, nada se cria, tudo se transforma. Fernando Henrique lançou o Bolsa Escola, Lula atualizou para Bolsa Família e Bolsonaro rebatiza de Renda Brasil. Tem sido tiro e queda para reeleições.

Luiz Carlos Azedo - O peso das desigualdades

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Para viabilizar o investimento de R$ 30 bilhões em obras, a ideia é mesmo recriar o imposto sobre operações financeiras, enquanto a reforma administrativa é empurrada com a barriga”

O governo Bolsonaro anunciará, nesta semana, o programa Pró-Brasil. Para os que não sabem, é o projeto de obras de infraestrutura que havia sido apresentado pelos ministros da Casa Civil, Braga Neto; da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas; e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, logo no começo da pandemia, à revelia do ministro da Economia, Paulo Guedes. Gerou uma crise que levou o mercado a reagir algumas vezes, com forte especulações sobre a saída de Guedes, que não saiu. Entrou numa negociação com os demais ministros, mediada pelo presidente Jair Bolsonaro, que resultou na mudança de enfoque do programa, no qual ganharam mais densidade as propostas de desoneração da folha de pagamento e de transferência de renda mínima, chamados de Carteira Verde e Amarela e Renda Brasil, respectivamente.

Para viabilizar o investimento de R$ 30 bilhões em obras em fase de conclusão, a ideia é mesmo recriar o imposto sobre operações financeiras, ou seja, aumentar a carga tributária, enquanto a reforma administrativa é empurrada com a barriga pelo presidente da República. Há controvérsias sobre a manutenção do teto de gastos, do qual o ministro Paulo Guedes, com apoio do mercado, não abre mão. Mas o assunto continua em pauta, porque há economistas que defendem uma nova política monetária, como André Lara Resende, com menos preocupações fiscais. A torcida do Flamengo, os ministros militares, Freitas e Marinho, os políticos do Centrão e o presidente Jair Bolsonaro simpatizam com essas teses, contra as quais Guedes bate o pé. O velho conflito entre liberais e desenvolvimentistas está instalado no governo.

Rolf Kuntz * - Não culpem só a pandemia. O Brasil já ia muito mal

- O Estado de S.Paulo

A crise industrial começou no País bem antes de chegar a covid-19

A pandemia forçou o governo a cuidar da economia real e até dos pobres, mas falta um plano para consolidar a retomada, combiná-la com o conserto das contas públicas e, sobretudo, reconduzir o País ao desenvolvimento. Falta um governo do tipo necessário a um país emergente. O Brasil já ia muito mal antes do novo coronavírus. Com o desastre ocasionado pela covid-19, muita gente parece haver esquecido aquele quadro sombrio. O desafio imediato é sair do buraco e retomar as condições anteriores ao grande tombo. Mas o problema real é muito maior e qualquer discussão séria – sem populismo e sem jogadas eleitorais – tem de partir desse ponto. Para onde rumava o País antes da tragédia de 2020?

Sinais vitais do comércio e da indústria têm melhorado, mas em junho a produção industrial continuou abaixo do nível de fevereiro. Se tivesse voltado àquele nível, ainda estaria 16,6% abaixo do pico alcançado em maio de 2011. A partir desse topo o declínio da indústria, até a recessão de 2015-2016, é bem visível nas séries do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve alguma reação em 2017 e 2018, mas o impulso acabou no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro.

Depois de três anos de queda, a produção da indústria avançou 2,5% em 2017 e 1% em 2018, mas declinou 1,1% em 2019. Bolsonaro e equipe tiveram uma estreia desastrosa – mesmo sem contar a vergonha diplomática e o vexame da política ambiental. O produto interno bruto (PIB) cresceu 1,1% – menos que em cada um dos dois anos anteriores – e o desemprego permaneceu na faixa de 12% a 13%. De novembro a fevereiro, antes, portanto, da nova crise, a produção industrial foi sempre menor que no mês correspondente do ano anterior.

José Roberto Mendonça de Barros* - Encontro marcado para setembro (2)

- O Estado de S.Paulo

Nunca estivemos tão perto de perder o controle da política fiscal

“O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.”

Esses foram o título e o início de meu artigo de 14 de junho neste espaço. Pode-se dizer, hoje, que o embate continua marcado, mas será muito maior que o antes imaginado.

“Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas.”

Hoje, podemos ver uma melhora no desempenho da indústria e do comércio, de junho em diante, mas modesta na área de serviços. Com isso, a expectativa de queda no PIB para 2020 está melhor, com a maioria das estimativas correndo na faixa de 5% a 5,5%. Ainda assim, um tombo enorme.

A pesquisa do IBGE, por outro lado, revela que 715 mil empresas quebraram, até o início de junho, o que pressiona bastante o emprego. De fato, temos um quadro bastante difícil com 12,8 milhões de desempregados, 19 milhões de pessoas que não procuraram emprego por conta da pandemia e 16,3 milhões de pessoas que assinaram acordos com redução de jornada e de salários. A volta a uma certa normalidade no mercado de trabalho será lenta.

“Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia.”

Aqui subestimamos o impacto da covid-19. Até o dia 20 de agosto, ocorreram mais de 110 mil óbitos, e não os 80 mil que havíamos indicado dois meses atrás. O número de casos e de óbitos parece estar querendo começar a cair pela primeira vez, o que significa que a pressão será grande pelo menos até outubro.

“Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão de ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí).”

Dois meses depois do texto original, está claro que o embate será ainda mais difícil, uma vez que três movimentos se consolidaram:

Hélio Schwartsman - Um filósofo do coração

- Folha de S. Paulo

Kierkegaard ocupa lugar decisivo na história das ideias por ter trazido o indivíduo para dentro da filosofia

Há filósofos cujas vidas dariam eletrizantes séries da Netflix. Bons exemplos incluem Sócrates, Wittgenstein e Walter Benjamin. Há outros que levaram existências menos atribuladas, para não dizer aborrecidas. O caso paradigmático é o de Kant, que nunca saiu de sua cidade natal e que era tão metódico que o pessoal de Königsberg acertava o relógio da igreja pelo horário em que ele saía para seu passeio diário.

Søren Kierkegaard (1813-55) não chega a ser um Kant, mas joga em seu time. O que de mais dramático lhe aconteceu foi ter rompido o noivado com Regine Olsen, episódio que o assombraria pelo resto da vida e definiria muito de sua filosofia. Também fez duas viagens mais extensas a Berlim. O resto do tempo ele passou em Copenhague, dividido entre a vida social e a escrita. Escrevia compulsivamente. A edição crítica de sua obra completa “mede” 55 volumes. E isso porque morreu jovem, com apenas 42 anos.

Em “Philosopher of the Heart” (filósofo do coração), Clare Carlisle se propõe a fazer uma biografia kierkegaardiana de Kierkegaard. Acho que consegue. Embora adote um método heterodoxo (não cronológico), ela é capaz de retratar os momentos mais importantes da vida do autor e ainda nos esclarecer sobre sua filosofia. Ajusta-se, assim, ao aforismo de Kierkegaard, segundo o qual a vida tem de ser vivida prospectivamente, mas só pode ser compreendida retrospectivamente.

Kierkegaard ocupa um lugar decisivo na história das ideias por ter trazido o indivíduo para dentro da filosofia. É considerado o pai do existencialismo. Não obstante (ao menos para nós que nos acostumamos a equiparar existencialismo a Sartre), era um cristão devoto, ainda que “sui generis”. À maneira de Sócrates, considerava ser sua missão fazer com que seus compatriotas se livrassem das ilusões, a começar pela de que as igrejas ensinam o cristianiasmo. Nada mais atual no Brasil de hoje.

Bruno Boghossian – O rastro da rachadinha

- Folha de S. Paulo

Saques e depósitos sincronizados reforçam suspeitas sobre senador no caso Queiroz

Os promotores que investigam as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio perguntaram a Flávio Bolsonaro se ele usou dinheiro vivo para comprar dois apartamentos, em 2012. A suspeita surgiu porque, no mesmo dia, o vendedor dos imóveis depositou R$ 638 mil em espécie num banco próximo ao cartório onde foi registrada a transação.

No papel, a compra foi lançada por R$ 310 mil. Em notas de R$ 100, esse valor caberia numa sacola pequena, mas está longe de ser irrisório. Flávio, entretanto, foi incapaz de negar categoricamente o episódio. “Que eu me recorde, não. Se eu não me engano, foi por transferência”, respondeu, segundo o jornal O Globo.

O avanço do caso pode refrescar a memória do senador. A apuração sobre os rolos de Fabrício Queiroz e sobre as movimentações nas contas de Flávio revelaram uma enxurrada de operações em espécie e uma cadeia de acontecimentos que reforça os vínculos entre os dois personagens. Os promotores enxergam indícios claros de lavagem de dinheiro.

Janio de Freitas – Quando alguém diz o que vê

- Folha de S. Paulo

Ministro do STF faz diagnóstico forte e destemido ao tratar da escalada do autoritarismo no Brasil após eleições de 2018

A repercussão negada pelos jornalistas não nega ao exame da atualidade pelo ministro Edson Fachin, do Supremo, a condição de mais importante pronunciamento de um integrante das altas instituições brasileiras, ao menos desde iniciado o governo Bolsonaro, se não desde a queda de Dilma Rousseff.

A “recessão democrática” ainda não recebera nada no nível adotado por Fachin, exceto em parte pelo ministro Celso de Mello.

Objetivo como os magistrados evitam ser, claro e simples como os magistrados detestam ser, franco e lúcido como deveriam ser as considerações necessárias dos magistrados, Fachin advertiu que “as eleições de 2022 [as presidenciais] podem ser comprometidas se não se proteger o consenso em torno das instituições democráticas”. Proteger de quê ou de quem?

O diagnóstico é forte e destemido: há “uma escalada do autoritarismo no Brasil após as eleições de 2018”, gerada pela existência de “um cavalo de Troia dentro da legalidade constitucional” do país.

“Esse cavalo de Troia apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas. Conduta de quem elogia ou se recusa a condenar ato de violência política no passado”. O
que inflama o presente com “surtos arrogantes e ameaças de intervenção”.

Fachin vê, como todos, e diz, como poucos: “O futuro está sendo contaminado por despotismo”.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro soma vitórias e se revigora no caos que criou

- Folha de S. Paulo

Tolhido pelo que resta de razão no país, presidente se revigora no caos que cria

Jair Bolsonaro lembra um daqueles monstros ou vilões de filmes juvenis de ação, que se fortalecem quanto mais tiros levam, que se revigoram no caos e na destruição e assim se reerguem das ruínas. Parece a mão do morto-vivo que rebrota da terra na madrugada do cemitério nevoento.

Seus adversários e inimigos têm ficado pelo caminho: os panelaços, os manifestos dos letrados, a “frente ampla”, as torcidas de futebol nas ruas, os pedintes de impeachment, os cientistas, os ambientalistas, Luiz Mandeta, Sergio Moro, os indignados com o morticínio.

Quem impõe limites a Bolsonaro e impede seus atos maiores de desgoverno acaba por ajudá-lo. Em meados de junho, no pico da sua impopularidade e da onda de comícios golpistas, prenderam o gerente da boca de rachadinha da família, Fabrício Queiroz. Acabou por ser uma vitória acidental.

O caladão que lhe foi em parte imposto pelo que resta de República, os dinheiros dos auxílios emergenciais e a reabertura avacalhada da economia recuperaram Bolsonaro. Além da complacência de Justiça e polícia, apareceram mais boas notícias.

Ricardo Noblat - Na Venezuela e no México, como no Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Qualquer semelhança não é mera coincidência

Na Venezuela, o chavismo contaminou a imagem de isenção dos militares como o bolsonarismo tenta fazer por aqui. No México, eleito depois de prometer moralizar a vida pública, o presidente Andrés López Obrador, um político de esquerda, está às voltas com denúncias que o embaraçam e à sua família. Lembra algo?

Vídeos divulgados na última quinta-feira mostram um dos irmãos de Obrador, Pío Lopes, recebendo dinheiro de David León, diretor da nova distribuidora estatal de medicamentos. As imagens são de 2015. Os pagamentos já eram feitos há um ano e meio. Foram cerca de dois milhões de pesos, o equivalente a 500 mil reais.

Em um dos vídeos, León, que na época trabalhava como consultor, vai à casa de Pío López para lhe entregar um milhão de pesos (250 mil reais). E pede que informe ao seu irmão sobre a origem do dinheiro: “Avise o advogado […] que nós o estamos apoiando”. Pío responde: “Irmão, irmão. Já sabe, já sabe perfeitamente bem”.

López Obrador afastou David León: “Vamos procurar outra pessoa enquanto isso é esclarecido e ele fica limpo.” E disse que não sabe se o dinheiro foi declarado à Justiça, algo obrigatório. Esquivou-se: “Só sei que muitas pessoas contribuíram com recursos para a campanha.” No México, caixa 2 também é crime.

Merval Pereira - Reforma necessária

- O Globo

Agora que a reportagem da Rede Globo sobre funcionários fantasmas na Assembléia Legislativa do Rio foi indicada para o Emmy, o maior prêmio internacional da televisão, ao mesmo tempo que a investigação sobre o sistema de “rachadinha” salarial dos funcionários de diversos gabinetes de deputados estaduais, entre eles o hoje senador Flavio Bolsonaro, vai chegando a resultados concretos, é mais que hora de repisar a necessidade de uma revisão da organização dos gabinetes parlamentares em todos os níveis, do federal ao municipal.

Por sua própria natureza, a “rachadinha” demonstra que os parlamentares têm assessores em excesso, cujos salários são também supervalorizados diante do praticado pelo mercado profissional. O assessor Fabricio Queiroz era, segundo está sendo demonstrado nas investigações, o responsável por receber e redistribuir parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flavio Bolsonaro.

O valor total da soma dos vencimentos mensais de cada gabinete da Assembléia Legislativa do Rio é de R$ 160 mil, para ser distribuído entre possíveis 40 assessores. Até mesmo auxílio-alimentação é fraudado, segundo denunciou o deputado Luiz Paulo. Segundo ele, seria melhor adotar o ticket-refeição, para evitar o que muitos servidores fazem: devolvem o dinheiro referente ao auxílio-alimentação aos deputados que os empregam, ou para a “caixa” do partido.

A reportagem da Globo mostrou que vários assessores não aparecem para trabalhar, alguns foram flagrados pela reportagem em casa em dia de semana, e uma funcionária mora em Orlando, na Flórida. Depois de a reportagem ser exibida, foram abertas duas investigações, uma da própria Assembléia e outra do Ministério Público estadual, e até agora, oito meses passados, nada foi resolvido. Marli Regina de Souza Costa continua vivendo na Flórida e, mesmo à distância, trocou de deputado, mantendo a mordomia de R$ 23 mil mensais.

Míriam Leitão - Risco democrático é o ponto central

- O Globo

“Esta eleição é sobre preservar a democracia”, disse o senador americano Bernie Sanders na convenção do Partido Democrata. A mensagem foi passada até nos cenários escolhidos. O ex-presidente Barack Obama falou diretamente do icônico “National Constitution Certer”, museu da Constituição, na Filadélfia. O candidato Joe Biden confirmou no seu discurso que essa é a luta principal. No Brasil, o Supremo deu o mesmo recado. Proibiu o Ministério da Justiça de fazer dossiê contra funcionários que não apoiam o governo. “É incompatível com a democracia”, segundo o ministro Luiz Roberto Barroso. A Corte condenou a espionagem de adversários feita pelo Ministério da Justiça, confirmando, por nove a um, o voto claro da ministra Cármen Lúcia.

A democracia, que parecia garantida, passou a ser ameaçada por governantes sem valores democráticos e com desprezo pelas instituições. O importante no dossiê contra policiais antifascistas e pessoas notáveis, como os professores Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, é que ele não pode ser feito. É inaceitável. Simples assim. Alguns ministros ressaltaram que o relatório tinha péssima qualidade como documento de inteligência. Isso é assunto lateral. O relevante é a atitude do Ministério da Justiça, de usar a máquina para investigar servidores que não concordam com o governo.

O ministro André Mendonça é o maior derrotado, mesmo tendo sido poupado, e até defendido pelo presidente Dias Toffoli. O país viu seu contorcionismo. A ministra relatora quis saber: existe ou não existe o dossiê? Ele tentou escorregar, mas a realidade se impôs. O pior momento do ministro da Justiça foi alegar questão de segurança nacional para negar ao STF o acesso ao documento. Felizmente, a ministra Cármen não se deixou enganar pela mentira embrulhada na bandeira. Exigiu conhecer o teor e fundamentou seu voto: “O Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais que é sua função garantir e proteger.”

Bernardo Mello Franco - O voo do garimpo nas asas da FAB

- O Globo

Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado, decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.

A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956. Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.

Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para Brasília com sete garimpeiros a bordo.

“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de cumplicidade do governo”, acrescenta.

Elio Gaspari - O rosto de Tiradentes

- O Globo

Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos

Quando a vida voltar ao normal chegará às livrarias “Em busca de um rosto — A República e a representação de Tiradentes”, de André Figueiredo Rodrigues e Maria Alda Barbosa Cabreira. É uma valiosa pesquisa histórica, verdadeira viagem pela criação dos artistas que desenharam ou esculpiram o alferes e pela cabeça das épocas em que ele foi retratado. Ninguém sabe como era o rosto de Joaquim José da Silva Xavier. Vai daí, construiu-se uma imagem e, dependendo da época, ela muda. O Tiradentes mais conhecido está de bata, com os cabelos e a barba compridos. É uma licença poética, pois ele foi da cadeia ao patíbulo com a cabeça raspada.

Sete anos de pesquisas, com a consulta de 300 imagens, permitiram mostrar como foi construído o rosto que está em monumentos, quadros, cédulas, moedas e selos.

O primeiro Tiradentes, com barba, apareceu num busto de 1881, mas ele se perdeu. Um ano depois o abolicionista republicano Luiz Gama comparou-o a Jesus Cristo. Os martírios fundiram-se em 1890, num desenho de Décio Villares e no traço do grande jornalista Angelo Agostini, pai da “Revista Illustrada”. O Tiradentes de Agostini ecoa o “Cristo carregando a cruz” do pintor van Dyck (1599-1641). No desenho aparece, anexa, uma corda. E há ainda um corpo sem cabeça.

Visto que nada se sabe da fisionomia do alferes, a corda passa a ser um elemento revelador na construção de sua imagem. Com ela, é um revolucionário; sem ela, pode ser um mártir ou até um militar fardado. O traço de Agostini inspirou o escultor italiano Virgilio Cestari para esculpir o Tiradentes que desde 1894 está na Praça de Ouro Preto, com 2,85 metros de altura e corda no pescoço.

Dorrit Harazim - Faltam 72 dias

- O Globo

Obama desvestiu-se da sua oratória poética para comunicar, em tom de urgência, que a nação corre perigo

Feliz do país que, como os Estados Unidos, tem no seu acervo de instituições democráticas algo tão peculiar como sua confraria de ex-presidentes. O seleto clube nunca conseguiu ter mais de seis membros, uma vez que ex-presidentes também morrem. Mas, desde que foi criado formalmente por Harry Truman, em meados do século 20, com estatuto e direito à sede própria perto da Casa Branca, os ex servem de esteio valiosíssimo para quem assume a Presidência. Os relacionamentos entre eles e com o titular na Casa Branca se forjam com o tempo. São relacionamentos por vezes surpreendentes, de afeto tardio, outras vezes hostis ou cheios de reservas, mas sempre respeitosos. Todos do clube passaram pela mesma experiência, conheceram as falácias do poder, acumularam cicatrizes no comando da nação. E todos, quando eleitos, recorreram ao clube em algum momento de seus mandatos. Menos Donald Trump, que não confia em ninguém.

Em outubro de 1981, diante da notícia-choque do assassinato do líder egípcio Anuar Sadat em atentado no Cairo, Ronald Reagan convocou três antecessores para representá-lo nos funerais de Estado: Gerald Ford, Richard Nixon e Jimmy Carter. A longa viagem tinha tudo para dar errado: Ford nunca se afinara com o encrenqueiro Carter, e este jamais escondera o desapreço por Nixon. Os três haviam se tornado ex-presidentes ou em desgraça, ou decepcionados, ou trucidados nas urnas. As questões de protocolo no voo foram espinhosas até para definir quem subiria primeiro no Air Force One. Mas ao final o trio já se tratava por Dick, Jimmy e Jerry. A partir dali, Ford e Carter estabeleceram uma parceria tão longeva que decidiram firmar um pacto — quem sobrevivesse ao outro faria o tributo final no funeral do morto. E assim foi.

Cabe também lembrar a tradicional “carta ao sucessor” deixada na mesa de carvalho do Salão Oval por todos os presidentes no derradeiro dia de poder. “Quando você ler esta carta você será Nosso Presidente... Torço por você”, escreveu o republicano George H.W. Bush em bilhete endereçado ao democrata Bill Clinton. E assim foi — Bush sênior sempre torceu pelo sucessor. Também Barack Obama, pouco após a posse em 2009, tratou de convidar para um almoço íntimo os quatro membros do clube dos ex da época: Bush pai e filho, Carter e Clinton. “Conseguimos deixá-lo à vontade falando de nossas próprias inseguranças, trocando lembranças”, contou Carter em livro. “Todos que ocuparam o posto entendem que o cargo transcende o indivíduo.”

Todos, menos Donald Trump.

Cristovam Buarque* - Água, livros e votos

Ainda não inventamos um sistema melhor do que a democracia para servir aos interesses do povo de uma nação, mas ela confunde as necessidades do povo no futuro com a soma dos interesses dos eleitores no presente: metade mais um dos indivíduos de hoje representando o todo no amanhã. Embora a democracia ainda seja o melhor dos sistemas, há momentos em que a soma dos indivíduos não representa, necessariamente, o conjunto deles, como nação. A democracia é o neoliberalismo na política. Um exemplo é a fala do Ministro da Economia dizendo que os livros são bens de consumo dos ricos e, portanto, é justo e democrático taxar os livros: cobrar dos ricos para que eles leiam e paguem para que os pobres tenham água para beber. Ele tem razão na lógica democrática e na justiça imediata: temos pobres sem água em casa e temos ricos lendo enquanto bebem água fresca. Ele tem razão na medíocre visão do neoliberalismo político, do imediato e dos indivíduos.

Nesta lógica, leitura é para ricos, água para os pobres, hoje e sempre, por isto ele não analisa a justiça de ensinar o povo, desde criança, a ler e gostar de ler. Na visão da política democrática neoliberal do eleitor individual e o contribuinte atual, não há justificativa para o eleitor pobre pagar para que o rico se embriague no vício da leitura, nem o rico pagar para o pobre virar leitor. Porque para ele, não existe o conceito de povo leitor, nem isto é visto como indicador de riqueza e progresso. Por isto ele se sente um paladino da justiça e do progresso ao defender o que nos parece absurdo, impostos mais altos para livros.

Mas muitos leitores, escritores, editores, são contra este aumento de imposto, sem defender e lutar para que a leitura deixe de ser um privilégio. Na visão do povo-leitor, não apenas eleitores e ricos, deveria lutar por programas de rápida erradicação do analfabetismo. Por uma estratégia para transformar o Brasil em um país de leitores, todos lendo, graças a uma escola com a máxima qualidade e igual para todos. Para implantação de uma rede de bibliotecas, inclusive domésticas, financiadas com recursos públicos e com acervo de um bilhão de livros.

Edgar Morin, entre a razão, a paixão e o mistério

Aos 99 anos, autor lança 'Conhecimento, Ignorância, Mistério', em que defende a necessidade da contradição para se alcançar o conhecimento complexo

Paulo Nogueira | O Estado de S.Paulo / Aliás

E que tal um livrinho de 109 páginas, escrito por um cara de quase 100 anos, que é uma espécie de teoria de tudo, incluindo a última palavra na ciência e nas humanidades, e até na ignorância e no incognoscível? Pois Conhecimento, Ignorância, Mistério entrega tudo isso, e é uma suma do pensamento de Edgar Nahoum, aliás Edgar Morin (o codinome dele na Resistência contra os nazistas, que nunca mais abandonou).

É uma obra por vezes um tiquinho críptica. Primeiro porque os temas são complexos, e segundo porque o autor é francês. Salvo honrosas exceções (Montaigne, por exemplo), intelectual francês prefere complicar a simplificar. Aqui, só o prólogo tem dez (10!) epígrafes. Há passagens involuntariamente burlescas: “Em outras palavras, tudo que elucida se torna obscuro sem deixar de elucidar.” Ou: ”Assim, a noção de emergência fornece um esclarecimento decisivo, embora ela seja inexplicável.” Lembra aquela piada em que mostraram a um cientista francês uma máquina construída segundo suas diretrizes, e ele resmungou: “OK, funciona na prática – mas funcionará na teoria?”

Não choremos de barriga cheia: é um livrinho apaixonante. Como quase toda obra deste autor de 99 anos (que acabou um novo título, sobre a pandemia). Morin pintou e bordou sobre política (Política e Civilização), ecologia (Terra Pátria e Uma Era Ecológica), educação (Os Sete Saberes e Uma Cabeça Bem Feita), poética e afetividade (O Homem e a Morte e Amor, Poesia e Sabedoria), epistemologia (O Método) e dilemas globais (Para Sair do Século 20 e Diante do Abismo).

Sem falar em duas obras clássicas na bibliografia da sétima arte: As Estrelas e O Cinema e o Homem Imaginário. Ainda por cima, Morin tem um xodó pelo Brasil (sim, tem gosto para tudo), que considera sua segunda pátria e já visitou várias vezes – além de ter escrito um livro a quatro mãos com o líder indígena Marcos Terena.

Quase centenário, Morin adora fuçar novas fronteiras. Como a noética, que estuda os fenômenos subjetivos da mente, sob uma perspectiva científica. Daí o intrigante conceito de “qualia”, celebrizado pelo filósofo australiano David Chalmers. Ou a amortalidade, uma longevidade cada vez maior, porém sem a decrepitude da velhice, e que adia indefinidamente (mas não infinitamente) a morte. Ou seja: Matusaléns com corpichos de Peter Pans.

Na presente obra, começa-se por reconhecer a precariedade do “cognoscível”: a realidade, essa impostora. Aliás, não é de hoje: para os “Vedas”, ela não passava de “maya” (ilusão); o budismo fala em “samsara” (aparências) e Platão em “sombras”. Já a contemporaneidade chuta de vez o balde com a relatividade e a incerteza quântica. Tá puxado. Na vida cotidiana, vamos empurrando com a barriga e os absolutos newtonianos, que conferem um pouco de ordem à casa.

Morin, compatriota dos “philosophes” iluministas e ex-comunista (foi expulso do PC francês por seu anti-stalinismo), questiona tanto o fetiche da razão quanto o determinismo materialista. Um dos fundadores do Centro de Estudos Transdiciplinares de Paris (junto com o grande Stephane Lupasco), é um dos poucos intelectuais franceses transdisciplinares (a par de Michel Serres) que não é nem um cientista nem um filósofo da ciência.

Nota Oficial do Cidadania em repúdio ao uso da LSN contra colunista da Folha de S.Paulo

- Portal do Cidadania (Publicado em 22 de agosto de 2020)

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, divulgou nota na manhã deste sábado (22) em que classifica como um “atentado à liberdade de imprensa” a ação do Ministério da Justiça e da Polícia Federal contra o colunista da Folha de S.Paulo Hélio Schwartsman com base na Lei de Segurança Nacional.

“Se julgou os termos inadequados, como muitos julgaram, lançasse mão de papel e caneta. Acionar a PF e a LSN integra o rol de delírios autoritários dos que estão no poder e abominam o dissenso. Um projeto do deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE) pede a revogação desse entulho da ditadura ao qual Bolsonaro e Mendonça já haviam recorrido na tentativa de calar o chargista Aroeira e intimidar o jornalista Ricardo Noblat”, diz Freire.

Leia a nota:

Nota Oficial

Acionar PF contra colunista da Folha é atentado à liberdade de imprensa

O Cidadania repudia a escalada do Estado policial sob Jair Bolsonaro, do que o mais recente episódio é o uso do aparato estatal para perseguir o jornalista Hélio Schwartsman. É inadmissível que o ministro da Justiça, André Mendonça, prócere desses novos tempos, tenha mandado a Polícia Federal intimar o colunista da Folha de S.Paulo, com base na Lei de Segurança Nacional, porque o presidente não gostou do que ele escreveu.

É possível discordar do conteúdo de seu texto e certamente o jornal abriria espaço para divergência – como abriu. Na democracia, as pessoas são livres pra se manifestar e há liberdade também para que outras discordem. Não existe delito de opinião. Não houve ataque à instituição Presidência da República nem incitação à quebra da ordem social, mas uma crítica à negligência de Bolsonaro na pandemia, que já deixou 113 mil mortos.

Se julgou os termos inadequados, como muitos julgaram, lançasse mão de papel e caneta. Acionar a PF e a LSN integra o rol de delírios autoritários dos que estão no poder e abominam o dissenso. Um projeto do deputado federal Daniel Coelho (Cidadania-PE) pede a revogação desse entulho da ditadura ao qual Bolsonaro e Mendonça já haviam recorrido na tentativa de calar o chargista Aroeira e intimidar o jornalista Ricardo Noblat.

O Cidadania considera uma prioridade nacional frear a criação de uma espécie de “gestapo bolsonarista” dentro do Ministério da Justiça, ímpeto alimentado pelo leilão promovido por Bolsonaro por uma vaga no Supremo Tribunal Federal. O clima de baguncismo que estão instalando nas instituições brasileiras é a verdadeira ameaça à democracia e à ordem política e social.

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania

Mensagem tranquilizadora – Editorial | O Estado de S. Paulo

STF disse aos brasileiros, em especial aos saudosos da arapongagem, que aqui vige Constituição que não autoriza práticas obscuras

São tempos estranhos estes em que atributos comezinhos da democracia, como a liberdade de expressão e o direito de reunião pacífica, precisam ser reassegurados como nunca antes tiveram de ser desde a redemocratização do País, lá se vão 35 anos. Na quinta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que órgãos da administração pública, em particular o Ministério da Justiça, não podem produzir “dossiês” ou “relatórios” contendo dados sobre a vida pessoal e as atividades políticas de cidadãos que simplesmente se opõem ao governo do presidente Jair Bolsonaro, sabe-se lá para que finalidade. Para agraciá-los não é.

A Corte Suprema nada mais fez do que dizer aos brasileiros em alto e bom som, especialmente aos saudosos da arapongagem, que aqui vige uma Constituição que não autoriza práticas obscuras que devem permanecer trancadas nos porões de um passado de triste memória. Disse o STF que quaisquer atos praticados por quem quer que seja contra o texto da Lei Maior serão devidamente repelidos por aqueles que têm o dever institucional de resguardá-lo.

Do ponto de vista jurídico, a decisão foi absolutamente correta. Mais importante, porém, foi a mensagem tranquilizadora que o STF transmitiu à Nação. Arreganhos autoritários não passarão incólumes pelo crivo dos ministros. “Não compete a órgão estatal nem a particulares fazer dossiê contra quem quer que seja ou instalar procedimento de cunho inquisitorial. O Estado não pode ser infrator. O abuso da máquina estatal para colheita de informações de servidores contrários ao governo é um desvio de finalidade”, disse a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação.

Como tributar – Editorial | Folha de S. Paulo

Reforma deve tornar mais simples a taxação dos produtos e mais justa a da renda

Na teoria, o sistema de impostos mais simples possível se limitaria a cobrar um valor idêntico de todos os contribuintes. Cada brasileiro adulto, por exemplo, pagaria algo como R$ 15 mil por ano para proporcionar os R$ 2,4 trilhões a serem consumidos por União, estados e municípios no período.

Já o sistema mais complexo imaginável fixaria regras tributárias diferentes para cada pessoa e transação econômica, conforme a idade, o nível de renda, o ramo de atividade, o eventual produto envolvido e a região geográfica.

A primeira ideia é obviamente inexequível, além de profundamente injusta. A maioria não conseguiria arcar com tamanha carga, nem teria cabimento onerar do mesmo modo ricos, pobres e classe média.

A segunda não se mostra menos problemática. Além da interminável burocracia necessária, dos riscos de fraudes e da tendência a favorecimentos indevidos, a profusão de normas distorceria decisões empresariais e profissionais, reduzindo a eficiência da economia.

Entre os dois extremos, é do último que o Brasil, sem dúvida, encontra-se mais próximo. O sistema nacional está entre os mais complexos do mundo, especialmente devido à caótica tributação de mercadorias e serviços. Ao mesmo tempo, porém, o país taxa salários e lucros sem a desejável diferenciação entre os estratos sociais.

A urgente reforma desse modelo deve, portanto, concentrar-se nesses dois aspectos —com o cuidado de não elevar a carga total, já excessiva, equivalente a um terço da renda dos brasileiros (33,3% do PIB).

Passou da hora de mudar o modelo do pré-sal – Editorial | O Globo

Para atrair investimentos, o Brasil precisa substituir o regime de partilha pelo de concessão

Enquanto transcorre a briga no primeiro escalão do governo entre “desenvolvimentistas” e “fiscalistas”, iniciativas paralisadas pela pandemia deveriam ser retomadas para alcançar o que os dois lados no conflito almejam — estimular investimentos. Sem precisar furar o teto dos gastos, nem contrariar o princípio da responsabilidade fiscal. A proposta da limitação do regime de partilha na exploração do pré-sal é uma dessas medidas.

O modelo de partilha na exploração do petróleo do pré-sal foi adotado em 2010, no final do governo Lula, sob a justificativa de que a nova fronteira de exploração era promissora e, portanto, não era necessário que a empresa vitoriosa num leilão tivesse acesso a todo o petróleo produzido, como acontece no regime de concessão — mas apenas à parcela que sobra depois de ser ressarcida dos custos de operação e de transferir à União a parte a que se compromete no leilão. Na partilha, quanto mais petróleo a empresa oferece à União, melhor seu lance.

Tal modelo foi um erro, demonstrado já em 2013, no certame para a exploração do campo de Libra, na costa do Rio de Janeiro (Bacia de Santos). Na ocasião, não compareceram algumas das maiores petroleiras globais, as majors, frustrando a expectativa do governo. O Planalto teve de pedir ajuda a Pequim, para que as estatais chinesas CNOOC e CNPC participassem da disputa. Elas entraram num consórcio com a francesa Total, a anglo-holandesa Shell e a Petrobras, o único a dar lance — e o vitorioso.

Música | Geraldo Azevedo e Chico César - Nem na Rodoviária

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Campo de flores - (por Paulo Autran)